Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
061073
Nº Convencional: JSTJ00004266
Relator: LUDOVICO DA COSTA
Descritores: IMPOSTO DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA
PESCA COM APARELHOS
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196704280610732
Data do Acordão: 04/28/1967
Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IS 67/05/29, PÁG. 1053 - BMJ Nº 166, ANO 1967, PÁG. 243 - RLJ PÁG. 153
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC TRIB PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR TRAB - DIR FISC.
Legislação Nacional: CADM40 ARTIGO 1 ARTIGO 704 N5 ARTIGO 710.
D 5703 DE 1919/05/10 ARTIGO 3 ARTIGO 28 N3 N4 A ARTIGO 57.
L 999 DE 1920/07/15 ARTIGO 2.
L 1453 DE 1923/07/26 ARTIGO 5.
CPCI63 ARTIGO 85 PARUNICO.
CPC67 ARTIGO 764.
D 12822 DE 1926/11/01 IN DG IS 1926/12/15.
DL 45676 DE 1964/04/24.
Sumário :
O exercicio da industria de pesca com aparelhos, mesmo quando tenha lugar em areas sujeitas a jurisdição das autoridades maritimas, e passivel de imposto municipal de comercio e industria.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em Tribunal Pleno:

A e B, domiciliados aquele no concelho de Peniche e este no de Matosinhos, tendo pago as respectivas Camaras Municipais as quantias, tambem respectivamente, de 2209 escudos e 1816 escudos que, a titulo de imposto de comercio e industria, lhes haviam sido liquidadas pelo exercicio, durante o ano de 1963 e nos respectivos concelhos, da actividade industrial de "pesca por meio de aparelhos", reclamaram contenciosamente a restituição daquelas quantias, por indevidamente colectados.
As reclamações, subsistindo em recurso ate a ultima instancia hierarquica, tiveram a final este desfecho: enquanto o A viu desatendida a sua pretensão por acordão da Relação de Lisboa, de 5 de Maio de 1965, certificado a folhas 9, foi o Nora atendido por sentença do Tribunal da comarca, que a Relação do Porto confirmou em acordão de 7 de Julho do mesmo ano, aqui trasladado a folhas 3.
Ora, alegando que este ultimo aresto deu a mesma questão fundamental de direito, adiante concretizada, solução oposta a que obtivera no anterior acordão de Maio, apesar de proferidos ambos no dominio da mesma legislação, tambem ainda referida, e que nenhum deles recorrivel e por motivo estranho a alçada, desse acordão de Julho traz a Camara Municipal de Matosinhos recurso para o Tribunal Pleno, ao abrigo do artigo 764 do Codigo de Processo Civil.
A Secção entendeu verificar-se a oposição, dado que os dois acordãos, com o indicado conteudo, haviam sido emitidos no dominio dos mesmos diplomas; por um lado, os preceitos do Decreto-Lei n. 5 703, de 10 de Maio de 1919, integrados, em substituição da tabela que dele fazia parte, pelas verbas da aprovada pelo Decreto n. 12822, de 1 de Novembro de 1926 (no Diario do Governo, de 15 do mes imediato), preceitos esses que, na controversia em apreço, se resumem ao contido no artigo 57 daquele decreto; e, por outro lado, os artigos 704, n. 5, e 710 do Codigo Administrativo, que, segundo vem assente, nenhuma alteração substancial sofreram no nova redacção que lhes deu o Decreto-Lei n. 45676, de 24 de Abril de 1964.
Doutamente alegaram a partes a final. E o ilustre Magistrado do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal, reafirmando a posição tomada sobre o assunto pela excelentissima Procuradoria-Geral da Republica, nomeadamente no seu proficiente parecer n. 93/52, de 5 de Fevereiro de 1953, cuja copia juntou, e lucidamente rebatendo as objecções adversas, conclui no sentido da doutrina do acordão oferecido como oposto.
