Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2356/14.9JAPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: EXTEMPORANEIDADE
MANDATO
RENÚNCIA
ADVOGADO
APOIO JUDICIÁRIO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - ARGUIDO E ASSISTÊNCIA POR DEFENSOR - COMUNICAÇÃO DOS ACTOS ( COMUNICAÇÃO DOS ATOS ) - RECURSOS / INTERPOSIÇÃO DE RECURSO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PARTES / PATROCÍNIO JUDICIÁRIO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 47.º, 138.º, N.º 1, 139.º, N.º 5.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 4.º, 61.º, N.º 1, AL. E), 64.º, N.º 1, AL. E) E 66.º, N.º 4, 107.º-A, 113.º, N.º 2, 411.º, N.º1, AL. A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º 3.
D.L. N.º 34/2004, DE 29.07:- ARTIGOS 24.º, N.º 4, 34.º, N.º 2, 39.º, 41.º, N.º 3, 42.º, N.º 3, 44.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 450/2013.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 06.07.1994, IN BMJ, Nº 439, PÁG. 418; DE 13.11.203, IN CJ/STJ, ANO XI, TOMO III, PÁG. 231; DE 15.01.2004, PROC. 3470/03-5ª SECÇÃO; DE 15.01.2004, PROC. 3297/03-5ª SECÇÃO; DE 27.01.2005, PROC. 3501/04- 5ª SECÇÃO; DE 12.05.2005, PROC. 1310/05-5ª SECÇÃO; DE 23.06.2005, PROC. 2251/05-5ª SECÇÃO; 18.01.2007, PROC. 3067/06-5ª SECÇÃO; DE 03.10.2012, PROC. 112/12.8YFLSB-5ª SECÇÃO; 23.10.2013, PROC. 110/13.4YFLSB.S1-3ª SECÇÃO; DE 30.10.2013, PROC. 224/09.5GCAMT-A.S1-3ª SECÇÃO; DE 10.12.2015, PROC. 150/15.9YFLSB.S1-3ª SECÇÃO.
-DE 03.03.2004, PROC. 2140/03 E PUBLICADO IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - Sendo o CPP completamente omisso a respeito da renúncia do mandato, por força do art. 4.º, do CPP, impõe-se observar, quanto a esta matéria, as normas do processo civil que se harmonizam com o processo penal e, na falta delas, os princípios gerais do processo penal. Por outro lado, não obstante o arguido gozar do direito e da inteira liberdade para, em qualquer fase do processo constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor (art. 61.º, n.º 1, al. e), do CPP), não pode o mesmo recusar a assistência de defensor nos atos previstos no art. 64.º, nomeadamente nos recursos ordinários ou extraordinários, nos termos da al. e) do n.º 1 deste último artigo. Do mesmo modo e para salvaguarda do seu direito de defesa, previsto no art. 32.º, n.º 3, da CRP, o n.º 4 do art. 66.º do CPP prevê que enquanto não for substituído, o defensor nomeado mantém-se para os actos subsequentes do processo.
II - Pelo que, havendo renúncia ao mandato, por parte de mandatário constituído, quando decorre o prazo para interposição de recurso, impõe-se, na conjugação do art. 47.º, do CPC com os arts. 64.º, n.º 1, al. e) e 66.º, n.º 4, do CPP, notificar o arguido pessoalmente para, querendo em 20 dias, constituir novo mandatário, com a advertência que caso não constituía mandatário, ser-lhe-á nomeado defensor oficioso. Tendo o arguido na sequência da renúncia do advogado vindo apresentar pedido de apoio judiciário, torna-se evidente a sua vontade de não constituir novo mandatário, pelo que impunha-se tão-só notifica-lo, pessoalmente, da renúncia, nos termos do 47.º, n.º 2, do CPC, o que foi feito.
III - De harmonia com o disposto no art. 47.º, n.º 2, do CPC, os efeitos da renúncia ao mandato produzem-se tão-só a partir da notificação pessoal ao mandante, pelo que o arguido se manteve representado pelo seu advogado constituído, impendendo sobre este o dever de, até então, praticar todos os atos processuais em representação do arguido, designadamente o de interpor recurso para o STJ. Na data em que a renúncia ao mandato produziu efeitos, já se mostrava decorrido o prazo de 30 dias para a interposição de recurso, a não ser que, entretanto, tivesse ocorrido alguma causa de suspensão ou de interrupção deste mesmo prazo.
IV - Tendo em conta que o art. 39.º, n.º 10, da Lei 34-2004 dispõe especialmente que em processo penal o requerimento para concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo, forçoso é concluir que, nem mesmo o disposto no art. 44.º, n.º 1, desta mesma Lei, legitima a aplicação ao processo penal da norma do art. 24.º, n.º 4. Desde logo porque, não só não estamos perante uma lacuna da lei processual penal nem da Lei 34/2004, como também o regime geral previsto no art. 24.º, n.º 4, desta última lei não é compatível com o regime da representação do arguido no processo penal. Do mesmo modo e pela mesma ordem de razões julgamos ser de afastar a aplicação analógica da norma do art. 34.º, n.º 2, da Lei 34/2004.
V – Os prazos em curso no processo penal, nomeadamente o prazo para interposição de recurso não se suspendem nem se interrompem por via da renúncia ao mandato por parte do advogado constituído do arguido. A lei processual penal ao não permitir que o arguido, na pendência do processo, possa estar em momento algum, desacompanhado de defenso, assegura ao arguido todas as garantias de defesa incluindo o recurso (neste sentido o acórdão do TC 450/2013).
VI - Tendo sido concedida prorrogação de prazo – ainda que infundada – e tendo o despacho que a concedeu sido notificado ao MP e ao defensor do arguido, impõe-se concluir que ocorreu trânsito em julgado e, consequentemente, considerar que o mesmo fez o arguido adquirir o direito à prorrogação do prazo para a interposição de recurso. O processo justo e leal, bem como a tutela de confiança, como elementos do processo equitativo, não permitem admitir outra solução que não esta.
VII – A prorrogação de um prazo tem inerente a característica da sua continuidade com o prazo original, em sintonia com a regra da continuidade dos prazos vertida no art. 138.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º, do CPP, pelo que o novo período de tempo resultante da prorrogação, conta-se a partir do termo do prazo inicial, e nessa contagem há que observar a regra da continuidade dos prazos legais ou judiciais, a não ser que ocorra alguma causa de suspensão ou de interrupção.

