Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1805/08.0TBVIG.P1-A.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: APENSAÇÃO DE PROCESSOS
DUPLA CONFORME
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INADMISSIBILIDADE
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RCLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Comentário ao Código Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 1946, 203, 198-220.
- José Alves de Brito, “Notas Soltas sobre a reforma do regime de recursos em processo Civil”, in Scientia Iuridica, ano 56, 2007, n.º 311, págs. 533 a 535.
- Miguel Teixeira de Sousa, “Dupla Conforme”: critério e âmbito da conformidade”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 21, Janeiro/Março 2008, págs. 21-27; “Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil”, intervenção realizada na Relação de Coimbra, em 12-02-2007.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20-11-2014 E DE 10-04-2014, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Havendo apensação de processos, a decisão jurisdicional, proferida no processo principal, é única, devendo conhecer, individual e particularmente, de cada um dos pedidos formulados em cada uma das acções apensadas.

II - Prolatada uma decisão jurisdicional única e verificada uma situação de dupla conformidade relativamente ao pedido formulado numa das acções – no caso, naquela que foi apensa –, fica vedado ao vencido recorrer da parte que decidiu de mérito o pedido formulado na acção apensa, por relativamente a ela se ter constituído caso julgado.

III - Pese embora a dupla conformidade decisória precludir ou esgotar a via do recurso ordinário na ordem jurisdicional comum, nada obsta que o reclamante/recorrente defenda os seus direitos, na jurisdição constitucional.
Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.

Em dissensão com o despacho prolatado a fls. 170 a 185, que desatendeu a reclamação do despacho prolatado a fls. 2252 a 2254, que havia decidido, “não admitir o recurso de revista interposto pelo recorrente/apelante AA, no que concerne à decisão proferida no processo n.o2031/08.3TBVLG", impulsa o reclamante, AA, reclamação para a conferência, para o que explana a sequente fundamentação (sic): “Realça, contudo, que, conforme muito bem refere o Venerando Conselheiro Relator, na "teologia, e como marca impressiva e indelével da figura jusprocessual da apensação de acções, convocam-se dois vectores axiais, a saber a economia processual e a coerência e uniformidade de julgamento."

E a decisão adoptada, para a qual o Venerando Conselheiro Relator referiu ter pendido com "balanço mínimo", deu relevância à "estabilidade da decisão sedimentada com a dupla conforme".

Porém, tal putativa e aparente estabilidade não existe.

Se a regra da dupla conforme visa evitar o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, mas se este já está convocado a decidir uma parte da decisão, impor-se ao recorrente a instauração de dois recursos distintos, da mesma decisão, através de um recurso regra e de um recurso excepcional, isso sim, configura um ímpeto ou estratégia processual que, ao invés de simplificar meios e recursos processuais, aumenta-os exponencialmente.

Em nada é apaziguada a turbulência de recurso às instâncias judiciais, quando o recorrente, afastando os objectivos e os princípios da unidade e economia processual, está obrigado a instaurar dois recursos distintos da mesma decisão.

Impor-se ao recorrente a cisão da decisão, e a instauração de dois recursos distintos, da mesma decisão, e relativos a cada um dos processos, o principal e o apenso, contraria, teleologicamente, o princípio que esteve subjacente à "dupla conforme" e artigo 671.°, n.º 3 do C.P.C ..

Por tal motivo, e porque o reclamante se acha prejudicado com a douta decisão proferida, vem da mesma reclamar para a conferência, requerendo que sobre a mesma recaia Acórdão.

Reitera o teor da sua reclamação, que ora reproduz:

Os presentes autos resultam da apensação de dois processos, a saber: Processo n.º 1805/08.0TBVLG; e Processo n.º 2031/08.3TBVLG

O objectivo da apensação é que as acções sejam unificadas, sob o ponto de vista processual, para que possam ser julgadas conjuntamente no mesmo momento e no mesmo acto jurisdicional.

Sobre as acções apensadas não impendem duas decisões, mas apenas uma única decisão.

Veja-se, a esse propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no processo n.º 582/09.1TTVIS-A.Cl, em que foi relator o Venerando Desembargador Felizardo Paiva, de 31 de Março de 2011:

"Com a apensação, as várias causas ficam unificadas sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum a todas elas, com unidade de instrução, de discussão e de decisão."

Por esse motivo, considera o Recorrente que não existem duas decisões diferentes, mas apenas uma decisão.

Alcançada tal conclusão, como parece que terá que alcançar-se, resta aquilatar se o Venerando Desembargador Relator, que decidiu indeferir o recurso de revista no Processo n.02031108.3TBVLG, com fundamento no disposto no artigo 721.°, n.º 3 do C.P.C., podia dividir a decisão em duas, separando a parte do acórdão que impendeu sobre a pretensão deduzi da no processo n.º 1805/08.0TBVLG, do segmento do acórdão que impendeu sobre a pretensão deduzida no processo n.º 2031/08.3TBVLG.

Do ponto de vista do reclamante não podia fazê-lo e, ao fazê-lo, violou a letra e o espírito da lei.

Com efeito, decorre do disposto no n.º 3 do artigo 671.° do C.P.C. que "não é admissível revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na primeira instância ... "

Ora, de uma única sentença ou de um único acórdão não podem ser interpostos, salvo o devido respeito, mais do que uma única apelação ou de que uma única revista, sob pena de estar a frustrar-se e a violar-se o princípio da unidade processual que resultou da apensação dos processos.

O próprio reclamante vê com dificuldade como concretizar o desiderato subjacente à decisão proferida pelo Venerando Desembargador Relator:

a) Teria que dividir o Venerando Acórdão em duas decisões;

b) Teria que recorrer de revista ordinária da parte da decisão do Acórdão que impendeu sobre o processo n.º 1805/08.0TBVLG;

c) Teria que recorrer de revista excepcional da parte da decisão do Acórdão que impendeu sobre o processo n.º 2031/08.3TBVLG;

d) Teria que liquidar duas taxas de justiça;

e) Existindo dois recursos distintos, poderiam ambos ser distribuídos a secções e Venerandos Conselheiros diferentes;

f) Mas, porque suscitou o incidente de inconstitucionalidade da admissão de um determinado meio de prova, poderia optar pelo recurso para o Tribunal Constitucional da parte decisória do Acórdão que confirmou a decisão proferida em primeira instância;

Mas poderia suceder algo diferente e ainda mais absurdo, a conceder-se na divisão do acórdão em duas decisões, e em admitir-se dois trânsitos em julgado diferentes.

A Companhia de Seguros Ré, no processo n.º 2031/08.3 seria absolvida, por sentença parcial transitada em julgado, com fundamento na procedência da exclusão da sua responsabilidade decorrente da taxa de alcoolemia do Autor, condutor do veículo;

Mas no âmbito do processo n.º 1805/08.0TBVLG, cuja revista ordinária foi admitida, o chamado poderá vir a obter a declaração e confirmação de que a referida taxa de alcoolemia resultou demonstrada de um meio de prova ilegal e inconstitucional e, por isso mesmo, ser absolvido.

Corre-se, assim, o risco de no mesmo Acórdão existir um mesmo facto declarado provado e não provado;

E o mesmo facto - taxa de alcoolemia do condutor -que conduziu à absolvição da Ré no processo n.º 2031/08.0TBVLG, pode ser declarado ilegal e inconstitucional no âmbito do processo n.º 1805/08.0TBVLG, na sequência da Revista ordinária que foi interposta do Venerando acórdão nessa parte.

Ou seja, a decisão proferida pelo Venerando Desembargador Relator é ainda adequada e apta a obter a contradição de julgado no mesmo Acórdão.

Ora a unidade jurídica e processual que decorre da apensação dos processos, e unidade da decisão, não permite, nem contempla, que a mesma possa ser espartilhada e separada, para efeito de revistas diferentes, relativas a cada parte da mesma decisão que confirme ou infirme a respectiva parte da decisão proferida em primeira instância.

A decisão proferida pelo venerando Acórdão é uma única, não é bicéfala.

E sendo a decisão proferida pelo Venerando acórdão diferente da que foi proferida pela 1.a Instância, dela cabe uma única revista, e não duas.

E a revista que é admitida deve ser a ordinária ou normal, já que não foi confirmada a decisão da primeira instância;

E não cabem duas revistas diferentes para cada parte da decisão atinente a cada um dos processos apensos.

Não pode, por isso, o reclamante conformar-se com o entendimento que a prolação de um único Acórdão não afasta a autonomia das acções e dos pedidos, causas de pedir e sujeitos, designadamente para efeitos de recurso.

Mas ainda que assim seja, não pode interpretar-se o disposto ao artigo 671.°, n.º 3 e artigo 672.º, ambos do C.P.C. como admitindo dois recursos de revista diferentes, para cada uma das acções "autónomas" julgadas pelo mesmo Acórdão em processos apensos.

A alteração ao recurso de revista decorrente das alterações resultantes do Decreto-lei n.º 303/2007, de 24/08, não pode ser interpretada no sentido de restringir o direito de recurso de revista ordinário à parte que, tendo sido deparada com uma decisão diferente da proferida em primeira instância (UMA ÚNICA DECISÃO DIFERENTE), ainda assim tinha que dividir a decisão em dois e apresentar dois recursos distintos.

Tal interpretação das alterações resultantes do DL n.º 303/2007, de 24/08, é ilegal e mesmo inconstitucional, já que veda o recurso à parte que não viu confirmada a decisão proferida em primeira instância.

