Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
VENCIMENTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
AVALISTA
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO / TEMPO E REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA.
Doutrina:
- Abel Delgado, Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças Anotada, 7.ª Edição, Livraria Petrony, p. 19.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 237.º, 238.º, 323.º, N.º 2 E 342.º, N.º 2.
LEI UNIFORME RELATIVA A LETRAS E LIVRANÇAS (LLUL): - ARTIGO 70.º§ 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 19-06-2018, PROCESSO N.º 1418/14.7TBPVZ-A.P1.S1;
- DE 27-11-2018, PROCESSO N.º 9334/11.8TBOER-G.L1.S1, IN WWW.DGSI;
- DE 19-06-2019, PROCESSOS N.º 1025/18.5T8PRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-07-2019, PROCESSO N.º 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1.
Sumário :
I – Tendo sido concedido à exequente, no pacto de preenchimento, liberdade para fixar a data de vencimento das livranças subscritas em branco, ao invés de a fixar por referência à data relevante do incumprimento ou da resolução dos contratos garantidos por tais títulos, como pretende a embargante, carece de fundamento o invocado preenchimento abusivo das livranças dadas à execução.

II – Para efeitos de prescrição de tais títulos o que releva é a data de vencimento neles aposta pela exequente.

III – A não apresentação a pagamento das livranças (nas perspetivas várias de falta de interpelação para pagamento das quantias em dívida e de aviso de preenchimento das livranças pelo montante em dívida), ao avalista do subscritor, não determina a automática inexigibilidade e inexequibilidade dos títulos dados à execução.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA deduziu oposição por embargos de executado à execução que lhe foi movida pela exequente “BB – Sucursal em Portugal”, alegando para o efeito que, na sua qualidade de avalista das duas livranças dadas à execução, não foi interpelada pela exequente/embragada, para proceder ao pagamento de eventuais montantes em dívida e ainda que a mesma lhe não deu conhecimento de que iria proceder ao preenchimento de tais livranças avalizadas em branco.

           Invocou a ineptidão, por ininteligibilidade, do requerimento executivo, o preenchimento abusivo das livranças dadas à execução, a inexistência do direito a juros remuneratórios e ainda a prescrição dos juros contabilizados para além dos últimos cinco anos que antecederam a data de vencimento dos títulos.

A exequente contestou, defendendo-se por impugnação e defendendo a improcedência dos embargos.

No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada ineptidão do requerimento executivo e, realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, na qual os embargos foram julgados apenas parcialmente procedentes, determinando-se o prosseguimento da ação executiva apenas para pagamento da quantia global de € 394.108,26, acrescida dos juros moratórios vincendos, à taxa legal de 4 %, contados a partir de 11/11/2014, até integral pagamento.

Na sequência e no âmbito de apelação da embargante, a Relação do Porto anulou a sentença por considerar indispensável a ampliação da matéria de facto (vertida nos artigos 9.° a 15.º do Requerimento Inicial) e determinou que o Tribunal recorrido procedesse à apreciação da exceção perentória invocada pela embargante.

Realizada a nova audiência de julgamento, foi proferida nova sentença, na qual se decidiu “julgar parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os embargos de executado deduzidos pela embargante CC e, em consequência, determinar o prosseguimento da ação executiva intentada pela embargada BB, SA, Sucursal em Portugal, mas apenas para pagamento da quantia global de € 394.108,26 (€ 213.325,89 +€ 180.782,37), acrescida dos juros moratórios vincendos, à taxa legal de 4 %, contados a partir de 11/11/2014, até integral pagamento.”

Uma vez mais inconformada, interpôs a embargante novo recurso de apelação – recurso esse que a Relação do Porto veio a julgar improcedente, sendo confirmada a sentença.

De novo inconformada, interpôs a embargante recurso de revista excecional (admitido pela Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC), no qual formulou as seguintes conclusões:

I. A recorrente, não se conformando com o teor do acórdão proferido pela 2ª secção cível do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO que julgou improcedente o recurso por si interposto, vem dele interpor recurso de revista excecional.

II. Assim, nos termos do disposto no art. 629° n01 do CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (doravante CPC), considerando o valor processual da causa, que ascende a 394.108,26 €, e o facto de ser parte vencida, tendo sucumbido na sua totalidade, verificar-se-iam as condições gerais de admissibilidade do recurso ordinário de Revista, se não fosse a dupla conforme.

III. Todavia, e atento o disposto no n.º 3 do artigo 671.° do CPC, o recurso será admitido, de forma excecional, apenas se ocorrer uma de três circunstâncias previstas nas alíneas a) a c) do n.01 do artigo 672. ° do CPC.

IV. Na senda da demonstração do preenchimento dos requisitos patentes o corpo do referido normativo, maxime, a dupla conforme, no âmbito de uma ação executiva que teve na sua génese duas livranças em branco, a aqui recorrente, figurando ali enquanto executada na qualidade de avalista, deduziu oposição à execução.

V. Perante os embargos deduzidos pela ali embargante, e em face da correspetiva improcedência total, recorreu para o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, tendo este mantido a decisão recorrida na sua íntegra conforme melhor se explanará infra.

VI. Tendo em conta o supra citado art.º 672°, o presente recurso enquadra-se na hipótese vertida na al. c) (contradição de julgados), e também o requisito da inexistência de acórdão uniformizador se encontra cumprido.

VII. Ademais, sobre o recorrente recai o ónus de demonstrar "os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada', o que infra fará, sendo certo que, tendo o acórdão recorrido sufragado, quanto a cada uma das concretas questões de direito em causa, solução jurídica contraditória, com a firmada pelos supra referidos acórdão fundamento, relativa à mesma questão fundamental de direito, justifica-se, salvo melhor opinião, a admissão do recurso de revista excecional, conforme o disposto na al, c) do n.º l do art.º 672° do CPC.

VIII. Ora, uma vez que são três as questões jurídicas objeto de reapreciação, encontrando-se, cada uma delas per si, em contradição com um acórdão transitado em julgado, proferido no âmbito da mesma legislação e sobre uma mesma questão fundamental de direito, o seu tratamento será devidamente individualizado, dado tratar-­se de distintas questões de direito que consubstanciaram pedidos subsidiários.

IX. Assim, e no que concerne a primeira questão de direito invocada - prescrição do direito de ação por referência à correta data de vencimento das livranças, que não é aquela que foi aposta nas livranças (consubstanciando preenchimento abusivo) - o acórdão recorrido encontra-se em contradição com o sufragado no acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 30-04-2002, proferido no âmbito do processo 02A998 (cuja cópia se junta em anexo juntamente com a respetiva certidão com nota de trânsito nos termos do disposto no artigo 637.° n.02 e artigo 672.° n.º 2 al. c) do CPC), na parte em que, ficando provada a concreta data de vencimento das livranças em branco, que não corresponde àquela que foi aposta nas livranças - em desrespeito pelo pacto de preenchimento -, aquele (acórdão recorrido) considerou que tal circunstância não releva em termos de prescrição, mas somente em sede de preenchimento abusivo, e não retirando qualquer consequência jurídica relevante da factualidade provada referente à falta de correspondência entre a correta data de vencimento e aquela que veio a ser aposta (bem posterior à data do efetivo vencimento), enquanto este (acórdão fundamento) considerou que a referida factualidade consubstancia preenchimento abusivo, e, como tal, por referência à correta data de vencimento, o direito cambiário já se encontrava prescrito aquando da propositura da ação executiva (tudo cfr. arts. ° 70° e 10º da LULL aplicáveis ex vi do disposto no art.º 77° do mesmo diploma) - efetuando, com efeito, o acórdão fundamento, e conforme se impõe, uma correta interpretação e aplicação do direito aplicável: a análise conjunta de ambas as exceções para a qual influi a sobredita factualidade.