Decisão Texto Integral:
 
RECURSO PENAL[1]


                                          

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1. Por acórdão proferido no processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, nº 2356/14.9JAPRT, da Comarca do ... –Instância ...– ... Secção ..., J...,  foi o arguido, AA, condenado, pela prática, em concurso real:

-de um crime de abuso sexual de crianças, previsto no artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, agravado pela circunstância prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 177.º do Código Penal na pena de 9 anos de prisão;

- de um crime de abuso sexual de menor dependente, previsto no artigo 172.º, n.º 1, agravado por força do disposto no artigo 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal,    na pena de 5 anos de prisão;

- de um crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;

- em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena unitária de 12 anos de prisão.

Foi ainda condenado na pena acessória de inibição do poder paternal durante o período de 12 anos.

2. Inconformado com esta decisão do tribunal de 1.ª instância, dela interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando a matéria de facto e a medida da pena aplicada.

3. Admitido o recurso, o Tribunal da Relação do Porto, em 20.04.2016, proferiu acórdão, que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido, confirmando, na íntegra, o acórdão recorrido.

4. De novo inconformado  com este Acórdão da Relação de Porto vem, agora, o arguido AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

« I. Recorre o Arguido do Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao recurso por si interposto para aquele tribunal e confirmou a decisão proferida em Primeira Instância que condenou o Arguido nas penas parcelares de nove (9) anos de prisão [pela prática do crime de abuso sexual de crianças], de cinco (5) anos de prisão [pela prática do crime de abuso sexual de menor dependente] e dois (2) anos e seis meses de prisão [pela prática do crime de violência doméstica] e, em cúmulo jurídico, na pena unitária, de doze 12 anos de prisão.

II. Embora, em princípio, o Supremo Tribunal de Justiça apenas possa conhecer e apreciar questões de direito, casos há em que os poderes de cognição são mais vastos, podendo, conforme previsto no artigo 410.º n.º n.º 2 al.s a), b) e c) do CPP e n.º 3, abranger matéria factual, e conquanto se respeitem os requisitos aí erigidos.

III. Nesse âmbito, crê-se que o Tribunal a quo, ao sufragar na íntegra a decisão proferida em Primeira Instância, incorreu também em erro notório na apreciação da prova [artigo 410.º n.º n.º 2 al.s c)].

IV. Do confronto do teor dos factos provados sob as alíneas a), b), s), v), hh) e, doutra parte, da alínea uu), concluiu-se que se consideram como provados factos contraditórios e que reciprocamente se excluem.

V. Com efeito, dos mesmos se extrai que o agregado constituído pelo Arguido, aqui Recorrente, pela sua esposa e pela filha de ambos, ofendida nos presentes autos, sempre residiu no mesmo local ao longo de todo o período temporal relatado nos autos, a dizer, na Rua ....

VI. Todavia, e de modo inconciliável, reconhece-se também na decisão recorrida que, durante o relatado período de tempo, tiveram, afinal, várias residências [vide. alínea uu) dos factos provados].

VII. Releve-se, o esclarecimento de tal contradição assume especial relevo no presente caso.

VIII. Por um lado, os direitos de defesa do arguido apenas se poderão dar por salvaguardados se os factos que lhe são imputados estiverem, espacial e temporalmente, circunstanciados; o que não sucede, se os factos são, em si contraditórios. 

IX. Doutra parte, a confirmar-se o vertido na alínea uu) dos factos provados, tal teria a virtualidade de afastar qualquer imputação ao arguido dos episódios de abuso sexual pretensamente ocorridos durante a infância da menor [aos 5 e 7 anos], pois que todos esses se reportam à casa sita na dita Rua ...., para a qual apenas se mudaram no decurso do mês de Fevereiro de 2012.

X. Em conformidade, impor-se-ia assim a absolvição do arguido quanto ao crime de abuso sexual de menores p. e p. nos termos conjugados dos artigos 171. n.º 1 e 2 e 177.º n.º 1 al. a) CP.