Tal interpretação viola o disposto ao artigo 275.º do C.P.C. e à intenção e espírito subjacente à unidade de julgamento e decisão que decorre da apensação das acções. Se as acções mantêm a sua autonomia, ao ponto de poderem ser objecto de decisões diferentes e contraditórias, e de serem objecto de recursos diferentes, a serem julgados de forma e por secções ou juízos diferentes, então não se justifica a apensação.

Se as acções mantêm a sua autonomia, ao ponto de uma parte da decisão atinente a uma delas poder transitar em julgado e a outra parte poder ser objecto de recurso e decisão contraditória, então ainda menos se justifica a apensação.

Salvo o devido respeito, é um absurdo considerar-se a possibilidade ou necessidade de oferecimento de dois recursos distintos da mesma decisão, a serem julgados separada e diferentemente, com o subsequente risco de serem alcançadas decisões contraditórias.

E tal decisão contraditória pode ainda alcançar-se e resultar da inadmissibilidade de recurso de uma parte da decisão e da eventual procedência do recurso atinente à outra parte da decisão.

Isto sem prejuízo da regra de substituição ao tribunal recorrido, prevista ao n.º 2 do artigo 665.º do N.C.P.C., mas sempre condicionado a que não se considere o "trânsito em julgado parcial da sentença, na parte correspondente à acção n.º 2031/08.0TBVLG".

Por outro lado, e sem prescindir,

O Venerando Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, citado pela Recorrida Seguradora, com o n.º 600/11.3TVLSB.L1.S1, em que foi Relator o Venerando Conselheiro Lopes do Rego, nada tem de paralelismo ou de identidade com o Recurso de Revista dos autos.

Com efeito, o Acórdão citado pela seguradora limita-se a confirmar a conformação do Recorrente com o despacho do Venerando Desembargador proferido na Relação;

O Venerando Relator no Tribunal recorrido (Tribunal da Relação) proferiu despacho a consubstanciar uma admissão meramente parcial da revista, delimitando o objecto do recurso a determinado segmento do acórdão recorrido e a uma das questões que constituíam a matéria litigiosa, dele dirimidas em certo sentido (não confirmado na sentença proferida em 1.a instância) e tal decisão não sofreu reclamação por parte do recorrente que com tal despacho inteiramente se conformou.

Não é o caso do reclamante, que não se conforma com a circunscrição do objecto da revista a um segmento da decisão recorrida.

Ainda sem prescindir,

E quando se entenda que o reclamante tinha que lançar mão de dois recursos de revista - ordinário e excepcional,

A imposição de um ónus imprevisto, perante a letra da lei, e, por isso, de difícil cumprimento pela parte, tendo como consequência para a sua inobservância a perda imediata e irreparável de um importante direito de defesa processual, como é o direito de recurso, não é seguramente conforme a um fair trial.

A garantia de via judiciária estatuída no artigo 20.º da Constituição, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição do direito de acção judicial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo, conforme o impõe o n.º 4 do referido artigo 20.º da Constituição.

O ónus imposto pela interpretação impugnada não é discernível no texto legal para os interessados em recorrer, mesmo que estes cumpram os deveres de uma conduta processual diligente e observem os ditames de prudência técnica, e a sanção do não recebimento do recurso com fundamento na interpretada necessidade de oferecer dois recursos de revista distintos - da mesma decisão - e sem que lhes seja pelo menos dada a especifica oportunidade de suprirem essa inobservância, revela-se uma solução manifestamente injusta.

A reforma operada ao nível dos recursos, que introduziu o recurso de revista excepcional, apenas foi aplicada aos processos entrados em juízo após 01 de Janeiro de 2008, pelo que tem um tempo de vigência demasiado curto para que se possa falar, a este respeito, de uma jurisprudência consolidada ou publicitada (que aliás não existe) para que as partes, num juízo de razoabilidade, possam ser sancionadas com a perda irremediável de um direito tão importante, como o direito ao recurso, apenas por interpretaram a lei no sentido de admitir um único recurso de revista ordinário, para uma decisão diferente proferida em segunda instância, e não dois recursos distintos, ordinário e excepcional, para segmentos diferentes do Acórdão proferido em segunda instância, consoante as decisões atinentes a cada um dos processos resultantes de apensação.

A expressão constitucional um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus imprevisível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso (vide, nesse sentido, Lopes do Rego, in Acesso ao Direito e aos Tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do tribunal constitucional, Lisboa, 1993).”

O reclamante havia, na reclamação que havia impulsado expresso o seu dissenso com o despacho de inadmissibilidade, pelas seguintes razões (sic): “Os presentes autos resultam da apensação de dois processos, a saber o processo n.º 1805/08.0TBVLG; e o processo n.º 2031/08.3TBVLG,

O objectivo da apensação é que as acções sejam unificadas, sob o ponto de vista processual, para que possam ser julgadas conjuntamente no mesmo momento e no mesmo acto jurisdicional.

Sobre as acções apensadas não impendem duas decisões, mas apenas uma única decisão.

Veja-se, a esse propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no processo n.º 582/09.ITTVIS-A.C I, em que foi relator o Venerando Desembargador Felizardo Paiva, de 31 de Março de 2011: "Com a apensação, as várias causas ficam unificadas sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum a todas elas, com unidade de instrução, de discussão e de decisão."

Por esse motivo, considera o Recorrente que não existem duas decisões diferentes, mas apenas uma decisão.

Alcançada tal conclusão, como parece que terá que alcançar-se, resta aquilatar se o Venerando Desembargador Relator, que decidiu indeferir o recurso de revista no Processo n.º 2031/08.3TBVLG, com fundamento no disposto no artigo 721.º, n.º 3 do C.P.C., podia dividir a decisão em duas, separando a parte do acórdão que impendeu sobre a pretensão deduzida no processo n.º1805/08.0TBVLG, do segmento do acórdão que impendeu sobre a pretensão deduzida no processo n.º 2031/08.3TBVLG.

Do ponto de vista do reclamante não podia fazê-lo e, ao fazê-lo, violou a letra e o espírito da lei.

Com efeito, decorre do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do C.P.C. que "não é admissível revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na primeira instância... "

Ora, de uma única sentença ou de um único acórdão não podem ser interpostos, salvo o devido respeito, mais do que uma única apelação ou de que uma única revista, sob pena de estar a frustrar-se e a violar-se o princípio da unidade processual que resultou da apensação dos processos.

O próprio reclamante vê com dificuldade como concretizar o desiderato subjacente à decisão proferida pelo Venerando Desembargador Relator:

a) Teria que dividir o Venerando Acórdão em duas decisões; b) Teria que recorrer de revista ordinária da parte da decisão do Acórdão que impendeu sobre o processo n.º 1805/08.0TBVLG; c) Teria que recorrer de revista excepcional da parte da decisão do Acórdão que impendeu sobre o processo n.º 2031/08.3TBVLG; d) Teria que liquidar duas taxas de justiça; e) Existindo dois recursos distintos, poderiam ambos ser distribuídos a secções e Venerandos Conselheiros diferentes;

1) Mas, porque suscitou o incidente de inconstitucionalidade da admissão de um determinado meio de prova, poderia optar pelo recurso para o Tribunal Constitucional da parte decisória do Acórdão que confirmou a decisão proferida em primeira instância;

Mas poderia suceder algo diferente e ainda mais absurdo, a conceder-se na divisão do acórdão em duas decisões, e em admitir-se dois trânsitos em julgado diferentes.

A Companhia de Seguros Ré, no processo n.º 2031/08.3 seria absolvida, por sentença parcial transitada em julgado, com fundamento na procedência da exclusão da sua responsabilidade decorrente da taxa de alcoolemia do Autor, condutor do veículo;

Mas no âmbito do processo n.º 1805/08.0TBVLG, cuja revista ordinária foi admitida, o chamado poderá vir a obter a declaração e confirmação de que a referida taxa de alcoolemia resultou demonstrada de um meio de prova ilegal e inconstitucional e, por isso mesmo, ser absolvido.

Corre-se, assim, o risco de no mesmo Acórdão existir um mesmo facto declarado provado e não provado;

E o mesmo facto - taxa de alcoolemia do condutor -que conduziu à absolvição da Ré no processo n.º 2031/08.0TBVLG, pode ser declarado ilegal e inconstitucional no âmbito do processo n.º 1805/08.0TBVLG, na sequência da Revista ordinária que foi interposta do Venerando acórdão nessa parte.

Ou seja, a decisão proferida pelo Venerando Desembargador Relator é ainda adequada e apta a obter a contradição de julgado no mesmo Acórdão.

Ora a unidade jurídica e processual que decorre da apensação dos processos, e unidade da decisão, não permite, nem contempla, que a mesma possa ser espartilhada e separada, para efeito de revistas diferentes, relativas a cada parte da mesma decisão que confirme ou infirme a respectiva parte da decisão proferida em primeira instância.

A decisão proferida pelo venerando Acórdão é uma única, não é bicéfala.

E sendo a decisão proferida pelo Venerando acórdão diferente da que foi proferida pela 1.ª Instância, dela cabe uma única revista, e não duas.

E a revista que é admitida deve ser a ordinária ou normal, já que não foi confirmada a decisão da primeira instância;

E não cabem duas revistas diferentes para cada parte da decisão atinente a cada um dos processos apensos.

Não pode por isso o reclamante conformar-se com o entendimento que a prolação de um único Acórdão não afasta a autonomia das acções e dos pedidos, causas de pedir e sujeitos, designadamente para efeitos de recurso.

Mas ainda que assim seja, não pode interpretar-se o disposto ao artigo 671.º, n.º 3 e artigo 672.º, ambos do C.P.C. como admitindo dois recursos de revista diferentes, para cada uma das acções "autónomas" julgadas pelo mesmo Acórdão em processos apensos.