O que tudo ponderado e decidindo:
I - E de confirmar a existencia da oposição, pois que, enquanto no acordão de Maio se decidiu que, a despeito do preceituado no predito artigo 57 do Decreto n. 5703, e devido o imposto camarario de comercio e industria pela actividade industrial de pesca com aparelhos, no acordão em recurso resolvido foi que esse mesmo preceito afastava a sujeição daquela actividade ao referido imposto.
Deste modo e porque concorre ainda o restante condicionalismo do ja citado artigo 764 do Codigo de Processo, passa-se a curar da solução do conflito jurisprudencial.
E curando:
II - Entre os impostos municipais directos figura o ja referido imposto de comercio e industria, anteriormente ao citado Decreto n. 45676 designado por "licença de estabelecimento comercial ou industrial" e que devido e "pelo exercicio, na circunscrição municipal, de qualquer actividade passivel de contribuição industrial ou imposto de natureza especial que o substitua" (artigos 704 e 710 do Codigo Administrativo).
E vem provado que, no ano em referencia, foi o recorrido Nora colectado em contribuição industrial, pelo concelho de Matosinhos (folhas 33).
Cabendo, pois, o caso em apreço na regra do citado artigo 710, temos que o predito imposto municipal so deixara de ser exigivel se houver preceito especial que assim o determine.
Ora, argumenta-se no acordão recorrido, tal preceito e o ja citado artigo 57 do Decreto n. 5703, porquanto: segundo o n. 34 do artigo 28 deste diploma, compete aos capitães dos portos conceder na area da sua jurisdição (definida no precedente artigo 3 e paragrafos) licença para os diversos actos que ali se especificam e dos quais so interessa agora o de pescar; determinando-se na alinea a) do referido numero que a passagem das referidas licenças e da "exclusiva competencia da autoridade maritima dentro da area da respectiva jurisdição".
Vem depois o artigo 54, a dispor que as verbas a cobrar nas capitanias são as fixadas na tabela anexa, ora substituida, como se disse, pela constante do Decreto n. 12822. E nesta, sob a verba n. 52, se acha inscrita a "licença para pescar com aparelhos não especificados", cuja taxa varia em função da tonelagem da respectiva embarcação (10 escudos ate 4 toneladas;
20 escudos alem de 4 a 10; e outros 20 escudos por cada 10 toneladas a mais, ou fracção).
Finalmente, porque o citado artigo 57 remata o assunto, dispondo que "ficam abolidas, quaisquer licenças, rendas, taxas ou posturas passadas ou cobradas na area da jurisdição maritima pelas camaras municipais"
- conclui dai o acordão do Porto que: a) E da exclusiva competencia da autoridade maritima a concessão e cobrança das licenças para o exercicio das actividades comerciais ou industriais, mas essencialmente maritimas, descritas nas tabelas anexas aos citados Decretos ns. 5703 e 12822; b) Portanto, como a actividade de pesca constitui uma das que vem especificamente descritas na predita tabela, não pode ela, contra a proibição do citado artigo 57, ser passivel do imposto municipal incidente sobre a industria de pesca, ate porque a sua exigencia representaria uma duplicação do tributo.
Mas, independentemente da consideração de que esse imposto municipal, tal como vinha definido e designado no Codigo Administrativo antes da redacção de 1964, so foi autorizado, como medida geral, mais de um ano apos a publicação do citado Decreto n. 5703 (artigo 2 da Lei n. 999, de 15 de Julho de 1920, completado pelo artigo 5 da Lei n. 1453, de 26 de Julho de 1923) e de ponderar, dado que o problema, a despeito dessa localização no tempo, subsiste, na medida em que o citado artigo 57, como preceito especial que e, não pode, em principio, considerar-se revogado pela lei geral posterior (n. 999), e de ponderar, diziamos, que:
Da relacionação desse artigo 57 com os demais textos do respectivo diploma so resulta como exacto o exclusivismo da autoridade maritima (em ordem a afastar a interferencia de qualquer outra) quanto ao licenciamento para o exercicio dos actos especificados na tabela de 1926 e quanto a cobrança das respectivas taxas - exclusivismo esse que a parte final do citado n. 34 do artigo 28 suficientemente explica.