X. A este respeito, através do recurso interposto para o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, invocou a recorrente a prescrição do direito de ação da exequente, porquanto, e atenta a factualidade assente, a embargada havia resolvido os contratos em 13/08/2007 (com o incumprimento da mutuária - facto provado n.º 1l), procedendo ao preenchimento das livranças apenas em 08/02/2012, e propondo ação executiva apenas em 21/08/2014, consubstanciando, tal factualidade assente, preenchimento abusivo e, como tal, à data da ação executiva já o direito cambiário havia, há muito, prescrito.

XI. Ora, no que concerne esta concreta questão de direito, e com magno relevo para a presente revista excecional, importa atentar à factualidade provada pelo Tribunal a quo (e mantida pelo Tribunal ad quem) sob os nºs 7), 11) e 19) da factualidade provada reproduzida no acórdão recorrido cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

XII. Todavia, face à referida factualidade provada, o acórdão recorrido não efetuou, contrariamente ao sucedido no acórdão fundamento, uma correta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis supra referidas, alheando-se ao conceito de justiça intrínseco às normas jurídicas, bem assim, ao que evidenciavam os factos assentes: o decurso do prazo prescricional previsto no artº 70° por verificação do disposto no art.º 10º da LULL (ambos aplicáveis ex vi do disposto no art.º 770 1§ e 2§), i.e., a indicação de uma data de vencimento posterior àquela que é a verdadeira e comprovada data de vencimento, consubstancia preenchimento abusivo e culposo nos termos do art.º 10° da LULL que, por sua vez, determina a verificação da prescrição do direito cambiário.

XIII. Ora, o acórdão recorrido, não obstante a alegação da recorrente da verificação do preenchimento abusivo das livranças no que respeita a concreta data de vencimento - a qual resulta comprovada dos autos e que não corresponde àquela que veio a ser aposta nas mesmas - entendeu que “a falta de correspondência entre esse pacto e o teor do título não releva em termos de prescrição, mas diversamente em sede de preenchimento abusivo do mesmo”, desconsiderando a alegação da recorrente no sentido em que a prescrição e o preenchimento abusivo concorrem, em conjunto, para a aferição da prescrição cambiária.

XIV. Com efeito, o acórdão recorrido não considerou que a factualidade provada referente à divergência entre a data aposta nas livranças como data de vencimento e a correta data de vencimento consubstanciasse uma violação do pacto de preenchimento, considerando que, ao exequente, tratando-se de uma livrança em branco, não se impunha qualquer limite temporal, podendo este proceder ao preenchimento quando bem entendesse e “quando o considerar oportuno”.

XV. Ora, no acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (acórdão fundamento), datado de 30-04-2002, no âmbito do processo n. ° 02A998, já transitado em julgado (cfr. certidão. junta), estava também em causa uma mesmíssima situação: no âmbito de uma ação executiva, o executado deduziu embargos pugnando que a data inscrita no título violou o acordo convencionado, uma vez que a data que veio a ser inscrita no título não corresponde à data de vencimento (resolução do contrato), e, por conseguinte, e por referência à verdadeira data de vencimento, o título já se encontrava prescrito.

XVI. Ora, não obstante na situação do acórdão fundamento estar em causa uma letra (e não uma livrança), tal circunstância não torna as situações distintas, maxime tratando-­se de uma letra em branco, cujas normas aplicáveis às livranças nesta concreta questão de direito são precisamente as normas previstas para as letras (arts.º 70°,33° a 37° e 10° da LULL).

XVII. Ademais, o acórdão fundamento, e em abono do entendimento jurídico aí propalado, elucidou que ainda que o título seja subscrito em branco, tal não significa que o portador o possa preencher livremente, impondo-se a verificação de limites temporais – “não é só o resultado dos termos em que as partes se exprimiram/ como também corresponde a um interesse atendível por parte dos devedores - em especial o ora recorrente/ que é apenas o garante de obrigações assumidas por outrem em contrato em que não foi parte e em relação ao qual se deve reconhecer o interesse em ver delimitada claramente no tempo a sua responsabilidade”.

XVIII. Acrescentando, ainda, o acórdão fundamento, que “o acórdão recorrido, não atendendo a esta imperatividade, opinou, sem qualquer justificação razoável, não ser abusivo o preenchimento com vencimento à vista, o qual iria, afinal, permitir um prolongamento temporal indefinido em tudo contrário ao propósito evidenciado pelo contrato de preenchimento”.

XIX. Em súmula, entendeu este Venerado Tribunal no referido acórdão fundamento, perante a mesma factualidade do acórdão recorrido, que a circunstância da data aposta no título como data de vencimento não corresponder à verdadeira data de vencimento, “implica um indevido protelamento do início do decurso do prazo prescricional”, consubstanciando preenchimento abusivo e julgando verificada a exceção da prescrição, extinguindo, por conseguinte, a execução.

XX. Improcedendo, no entanto, o recurso da ora recorrente, no domínio da mesma factualidade concreta, da mesma questão fundamental de direito e da mesma legislação, pois, em ambas situações, atenta a correta data de vencimento e a data da propositura das respetivas ações executivas, já há muito havia decorrido o prazo prescricional de três anos.

XXI. A este respeito, e relativamente a esta concreta questão de direito, cremos não ser despiciendo referenciar o entendimento propalado e citado no acórdão deste Venerado Tribunal no âmbito do apenso A dos presentes autos relativamente aos limites temporais que se impõem quando o título é subscrito em branco (o qual foi cabalmente subscrito nas alegações de recurso da ora recorrente que mereceram a decisão patente no acórdão recorrido), referindo que “impende sobre si [exequente] o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorridos (no máximo) três anos sobre esse instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o direito cambiário. Se persistir em preencher e/ou assinar o título para lá desse limite temporal, indicando uma data de vencimento posterior, incorre em preenchimento abusivo e culposo nos termos do art. 10º da LU e, por referência à data de vencimento correta, o direito cambiário deve considerar-se prescrito”.

XXII. Por conseguinte, perante a evidente contradição de julgados, ressalta, com todo o respeito, o erro de interpretação e aplicação das normas da LULL, maxime, dos arts.º 70°, 33° e 10°), constituindo, portanto, fundamento do presente recurso nos termos do preceituado no art.º 674°, n.º 1 al. a) do CPC, impondo-se, com efeito, a revogação deste último.