A alteração ao recurso de revista decorrente das alterações resultantes do Decreto-lei n.º 303/2007, de 24/08, não pode ser interpretada no sentido de restringir o direito de recurso de revista ordinário à parte que, tendo sido deparada com uma decisão diferente da proferida em primeira instância (UMA ÚNICA DECISÃO DIFERENTE), ainda assim tinha que dividir a decisão em dois e apresentar dois recursos distintos.

Tal interpretação das alterações resultantes do DL n.º 303/2007, de 24/08, é ilegal e mesmo inconstitucional, já que veda o recurso à parte que não viu confirmada a decisão proferida em primeira instância.

Tal interpretação viola o disposto ao artigo 275.º do C.P.C. e à intenção e espírito subjacente à unidade de julgamento e decisão que decorre da apensação das acções.

Se as acções mantêm a sua autonomia, ao ponto de poderem ser objecto de decisões diferentes e contraditórias, e de serem objecto de recursos diferentes, a serem julgados de forma e por secções ou juízos diferentes, então não se justifica a apensação.

Se as acções mantêm a sua autonomia, ao ponto de uma parte da decisão atinente a uma delas poder transitar em julgado e a outra parte poder ser objecto de recurso e decisão contraditória, então ainda menos se justifica a apensação.

Salvo o devido respeito, é um absurdo considerar-se a possibilidade ou necessidade de oferecimento de dois recursos distintos da mesma decisão, a serem julgados separada e diferentemente, com o subsequente risco de serem alcançadas decisões contraditórias.

E tal decisão contraditória pode ainda alcançar-se e resultar da inadmissibilidade de recurso de uma parte da decisão e da eventual procedência do recurso atinente à outra parte da decisão.

Isto sem prejuízo da regra de substituição ao tribunal recorrido, prevista ao n.º  do artigo 665.º do N.C.P.C., mas sempre condicionado a que não se considere o "trânsito em julgado parcial da sentença, na parte correspondente à acção n.º 2031/08.0TBVLG".

Por outro lado, e sem prescindir,

O Venerando Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, citado pela Recorrida Seguradora, com o n.º 600/11.3TVLSB.Ll.S 1, em que foi Relator o Venerando Conselheiro Lopes do Rego, nada tem de paralelismo ou de identidade com o Recurso de Revista dos autos.

Com efeito, o Acórdão citado pela seguradora limita-se a confirmar a conformação do Recorrente com o despacho do Venerando Desembargador proferido na Relação;

O Venerando Relator no Tribunal recorrido (Tribunal da Relação) proferiu despacho a consubstanciar uma admissão meramente parcial da revista, delimitando o objecto do recurso a determinado segmento do acórdão recorrido e a uma das questões que constituíam a matéria litigiosa, dele dirimidas em certo sentido (não confirmado na sentença proferida em 1.ª instância) e tal decisão não sofreu reclamação por parte do recorrente que com tal despacho inteiramente se conformou.

Não é o caso do reclamante, que não se conforma com a circunscrição do objecto da revista a um segmento da decisão recorrida.

Ainda sem prescindir,

E quando se entenda que o reclamante tinha que lançar mão de dois recursos de revista - ordinário e excepcional,

A imposição de um ónus imprevisto, perante a letra da lei, e, por isso, de difícil cumprimento pela parte, tendo como consequência para a sua inobservância a perda imediata e irreparável de um importante direito de defesa processual, como é o direito de recurso, não é seguramente conforme a um fair trial.

A garantia de via judiciária estatuída no artigo 20.º da Constituição, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição do direito de acção judicial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo, conforme o impõe o n.º 4 do referido artigo 20.º da Constituição.

O ónus imposto pela interpretação impugnada não é discernível no texto legal para os interessados em recorrer, mesmo que estes cumpram os deveres de uma conduta processual diligente e observem os ditames de prudência técnica, e a sanção do não recebimento do recurso com fundamento na interpretada necessidade de oferecer dois recursos de revista distintos - da mesma decisão - e sem que lhes seja pelo menos dada a especifica oportunidade de suprirem essa inobservância, revela-se uma solução manifestamente injusta.

A reforma operada ao nível dos recursos, que introduziu o recurso de revista excepcional, apenas foi aplicada aos processos entrados em juízo após 1 de Janeiro de 2008, pelo que tem um tempo de vigência demasiado curto para que se possa falar, a este respeito, de uma jurisprudência consolidada ou publicitada (que aliás não existe) para que as partes, num juízo de razoabilidade, possam ser sancionadas com a perda irremediável de um direito tão importante, como o direito ao recurso, apenas por interpretarem a lei no sentido de admitir um único recurso de revista ordinário, para uma decisão diferente proferida em segunda instância, e não dois recursos distintos, ordinário e excepcional, para segmentos diferentes do Acórdão proferido em segunda instância, consoante as decisões atinentes a cada um dos processos resultantes de apensação.

A expressão constitucional um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus imprevisível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso (vide, nesse sentido, Lopes do Rego, in Acesso ao Direito e aos Tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do tribunal constitucional, Lisboa, 1993).

Termos em que se argui a nulidade da decisão reclamada, por violação do disposto aos artigos 671.º, n.º 3 e 267.º, ambos do C.P.C., e ainda a inconstitucionalidade da decisão impugnada, com fundamento na violação do disposto ao artigo 20.º da C.R.P., do douto despacho proferido, que julgou inadmissível o recurso de revista, na parte da decisão que impendeu sobre o processo n.º 2031/08.5TBVLG, de que se reclama, e se requer a sua reforma por outro que admita o referido recurso, requisitando-se o processo ao tribunal requerido, para julgamento da revista (que é uma única, embora atinente a dois processos distintos).”

Na resposta que então produziu, a recorrida “BB– Companhia de Seguros, S.A.”, contraminou o razoamento operado pelo reclamante, com a fundamentação que a seguir queda extractada: “começa mal o reclamante ao afirmar que "os presentes autos resultam da apensação de dois processos".

A apensação não criou ou fundiu nenhuns autos, a apensação juntou dois autos diferentes para tramitação conjunta com vista a assegurar a economia processual, de um lado, e evitar decisões judiciais contraditórias sobre os mesmos factos ou questões colocadas em ambos os processos.

O reclamante confunde ainda sentença com decisão judicial.

A sentença em sentido lato e do ponto de vista formal, como a peça escrita que culmina o pleito, decidindo-o - pode conter mais do que uma decisão judicial e pode conter decisões judiciais de mais de um processo, no caso de apensação.

Mas, cada uma tem e preserva a sua autonomia.

Por isso, o legislador teve a prudência conceptual de estabelecer que são as "decisões judiciais" que podem ser impugnadas por meio de recurso, corporizando elas sentenças ou despachos, proferidas individualmente ou na mesma peça escrita, mas respeitando a autonomia de cada uma delas (art. 627.º do C. P. Civil ex-­art. 676.º).

3. Cada acção tem e mantém as suas partes, a sua causa de pedir e os seus pedidos intactos e autónomos, mesmo quando apensada a outra.

Por isso, no caso em apreço, o CC, autor na acção com o Processo n.º 1805/08.0TBVLG, não sendo parte na acção com o proc. n.º 2031/08.3TBVLG, não poderia nunca recorrer da decisão proferida quanto a este último em que não é parte, nem se tomou nunca, mesmo após a apensação.

Assim o decidiu aliás, o douto acórdão da Relação de Coimbra que o reclamante cita e transcreve.

Só que, com alguma audácia, transcreve-o de forma truncada.

O reclamante transcreve a parte inicial do sumário:

"I - O art. 275.º n.º 1 do CPC rege sobre os requisitos necessários para a apensação de acções pendentes em juízo. II- Com a apensação as várias causas ficam unificadas sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum a todas elas, com unidade de instrução, de discussão e de decisão. "

Porém, corta-lhe a sequência e omite a parte em que o referido aresto diz exactamente o contrário do que o reclamante sustenta.

Vejamos: "III - Mas isto não implica necessariamente que cada uma das acções perca a sua autonomia, a sua individualidade própria, de que dispunha antes da apensação. IV - Pelo que o autor numa das acções não passa, por efeito da apensação, a ser autor nas outras acções apensadas, devendo entender-se que só na acção em que é autor é que este se encontra impedido de depor como testemunha (art. 617.º CPC)." - (Ac. RC de 31/5/2011 in www.dgsi.pt. Proc. 582/09.1TTVIS-A.C1)

Assim, o aresto em que o reclamante alicerça a sua construção não só não trata, concretamente, da questão em apreço, como o seu conteúdo contraria até a argumentação do reclamante.

4. Acontece que, este mesmo Supremo Tribunal, já há muito vem decidindo no sentido acolhido pelo Juiz Desembargador Relator que não admitiu o recurso interposto.

No sentido da autonomia das acções apensadas para efeitos de recurso, desde pelo menos 1998, tal orientação vem sendo seguida uniformemente pelo STJ  

Disso dá nota o acórdão proferido em 5/2/1998 na 4.ª secção e no processo n.º 179/97 relatado pelo Cons. Almeida Devesa:

"I - No caso de apensação de acções, cada uma das acções apensadas não perde a sua autonomia, pelo que os processos não passam a ser um só. II - Para efeitos de recurso, a interpor por cada autor, tem de se atender ao valor da acção respectiva."