XI. A circunstância de o Acórdão referir [alínea t) dos factos provados] que também terão ocorrido episódios de abusos na casa dos avós maternos da menor BB, sita à Rua ... é insusceptível de abalar a conclusão supra, pois que, quanto a esses – que, em todo o caso, não se admitem - não se divisa a data da pretensa ocorrência.

XII. Crê-se, ainda assim, que o suprimento de tais vícios apenas poderá ser assegurado por via de [novo] julgamento em primeira instância.

XIII. Em crimes de cariz sexual, como aqueles pelos quais vem condenado o Arguido,  o depoimento das pretensas vítimas não será suficiente, de per si, para fundar um juízo de condenação do Arguido.

XIV. A fazê-lo no caso concreto, o tribunal a quo em muito extravasou o Princípio da Livre Apreciação da Prova previsto no artigo 127.º CPP e, correlativamente, desrespeitou o Princípio do in dubio pro reo, uma das vertentes do Princípio da Presunção da Inocência previsto no artigo 32.º n.º 2 da CRP.

XV. Ainda que fosse de aceitar o juízo condenatório do Arguido, aqui Recorrente, nota-se que as penas parcelares aplicadas aos crimes de natureza sexual e, consequentemente, a pena unitária, em cúmulo jurídico, que daí decorre são manifestamente excessivas.

XVI. Da prática forense é possível concluir que, em idênticas circunstâncias, as penas são inferiores àquelas aplicadas no presente caso.

XVII. Sendo semelhantes os fundamentos que presidiram à determinação das medidas concretas das penas parcelares aplicada pela prática dos crimes de natureza sexual, não se percebe, considerando as respectivas molduras,  por que razão essas se cifram em diferentes medidas.

XVIII. Em respeito pelo teor dos artigos 71.º e 77.º do Código Penal e, bem assim, 13.º n.º 1, 18.º n.º 2 da CRP, sempre deveriam reduzir-se as penas parcelares aplicadas aos crimes de natureza sexual e, em decorrência, a pena unitária aplicada ao arguido.».

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se, em conformidade, o Acórdão recorrido.

5. O Exmº Senhor Procurador-Geral-Adjunto, no  Tribunal da Relação, respondeu, sustentando que:

« 1.º O arguido, ora recorrente, foi condenado, por douto acórdão deste Tribunal da Relação, de 20/4/16, que lhe foi notificado em 22/4/16, na pena unitária de 12 anos de prisão, como autor de um crime de abuso sexual de crianças, de um crime de abuso sexual de menor dependente, e de um crime de violência doméstica.

2.º O primitivo mandatário do recorrente presumiu-se notificado em 27/4/16.

3.º O presente recurso acabou por ser interposto pelo novo defensor oficioso do arguido apenas em 13/7/16, com o pagamento da multa de € 51,00.

4.º Tal aconteceu porque, em 27/5/16, último dia do prazo normal para interposição do recurso, o primitivo mandatário do arguido veio renunciar ao mandato.

5.º Só que o arguido, em 25/5/16, tinha anunciado ao Tribunal a sua intenção de interpor recurso, para o que tinha dirigido requerimento à SS para concessão de apoio judiciário.

6.º O dito requerimento para concessão de apoio judiciário deu entrada na SS em 25/5/16, pelo que, na data da suspensão, restavam dois dias do prazo para interposição do recurso.

7.º O novo defensor nomeado foi notificado da sua qualidade em 7/6/16.

8.º Só em 13/6/16 veio requerer a prorrogação do prazo para interpor recurso

9.º Prorrogação essa que lhe foi concedida, por 20 dias, por douto despacho que foi proferido em 15/6/16.

10.º E de cujo teor se presume notificado em 21/6/16.

11.º Ora, tratando-se de uma prorrogação do prazo legal dos 30 dias, dos quais restavam apenas 2 dias ao novo defensor oficioso do arguido, quando este foi notificado da sua nomeação, em 7/6/16, o prazo prorrogado, teve o seu termo final, a nosso ver, em 29/6/16, podendo ser praticado o ato, com multa, até 4/7/16.

12.º Como o recurso foi interposto apenas em 13/7/16, parece-nos claramente intempestivo.

13º É que o recorrente considerou a prorrogação do prazo como a concessão de um novo prazo para recorrer, procedendo à contagem do mesmo desde a data em que foi notificado do despacho que concedeu tal prorrogação - 21/6/16.

14.º Mesmo que tal venha a ser considerado correto, se forem contados 20 dias desde o dia 22/6/16, o último dia desse "novo prazo" foi o dia 11/7/13, pelo que, entrando o requerimento de interposição do recurso no segundo dia útil após esse último, teria de ser paga a multa de € 102,00 e, não, a de € 51,00 que foi efetivamente paga.

15.º Não obstante considerarmos que o recurso interposto é extemporâneo, o que é certo é que o mesmo foi admitido, pelo que nos cumpre responder às alegações do recorrente.

16.º Nas conclusões da motivação, suscita o recorrente a questão do erro notório na apreciação da prova de que padeceria o douto acórdão recorrido, já que acolheu sem qualquer desvio toda a matéria dada como provada na primeira instância.

17.º Esse erro notório consistiria no facto da decisão sobre a matéria de facto ter assentado em factos que foram dados como provados nos pontos identificados sob as alíneas a), b), s), v) e hh) para na alínea uu) serem dados como provados factos que claramente contrariam os primeiros.