XXIII. Por outro lado, e subsidiariamente à prescrição invocada por verificação do preenchimento abusivo das livranças dadas à execução, invocou a recorrente a inexigibilidade da quantia exequenda perante a avalista por falta de interpelação (2ª concreta questão de direito).

XXIV. Quanto a esta concreta questão de direito, o acórdão recorrido encontra-se em contradição com o sufragado no acórdão do TRIBUNAL DA RELACÃO DE ÉVORA, de 27/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 1470/11.7TBSTB-A.E1 (cuja cópia se junta em anexo juntamente com a respetiva certidão com nota de trânsito nos termos do disposto no artigo 637.° n.º 2 e artigo 672.° n.º 2 al. c) do CPC), na parte em que, ficando provada a falta de interpelação prévia da avalista (como ficou quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento),aquele (acórdão recorrido) considerou que tal circunstância apenas releva em sede de contagem de juros moratórios, enquanto este (acórdão fundamento) considerou que a referida circunstância consubstancia a inexigibilidade de quantia aposta nas livranças, extinguindo, por conseguinte, a execução.

XXV. Releva, quanto a esta concreta questão de direito, a factualidade provada nº 16), 17) e 18) reproduzida no acórdão recorrido e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, a qual foi mantida pelo Tribunal ad quem, e da qual resulta a embargada não comunicou, em momento algum, à embargante o incumprimento da mutuária e respetivos valores em dívida - momento que a legitimaria a preencher os títulos - cfr. facto provado n.º 7; por outro lado, o comportamento da embargada em ignorar a existência da ora recorrente, persistiu, quando, volvidos cerca de cinco anos a contar do referido incumprimento da mutuária, a embargada procede unilateralmente ao preenchimento das livranças em branco sem, contudo, previamente lhe comunicar que o iria fazer, bem como os elementos que iria inscrever na mesma; e, por fim, mesmo após o preenchimento das referidas livranças, a embargada manteve a mesma atitude, não a interpelando para proceder ao respetivo pagamento.

XVI. Porém, o acórdão recorrido considerou que a referida circunstância em nada afetaria a obrigação exequenda.

XVII. Já o acórdão fundamento considerou que “Temos para nós como pacífico que a não apresentação da livrança a pagamento ao avalista não lhe retira a exequibilidade, por ser um título pagável à vista. Todavia, é necessária a interpelação prévia do avalista, no caso do título ter sido entregue em branco ao credor, para este preencher, pois só assim o avalista terá efetivo conhecimento do montante exato e da data de vencimento da garantia prestada. Ou seja, neste caso, a interpelação do avalista “é essencial para a prova de que o respetivo vencimento se deu na data em que a exequente apôs no título, de acordo com o pacto de preenchimento”.

XXVIII. No acórdão fundamento considerou-se provada a não interpelação do avalista para os referidos termos, desconhecendo este por completo o montante exato e a data em que se vencia a obrigação avalizada, tendo o mesmo alegado ter sido apanhado de surpresa com a citação, tal qual sucedeu no acórdão recorrido.

XXIX. Em suma, entendeu o acórdão fundamento, no âmbito da mesma questão jurídica e perante a mesma factualidade provada, que "a exigibilidade perante o avalista duma livrança subscrita em branco, pressupõe a necessária interpelação prévia daquele, por só assim ele ter conhecimento do montante exato da dívida e da data em que se vence a garantia prestada" (…), julgando, pois, “procedente a apelação”, “determinando-se a extinção da execução no que se refere ao recorrente”, improcedendo, no entanto, o recurso da ora recorrente, no domínio da mesma factualidade concreta, da mesma questão fundamental de direito e da mesma legislação.

XXX. Por conseguinte, perante a evidente contradição de julgados, ressalta, com todo o respeito, o erro de interpretação e aplicação das normas da LULL e do CC (nomeadamente do art.° 762° n.°2 - boa-fé contratual), constituindo, portanto, fundamento do presente recurso nos termos do preceituado no art.º 674°, n.º l al. a) do CPC, impondo-se, com efeito, a revogação deste último.

XXXI. Por último, invocou ainda a recorrente o preenchimento abusivo das livranças com outros fundamentos, designadamente como decorrência da falta de interpelação da avalista.

XXXII. No que respeita esta concreta questão de direito, o acórdão recorrido encontra-se em contradição com o sufragado no acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, de 11-10-2016, proferido no âmbito do processo n.º 4233/10.3TBVFX-A.L1-7 (cuja cópia se junta em anexo juntamente com a respetiva certidão com nota de trânsito nos termos do disposto no artigo 637,° n.º 2 e artigo 672.° n.º 2 al. c) do CPC), na parte em que, ficando provada a falta de interpelação do avalista do título em branco, aquele (acórdão recorrido) considerou que tal circunstância não consubstancia qualquer situação de preenchimento abusivo, enquanto este (acórdão fundamento) considerou que a referida circunstância consubstancia preenchimento abusivo, extinguindo, por esse motivo, a execução.

XXXIII. Ora, a este respeito, alegou a recorrente que “do incumprimento da necessária interpelação prévia, cumpre concluir-se que o Banco/recorrido atuou, em relação à ora recorrente, de modo contrário àquele imperativo de boa-fé, ao fim do aval e aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça, o que torna ilegítimo o exercício que pretendeu fazer valer, devendo, pois, ser fundamento de extinção da execução”.

XXXIV. Relevando, quanto a esta concreta questão jurídica, a factualidade provada sob os nºs 16), 17) e 18) reproduzida no acórdão recorrido e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

XXXV. Porém, entendeu o acórdão recorrido que a atuação da exequente em não interpelar a avalista foi legítima, considerando, com efeito, não verificado, o preenchimento abusivo das livranças dadas à execução.

XXXVI. Já o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA no acórdão fundamento, datado de 11-10-2016, proferido no âmbito do processo n.º 4233/10.3TBVFX-A.L1-7, já transitado em julgado (cfr. certidão junta), no qual estava também em causa uma ação executiva à qual subjaz uma livrança em branco e subsequente oposição à execução por parte do avalista invocando a sua falta de interpelação prévia, foi a execução declarada extinta porquanto, considerou aquela douta Relação que o preenchimento da livrança em branco com ausência de interpelação prévia do avalista é abusivo.

XXXVII. Considerando, ainda, que, “tratando-se do vencimento das prestações futuras em que se desdobrava o cumprimento do negócio subjacente, bem como do exercício à resolução do negócio por incumprimento do mutuário, invocado pelo avalista ou pelo subscritor o abusivo preenchimento da livrança entregue em branco, competia ao portador do título demonstrar o pressuposto básico e fundamental que lhe permitia proceder licitamente ao preenchimento do título, ou seja, a prévia interpelação daqueles”, e que “não provando a exequente que, na relação subjacente à emissão do título e no âmbito das suas relações imediatas (entre portsdor, subscritor e seus avalistas), realizou efetivamente o ato de interpelação dos devedores subscritores da livrança em branco, procede a oposição de executado deduzida pelo avalista com este fundamento”, tendo, por conseguinte, julgado extinta a execução, improcedendo, no entanto, o recurso da ora recorrente, no domínio da mesma factualidade concreta, da mesma questão fundamental de direito e da mesma legislação.