E, mais recentemente, o mesmo STJ: "I - A apensação de acções não as unifica numa única acção, mantendo cada uma a sua autonomia e individualidade, já que a razão de ser da apensação entronca no princípio da economia processual, além de visar evitar decisões contraditórias. II - Consequentemente, mantêm-se distintos os pedidos formulados em cada uma das acções apensadas, como são distintos os valores processuais de cada uma delas, havendo que atender ao valor processual de cada acção individualmente considerada, bem como à respectiva sucumbência, para efeitos de recurso. (Ac. STJ de 9/3/2010 http://www.stj. Revista n.º 94/2001.P1. S1 – 1.ª Secção)           “I - A apensação de acções não as unifica numa única acção, mantendo cada uma a sua autonomia e individualidade, já que a razão de ser da apensação entronca no princípio da economia processual, além de visar evitar decisões contraditórias. Consequentemente, mantêm-se distintos os pedidos formulados em cada uma das acções apensadas, como são distintos os valores processuais de cada uma delas, havendo que atender ao valor processual de cada acção individualmente considerada, bem como à respectiva sucumbência, para efeitos de recurso.

II - O art. 503.º, n.º 3, do CC, invertendo o ónus da prova em matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, estabelece a presunção de que o condutor-comissário é o culpado do acidente se não provar que não houve culpa da sua parte, presunção que é aplicável nas relações entre ele, como lesante, e o titular ou titulares do direito à indemnização. III - Se ambos os condutores são comissários, conduzindo os veículos intervenientes por conta dos respectivos proprietários, e nenhum deles logrou provar não ter culpa no acidente, há-de presumir-se culpas concorrentes de ambos. IV - Existindo concorrência (simultânea) de culpas, ambas presumidas, não há que excluir a responsabilidade de nenhum dos agentes, já que as culpas se situam no mesmo plano e, por isso, não se verifica a razão de ser da aplicação do regime previsto no art. 570.º, n.º 2, do CC. V - A responsabilidade pelos danos emergentes do acidente assenta na culpa (presumida) e não no risco da circulação dos veículos automóveis, pelo que, consequentemente, não tem que chamar-se à colação o disposto no art. 506.º, n.º 1, do CC, que apenas contempla a repartição da responsabilidade pelos danos no caso de não existir culpa de nenhum dos condutores. VI - Dada a concorrência de culpas, embora presumidas, não pode responsabilizar-se apenas um dos condutores-comissários pelos danos decorrentes do acidente, visto que a responsabilidade de cada um se encontra limitada pela responsabilidade do outro: a solução para repartir a medida dessa responsabilidade será recorrer ao disposto no art. 506.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC. VII - Ignorando-se as circunstâncias concretas do acidente caímos numa situação de incerteza quanto ao grau de culpa de cada um dos condutores, daí que haja de considerar-se igual a medida de contribuição da culpa de cada um deles para a verificação do acidente e, consequentemente, dos danos dele emergentes, i.e., metade do valor desses danos.” (Conselheiro Moreira Alves)

5. No caso em apreço, a decisão judicial absolutória da respondente no processo movido pelo reclamante como autor com o n.º 2031/08, em que este peticionava uma indemnização pela perda total da viatura ao abrigo do contrato de seguro de danos próprios celebrado com aquela, foi confirmada integralmente pelo Tribunal da Relação do Porto em recurso de apelação interposto pelo reclamante.

Ocorreu, por isso, "dupla conforme", impeditiva da admissão de recurso de revista atento o disposto no art. 671.º, n.º 3 do C. P. Civ.

Decidiu bem, por isso, o Exmo. Juiz Desembargador Relator que não admitiu a revista, decisão que deve ser confirmada, improcedendo a presente reclamação.

6. Por último, "sem prescindir", sustenta o reclamante que se se entender que não é admissível recurso de revista ordinário e que de deveria ter interposto um recurso de revista excepcional para obviar ao impedimento da dupla conforme dada a relativa novidade da vigência do regime actual dos recursos, e o princípio constitucional do acesso ao direito, o seu recurso deveria ser admitido.

(…) É qualquer coisa como, "... vá lá, a situação é fresca, ainda não está bem definida na jurisprudência, por isso mesmo que seja assim aceite-se lá o recurso ... "  

Ora, a Lei, mesmo a processual, não pode ser uma orientação não vinculativa, sujeita a excepções jurisprudenciais quando uma das partes não a entendeu bem ou faz dela uma interpretação diversa e é surpreendida pela interpretação do Tribunal.

Se uma das partes deixa precludir um direito processual porque faz uma interpretação da Lei diferente da do Tribunal, não lhe é permitido dar o dito por não dito e reformular o pedido para outro figurino processual com eficácia retroactiva.

Isso sim, seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade das partes e da vinculação dos Tribunais à Lei pois, dura lex sed lex.

De resto, nem sequer seria tecnicamente possível convolar agora ex officio um requerimento de interposição de recurso ordinário em revista excepcional pois demandaria sempre, a ocorrência de uma das "excepcionais" situações previstas no n.º 1 do art. 672.º do C. P. Civil e o cumprimento pelo recorrente da tramitação prevista no n.º 2 do mesmo preceito "sob pena de rejeição", o que não aconteceu no caso em apreço.”

O despacho ora reclamado, teve a sequente: 

II. FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – Recensão diacrónica do movimento processual encetado e desenvolvido na presente acção.

1. – CC, intentou acção para ressarcimento dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, que terá sofrido em consequência de um acidente de viação em que foi interveniente – na condição de passageiro do veículo com a matrícula n.º -VN, conduzido por AA – em que teve como demandada a “Companhia de Seguros BB, S.A.”, a que foi atribuído o n.º 1805/08.0TBVLG;

2. – Por sua vez o condutor do veículo com a matrícula n.º VN, intentou acção contra a mesma demandada seguradora, pedindo para ser ressarcido pelos prejuízos materiais que para si tinham advindo pelo facto de perda total do veículo sinistrado;

3. – Na acção com o n.º 1805/08.0TBVLG, foi pedida, e admitida, a intervenção principal provocada de AA, para, na qualidade de condutor e eventual responsável pela produção do sinistro, poder vir a ser responsabilizado pelo pagamento da indemnização pelos danos sofridos pelo demandante, CC, que superassem o limite do seguro;

4. – As duas acções vieram a ser apensadas, tendo o despacho que ordenou a apensação sido objecto de impugnação, entretanto julgado improcedente; 

5. – A final, no tribunal de primeira (1.ª) instância proferiu decisão em que: “julgou parcialmente procedente o pedido formulado pelo autor, CC, e, em consequência, condenou a ré, “Companhia de seguros BB, S.A.” a pagar àquele quantia, a liquidar em decisão ulterior, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais referidos nos pontos (…) da matéria de facto neste autos provada, quantia reduzida de 15% e de seguida deduzida da quantia global de €130.701,00, sempre no limite máximo de € 600.000,00; 

II. – Julgou improcedente, na parte restante, o pedido formulado pelo autor, CC;

III. – Julgou totalmente improcedente o pedido formulado pelo autor, AA, dele absolvendo na íntegra a ré, “Companhia de seguros BB, S.A.” – cfr. fls. 1984 e 1985, da certidão correspondente ao acórdão do tribunal de apelação;

6. – O tribunal de apelação, em decisão constante de fls. 1979 a 2050, viria a julgar procedente o recurso interposto pelo autor CC, tendo revogado o ponto II. da sentença, que substituiu por outro que detalhou – cfr. fls. 2049 do acórdão – tendo, igualmente julgado parcialmente procedente o recurso da apelante seguradora, nos termos que deixou especificados, e finalmente, “julgou totalmente improcedente o recurso de apelação do interveniente AA e, em consequência, confirmar na parte pertinente a sentença recorrida.”        

7. – Desta decisão pretendem recorrer de revista, tanto o autor, CC – cfr. fls. 2061 a 2071, bem como o autor-interveniente, AA, - cfr. fls. 2075, como revista-regra;

8. – Por despacho da Exma. Relatora – cfr. fls. 2252 a 2254 – veio o recurso do interveniente, AA, a não ser admitido, por ocorrer uma situação de dupla conformidade entre a decisão proferida na 1.ª instância e a proferida no tribunal de apelação, no atinente ao julgamento decretado na acção n.º 2031/08.3TBVLG, que se traduziu na total improcedência do pedido e com a fundamentação que a seguir queda transcrita.

“Por outro lado, o interveniente AA também veio apresentar recurso de revista para o STJ, quer da decisão que alterou a sentença da 1.ª instância no sentido de julgar procedente o pedido do A. CC condenando o interveniente AA a pagar àquele os danos a liquidar que excedam € 600.000,00 (PO n.º 1805/08.0TBVLG) quer daquela outra que manteve o decidido na sentença da 1.ª  instância, julgando improcedente o recurso de apelação do ora recorrente e improcedente o pedido formulado de condenação da seguradora a pagar-lhe € 80.000,00 e juros pela destruição do seu automóvel (P.º n.º 2031/08.3TBVLG).

Em nosso entender (e no da recorrida seguradora), pese embora a tramitação conjunta das duas acções após a apensação e a prolação de um único acórdão não afasta a autonomia das mesmas nos seus pedidos, causas de pedir e sujeitos.

Por isso, no que respeita à confirmação da improcedência da acção n.º 2031/08.3TBVLG e consequente absolvição da ré/recorrida, do pedido de condenação nela formulado pelo recorrente AA, a mesma foi objecto de duas decisões judiciais conformes (cfr. fls. 1984/1985 e fls. 2048/2049 do acórdão).

Ambas as acções deram entrada em juízo no ano de 2008, ou seja, após a entrada em vigor das alterações resultantes do DL n.º 303/2007 de 24/08.

Ora, de acordo com o art. 721.º n.º 3 deste diploma "não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1 a instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte" (actual art. 671.º, n.º 3 do NCPC).