18.º Mais concretamente, nas alíneas a), b), s), v) e hh) deu-se como provado que a ofendida, CC, nascida em ..., é filha do arguido e de DD e até ao dia ... residiu com o pai e a mãe numa habitação sita na Rua ...; que foi nesta mesma habitação que o arguido, até 9/4/14, manteve com ela relações sexuais de cópula completa; tendo sido nessa habitação que ocorreram os episódios de sexo oral com a menor; e que a arguida viveu sempre com o arguido, debaixo do mesmo teto, nessa habitação da Rua ....

19.º Ao passo que, na alínea uu) se deu como provado que o arguido viveu em casa própria, sita na Rua ...; aos 2 anos da menor, ou seja, em 2001, reintegraram o agregado familiar dos avós maternos da menor, durante 1 ano e 6 meses; posteriormente adquiriram um novo espaço habitacional, sito na Rua ..., onde viveram cerca de 10 anos e, só em 2012, passaram a viver na Rua ....

20.º Estas contradições que fazem parte do texto da decisão recorrida, integram, de facto, a nosso ver, o erro notório na apreciação da prova, vício que apenas poderá ser suprido, através de novo julgamento, a decorrer na l.ª instância.

21.º Alega o recorrente, ainda, o excesso das penas parcelares que lhe foram aplicadas, bem como o excesso da pena unitária.

22.º Quanto a nós, nessa parte o arguido carece inteiramente de razão, pois as penas concretas que lhe foram aplicadas, quer as parcelares, quer a unitária obedecem rigorosamente aos pressupostos legalmente fixados para a sua determinação. »

Termos em que, se o recurso vier a ser considerado tempestivo, o que não cremos poder vir a suceder, deverá merecer parcial provimento, devendo, a nosso ver, ser reconhecida a existência de um erro notório na apreciação da prova, o que determinará o reenvio do processo para novo e integral julgamento, a realizar na 1.ª instância.

6. O Exmº Senhor Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal, emitiu parecer  nos seguintes termos:

«Apesar de admitido (1268), afigura-se-nos que o recurso deve ser rejeitado, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), 414.º, n.º 2 e 411.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (interposto para além do concedido prazo de 20 dias e da tolerância regulada no art. 107.º-A, alínea c) do CPP).

 Como refere o Ex. mo PGA na sua resposta (1272), que acompanhamos, o recorrente entendeu, erradamente, a prorrogação do prazo, como concessão de um novo prazo.

 Porém, presumindo-se que a notificação do acórdão foi efectuada em 27 de Abril, o prazo de 30 dias para interposição do recurso esgotar-se-ia a 27 de Maio.

 Vale por dizer que, quando formulou o requerimento de protecção jurídica (25 de Maio) faltavam dois dias para o referido termo.

 O novo defensor presume-se notificado do patrocínio a 7 de Junho (fls. 1230).

 Reiniciado o prazo suspenso teria que interpor recurso até 9 de Junho, e com a referida tolerância onerosa do artigo 107-A do Código de Processo Penal, até 15 de Junho (10 Feriado).

 Sucede que, em 13 de Junho, 1 dia depois do termo do prazo, veio requerer a prorrogação do mesmo, que acabou por lhe ser concedida.

 Nos termos do n.º 6 do artigo 569.º, do Código de Processo Civil a apresentação do requerimento de prorrogação não suspende o prazo em curso, pelo que os concedidos 20 dias esgotaram-se a 29 de Junho.

 Com efeito, os novos períodos de tempo resultantes de prorrogações de prazos fixados pelo juiz, correm seguidamente ao período anterior, a partir do termo inicialmente fixado, não dependendo, por isso, o seu início da notificação do despacho prorrogativo. Ac. STJ de 15/03/2010, Proc. n.º 1368/08.6TBMCN-A.P1.

 E assim, tendo sido interposto a 13 de Julho, excede (largamente) o prazo concedido e a tolerância dos 3 dias do artigo 107-A, o que dita a sua rejeição.»

 

7. Notificado o arguido, nos termos e para os efeitos do disposto  no art. 417º, nº2 do CPP,  veio o mesmo dizer que:

« I. A apreciação do Ministério Público denota uma interpretação restritiva e estritamente formalista, ancorada, ademais, num mero indício conceptual derivado do emprego do termo “prorrogação” no despacho proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que veio conceder ao arguido, ora Recorrente, prazo suplementar de vinte (20) dias para interposição de recurso, descurando, como é patente, toda dinâmica processual, como, outrossim, a postura e acções dos seus intervenientes.

II. Partindo, muito embora, da assunção correcta de que o novo Defensor [oficioso] foi notificado dos termos processuais no dia 7 de Junho do corrente ano de 2016, afigura-se, em todo o caso, incorrecta a conclusão de que, desde então, o Arguido, ora Recorrente, disporia tão-só de mais dois dias para que concretizasse a pretensão já antes enunciada em juízo, designadamente, de interpor recurso do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

Inquestionavelmente, nessa data, o Defensor Oficioso então designado - aqui subscritor – foi apenas notificado do teor de ” fls 1.219 e 1.221 a 1.226“ , bem como, de fls. 1.228, i. é [tão-somente] de despacho que ordenou a nomeação de Defensor e, bem assim, dos actos precedentes de renúncia ao mandato apresentado pelo Mandatário anteriormente constituído e do requerimento da autoria do próprio Arguido, aqui Recorrente, pelo qual veio solicitar que, no âmbito do apoio judiciário, lhe fosse nomeado Defensor. Assim, como sobressai, não se deu a conhecer ao Defensor o Douto Acórdão face ao qual veio a ser interposto recurso ou tampouco a existência de qualquer prazo em curso. Donde, como é evidente e deveria concluir-se, nessa data estava o Defensor nomeado - e, por consequência, o Arguido - impossibilitado de reagir contra o que quer que fosse!