XXXVIII. Por conseguinte, perante a evidente contradição de julgados, ressalta, com todo o respeito, o erro de interpretação e aplicação das normas da LULL e do CC (nomeadamente dos arts.º 813.º - mora do credor- e 762° n.º 2 do CC - boa-fé contratual), constituindo, portanto, fundamento do presente recurso nos termos do preceituado no art.º 674°, n.º l al. a) do CPC, impondo-se, com efeito, a revogação do acórdão recorrido.

XXXIX. Termos em que, deverá o presente recurso ser admitido, e concedido provimento ao mesmo nos termos propalados, com as devidas e legais consequências apontadas no vindo de referir, só assim se fazendo a mais elementar justiça.

Nestes termos e nos mais de Direito, maxime nos douta e superiormente supríveis, Venerandos Julgadores, deve o presente recurso ser admitido, e, concedido provimento ao mesmo, proferido douto acórdão que revogue aquele que motiva o presente Recurso de Revista Excecional nos termos supra propalados, extinguindo-se, por conseguinte, a instância executiva no que respeita a ora recorrente, fazendo-se, assim, a melhor e mais elementar JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos cumpre decidir:

Perante o conteúdo das conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto da revista (e decidida que se mostra, pela Formação, a questão da admissibilidade da revista excecional), são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:


- preenchimento abusivo das livranças;
       - prescrição do direito de ação;
       - inexigibilidade da quantia exequenda por falta de interpelação.

É a seguinte a factualidade dada como provada e como não provada pelas instâncias:

Factos provados:

1) A exequente Banco BB, SA, Sucursal em Portugal, intentou contra os executados DD, Lda, EE, AA, FF, GG, HH e II, a ação executiva de que estes autos são apenso, dando à execução as duas livranças cujos originais estão integrados no processo executivo, aqui dados por integralmente reproduzido;

2) As referidas livranças, com os nºs ... e ..., foram subscritas, em branco, pela sociedade JJ, Lda, e avalizadas, pelo menos, pela executada AA, para garantia do efetivo cumprimento das obrigações decorrentes da celebração dos contratos de compra e venda e mútuo com hipoteca e de mútuo com hipoteca e respetivos documentos complementares, ambos celebrados em 01/09/2005, constantes dos documentos apresentados como requerimento executivo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;

3) Através do primeiro dos referidos contratos (compra e venda e mútuo com hipoteca), a exequente (nessa altura denominada BB, com o nome comercial de "KK"), concedeu à sociedade JJ, Lda, um empréstimo no montante de € 149.639,37, nos termos e condições constantes do documento complementar anexo, destinado a financiar a aquisição pela mesma da fiação autónoma designada pela letra "E", correspondente a um armazém industrial com a área de 750m2, do prédio sito na Rua ..., em ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n° … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., sobre a qual foi constituída hipoteca voluntária a favor da exequente;

4) Por sua vez, através do segundo dos mencionados contratos (mútuo com hipoteca), a exequente concedeu à referida sociedade JJ, Lda, um empréstimo, no montante de € 126.860,63, nos termos e condições constantes do documento complementar anexo, sendo o mesmo exclusivamente destinado a apoiar a realização de obras de beneficiação das instalações comerciais da mutuária e, em garantia, foi constituída a favor da exequente hipoteca voluntária sobre a referida fração autónoma designada pela letra "E", do prédio sito na Rua ..., em ..., ...;

5) Em conformidade com o estipulado nas cláusulas segunda e sexta dos documentos complementares anexos aos dois aludidos contratos, as quantias mutuadas foram utilizadas de uma só vez, através de crédito na conta de depósito à ordem da mutuária, devendo ser reembolsada em 180 prestações mensais de capital e juros;

6) Na cláusula nona dos referidos documentos complementares, convencionou-se que as mencionadas obrigações seriam ainda garantidas pela emissão de livranças, subscritas pela mutuária JJ, Lda, e avalizadas por DD, Lda, EE, AA

, HH, II, FF e GG, ali se estabelecendo que "Em caso de incumprimento de todas as obrigações e responsabilidades constituídas ou a constituir perante a BB, decorrentes do presente contrato, suas renovações c substituições e até integral pagamento, a BB fica desde já autorizada a preencher e a descontar a referidas livrança pelo valor que lhe for devido, conforme o preceituado neste Contrato, a fixar as datas de emissão e vencimento, a designar o local de pagamento, bem como a proceder ao débito na conta de Depósitos à Ordem da Mutuária do valor devido pelo correspondente imposto de selo";

7) Na cláusula décima segunda dos mencionados documentos complementares, na parte que agora releva, estabeleceu-se: "Considerar­-se-á como imediata e automaticamente vencido e consequentemente exigível, tudo quanto constitua o crédito da BB, se c quando ocorrer qualquer um dos seguintes factos: a) A Mutuária suspender ou deixar de satisfazer qualquer obrigação e/ou responsabilidade decorrente ou assumida no presente Contrato, quer tenha natureza pecuniária ou não (...) c) A Mutuária e/ou os Avalistas reconhecerem a sua incapacidade para solverem os seus débitos, entrarem em concordatas, acordos de credores ou em quaisquer outros processos preventivos ou preparatórios de falência ou insolvência, outros processos de recuperação de empresas e proteção de credores, apreensão de bens, expropriação, gestão controlada, intervencionada, direta ou indiretamente, pelo estado ou vier a ser declarada a sua falência ou insolvência, bem como se praticarem qualquer ato de natureza ou efeitos análogos (...) d) A Mutuária e/ou os Avalistas foram executados judicialmente";

8) Na cláusula quarta dos aludidos documentos complementares, na parte que agora releva, estabeleceu-se: "1 - O presente empréstimo vencerá juros à taxa nominal anual inicial de 4,25 (quatro virgula vinte e cinco por cento). 2 - Sobre o capital mutuado incidem juros a uma taxa equivalente à taxa EURIBOR ( ... ) a seis meses, à data da tomada de fundos, a arredondar para o ~ percentual superior, acrescida de uma margem (spread) de 2,00% ( ... ), ajustável no início de cada semestre, em função aos variações que venham a ocorrer no indexante (... ) 3 - Fica desde já convencionado que a taxa aplicável em cada momento não poderá ser inferior a ./,25% ( ... ) nominal anual, pelo que será esta a taxa a aplicar no caso de algum ajustamento periódico, nos termos previstos no número anterior, produzir como resultado uma taxa inferior (... ) 8 - No caso de a BB considerar os seus créditos integralmente vencidos devido ao incumprimento da Mutuário, acrescerá à taxa de juro contratual, a título de cláusula penal, uma sobretaxa de 4,00% ( ... ) ou aquela que estiver em vigor, que incidirá sobre o capital em dívida pelo período da mora ( ... ) 9 - Todas as despesas inerentes ao presente Contrato, incluindo o Imposto de Selo e demais encargos legais, serão suportados pela Mutuária: A Mutuária compromete-se a indemnizar a BB das referidas despesas e encargos legais e fiscais, no prazo máximo de 15 ( ... ) dias, a contar da data da comunicação que a BB dirigir à Mutuária nesse sentido, acompanhada dos respetivos documentos comprovativos ";