Assim, pese embora não tenha havido "dupla conforme" na decisão proferida no p.º n.º 1805/08.0TBVLG que condenou o ora recorrente a pagar ao autor a indemnização que exceda os € 600.000,00, da qual aliás o mesmo recorre, essa recorribilidade, em nosso entender, não se estende à decisão proferida relativa ao po n° 2031/08.3TBVLG.

Por sua vez, o art° 721.º-A n.º 1 do mesmo diploma legal, refere que "Excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:

a)Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b)Estejam em causa interesses de particular relevância social;

c)O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

No entanto, para que a revista excepcional seja admitida é necessário, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito legal que, na sua alegação, o requerente, sob pena de rejeição, indique:

a)As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b)As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

c)Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

Ora, resulta das conclusões do recurso de revista apresentado pelo recorrente AA que não foram indicadas quaisquer razões nos termos do mencionado art. 721.º-A do C. P. Civil para que pudesse ser admitida a revista excepcional.

Deste modo, é de aplicar, in casu, o estipulado no já mencionado art. 721.º n.º 3 do C. P. Civil, ou seja, em razão de o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto ter confirmado, por unanimidade, a sentença proferida na la instância, tratando-se como se trata de processos distintos, mas que tramitam apensados, não se admite o recurso de revista interposto pelo recorrente/apelante AA1 no que concerne à decisão proferida no proc. n.º 2031/08.3TBVLG.”

II.B. – Regime de Apensação de Processos.

Prévio a uma assumpção deliberativa quanto à questão em tela de juízo importa referir que a questão da apensação já havia sido objecto de apreciação conjuntural por banda do ora reclamante quando no recuso de apelação havia pugnado pela autonomia das acções para efeitos da prova que, eventualmente, por força da apensação pudesse vir a ser produzida no julgamento conjunto da duas acções – cfr. item 39 das alegações de recurso (fls. 1995).

Não se tem presente o despacho que terá deferido o pedido de apensação das acções, mas não será demais conjecturar que na base terá estado: i) a discussão do mesmo acidente de viação; ii) a apreciação de um pedido que estaria dependente de prova global e conjunta relativamente à conduta do condutor do veículo (notadamente se conduziria com uma percentagem de álcool no sangue superior à permitida por lei); iii) evitar, que para a prova a produzir tivessem de se deslocar ao tribunal as mesmas testemunhas e, eventualmente, peritos; iv) last but nos the least que sobre a mesma situação ou quadro “cénico” se produzissem versões antinómicas e portadoras de contradições insanáveis para a boa administração da justiça.    

Na verdade, a apensação das acções, com os pressupostos jusprocessualmente exigidos, conforta uma situação em que o tribunal estima deverem duas causas propostas e instauradas em momentos diferentes serem reunidas ou acopladas por forma a evitar que o tribunal sobre a mesma realidade factual e fenomenológica venha a produzir juízos de valor e de convicção que podem ser contraditórios e inconciliáveis no plano do julgamento ou da resolução de um litígio. A suceder uma situação desta natureza criar-se-ia um dissenso jurisdicional com agravo para a administração da justiça, o que importa obviar.

Para além da uniformidade de julgamento, não será despicienda a razão de índole económica que subjaz a este procedimento. Evitar dois julgamentos, com os custos económicos que lhe estão inerentes, será a outra razão que comanda esta figura jusprocessual. [[1]]        

 Com a minúcia que lhe é peculiar, o Professor vai esburgando os diversos passos por que devem passar os processos juntos, sendo que a partir do momento em que eles atingem a mesma fase processual a instrução e julgamento deve fazer-se “a unificação do processo tem como consequência natural que a sentença é só uma para as várias causas que se juntaram. Todas elas hão-de ser decididas no mesmo acto jurisdicional” [[2]]     

Sendo, embora, única a decisão, não dá o Excelso Professor resposta para a questão subsequente, a saber se a mesma é passível de um só recurso, ou seja de um recurso que impugna ou ataque toda a decisão, de forma indistinta e ilimitada, ou se cabe recurso da decisão, mas cada um dos diversos sujeitos processuais, na posição processual que ocupavam antes da unificação, pode, relativamente a cada uma das sucumbências, interpor uma recurso autónomo e cingido à parte da decisão que lhe foi desfavorável.

Partindo do pressuposto da unidade da decisão jurisdicional, ou seja de uma decisão que toma posição e resolve todos os pedidos, que são peticionados nas diversas e em cada uma das acções que foram objecto de apensação, importará questionar se ela passa a ter uma indivisibilidade e estanquicidade teológica que não poderá ser desmembrada ou partilhada para cada uma das acções apensas, o que vale dizer para cada um dos pedidos dessas acções.

Ainda que tomando posição sobre todos os pedidos formulados nas acções que foram objecto de apensação, torna-se, em nosso aviso irremível, que o tribunal não pode deixar de tomar posição (jurídica) sobre cada um dos pedidos individualmente requestados em cada uma das acções apensas. A não assim, uma decisão que deixasse de tomar posição jurídica sobre cada um dos pedidos formulados nas respectivas e conexas acções incorreria em nulidade por omissão de pronúncia.

A decisão jurisdicional, devendo ser proferida no processo (principal) a que as outras acções foram apensas, não pode deixar de se pronunciar sobre todos os pedidos que foram formulados nas acções ancilares ou parasitas. Se o faz de forma conjunta, ou mais ou menos indistinta – podendo até adregar de uns poderem, pela sua inextricabilidade ou capacidade absortiva, ficarem prejudicados pelo conhecimento/pronúncia dos demais – o facto irrefragável é que a decisão jurisdicional única não deve deixar de se pronunciar/tomar conhecimento, individualizado e em particular, quanto a cada um dos pedidos que, em cada acção foi pedido ao órgão jurisdicional para que tomasse uma posição definitiva que permitisse resolver, com força de caso julgado, o dissídio que enfrascava cada uma das acções.

Tendo como pressuposto inarredável o que acabou se ser asserido, temos para nós que o recurso que haja impulsar-se para impugnar a sentença (única) não poderá, para efeitos da aferição da legitimidade para recorrer, ter como pressuposto de admissibilidade a posição relativa de cada uma das partes de cada um dos processos apensos. Na verdade, sendo um dos pressupostos da legitimidade para interpor recurso, o vencimento e/ou a sucumbência ou prejuízo que para cada uma das partes advém da decisão que se pretende impugnar, esse pressuposto não pode deixar de ser aferido relativamente a cada um dos pedidos individualmente formulados por cada um dos sujeitos processuais em cada uma das acções. Será, me nosso juízo, do vencimento ou decesso que cada um dos sujeitos respectivos alcance na respectiva acção que deverá aferir-se a legitimidade para a possibilidade de impugnação da decisão, por via de recurso.

(Questão diversa poder-se-ia colocar relativamente ao valor da acção para efeitos de recurso. Suponhamos que um dos sujeitos processuais viu o seu pedido, na acção que veio a ser apensa e cujo valor era inferior à alçada do tribunal, ser julgado improcedente. A acção a que esta acção foi apensa tem, no entanto, valor superior à alçada. Sendo a decisão única, o sujeito da acção cujo pedido era inferior à alçada do tribunal, adquire o direito a recorrer? Ou o valor a atender é o de cada uma das acções e estando a acção processual dos sujeitos de cada uma das acções confinado à sua própria acção há-de ser ao valor dessa especifica acção que se há-de atender para efeitos de capacidade recursiva? Absorvendo a acção – chamemos-lhe principal, para comodidade de exposição – as demais acções, essa absorção estende-se ao valor para efeitos de aquisição da legitimidade recursiva? Um sujeito processual alçaprema a sua posição processual e adquire um direito – que recorde-se não lhe seria conferido se acção mantivesse a sua individualidade – só pelo facto de a sua acção vir a ser apensa a outro processo (quiçá, e por ironia, por iniciativa de um outro, porventura daquele contra que na sua acção era a contraparte)? Sem desgranar demasiado a questão – que requereria certamente de um mais aturado e aprofundado debate jurídico – pensamos que não. O valor da acção para efeitos de recurso não pode deixar de aquele que foi atribuído ao pedido que haja sido julgado improcedente.         

A questão hipotizada não se coloca na reclamação que cumpre conhecer pelo que o parentese aberto deverá ser cerrado sem outras consequências que não a colocação da aporia congeminada.

A questão que toma campo – resolvida a questão da unidade de decisão jurisdicional das acções objecto de apensação – será a de saber se decidido o pedido formulado numa acção que foi apensa a uma outra onde foi prolatada a decisão jurisdicional única, o autor dessa acção, se o pedido for julgado improcedente, em duas instâncias, perde o direito de recorrer, por efeito de uma dupla conformidade das decisões jurisdicionais, entretanto, prolatadas.

A dupla conforme constituiu-se como uma novidade processual assumida pelo legislador de 2007, tendo-a configurado como forma de morigerar a impetuosidade, intensidade e copiosidade recursiva no regime português e, desta forma, procurar conferir ao Supremo Tribunal de Justiça uma feição de tribunal devotado à solução de questões jurídicas que se mostrassem dignas de ser levadas a este órgão superior da organização judiciária e, correlatamente, apaziguar, a turbulência e dissensão desenfreada que vem campeando e ervando as instâncias judiciais.