Consequentemente, a proibição para as Camaras Municipais passarem ou cobrarem tais licenças. Apenas isto, pois:
III - Quanto ao mais, que e o objecto do conflito a solucionar, ou seja, se pelo citado artigo 57 estão ou não as camaras municipais proibidas de colectar, em imposto de comercio ou industria, actividades comerciais ou industrias cujo exercicio decorra em areas sujeitas a jurisdição das autoridades maritimas
- e de dizer que:
Certo e, como se decidiu no acordão oposto, que aquele preceito e o artigo 710 do Codigo Administrativo podem coexistir, por ser diverso tanto o conteudo deles como o respectivo campo de aplicação.
Para se verificar que assim e, importa, na ponderação de que ex facto oritur jus, constatar qual sera, em cada uma dessas zonas, o facto tributario (lato sensu), tal como vem explanado no magistral preambulo do projecto que se converteu na Lei n. 533, de 1916, e cujo articulado, na parte tocante, se acha integralmente reproduzido no correspondente texto agora em vigor (paragrafo unico do artigo 85 do Codigo de Processo das Contribuições e Impostos).
Isto e, o mesmo facto tributario não pode ser origem de mais do que uma especie de tributo, ou, se se preferir, um so e o mesmo acto não pode ser objecto de mais de uma materia colectavel. Logo, para haver duplicação do tributo, necessario e que as colectas sejam da mesma natureza, pois "de duas coisas diferentes, uma não pode ser a duplicação da outra".
Ora, aproximadas essas noções dos textos e dos factos ja examinados, constata-se que:
As diminutas quantias pagas pela concessão da licença para pescar são, como decorre do proprio preambulo do Decreto n. 5703, verdadeiras taxas, cobradas, em contraprestação, pela utilização do dominio publico maritimo com a pratica desse acto de pescar, como simples facto em si, ou seja, independentemente do rendimento que o resultado desse acto possa produzir (v.g., pesca por parte dum amador).
Pois, como acertadamente se observa no douto parecer de folhas 64, tanto o Decreto n. 5703 como a respectiva tabela, ao referirem o acto sujeito a licença de pesca, desinteressam-se por completa da natureza ou especie da actividade, comercial ou não, industrial ou não, no desenvolvimento da qual tal acto venha a ser praticado. Trata-se dum aspecto inteiramente irrelevante para a lei, sendo necessaria a licença para a pratica do mencionado acto, qualquer que seja a especie ou natureza da actividade em que esse acto se integre.
Ao passo que, o artigo 710 do Codigo Administrativo estatui um verdadeiro imposto, e directo, que so devido e quando a actividade de pescar seja de tal modo complexa que traduza o exercicio da industria respectiva, passivel de contribuição industrial.
E como são bem conhecidas as diferenças que separam as duas figuras fiscais - taxa e imposto - basta, em ideia mais singela do caso vertente, focar que:
De um lado (Decreto n. 5703), ha autorização para a pratica do acto material de pescar (que, tão-somente, vem descrito na tabela) e a exigencia da respectiva taxa pela utilização do dominio maritimo.
De outro lado (artigo 710 do Codigo Administrativo), porque a contribuição industrial esta subordinada a tributação municipal da respectiva industria, cuja percentagem incide precisamente sobre a importancia da colecta daquela contribuição, e o rendimento, resultante do exercicio dessa industria, que se tributa.

Dai que, por se tratar de tributações independentes, autonomas e correspondentes a realidades diferentes, nem ha duplicação do tributo, nem fundamento para se considerar limitada pelo ja citado artigo 57 a faculdade tributaria camararia prevista no predito artigo 710.
Ao contrario, portanto, do que pretende a corrente em que enfileira o aresto recorrido, de nenhum modo e exacto que "pesca por meio de aparelhos seja a mesma actividade sobre que recairia o imposto de comercio ou industria - se fosse devido - e as taxas cobradas pela autoridade maritima, taxas que não deixam de ser ou constituir tributação" (Jurisprudencia das Relações, ano XI, pagina 163).