9) A subscritora JJ, Lda, e os avalistas DD, Lda, EE, AA, HH, II, FF e GG, subscreveram ainda a convenção de preenchimento constante do documento de fls. 26 a 28, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, aí se consignando, para além do mais "... livrança esta cujo montante, data de emissão e data de vencimento se encontram em branco, para que a BB os fixe, podendo completar o preenchimento do título, compreendendo o saldo que for devido, comissões, juros remuneratórios e de mora e de imposto de selo devido, e descontando-o quando o considerar oportuno, o que, desde já, e por esta, se autoriza, no caso de a sociedade JJ, LIMITADA, não regularizar as obrigações provenientes do referido empréstimo";

10) No âmbito dos referidos contratos, a mutuária JJ, Lda, procedeu ao pagamento das prestações (rendas) vencidas até 02/09/2006, deixando por liquidar a totalidade das que se venceram posteriormente (cfr. extratos de fls. 84 a 103, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido);

11) Em 13/08/2007, a exequente remeteu à mutuária JJ, Lda, a carta de fls. 125, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe que os aludidos empréstimos se encontravam por regularizar desde 02/10/2006, estando nessa altura em dívida as prestações de € 13.539,00 e € 11.518,00 e interpelando-a para proceder ao pagamento das quantias em dívida e respetivos juros, no prazo de cinco dias, sob pena de se considerarem automaticamente vencidos ambos os empréstimos e proceder à sua cobrança judicial;

12) Em 11/01/2008, a exequente intentou no extinto Tribunal Judicial da ..., ação executiva para pagamento de quantia certa contra a mutuária JJ, Lda, nos termos documentados a fls. 69 a 76, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;

13) No âmbito da referida execução, a exequente procedeu à liquidação das respetivas obrigações, considerando a data de 09/01/2008, nos seguintes termos:

a) Mútuo do montante inicial de € 149.639,37:

Capital - € 142.554,13;

Juros - € 16.491,79;

Juros de mora - € 2.727,56;

Despesas - € 5.702,17;

Impostos - € 568,77;

Impostos - € 228,09;

Total- € 163.272,52,

b) Mútuo do montante inicial de € 126.860,63:

Capital - € 120.858,07;

Juros - € 9.742,93; J

Juros de mora - € 2.312,27;

Despesas - € 4.834,32;

Impostos - € 482,21;

Impostos - € 193,37;

Total- € 138.423,17;

14) A sociedade JJ, Lda, foi declarada insolvente por sentença de 08/02/2012, proferida no processo n° 1159/11.7TYVNG, que correu os seus termos pelo extinto 1 ° Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia;

15) Na sentença de verificação e graduação de créditos no âmbito do referido processo de insolvência, no acórdão proferido em sede de recurso, constante da certidão de fls. 107 a 118, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, depois de efetuadas as correções julgadas necessárias, foram considerados os seguintes créditos da exequente calculados até à data da declaração de insolvência (08/02/2012):

1º mútuo:

Capital  € 142.554,13;

Juros remuneratórios € 36.240,55;

Juros de mora € 26.020,51;

Imposto de selo sobre juros € 2.490,44;

Despesas (4% sobre o capital) € 5.702,17;

Imposto de selo s/despesas € 228,09
(€ 213.325,89),

 2º mútuo:

Capital - € 120.858,07;

Juros remuneratórios € 30.725,05;

Juros de mora € 22.060,15;

Imposto de selo sobre juros € 2.111,41;

Despesas (4% sobre o capital) € 4.834,32;

Imposto de selo s/despesas € 193,37
 (€ 180.782,37);

16) A executada AA foi surpreendida com os presentes autos de execução porquanto, até à citação efetuada no âmbito dos mesmos, jamais foi interpelada pela exequente para pagamento dos montantes em dívida;

17) Até à data da referida citação, a exequente nunca comunicou à executada AA os valores em dívida, bem como respetivas datas de vencimento, ou sequer, desde quando a mutuária deixou de pagar as prestações a que estava obrigada e qual o cálculo efetuado para chegar a tais valores, nomeadamente, as taxas de juros aplicadas;

18) A exequente não deu conhecimento à executada AA de que iria proceder ao preenchimento das referidas livranças, nem posteriormente a interpelou para efetuar o pagamento das quantias que nelas foram inscritas;

19)A ação executiva de que estes autos são apenso foi intentada através da remessa a juízo do requerimento executivo por transmissão eletrónica de dados efetuada em 21/08/2014, tendo a executada AA sido citada através de carta registada com aviso de receção recebida em 11/11/2014 (cfr. aviso de receção integrado no histórico eletrónico do processo executivo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido).

Factos não provados:

a) Que a executada AA, atenta a existência de hipoteca constituída sobre o imóvel da mutuária (para cuja aquisição foi concedido o empréstimo) e a ausência de qualquer comunicação por parte da exequente, estivesse convencida de que tudo estava regularizado, senão pelo cumprimento por parte da mutuária, pelo menos, pelo preço do imóvel dado de garantia.

b) Que a mencionada executada, sendo terceira em relação à empresa mutuária e não tendo intervindo na outorga dos contratos de mútuo e respetivos documentos complementares, desconhecesse, até à data da referida citação, os exatos termos dos aludidos contratos que estiveram na origem da concessão do crédito em causa.

c) E que a mutuária tenha efetuado o pagamento de mais prestações para além das que foram consideradas pela exequente.

I - Quanto ao preenchimento abusivo das livranças:

A embargante ora recorrente entende que, tendo a exequente resolvido a 13-08-2007, por incumprimento, os contratos de mútuo garantidos pelas livranças em branco que avalizou e que foram dadas à execução, houve preenchimento abusivo das mesmas quando nelas foi aposta a data de vencimento de 08-02-2012.

O preenchimento abusivo reveste a natureza de facto impeditivo ou extintivo do direito do portador do título de crédito, pelo que o ónus de alegação e de prova da pertinente facticidade impende sobre o embargante – art. 342.º, n.º 2, do Código Civil – razão pela qual competia à embargante avalista demonstrar, primeiro, a existência de um acordo ou pacto de preenchimento das livranças – colocando-se dentro das relações imediatas (podendo, assim, esgrimi-lo contra o exequente), e, segundo, o abuso no seu preenchimento por desconforme àquele acordo (Cf. Acórdão do STJ de 09-07-2015, Revista n.º 1306/12.1TBGMR-A.C1.S1 - 7.ª Secção, Relator Pires da Rosa, in Sumários dos Acórdãos do STJ).

O acordo ou pacto de preenchimento das livranças, que a embargante logrou provar ter existido e nele ter tomado parte (factos provados 6 e 9), deve ser interpretado segundo as regras dos arts. 236.º a 238.º do CC  (Cf. Acórdão do STJ de 20-06-2006, Revista n.º 616/06 - 6.ª Secção, Relator João Moreira Camilo, in Sumários).