Com a dupla conforme criou-se, refreando o alor recursivo dos intervenientes processuais, uma situação de caso julgado abreviado ou consumado em “segunda volta”. A confirmação de um julgado proferido pela primeira instância por uma outra instância, confere ao julgado uma consistência endógena, a nível jurisdicional, na ordem jurídica que o legislador ficcionou como suficiente para consolidar e sedimentar as relações jurídicas que estão engolfadas no caso apreciado. Daí que, a confirmação por uma segunda instância – por unanimidade do colectivo a quem o caso é colocado a julgamento – do julgado proferido em primeira instância se torne capaz de produzir efeitos de caso julgado, logo que se mostrem esgotados os meios de reacção contra a decisão proferida, a saber arguições de nulidades ou pedidos de reforma.

O assentamento de uma situação de dupla conformidade não é plena e absoluto. Na verdade, a lei não esmoreceu as possibilidades de garantias de defesa de valores de segurança jurídica e de em certas circunstâncias e verificados requisitos enunciados no dispositivo legal adrede, o desfeiteado com uma dupla decisão conforme poder reagir ao decesso da sua pretensão. A via utilizada foi a criação de um mecanismo de recurso que, não deixando de ser um recurso ordinário, se desvia do regime regra ou norma, a saber o recurso de revista excepcional.

Para a questão que nos é posta para julgamento importa perquirir se, como anunciou supra, proferida decisão jurisdicional (única) numa acção que haja absorvido ou consumido uma outra acção a si apensa, a decisão pode ser cindida para efeitos de dupla conforme ou deverá ser tida como decisão jurisdicional incindível e monolítica, com efeitos correlatos na propensão recursiva que dela se pretende impulsar.

Na teologia, e como marca impressiva e indelével da figura jusprocessual da apensação de acções, convocam-se dois vectores axiais, a saber a economia processual e a coerência e uniformidade de julgamento. E se assim é, como vem doutrinado desde que a figura da apensação foi introduzida no ordenamento jusprocessual português [[3]] a questão que emerge precípua é a saber se, com a cindibilidade da decisão, para efeitos recursivos, não se está a frustrar e desvirtuar o espirito que esteve na génese da institucionalização desta figura. É que sendo a decisão única e pretendendo-se com ela obviar a julgados contraditórios ao cindir a decisão, itera-se, para efeitos de recurso, poder-se-ão criar situações em que o decidido relativamente a uma das acções – pese embora a conexão factual e de situações jurídicas – pode vir a obter uma solução desconforme por decisão do tribunal superior.

É o caso – típico – em que dois intervenientes num acidente de viação pretendem o respectivo ressarcimento da companhia seguradora mas esta alega que não deve ser obrigada a indemnizar por o segurado ser o responsável e a responsabilidade que lhe deve ser assacada é, contratualmente, excludente do risco coberto pelo contrato de seguro.

No caso em apreço, o autor na acção mandada apensar reclamava da seguradora uma indemnização pelos danos sofridos no veículo interveniente no acidente, que a seguradora refutava com fundamento em conduta violadora das cláusulas cominativas no contrato de seguro eximentes da sua obrigação de indemnizar para os casos em que se provasse que o segurado circulava, conduzindo sob o efeito do álcool.

Na acção (principal) o condutor do veículo foi chamado para acudir ou cobrir uma eventual necessidade de a indemnização vir a exceder o montante do capital do seguro.

No caso figurado em primeiro o sujeito apresentava-se como parte activa da relação jurídico-processual, enquanto que, no segundo a sua posição, na posição de chamado a intervir (principalmente) se encontrava numa posição passiva, ou ao lado da parte que assumia uma posição passiva na demanda.

Ainda que existindo uma inextrincável e inafastável conexão entre as duas acções – o acidente era o mesmo e a demandada era igualmente a mesma – no caso, e em face da posição processual que o demandante/interveniente, AA, apresentava – parte activa num processo e parte passiva (associada) no outro – e ainda em vista da contestação da demandada seguradora, desresponsabilizando-se da obrigação de indemnizar e, correspectivamente, responsabilizando o autor, pela produção do sinistro, por condução sob efeito do álcool, talvez tivesse sido avisado não consentir na apensação. Se é incontroverso que a apensação criava a possibilidade de julgamento conjunto, evitando decisões descompassadas e transviadas relativamente à mesma questão e sobre a mesma matéria, o facto é que a posição adversa no litígio e a defesa da demandada que se baseava na mesma tese para exoneração da sua responsabilidade talvez aconselhasse um julgamento separado.

O facto é que o julgamento se realizou conjuntamente e foi proferida uma decisão que tendo condenado o interveniente na acção, correlata e simetricamente, julgou a acção que ele tinha proposto contra a seguradora improcedente, dando com isso razão à tese argumentativa e oponente da demandada das duas acções.

Assentes nesta inelutabilidade – decisão jurisdicional única e julgamento conforme nas duas instâncias – importa indagar se a lei processual comporta a possibilidade de reacção ao interveniente/demandante no tocante ao segmento da decisão em que a segunda instância confirmou a decisão de improcedência do pedido, o que vale perguntar se apesar de existir uma decisão jurisdicional única, os pedidos julgados mantêm a sua individualidade para efeitos recursivos, obviando desta forma à formação de uma situação de dupla conformidade. Ou ainda noutra perspectiva, em adiantamento de hipóteses, se a dupla conforme se sobrepõe à unidade da decisão e à correlativa unidade de recurso, de modo que sendo o recurso dirigido a atacar a decisão única nos seus fundamentos e pressupostos jurídicos argumentativos, o recurso confronta, contrasta e contramina a base probatória e conviccional em que embasa e enforma a fundamentação da decisão na sua globalidade. Deve a coerência e uniformidade decisória quedar-se, ou ser residual, na fase de julgamento em primeira e segunda instância e já não para a fase de recurso de revista? A dupla conforme não deverá sofrer desvios, ou quebrar a sua função jurisdicional de conformação do status jusprocessual, quando a unidade de recurso possa, pela eventual afectação da decisão conformada, vir a provocar uma quebra na decisão única, eventualmente com a criação de situações elas sim conflituantes e antitéticas? No caso de ser conferida supremacia institucional a uma situação de dupla conforme, em caso de um recurso que abrange uma decisão jurisdicional proferida em processo apenso, não se poderá criar um estado de morbidade em que uma decisão favorável ao recorrente venha a criar um julgado antinómico com uma decisão duplamente confirmada, originando, neste caso, uma necessidade de um recurso extraordinário de revisão da parte da sentença intocada? Ou ainda no caso a decisão do recurso da decisão passível de reacção vir a ser favorável não se estará a criar uma irremível contradição nos pressupostos decisórios, criando uma situação em que os pressupostos de facto não são válidas para manter uma decisão mas são válidas para manter a decisão que se fundou nos factos considerados inválidos no recurso?

Em reverso, ou contraponto, das hipóteses adiantadas, poder-se-ia repontar com uma argumento adverso, qual seja a de que o naufrágio ou decesso do recurso interposto da dita decisão jurisdicional unificada. Ocorrendo esta hipótese, a argumentação que fundamenta a posição do recurso em bloco da decisão jurisdicional única, derruiria dado que por se ter limitado o recurso à parte da decisão não conformada evitar-se-ia o conhecimento de um recurso desinteressante e sem fundamento o que aproveitaria a actividade do tribunal de recurso e evitaria uma pronúncia sobre matéria que a ordem processual já teria adquirido como segura. Obviar-se-ia a uma actividade jurisdicional espúria e, acima de tudo, não se violaria o caso julgado já formado com a dupla conforme.

Neste conflito de interesses – estabilidade do caso julgado formado pela dupla conforme e eventual possibilidade de revisão de parte da decisão que não pôde ser objecto de recurso, mas que poderá vir a ser afectada com a decisão favorável do recurso sobre a decisão única – pendemos, ainda que, concedemos, com balanço mínimo, para a estabilidade da decisão sedimentada com a dupla conforme.

Na sustentação da posição que irá assumir estima-se conveniente recortar, ainda que com alguma parcimónia expositiva, a figura da dupla conforme.

Como é sabido a figura processual da “dupla conforme” foi introduzida no nosso ordenamento adjectivo com a reforma do regime de recursos que veio a ser plasmada no Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. [[4]] Com esta reforma pretendeu-se limitar o acesso irrestrito ao Supremo Tribunal de Justiça, por se partir do pressuposto que um julgamento conforme e sem discrepâncias em duas instâncias jurisdicionais – sendo que na segunda instância era necessário que a decisão fosse tomada por unanimidade –, conferia suficiente garantia de um julgamento justo e seguro quanto à solução do litígio. [[5]]

A solução adoptada, como se deixou aflorado supra, reconduz a decisão conformada à situação de caso julgado, logo que estejam esgotados os meios de reacção contra a própria decisão, a saber arguição de nulidades ou de reforma dessa decisão.

Ainda assim, não deixou o legislador de acautelar situações que pela sua relevância social, pela relevância jurídica que o caso encerra para efeito de dilucidação de questões de especial melindre e especificidade jurídica ou pela existência de contradição de decisões – cfr. artigo 721.º-A do Código Processo Civil anterior e hoje transposta para o artigo 672.º, n.º 2 – justificassem uma nova reapreciação do caso em sede de recurso de revista.

Fora destas situações, e não ocorrendo qualquer dos motivos ou razões insertas nas alíneas do n.º 2 do artigo 672º, fica adquirida para aquela acção uma dupla conformidade de decisões, ilaqueando o direito de recurso da decisão, por relativamente a ela se ter formado caso julgado material. Daí que admitir o recurso nestas circunstâncias seria uma quebra do instituto jusprocessual do caso julgado e violador de regras de segurança do direito.