III. E não fora por aí, crê-se, ainda assim, que, analogicamente, sempre seria de aplicar ao caso o preceituado no artigo 34.º n.º 1 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho [versão consolidada] quanto aos casos de escusa de patrocínio, tanto mais que é precisamente na esfera do ius puniendi que com maior acuidade se manifesta a necessidade de protecção do cidadão – porque potencialmente mais atentatório dos direitos fundamentais, maxime, à liberdade - garantindo-lhe, nomeadamente, um prazo razoável – ao próprio e a quem em juízo o representa - para se defender. Em conformidade, sempre se deveria dar por interrompido o prazo em curso! De resto, entendimento contrário revelar-se-á mesmo inconstitucional, por representar um esvaziamento inaceitável das garantias de defesa do arguido, assim como equivalerá à completa desconsideração do papel do Advogado/Defensor no exercício das mesmas…

IV. Doutra parte, não se concordando que com a nomeação de [novo] Defensor o Arguido dispusesse apenas de dois (2) dias para interpor recurso, muito menos se aceitará que aquando da notificação [21/06/2016] do despacho que concedeu mais vinte (20) dias para a interposição de recurso, o arguido dispusesse, afinal e apenas, de oito (8) dias – até 29/06/2016, como arrisca o Ministério Público – para tal. 

Com efeito, são outros, que não aqueles que o parecer do Ministério Público evidencia, o sentido e alcance do aludido despacho. Aliás, tal entendimento revelar-se-ia até absurdo na circunstância de a notificação do despacho que admitiu a prorrogação do prazo ocorresse apenas em 29/06/2016 ou em data posterior, já que, se assim tivesse sucedido e seguindo-se o entendimento propugnado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, tal despacho seria completamente inútil, pois que, nesse caso, o Arguido não disporia de prazo algum para interpor recurso!

V. E não se diga que, esgotado que se encontraria a priori o prazo normal para a interposição de recurso, seria de exigir que o Arguido, ainda assim, preparasse e interpusesse o recurso, sustentado na mera expectativa de que a posteriori viesse a colher provimento a pretensão de que viesse ser estabelecido novo prazo para a interposição de recurso! Pelo contrário, decorrido que estivesse o prazo normal de interposição de recurso, apenas se afiguraria razoável concluir - como de facto sucedeu - que só depois de notificado do aprazado despacho ficou o Arguido legitimado a praticar o acto - já não antes -, pois que apenas a partir desse momento se reabriu a possibilidade de interposição de recurso, precludida que se encontrava com o termo do prazo normal.

De modo que, sendo inútil a prática de qualquer acto processual após o termo do prazo normal para o efeito e antes de prolação do despacho que concedeu [novo] prazo para interpor recurso, como outrossim, segundo o Ministério Público, inútil seria o despacho que, embora concedendo prazo para a prática de determinado acto, apenas fosse notificado depois de decorridos, de forma contínua, os prazos normais e de prorrogação, tem-se por certo que, tendo tal despacho sido proferido já depois de esgotado o prazo normal para a interposição de recurso, o início desse [prazo] ocorre ex nunc a partir notificação do mesmo ao Defensor.

VI. De resto, não poderá deixar de se remarcar que, em concreto, foi essa a interpretação seguida pelos directos intervenientes processuais, não só do Arguido, aqui Recorrente, como sobretudo do Tribunal a quo que apreciou e deferiu o pedido oportunamente formulado pelo Recorrente e, ademais, admitiu [por tempestivo] o recurso interposto. 

E não se ignorando que o despacho de admissão do recurso proferido pelo Tribunal a quo não vincula o Tribunal ad quem, já não poderá sustentar-se que o alcance e sentido que o Tribunal a quo quis - como se mostra evidente – imprimir ao dito despacho não acarreta qualquer efeito processual. Com efeito, dúvidas não sobejam de que, nas circunstâncias indicadas, tal decisão judicial incutiu no Arguido a legítima confiança – reforçada até pelo posterior despacho de admissão de recurso – de poder praticar o acto nos vinte (20) dias seguintes à respectiva notificação, e que, em decorrência, o recurso que se crê interposto ainda em 12 de Julho de 2016 – Cfr. Doc. 1 – seria notoriamente tempestivo. E dúvidas havendo acerca da interpretação seguida para avaliar da respectiva tempestividade, deverão essas ser dilucidadas em favor do Arguido. Aliás, nesse senda pronunciou-se já o Supremo Tribunal de Justiça, remarcando, além do mais, que:

Por isso, toda a modelação processual do regime dos recursos em processo penal tem de ser compreendida na perspectiva da injunção constitucional, com uma dupla ordem de pressupostos e consequências. A modelação (pressupostos; prazos; conformação estritamente processual ou procedimental) supõe regras, e mesmo porventura regras estritas e objectivas, para o exercício do direito; mas também, por outro lado, as dúvidas de interpretação sobre os pressupostos devem ser sempre consideradas em favor do direito (e da garantia de defesa) e não contra o titular do direito. No domínio dos direitos e garantias é a regra do favor reo e o princípio favorabilia amplianda, odiosa restringenda” (sublinhado nosso) – Cfr. Ac. STJ de 03/03/2004, Proc. 03P4421, disponível em www.dgsi.pt;  precisando ainda o mesmo aresto que:

“O processo justo, a boa-fé, a confiança e a lealdade processual impõem que os interessados devem poder confiar nas condições de exercício de um direito processual estabelecido em despacho do juiz, sem que possa haver posterior e não esperada projecção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que confiaram no rigor e na regularidade legal do acto do juiz.”

Ou seja, considerando devidamente todo o circunstancialismo, deverá recusar-se o entendimento propugnado pelo Ministério Público, visto que esse esbarra de fronte com os princípios da segurança jurídica e confiança, imanente ao Princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, bem como com as próprias garantias de defesa também constitucionalmente consagradas no artigo 32.º; pelo que, em consequência, deverá reiterar-se a decisão de admissão do recurso.

VII. Por fim, não deixa de se notar o total silêncio do Ministério Público quanto aos motivos em que, em substância, se estribou o Recurso interposto pelo Arguido, sintomático - arriscar-se-ia - da sua concordância com os mesmo, à semelhança, aliás, da posição já assumida pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto.»

Termos em que requer seja admitido o recurso interposto pelo arguido, por tempestivo, conferindo-lhe, como já antes peticionado, o devido e merecido provimento.

8. Colhidos os vistos em simultâneo e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir:

II. FUNDAMENTAÇÃO

A. Fundamentação de facto.

Ambas as instâncias deram como provada e não provada a seguinte matéria de facto:

« A. Factos  provados:

a) A ofendida BB, nascida a ... 1999, é filha do arguido e de DD.

b) Até ao dia 14 de novembro de 2014, data em que o arguido foi colocado em prisão preventiva à ordem destes autos, a BB residiu com o pai e com a mãe numa habitação sita na Rua ....

c) Quando a ofendida Inês tinha quatro anos de idade, o arguido encontrava-se desempregado, razão pela qual era ele quem, diariamente, ia buscar a filha à escola, pelas 16h30, levando-a para casa ou ia buscá-la a casa dos avós, levando-a para casa.

d) Como a DD regressava a casa do trabalho por volta das 20 horas, o arguido ali permanecia, sozinho com a filha, desde que chegavam da escola até àquela hora.

e) Naquelas ocasiões, a sós com a BB, que à data contava quatro anos de idade, o arguido acendia a televisão, dava-lhe o lanche, e sentava-a no colo, dizendo-lhe que iam jogar um jogo.

f) Então, diariamente, no interior da habitação e nos dias de aulas, com a filha sentada no colo, e dizendo que estavam a brincar, o arguido despia a BB, dava-lhe beijos, tocava-lhe com as mãos em várias partes do corpo, por cima e por baixo da roupa, designadamente na barriga, no peito, nas coxas e na vagina. O arguido dizia ainda à BB que tinha que lhe tirar a roupa, senão não dava para brincarem bem.

g) Atenta a diferença de idades, o ascendente e a natural superioridade muscular do arguido, a ofendida, acatava as ordens que lhe eram dadas.

h) Um ano depois, tinha a BB cinco anos de idade, o arguido disse à filha que ela o fazia sentir bem e que também queria que ela se sentisse bem. E assim, quando a BB tinha cinco anos, o arguido, pela primeira vez, pediu-lhe para ela lhe dar beijos no pénis, o que ela fez e pediu-lhe para ela lhe tocar no pénis e para o meter à boca, dizendo-lhe que isso a ia fazer sentir bem, que ia gostar mais dela se ela fizesse isso bem e que se contasse a alguém, ninguém ia acreditar nela.

i) Por essa altura, o arguido deixou de dizer à BB que estavam a fazer um jogo, dando-lhe beijos no corpo todo e passando-lhe o pénis ereto pela vagina, mesmo quando ela pedia ao pai para parar.

j) O arguido cada vez introduzia mais profundamente o pénis na boca da Inês e fazia movimentos mais rápidos, levando-a em algumas ocasiões a ter dificuldade em respirar e a vomitar. Nessas alturas, o pai zangava-se com ela, dizia que ela tinha sujado tudo, que tinha estragado tudo, que fazia tudo mal. Em seguida, mandava-a pôr novamente o pénis na boca, bem como a mandava limpar o vomitado.

k) O descrito ocorreu entre os cinco e os sete anos da BB, de forma quase diária, no interior da habitação, quando aquela e o arguido chegavam a casa vindos da escola, e aí permaneciam sozinhos até à chegada da DD.

l) Atenta a diferença de idades, o ascendente e a natural superioridade muscular do arguido, a ofendida acatou sempre as ordens que lhe foram dadas.

m) A ... de 2007, dia de aniversário do arguido, este, aproveitando um momento em que a esposa se tinha ausentado, entrou no quarto da Inês, que contava então sete anos de idade, e disse-lhe que queria uma prenda.

n) Então, o arguido despiu-se e despiu a BB, posto o que começou a beijá-la e a tocar-lhe (na vagina), mais lhe dizendo para ela fazer o mesmo, ao que a BB acedeu.