Ora, seguindo tais regras, as expressões “a BB fica desde já autorizada a fixar as datas de emissão e vencimento” (facto provado 6) e “livrança esta cujo montante, data de emissão e data de vencimento se encontram em branco para que a BB os fixe, podendo completar o preenchimento do título” (facto  provado 9) comportam o sentido inequívoco de que as partes subscritoras do acordo de preenchimento, nas quais se inclui a embargante, concederam à beneficiária exequente a liberdade de fixar a data de vencimento das livranças que bem entendesse, ao invés de a fixar por referência à data relevante do incumprimento ou da resolução dos contratos garantidos por tais títulos, como pretende a embargante.

Não logrou assim a ora recorrente demonstrar que a data de vencimento desrespeitou o acordo de preenchimento das livranças – razão pela qual não se pode sustentar ter existido preenchimento abusivo das livranças inexistindo, por consequência, fundamento para retificar a data que nelas consta.

Este é, de resto, o entendimento que tem vindo a ser sufragado na vasta jurisprudência deste Supremo Tribunal – designadamente nos seguintes arestos, publicados in Sumários dos Acórdãos do STJ: 

“I - Tendo a livrança sido entregue à embargada sem dela constar a data do seu vencimento, para ser preenchida no caso de incumprimento do contrato de mútuo, daí não resulta que a data do vencimento da livrança deva ser precisamente a do vencimento da obrigação garantida pela mesma livrança.

II - Assim, não há forçosamente preenchimento abusivo da livrança quando a data nela aposta como data do seu vencimento não coincida com a data de vencimento da obrigação emergente do empréstimo.

(Acórdão de 01-07-2003  - Revista n.º 1894/03 - 6.ª Secção – Relator Fernandes Magalhães).

I - Provado que a subscritora da livrança em branco, um dos executados, autorizou o recorrido, no pacto de preenchimento, a fixar a data da emissão da livrança, e a designar o local de pagamento, e que o recorrido, ao abrigo de tal autorização, fixou livremente a data da emissão da livrança - livremente, pois não tinha de a fazer coincidir com a data em que a livrança foi subscrita em branco - e designou livremente o local do pagamento, tudo igualmente de acordo com o avalista/recorrente, que interveio no contrato de preenchimento declarando ter perfeito conhecimento dos seus termos, aos quais deu a sua anuência, e foi avisado por carta registada remetida pelo recorrido, quer das datas de emissão e vencimento da livrança, quer do lugar do pagamento, não houve violação objetiva do pacto de preenchimento nem falta de apresentação da livrança a pagamento por parte do tomador/beneficiário da livrança.

II - Por outro lado, a menção da relação subjacente não tinha de constar da livrança porque a Acão executiva reconduziu-se a uma relação abstrata (fundada na livrança enquanto título de crédito que incorpora e define o próprio direito formal, independente e que se destaca da “causa debendi”), que não a uma relação causal. 

III - Enquanto o negócio abstrato - que baseou a execução dos autos - vale e opera eficazmente os seus efeitos, independentemente da fonte que o haja originado, tratando-se de execução com base em quirógrafo de uma obrigação causal ou subjacente, já as coisas se não passam da mesma feição, pois só pode ser requerida com invocação clara e precisa da causa, já que aquele documento vale apenas como documento que faz presumir o direito adquirido pelo negócio subjacente, titulando uma obrigação causal.

IV - Não sendo este último o caso da execução embargada, não havia necessidade de indicar no título executivo (nem no requerimento executivo) o negócio causal ou subjacente. 

V - O avalista/recorrente, por estar dentro das relações imediatas (as que ligam os obrigados cambiários diretamente à relação subjacente), podia defender-se com todas as exceções pessoais, mas não exigir a discriminação do negócio causal, subjacente ou fundamental na própria livrança.” 

(Acórdão de 03-05-2005 - Revista n.º 964/05 - 1.ª Secção – Relator Faria Antunes).

“I - Constando expressamente do pacto de preenchimento, que o vencimento da livrança foi colocado na total e absoluta disponibilidade da vontade da entidade bancária, e traduzindo-se o aval numa obrigação autónoma de garantia das responsabilidades assumidas pelo avalizado, do risco inicial que da prestação resulta para o avalista, faz parte da sua sujeição ao direito potestativo que assiste ao respetivo portador, de aposição da data do vencimento da obrigação cambiária que o mesmo incorpora, não se verificando em tal situação qualquer omissão passível de ser colmatada através do recurso ao conteúdo ao art.º 239 do CC.

II - Constituindo a obrigação assumida pelo dador do aval uma obrigação autónoma, relativamente à do objeto avalizado, não se mostra provada a ocorrência de qualquer das situações contempladas nas várias alíneas do art.º 8 do DL 446/85, de 25-10, dessa forma restando inviabilizada a aplicação dos comandos vertidos nos art.ºs 9, n.º 1, 13, n.º 2, 14 e 15, do referido DL, e, consequentemente, a ocorrência de situação conducente, nos termos do art.º 292 do CC, à redução do negócio cambiário celebrado.

(Acórdão de 08-11-2005 - Revista n.º 2699/05 - 6.ª Secção - Relator Sousa Leite).

“I - A obrigação que a livrança emitida em branco incorpora só pode efetivar-se se no momento do seu vencimento se encontrar preenchida.

II - A obrigação do avalista é acessória em face da do avalizado, o que significa que a extensão e conteúdo se afere pela obrigação deste.

III - A lei não fixa qualquer prazo para o preenchimento da livrança com vencimento em branco.

IV - Se a letra é entregue como garantia de cumprimento de obrigações estabelecidas em contrato de cedência de utilização e, no pacto de preenchimento, o seu preenchimento é autorizado em qualquer momento – impondo-se apenas como requisito a verificação do incumprimento – não configura abuso de direito o seu não preenchimento, pelo portador, logo que verificado tal incumprimento.

V - Prevendo o pacto de preenchimento a aposição dos montantes correspondentes a parte ou à totalidade das quantias que, a qualquer título fossem devidas, a interpelação por apenas parte de tais quantias não obsta ao preenchimento da livrança pela totalidade do montante devido”.

(Acórdão de 19-01-2012 - Revista n.º 35671/06.5YYLSB-B.L1.S1 - 7.ª Secção – Relator Granja da Fonseca).

“I - A livrança, contendo uma declaração de pagamento, incorpora um direito de crédito à quantia pecuniária que dela consta, isto é, encerra em si mesma um mandato puro e simples de pagar tal quantia, do mesmo modo que o aceite – art. 78.º da LULL. Na falta de pagamento, o respetivo beneficiário tem contra os obrigados cambiários, o direito de ação onde pode peticionar aquela quantia e o mais previsto nos arts. 48.º e 49.º, ex vi do art. 77.º da LULL. 

II - A livrança em branco é aquela a que falta algum dos requisitos enunciados nos arts. 1.º e 77.º da LULL, mas que contém assinatura de subscritor que por esse meio pretende contrair uma obrigação cambiária. Esta fica constituída com tal assinatura e, mesmo antes do seu preenchimento, pode circular como título cambiário. 