Revertendo ao caso concreto. Ainda que tenha sido uma decisão jurisdicional única – vale dizer no processo a que um outro foi apenso – verificando-se uma situação de dupla conformidade relativamente ao pedido formulado numa das acções – no caso naquela que foi apensa – fica vedado ao vencido recorrer da parte de decisão jurisdicional única que decidiu de mérito o pedido requestado na acção apensa, por relativamente a ela se ter constituído caso julgado. [[6]]

II.C. – Nulidade do despacho reclamado por não ter procedido à convolação do pedido de recurso de revista-regra em revista excepcional no atinente à parte da decisão sobre a qual se formou a dupla conformidade.

Pede o reclamante, subsidiariamente, que seja permitido a convolação do recurso-regra em revista excepcional relativamente à parte da decisão sobre que se formou a dupla conforme, dado que, em seu razoamento: i) constitui um ónus interpretativo demasiado elevado a “necessidade de oferecer dois recursos de revista distintos - da mesma decisão - e sem que lhes seja pelo menos dada a especifica oportunidade de suprirem essa inobservância (…)”; ii) e se o facto da reforma que foi operada pela reforma de 2007, no concernente ao novo regime de recursos, notadamente a introdução do recurso de revista excepcional “(…) tempo de vigência demasiado curto (…)”, inviabilizou, ou impediu “(…) uma jurisprudência consolidada ou publicitada (que aliás não existe) para que as partes, num juízo de razoabilidade, possam ser sancionadas com a perda irremediável de um direito tão importante, como o direito ao recurso, apenas por interpretarem a lei no sentido de admitir um único recurso de revista ordinário, para uma decisão diferente proferida em segunda instância, e não dois recursos distintos, ordinário e excepcional, para segmentos diferentes do Acórdão proferido em segunda instância, consoante as decisões atinentes a cada um dos processos resultantes de apensação.”

Relativamente às questões enunciadas, importa razoar que a lei confere ao Juiz o poder/dever de adequar e gerir o processo de modo a que os actos que nele se praticam sejam orientados, conduzidos e dirigidos a um fim, conformando a prática e inclusão desses actos no processo de modo a que, não ocorrendo ofensa dos direitos dos intervenientes processuais, não ocorram desvios decorrentes de uma inapropriada prática de actos processuais por qualquer dos sujeitos processuais. Dito de outro modo, devendo o juiz orientar e dirigir o processo para que a decisão que nele venha a ser proferida seja o mais célere possível, deve operar ou agir de forma a corrigir eventuais actos praticados pelas partes que, tendo cabimento no processo e contendo uma pretensão atinente com um fim processual legitimo e permitido, se desviem, formalmente, desse fim. Segundo o mencionado principio, ao juiz está conferida ou cometida a faculdade de, tendo ocorrido um desvio formal de um acto processual praticado por um interveniente processual, legitimo e orientado substancialmente a conseguir um efeito ou fim processualmente pretendido, ajustar, conformar e modelar a pretensão contida no acto formal com o fim que, jusprocessualmente se lhe antevê e que deveria ter sido a que o interveniente processual deveria ter praticado, não fora o desvio formal ocorrido. Sabendo o juiz que para a obtenção de um determinado efeito ou fim processual o acto ajustado deveria ser um e a parte pratica um outro, mas que deste último se dessume uma intenção ou pretensão orientada à consecução do fim ínsito para um determinado fim processual plasmado na petição formal, então, e em homenagem ao princípio da adequação formal deve, substituindo-se á parte, ou prelevando a desvalia formal do acto formal praticado, ouvida a parte contrária, declarar que, sendo o modo correcto de obter o resultado processual, pressentido no acto desviado, aquele que definirá, o mencionado acto deverá ser entendido, compreendido e definido com essa dimensão, descartando ou desbordando da pretensão contida no acto formalmente errado e incorrectamente dirigido.

O acto desviado, ou incorrectamente praticado, deve, no entanto ter o mínimo de atinência com um fim processualmente determinado e definido na lei. O juiz não pode substituir-se à pretensão formalmente expressa de forma a desvirtuar a pretensão do sujeito processual. Isto é, o acto incorrecto ou erradamente classificado ou enunciado há-de conter um mínimo de orientação de sentido que permita ao juiz descortinar e dessumir um fim querido e dirigido a um resultado ou efeito processual.

O acto processualmente inapropriado há-de possuir um referente proposicional capaz e apto à consecução de uma pretensão processualmente legítima, embora, no caso, deficientemente expressa. No acto desviado ou incorrecto existe um fim ajustado mas que foi formal e deficientemente expresso. Existe, assim, uma desconformidade entre a forma utilizada para expressar uma pretensão e um fim processualmente correcto que dele se depreende e pressente e que poderá ser prosseguido, sem merma dos direitos dos demais intervenientes processuais, se ocorrer uma ajustada conformação processual, por intervenção do director/gestor e dirigente da lide processual, qual seja o magistrado a quem foi atribuído o poder de obter uma solução para o litígio.

A lei estabelece, no artigo 547.º do Código Processo Civil (anterior 275.º-A), um princípio para além, de uma obrigação, um dever ou uma injunção jurisdicional-funcional do magistrado. O magistrado detém uma faculdade, vinculada, que a lei lhe confere, e que inculca a existência de dever funcional-jurisdicional de agir e bem proceder, mas que não se assemelha a outros deveres funcionais que a lei processual lhe comina. Um magistrado que não cumpra o poder/dever de proferir despacho de conformação ou adequação processual não infringe uma obrigação jurisdicional tão grave como a que ocorreria se se abstivesse de proferir um despacho ou decisão que a lei de forma expressa e determinada lhe inculca, como seria o caso, por exemplo, de proferir sentença final depois de realizado o julgamento da causa.

Existe no poder/dever de aplicação do princípio de adequação formal uma vinculação jurisdicional de bem proceder e correctamente agir, que atina, por uma lado, e no plano endoprocessual ou da gestão processual, com o dever de o magistrado orientar o processo de modo a evitar que o processo não sofra percalços e desvios que lhe pervertam o fim para que tende, e por outro, no plano ou sentido de orientação jurisdicional do magistrado, o de este se pré-orientar na condução do processo de modo a que os actos praticados e manifestados sejam correctamente conformados prefigurando a consecução de um resultado que mais ajustadamente se conforme as regras e procedimentos configurados na lei processual. 

Erige a lei, mediante esta intervenção jurisdicional e conformadora do processo, por parte do magistrado que tem o poder de arbitrar o litígio, um efeito de superação do sentido e conteúdo material em detrimento da proposição performativa-formal em que um acto processual se expressa. Ou seja, o legislador pretendeu conferir ao magistrado o poder de sobrelevar a forma em função ou homenagem da correcta e apropriada orientação do processo, que deve ser orientado a um fim.

Constituindo-se esta faculdade do magistrado um poder/dever jurisdicional- funcional, a omissão ou ausência do seu exercício não poderá, contudo, constituir ou configurar uma nulidade absoluta ou principal, antes e tão só, como um desvio ou incorrecção da função jurisdicional, a caber dentro das omissões legais que estão cometidas ao magistrado e que, a não serem praticadas, constituem irregularidade processual a relevar como nulidade secundária ou relativa.

A lei, como se pretendeu inculcar supra, não extraindo do comando legal uma consequência drástica, como seria a nulidade dos actos posteriores, em caso de omissão ou falta da prática do dever (funcional) aí cominado ao magistrado, também não pretendeu deixar indemne a respectiva omissão, sob pena de o legislador ter criado uma norma sem consequência ou injunção preceptiva. Na verdade, afigura-se-nos que, impondo a lei o dever de o magistrado, oficiosamente, e ouvida a parte contrária, conformar o processo ao fim processualmente adequado, não o fazendo, omite um a obrigação legal-funcional cominada por lei que há-de, reclamando a parte lesada, ter uma consequência, qual seja a de, aceitando-se que esse dever foi omitido, de forma a lesar o escopo do principio ínsito no preceito, vir a ser determinada a prática do acto que a lei impunha.

Questão atinente será a de saber se o dever cometido ao magistrado, é um poder/dever discricionário, ou, ao invés, se trata de um dever legalmente vinculado, ou seja um dever que o magistrado está compelido a observar e a fazer observar em caso de se detectar um desvio ao formalismo prescrito na lei para a consecução/adequação de um acto processual que foi incorrectamente praticado.

Em nosso aviso, o dever com que a lei compele o magistrado é um dever vinculado e constitui uma injunção preceptiva dirigida ao magistrado que a não ser observada importa a omissão de acto que a lei prescreve, devendo a respectiva omissão ser sancionada como nulidade secundária, como já se asseverou supra.  

Revertendo a análise para as questões que constituem a epígrafe deste parágrafo, pensamos não ser despiciendo tecer algumas considerações sobre a figura da convolação, que hodiernamente soe apelidar-se de adequação processual. 

A convolação, forma pretérita de registar a situação em que o tribunal redefinia ou revertia a configuração de um acto processual, incorrectamente nominado ou tramitado, é permitida para as situações em que um sujeito processual manifesta a intenção de levar a efeito um determinado acto processual e, por um desvio técnico-jurídico, impulsiona, denominando ou não, um acto de feição ou cariz diferente.

Para exemplificar com um caso que tivemos a oportunidade de apreciar, recentemente, não foi admitido um recurso por se estimar que o recurso interposto assumia a natureza de agravo – o processo havia sido instaurado antes de 1 de Janeiro de 2008 – e não era admissível para o Supremo Tribunal de Justiça. A parte visada com a não admissão do recurso requereu que o despacho liminar do Relator fosse reapreciado pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tendo pedido que o despacho fosse substituído por outro que admitisse o recurso interposto. Na apreciação que fizemos do requerimento, e tendo presente o comando contido no artigo 265.º-A do Código Processo Civil – procedemos à convolação do pedido e reenviamos a apreciação do requerimento para a conferência, como competia.