Por aqui se poderia ficar.
IV - Como, porem, ha na contra-alegação do recorrido argumentação especial, dir-se-a em apreciação dela:
1) Quanto ao primeiro argumento - ser a pesca uma actividade que, por exercida inteiramente dentro da area da jurisdição maritima, escapa a incidencia tributaria das camaras municipais - e como se diz no ja citado parecer: alem de manifestamente contrario a lei, provaria de mais.
Pois, nos termos do artigo I do Codigo Administrativo, a divisão administrativa abrange todo o territorio do continente, sem exclusão de qualquer parcela. E porque "as duas divisões territoriais (administrativa e maritima), obedecendo a criterios e fins diversos, coexistem e não se excluem", dai vem que na area das circunscrições municipais ficam abrangidas as proprias areas das circunscrições maritimas.
Provaria de mais, porque se a faculdade tributaria das Camaras fosse limitada pela circunstancia de o comercio ou a industria serem exercidos na area da circunscrição maritima, essa limitação seria valida para todas as empresas que ali exercessem o seu comercio ou industria, e não somente para aquelas cujo comercio ou industria envolvesse a pratica dos actos especificados na tabela ja referida.
2) O segundo argumento sumaria-se assim: por um lado, o imposto municipal sobre a industria de pesca esta incluido na verba respectiva daquela tabela; por outro, cobrando ja as Camaras o imposto ad valorem sobre o pescado, a exigencia de um outro imposto (o da industria) importaria uma duplicação tributaria.
Improcede o primeiro ponto, porque, como se viu, a mera actividade de pescar, que e quanto a licença maritima autoriza, alheia e ao resultado lucrativo que dessa actividade advenha.
E quanto ao segundo: por serem do conhecimento geral as diferenças entre um imposto directo (que tal e o que esta em causa) e outro, indirecto ou de consumo
(em que se enquadra o imposto sobre o pescado), e de dizer que, a ter sido este cobrado pela Camara, nada mais, atenta a noção do facto tributario, se tornaria necessario acrescentar para se concluir que improcede não so a duplicação de colecta como a propria ideia de o recorrido vir a ser, realmente, onerado pelo imposto indirecto.
V - Por tudo o exposto, da-se provimento ao recurso, com a consequente revogação do acordão recorrido e da sentença por ele confirmada, para subsistir o indeferimento da reclamação em primeira instancia, condena-se o recorrido nas custas dos recursos e assenta-se em que:
"O exercicio da industria de pesca com aparelhos, mesmo quando tenha lugar em areas sujeitas a jurisdição das autoridades maritimas, e passivel do imposto municipal de comercio e industria".

Lisboa, 28 de Abril de 1967

Ludovico da Costa (Relator) - Joaquim de Melo - H. Dias Freire - Fernando Bernandes de Miranda - Oliveira Carvalho
- Francisco Soares - Adriano Vera Jardim -
- Antonio Teixeira de Andrade - Lopes Cardoso - Gonçalves Pereira - Torres Paulo - J. Santos Carvalho Junior (Vencido. Entendo que o disposto no artigo 57 do Decreto n. 5703 impunha a solução oposta a que fez vencimento). - Eduardo Correia Guedes (Vencido - quando o artigo 57 do Decreto n. 5703 aboliu quaisquer licenças, taxas, rendas ou posturas passadas ou cobradas nas areas das circunscrições maritimas, a generalidade e profusão desta nomenclatura, impõe ao espirito a certeza de que as Camaras Municipais nada podem cobrar pelas actividades que se exerçam na area dessas circunscrições.
Acresce que o artigo 710 do Codigo Administrativo estipula que ao imposto de comercio e industria so estão sujeitas as empresas que exerçam qualquer ramo de comercio ou industria nas circunscrições municipais e a actividade da pesca e exercida no mar, que pertence ao dominio publico maritimo (quando pertence) e não as circunscrições municipais). - Jose Cabral Ribeiro de Almeida (Vencido pelas razões que antecedem).