III - Quem emite a livrança (em branco) reconhece a quem a entrega o direito de a preencher, de harmonia com o pacto de preenchimento firmado, que se pode definir como o ato pelo qual subscritor e beneficiário ajustam os termos da obrigação cambiária, nomeadamente, o respetivo montante, a sede de pagamento, a estipulação de juros, o tempo do seu vencimento, etc.. 

IV - A LULL não estabelece o prazo em que a livrança em branco deve ser preenchida: tal como no mais, a sua definição cabe ao acordo de preenchimento. E daí que, na livrança em branco, o prazo de prescrição só comece a correr a partir do dia do vencimento aposto por quem devia preenchê-la e durante os três anos a que se reportam os arts. 70.º, n.º 1, ex vi do 77.º da LULL. 

V - Da conjugação do art. 53.º com o art. 32.º, § I, da LULL, segundo o qual o avalista do subscritor responde “da mesma maneira” que ele, decorre a desnecessidade de protesto para o acionar, tal como seria desnecessário acionar o subscritor.”

(Acórdão de 09-02-2012 - Revista n.º 27951/06.6YYLSB-A.L1.S1 - 1.ª Secção Relator Martins de Sousa).

“I - A livrança em causa, deve ser considerada como um título em branco, pois falta-lhe alguns dos requisitos essenciais, mas existe a assinatura de um obrigado cambiário. 

II - A livrança em branco é admitida nos termos do art. 70.º da LULL, sendo que deve ser completada de harmonia com os acordos realizados. 

III - Porque a livrança em causa está no domínio das relações imediatas, a exceção de preenchimento abusivo poderia ser oposta à portadora (a ré). 

IV - A recorrente afirma o preenchimento abusivo por banda da ré somente em relação à data de vencimento. Porém, a interpretação que o acórdão recorrido fez das cláusulas do pacto de preenchimento, foi correta, não sendo aceitável a representação que a recorrente faz de tais itens. A obrigatoriedade da ré preencher a livrança (somente) na data do incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas, como defende a autora, não encontra qualquer apoio na convenção de preenchimento

V - Como a data de vencimento não está determinada (não consta da factualidade assente) não se prova a prescrição da ação cambiária. Uma livrança em branco pode prescrever, mas isso só sucederá quando, dentro das relações imediatas, se prove, através do acordo extra-cartular/pacto de preenchimento, que foi fixado, um outro vencimento diferente do indicado no título e que esse vencimento ultrapassa o respetivo prazo de prescrição, o que não se demonstra no caso. 

VI - Não se prova que a ré tenha agido de má-fé ao querer acionar a autora pelo aval que prestou à subscritora.” 

(Acórdão de 20-10-2015 - Revista n.º 60/10.6TBMTS.P1.S1 - 1.ª Secção . Relator Garcia Calejo).

“I - No comportamento viciado por abuso do direito, são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados, de forma manifesta, pelo respetivo titular, com o fim exclusivo de criar a outra parte uma situação lesiva, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de outrem, através do funcionamento da lei. 

II - A proibição do «venire contra factum proprium», também, denominada conduta contraditória, consiste na aparência que suscita a confiança das pessoas, isto é, na conduta contraditória combinada com o princípio da tutela da confiança. 

III - Podendo a livrança ser emitida em branco, a obrigação que incorpora só se efetiva, desde que, no momento do vencimento, este título se mostre preenchido, sob pena de não produzir os efeitos que lhe são próprios, porquanto o momento decisivo da afirmação da livrança não é o da sua emissão, mas antes o do seu vencimento. 

IV - O preenchimento de uma livrança em branco só é abusivo, se for efetuado com desrespeito pelo contrato de preenchimento, devendo realizar-se dentro dos limites e termos ajustados, mas não tendo de ser preenchida e emitida, imediatamente, a seguir a verificação do incumprimento

V - Não constituindo o decurso do prazo de mais de sete anos entre a data do trânsito em julgado da sentença declaratória da falência da sociedade subscritora da livrança dada à execução e a data em que foi instaurada a execução o elemento, objetivamente, capaz de, em abstrato, provocar a crença plausível nos avalistas de livrança, de que o direito de ação cartular não seria contra eles exercido pela instituição de crédito, beneficiária da promessa de pagamento constante daquele título de crédito.”

(Acórdão de 12-06-2017 - Revista n.º 1468/11.5TBALQ-A.L1.S1 - 1.ª Secção – Relator Hélder Roque). 

“I - A LULL admite e reconhece a figura da livrança incompleta ou em branco, a qual, preenchida antes do vencimento, passa a produzir todos os efeitos próprios da livrança – arts. 75.º e 10.º, este último aplicável às livranças, por força do art. 77.º. 

II - A obrigação do avalista, como obrigado cambiário, é autónoma e independente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de um vício de forma, mas, formalmente, é equiparada à obrigação do avalizado, na medida em que, pelo disposto no art. 32.º da LULL, o avalista é considerado responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. 

III - Ao dar o aval ao subscritor em livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título. 

IV - O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole, com a sua conduta, os princípios da boa-fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio. 

V - O simples decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é suscetível de, sem mais, criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende.

VI - O preenchimento de uma livrança, entregue em branco ao credor quanto ao montante e data de vencimento, decorridos mais de doze anos sobre a data da constituição da obrigação e mais de sete anos sobre a declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança, e a instauração da ação executiva contra a avalista desta sociedade, só por si, não consubstanciam fundamento bastante para o reconhecimento do abuso de direito previsto no art. 334.º do CC, na modalidade de "venire contra factum proprium".” 

(Acórdão de 19-10-2017 - Revista n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1 - 2.ª Secção – Relatora Rosa Tching). 

II – Quanto à prescrição do direito de ação:

Não procedendo a exceção de preenchimento abusivo das livranças, permanecem inalteradas as datas de vencimento nelas inseridas, repete-se 08-02-2012.

Ora, entre esta data e a data da citação da embargante para a ação executiva (cf. art. 323.º, n.º 1, do CC), 11-11-2014 (facto provado 19), não decorreu o prazo de três anos para o exercício do direito de ação cambiária contra subscritor e avalista – arts. 70.§ 1, ex vi do art. 77.º, ambos da LULL – razão pela qual não ocorreu a prescrição do direito de ação.

Aliás, mesmo que tivesse havido preenchimento abusivo, duvidosamente seria que se pudesse proceder à retificação da data de vencimento das livranças.

Neste sentido, os seguintes acórdãos do STJ:

“I - No caso concreto, estamos no plano das relações imediatas, mesmo em relação ao avalista embargante, no âmbito das quais este, como devedor solidário, pode opor ao credor os seus próprios meios pessoais de defesa, entre eles a exceção do preenchimento abusivo da livrança avalizada, visto que, no plano das relações causais entre eles, o banco embargado se obrigou (também) para com os avalistas a preencher a livrança nas condições estipuladas na referida cláusula 7.ª do contrato subjacente.

II - A prescrição da obrigação cambiária conta-se a partir da data do vencimento e essa data é a que consta do título e não aquela que, eventualmente, deveria constar de acordo com o pacto de preenchimento.”