Com este proceder e agir adequamos a pretensão do requerente ao fim processual em vista, dado que o modo correcto, que o requerido/peticionado tinha transviado, foi corrigido e adequando ao fim processual correcto e ajustado ao fim pretendido, reagir contra o despacho que, no entender do requerente, havia lesado seu direito de impugnar um despacho que lhe indeferia uma pretensão legitima e processualmente permitida, qual fosse o de ver o despacho do relator reapreciado por outra instância.

No caso concreto o reclamante conclama pela excessividade do ónus para o recorrente por ter de oferecer dois recursos sem que lhe tenha sido dado oportunidade de o convidarem – certamente explicando-lhe a situação de que se tinha formado uma dupla conforme sobre uma parte da decisão jurisdicional única e que sobre essa parte da decisão só poderia só haveria possibilidade de reacção através de recurso de revista excepcional – e, por último mas não o derradeiro, que a jurisprudência sobre o recurso de revista excepcional era ainda incipiente e não seria exigível a um atento usuário das técnicas jusprocessuais discernir da necessidade de interpor dois recursos de revista relativamente a uma única decisão jurisdicional.

A inextricabilidade da argumentação conleva, ou permite convolar, a resposta numa só.

O regime de recurso de revista excepcional leva oito anos, e nestes oito anos a questão da dupla conformidade tem sido amplamente debatida, inclusive por algum dissídio na jurisprudência relativamente ao alcance e âmbito objectivo da dupla conforme e a sua implicação na admissibilidade da revista excepcional.  

Os debates das reformas legislativas são agora amplamente debatidas e não resulta curial que, quem quer, invoque, ou conclame, falta de debate, tanto na doutrina como na jurisprudência, carência de conhecimento das regras que regem para um determinado instituto. Não resulta curial que alguém que se deve ter por adestrado numa determinada técnica reclame falta de debate ou de dilucidação quanto a uma questão. Quotidianamente os tribunais são chamados a decidir questões sobre as quais não logram obter qualquer elemento, doutrinal ou jurisprudencial, e não será por isso que podem eximir-se de sobre essa especifica questão proferir uma decisão de mérito. A omissão de julgamento equivaleria a uma renúncia de julgar proibida por lei – cfr. artigo 8.º do Código Civil.

Não se reputa razoável o apelo do reclamante a uma figura jusprocessual que se destina a corrigir erros de tramitação ou de opção nominativa, quando o procedimento se constitui como ausência de manifestação de vontade ou, acima de tudo, erro técnico-jurídico quanto a uma adequada análise jurídico-processual do meio recursivo a utilizar.

O reclamante não equacionou e avaliou, tecnicamente, qual o meio recursivo a utilizar e requereu um meio ou forma de recurso ordinário quando deveria ter usado um meio excepcional. O erro de configuração do meio recursivo, para cada um dos segmentos decisórios, é imputável ao reclamante que não teve engenho e sageza técnico-jurídica para proceder a uma destrinça jusprocessual das situações em apreço.

Dir-se-á, e acedemos, que a questão não era líquida, mas isso não obrigava o tribunal a corrigir o desvio e convidar o reclamante a emendar o requerimento, convidando-o a interpor dois recursos. A ser assim, e por absurdo, o tribunal estaria compelido a mandar corrigir todos os actos transviados e despropositados das partes, ainda que essa não fosse a manifestação querida por elas.

Com se deixou aflorado supra o princípio da adequação não se destina a corrigir omissões absolutas, mas tão só carências ou desvios que as partes não foram capazes de transportarem adequadamente para a lide processual.

No caso em apreço, o reclamante não colheu com exactidão – admitamos, sem desprimor, por carência técnico-jurídica – todo o amplexo conceptual que estava em jogo e pretendeu interpor recurso unitário de uma decisão que se lhe afigurou dever merecer impugnação unitária.

Não foi, certamente, deficiência de consolidação da legislação ou sequer da jurisprudência que conduziram a este desconforto técnico-jurídico, mas sim uma “desfocada”, chamemos-lhe assim, avaliação da questão de atacar a decisão da Relação.

Em nosso juízo, não serve de alibi a carência de jurisprudência sobre a temática, do mesmo passo que, para a situação, e em face da manifestação de vontade expressa no requerimento de interposição do recurso, advinha para o tribunal uma obrigação de convite para correcção do tipo de recurso, neste caso para que o reclamante bipartisse o requerimento em que pedia a revista-regra em dois requerimentos, revista-regra e revista excepcional.

Na desinência do exposto não ocorre a nulidade com que o reclamante intenta acoimar a decisão sob reclamação.”

A argumentação desenvolvida na reclamação para a conferência não aporta considerações propositivas de novidade para a solução da questão.

No entanto, e em sobejo do que foi expendido no despacho sob reclamação, sempre se dirá que ao recorrente sobra um meio recursivo que não ponderou em todo o seu razoamento.

Arrumemos a argumentação por proposições sintécticas.

O acórdão recorrido formou uma dupla conformidade relativamente a uma das acções apensas.

A dupla conformidade formada preclude ou esgota a via do recurso ordinário na ordem jurisdicional comum.

O exaurimento da via recursiva, na ordem jurisdicional comum, concede ao recorrente a possibilidade de abrir uma via de recurso para a ordem extraordinária, nesta caso a constitucional, por via do recurso – que anuncia nas respectivas alegações – da inconstitucionalidade da norma que viola, segundo o recorrente, direitos fundamentais da integridade física do reclamante.

Fica, por isso, aberta, pelo exaurimento da via recursiva na jurisdição comum, a possibilidade de recurso para a jurisdição constitucional.

Esta é, pensamos, a solução que respeita a ordem jurisdicional comum, maxime o respeito pelo instituto da dupla conforme, e habilita o demandante a defender os seus direitos – que estima terem sido violados pela colheita ilegal de sangue – na ordem constitucional.

Com este remate, continuamos a pensar, que o despacho recorrido não viola o direito de defesa do reclamante, antes zela pelo respeito de institutos que o legislador consagrou através da dupla conforme.                         

                

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acorda este colectivo na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Indeferir a reclamação e, consequentemente, confirmar o despacho reclamado.

- Condenar o reclamante nas custas.

    Lisboa, 5 de Maio de 2015

   Gabriel Catarino – (Relator)                              

   Maria Clara Sottomayor

   Sebastião Póvoas

____________________

[1] O Professor Aberto dos Reis, no seu Comentário ao Código Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 1946, 203, justifica o pedido de apensação de acções, pela forma seguinte, “O fundamento da junção é a conexão. Juntam-se causas que são conexas. E juntam-se para se conseguirem dois objectivos: a) economia de actividade; b) coerência, ou melhor, uniformidade de julgamento.

Como veremos, a apensação tem como consequência que as várias causas passam a ser instruída, discutida e julgadas conjuntamente; daí a economia. Mas a vantagem mais apreciável é a garantia do julgamento uniforme. Ora esta vantagem pressupõe que há em todas elas questões idênticas a resolver, pretendendo-se que sejam decididas de modo diverso e porventura contraditório. A identidade das questões a discutir implica a ideia de conexão.
[2] cfr. Professor Alberto dos Reis, op. loc. cit., 220.
[3] Veja-se a este propósito o comentário, com indicação da evolução processual dos ordenamentos adjectivos que influenciaram a ordenação processual portuguesa, o Professor Alberto dos Reis, in op. loc. cit.  págs. 198 a 220.   
[4] Para uma mais completa abrangência conceptual desta figura, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, “Dupla Conforme”: critério e âmbito da conformidade”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 21, Janeiro/Março 2008, págs. 21-27; “Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil”, intervenção realizada na Relação de Coimbra, em 12-02-2007; e José Alves de Brito, “Notas Soltas sobre a reforma do regime de recursos em processo Civil”, in Scientia Iuridica, ano 56, 2007, n.º 311, págs. 533 a 535.   

[5] Cfr. Ac. do STJ de 20-11-2014, relatado pelo Conselheiro Abrantes Geraldes em que se escreveu: “Com a reforma do regime dos recursos de 2007, a necessidade de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça determinou a consagração de uma restrição assente na dupla conforme: confirmação, sem voto de vencido e ainda que com fundamento diverso, da decisão da 1ª instância.

Esta medida foi objecto de largo debate entre os defensores da manutenção do sistema anterior que não previa este impedimento ao terceiro grau de jurisdição e aqueles que sublinhavam a necessidade de reduzir a quantidade de recursos, como forma de racionalizar o uso dos meios processuais e de valorizar a intervenção do Supremo, proporcionando reais condições para a criação de correntes jurisprudenciais estáveis.

Se, em abstracto, a multiplicidade de graus de jurisdição constitui elemento potenciador de maior segurança jurídica, também é certo que os meios disponíveis para a tarefa de Administração da Justiça são limitados e que a necessidade de alcançar uma decisão definitiva em tempo razoável não é compatível com o esgotamento da multiplicidade de recursos.

Foi consagrada no âmbito daquela revisão do regime de recursos cíveis a regra da inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme, com excepção das três situações particulares enunciadas no nº 1 art. 721º-A do anterior CPC.”

[6] Defendendo que mesmo para a mesma acção se torna necessário verificar os distintos itens ou segmentos do dispositivo para se aferir da existência de situações de dupla conformidade, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10-04-2014, in www.dgsi.pt cujo sumário, na parte interessante se deixa transcrito. “Nos casos em que a parte dispositiva da decisão contenha segmentos decisórios distintos e autónomos, (podendo as partes, por conseguinte, restringir o recurso a cada um deles), o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles.”