Em seguida, ordenou-lhe que ela se deitasse na cama e fechasse os olhos, acrescentando que ela ia sentir uma dor.

p) Nesse dia, com a filha deitada na cama no seu quarto, com os olhos fechados, o arguido manteve pela primeira vez relações sexuais de cópula com ela, introduzindo o pénis ereto na vagina dela.

q) Apesar de sentir uma dor e de pedir ao pai para parar, o arguido continuou a introduzir o pénis na vagina da filha, ao mesmo tempo que lhe dizia para ela não chorar, que aquilo não doía nada, que ela era fraca, que não contasse nada a ninguém e que o deixasse fazer senão ia magoar alguém de quem ela gostava.

r) No fim, como a BB tinha sangue na vagina, o arguido mandou-a lavar-se.

s) A partir desse dia, e até ao dia 9 de novembro de 2014, por diversas vezes, o arguido manteve relações sexuais de cópula completa com a filha, no interior da habitação sita na Rua ..., aproveitando os momentos em que se encontrava a sós com aquela ou durante a noite, quando a esposa estava a dormir.

t) Do mesmo modo, quando se deslocavam a casa dos avós maternos da BB, na Rua ..., o arguido arranjava desculpas para estar a sós com ela, geralmente na cave da habitação, e aí mandava-a introduzir o pénis ereto na boca, ou introduzia-lhe o pénis ereto na vagina, friccionando-o até ejacular.

u) Sempre que mantinha relações sexuais com a filha, o arguido ejaculava no interior da vagina desta, ou fora desta, raramente recorrendo ao uso de preservativos.

v) Quando pedia à filha que esta beijasse e introduzisse na boca o pénis dele, o arguido e a BB encontravam-se, ou na cama do quarto desta, ou no sofá da sala ou na casa de banho da habitação sita na Rua ..., permanecendo por regra o arguido de pé e a BB deitada ou de joelhos no chão.

w) Por vezes, o arguido sentava-se no sofá e mandava a BB colocar-se de joelhos à sua frente e introduzir o pénis dele na boca, friccionando-o até ejacular.

x) Ultimamente, até ao dia 9 de novembro de 2014, o arguido abusava sexualmente da filha, de forma praticamente diária, deslocando-se à noite ao quarto dela, aonde mantinha com a BB relações sexuais de cópula completa, introduzindo o pénis na vagina dela, friccionando-o até ejacular, satisfazendo, dessa forma, os seus instintos libidinosos.

y) Após praticar os factos que antecedem, invariavelmente, o arguido dizia à filha, de forma intimidatória, o seguinte: “ninguém vai acreditar em ti se contares o que se passa e se disseres à mãe ela não vai acreditar em ti porque tu és maluca, não queres magoar alguém de quem gostas”

z) Ao longo de todos estes anos, ou seja entre os quatro e os quinze anos de idade, a BB acedeu sempre às ordens que o pai lhe dava, atenta a diferença de idades entre ambos, o ascendente e a natural superioridade muscular do arguido, a relação familiar que os unia e as expressões que o pai lhe dirigia (que acima se enunciaram).

aa)  A ofendida é filha do arguido que, por isso, tinha perfeito conhecimento da sua idade.

bb) Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu sempre voluntária e conscientemente, ciente de que punha em causa o direito à autodeterminação sexual da filha, numa altura em que a sua sexualidade se encontrava numa fase de desenvolvimento e amadurecimento, assim a prejudicando.

cc) Por outro lado, o arguido atuou num quadro de situações que se lhe tornavam propícias, quais sejam o ascendente que detinha sobre a menor, a sua inexperiência, a diferença de idades entre eles, e a proximidade física entre ambos.

dd) Incapaz de lidar com os acontecimentos que antecedem e no intuito de se desfear, na esperança de o arguido se desinteressar de si, a Inês, aos sete anos, começou a cravar as unhas na pele das costas, arrancando a pele e sangrando.

ee) Mais tarde, aos dez anos, pelas mesmas razões, a BB pegou em lâminas de barbear e cortou-se na zona dos pulsos, embora de forma superficial.

ff) E a partir daí, a BB começou a pegar em lâminas e facas e, com estes objetos, a fazer cortes no corpo, sobretudo na barriga, nos braços e nas pernas.

gg) O arguido, que via os cortes e as cicatrizes dos cortes no corpo da filha, dizia-lhe “és maluca, mas pelo menos não estás a contar a ninguém, é melhor fazeres isso do que contares a alguém, ninguém vai acreditar em ti, és mesmo maluca”.

hh) Conforme referido em momento anterior, a ofendida BB viveu sempre com o arguido debaixo do mesmo teto, numa habitação sita na Rua ....

ii) Sucede que, desde data não concretamente apurada, mas situada entre os anos 2004 e 2014, por diversas vezes, o arguido dirigiu à filha, a ofendida BB, em tom sério e intimidatório, as expressões seguintes “nunca devias ter nascido porque não fazes nada de jeito, só fazes asneiras, não sabes fazer nada”.

jj) O arguido, pelo menos, uma vez bateu na menor sua filha, quando esta tinha cerca de 13 anos, desferindo-lhe murros e pontapés, causando-lhe dores.