(Acórdão do STJ de 30-09-2003 - Revista n.º 2113/03 - 1.ª Secção – Relator Moreira Alves, in Sumários).

“Enquanto não for preenchida a livrança em branco, com os elementos essenciais referidos no art. 76º d LUUL, designadamente a data do vencimento, não é possível conhecer da eventual prescrição do crédito cambiário, nem tão pouco do eventual abuso de preenchimento”

(Acórdão do STJ de 19.06.2019 – Revista nº 1025/18.5T8PRT.P1.S1 (Relator Bernardo Domingos, in www.dgsi.pt);

III. Quanto à questão do preenchimento abusivo ou indevido das livranças dos autos, tendo os pactos de preenchimento autorizado a exequente embargada a, de acordo com o seu próprio juízo, preencher a data de vencimento das livranças em função do incumprimento das obrigações pela devedora “ou para efeitos de realização do respetivo crédito”, não é possível concluir-se que aquela – ao apor nas livranças uma data mais de três anos ulterior em relação à declaração de insolvência da devedora, e alguns meses anterior à ação executiva – tenha incorrido em preenchimento abusivo.

IV. Acresce que, mesmo que os termos dos pactos de preenchimento dos autos não atribuíssem à exequente tal margem de discricionariedade, atento o regime normativo da prescrição, sempre seria discutível se o simples decurso do tempo sem exigir o cumprimento das obrigações bastaria para configurar uma situação de abuso do direito.”

(Acórdão do STJ de 04-07-2019 – Revista nº 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1 (Relatora Maria da Graça Trigo)

III - Quanto à inexigibilidade da quantia exequenda por falta de interpelação:

As livranças foram entregues à exequente em branco.

Ora, nos termos do disposto nos arts. 10.º, 75.º e 77.º da LULL, as livranças emitidas nestas condições produzem todos os efeitos deste título de crédito, conquanto os vários intervenientes cambiários tenham acordado (pacto de preenchimento) os termos em que o tomador há de preencher os elementos em falta, como em concreto aconteceu, perfectibilizando-se a obrigação cambiária sempre que as assinaturas apostas no título exprimam a vontade dos signatários e este se mostre preenchido em conformidade com aquele.

A falta da indicação, no momento em que as livranças foram emitidas – ou seja, quando foram entregues, assinadas pelo subscritor e pelos avalistas, ao beneficiário – da época do pagamento – art. 75.º da LULL, determina que se considerem pagáveis à vista – art. 76.º§2 da LULL. 

A livrança é pagável à vista com e no momento da sua apresentação (art. 34.º, ex vi do art. 77.º, da LULL - Abel Delgado, LULL anotada, 7.ª Edição, Livraria Petrony, pág. 19) e para que o obrigado cambiário possa pagar a livrança é necessário que o portador lha apresente para esse fim. A apresentação a pagamento de uma letra ou de uma livrança equivale, assim, à interpelação para cumprimento de obrigações puras ou sem prazo certo - neste sentido, Acórdão do STJ de 01-10-2009 (Relator Álvaro Rodrigues), revista n.º 381/09.0YFLSB – 2.ª Secção.

A apresentação a pagamento das livranças aos avalistas corresponderia, no presente caso, à comunicação aos mesmos de que a livrança tinha sido preenchida com dado valor e que era reclamado o seu pagamento. 

Pois bem: não apenas este facto não se provou, como se provou o facto contrário, isto é, de que a exequente não notificou o embargante avalista para pagar os montantes em dívida e para a avisar que ia preencher as livranças (factos provados 16 a 18).

Todavia, da não apresentação a pagamento das livranças (nas perspetivas várias de falta de interpelação para pagamento das quantias em dívida e de aviso de preenchimento das livranças pelo montante em dívida) não decorre, como pretende a embargante, a sua automática inexigibilidade e inexequibilidade.

O art. 53.º da LULL determina que, nesse caso, o portador perde os direitos de ação contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante.

A este regime escapa, como se pode notar, o direito de ação contra o aceitante, ou contra o subscritor, na medida em que este último é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra – art. 78.º da LULL. 

E, nos termos do art. 32.º, ex vi do art. 77.º, ambos da LULL, que o dador de aval é responsável pela mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (o subscritor).

Por consequência, a falta de apresentação a pagamento ou a falta de protesto não beliscam a relação cambiária entre o portador e o avalista, quer do aceitante – nas letras –, quer do subscritor – nas livranças (Ac. STJ de 14-01-2010 (João Bernardo), Revista n.º 960/07.0TBMTA-A.L1.S1 - 2.ª Secção).

Foi este o entendimento já perfilhado no nosso acórdão de 27.11.2018 (no qual intervieram dois dos elementos deste coletivo), proferido na Revista nº 9334/11.8TBOER-G.L1.S1 (in www.dgsi), ou seja, no sentido de que “o direito de ação contra o avalista do aceitante de uma letra de câmbio não depende da realização do protesto por parte do respetivo portador.”

Não pode, pelo exposto, proceder a exceção de inexigibilidade da quantia exequenda.

Conforme bem se considerou no acórdão recorrido a falta de interpelação do avalista do incumprimento do devedor principal não conduz à inexigibilidade do título cambiário dado à execução, apenas relevando para efeitos de determinação do momento a partir do qual se inicia a contagem dos juros – sendo que, nas livranças pagáveis à vista o obrigado cambiário só se constitui em mora após ter sido interpelado, judicial ou extrajudicialmente, para as pagar – art. 805.º, n.º 1, do CC.

(Neste sentido, vide Acórdãos do STJ: de 18-06-2002 - Revista n.º 1842/02 - 6.ª Secção (Relator Azevedo Ramos); de 30-04-2019 - Revista n.º 1959/16.1T8MAI-A.P1.S1 – 6.ª Secção (Relator José Rainho); de 28-09-2017 - Revista n.º 779/14.2TBEVR-B.E1.S1 - 2.ª Secção (Relator Tomé Gomes (Relator); de 19-06-2018 - Revista n.º 1418/14.7TBPVZ-A.P1.S1 - 1.ª Secção (Relator Roque Nogueira) – in Sumários).

Improcedem assim as conclusões recursórias – razão pela qual a revista improcede.

Em síntese:

I – Tendo sido concedido à exequente, no pacto de preenchimento, liberdade para fixar a data de vencimento das livranças subscritas em branco, ao invés de a fixar por referência à data relevante do incumprimento ou da resolução dos contratos garantidos por tais títulos, como pretende a embargante, carece de fundamento o invocado preenchimento abusivo das livranças dadas à execução.

II – Para efeitos de prescrição de tais títulos o que releva é a data de vencimento neles aposta pela exequente.

III - A não apresentação a pagamento das livranças (nas perspetivas várias de falta de interpelação para pagamento das quantias em dívida e de aviso de preenchimento das livranças pelo montante em dívida), ao avalista do subscritor, não determina a automática inexigibilidade e inexequibilidade dos títulos dados à execução.

Termos em que se acorda em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

                                   Lisboa, 24 de outubro de 2019

                                              

Acácio das Neves (Relator)

                                              
Fernando Samões

                                             
Maria João Vaz Tomé