*

kk) No dia 11 de novembro de 2014, no interior da habitação sita na Rua ..., e na sequência de uma discussão que mantiveram, o arguido acercou-se da ofendida BB e desferiu-lhe um murro que a atingiu na cara.

ll) Ato contínuo, o arguido empurrou a filha e caiu no chão, altura em que lhe desferiu um pontapé, assim lhe causando dores e ferimentos que careceram de tratamento hospitalar.

mm) E, na sequência da atuação do arguido, a ofendida apresentava as seguintes lesões: - Face: na hemiface direita, entre a região malar e a mandíbula, duas equimoses ténues de coloração amarelada, a mais superior de forma arredondada com 2, 5 centímetros de diâmetro, e a mais inferior com 2,5 cm por 1,5 cm de maiores dimensões; - Pescoço: no terço superior da região cervical lateral direita uma equimose ténue de coloração amarelada de 2 cm por 1 cm de maiores dimensões; - Abdómen: em toda a face anterior do abdómen múltiplas cicatrizes lineares de tonalidade nacarada e múltiplas escoriações lineares com crosta vestigial, paralelas entre si, dispostas em várias direções; - Membro superior direito: em toda a face anterior do braço e antebraço múltiplas cicatrizes nacaradas e múltiplas escoriações transversais, paralelas entre si; - Membro superior esquerdo: no terço médio e distal da face anterior e medial do antebraço múltiplas escoriações lineares, paralelas entre si, transversais;- Na face anterior de todo o braço e antebraço múltiplas cicatrizes transversais, paralelas entre si e nacaradas.

nn) De todas as vezes que insultou, bateu e dirigiu à ofendida expressões em tom de voz sério e intimidatório, o arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo o que estava a fazer e que não podia nem devia fazê-lo, dado que nada justificava o seu comportamento.

oo) O arguido agiu com a intenção conseguida de maltratar física e psicologicamente a filha, fazendo-o repetidamente no interior da habitação aonde ambos viviam, atingindo-a no corpo e na saúde, humilhando-a e fazendo-a receá-lo, deste modo a atingindo na sua dignidade.

pp) O arguido tinha perfeito conhecimento do carácter ilícito e criminoso dos seus comportamentos.

Da contestação:

qq) A menor sempre teve regular aproveitamento escolar e convivia com os familiares.

rr) A menor, na entrada da adolescência, tornou-se mais reservada e cada vez mais triste.

ss) O arguido tem um feitio controlador e obsessivo e é trabalhador disciplinado e cumpridor, merecendo benefício da entidade patronal que lhe suspendeu o contrato de trabalho já renovado em Abril e Agosto de 2015.

tt) O arguido não tem antecedentes criminais.

uu) Do relatório social ressuma que: “ O processo de socialização de AA decorreu junto da família de origem (pais e três irmãs), grupo familiar que beneficiava de uma condição socioeconómica equilibrada, acautelada através dos rendimentos auferidos pelo pai, enquanto vendedor e a mãe como empregada de limpeza e ama de crianças. A dinâmica familiar foi sinalizada como funcional e afetiva, relação que o arguido entende como recompensadora e satisfatória e que lhe proporcionou uma infância e adolescência, por si entendida, como feliz e em que os pais, em comunhão de esforços, procuraram implementar um modelo educativo adequado, apelando à responsabilização e por isso se tornou num jovem obediente, procurando sempre agradar aos pais e cumprir escrupulosamente com as regras impostas, em contexto familiar ou outro. AA frequentou a escolaridade até conclusão do 9º ano, contava 16/17 anos, com um percurso irregular com a ocorrência de duas retenções. Em contexto escolar terá sido vítima de bulling, situação que, em seu entender, o marcou durante vários anos, tornando-o reservado e tímido, apesar do círculo de amigos que conquistou, em contexto escolar e extraescolar, nomeadamente no “...” onde praticou dos 13 aos 15 anos a modalidade de basquetebol. Pelos 17 anos de idade, preferiu obter condições de autonomização financeira, pelo que foi trabalhar para a “Gráfica ...”, onde permaneceu durante um ano e meio. Foi junto do grupo de colegas de escola que AA teve as primeiras noções sobre sexualidade, já que em família era assunto proibitivo. Considera que foi uma aprendizagem natural, por vezes com recurso a revistas pornográficas, sem atribuir qualquer carácter disfuncional, ao mesmo, mas por simples curiosidade, típica da adolescência. Constituiu algumas relações de namoro, mas afetivamente pouco significativas e duradouras. A primeira e única vez que sentiu especial afeto e investiu na relação, foi pelos 23 anos, pela jovem com quem veio a contrair casamento em Dez/1996.

II – Condições sociais e pessoais: AA e cônjuge, DD, durante os primeiros seis meses de vida em comum, integraram o agregado de origem do arguido. Posteriormente e com recurso a crédito bancário adquiriram casa própria, sita na Rua .... Em 2001, contava a filha do casal e ofendida nos presentes autos, 2 anos de idade, reintegraram o agregado dos sogros, onde permaneceram cerca de um ano e seis meses, período sentido pelo arguido como desagradável para si, pela dificuldade comunicacional e relacional com a família de origem da cônjuge, considerando-os intrometidos e possessivos o que prejudicava, segundo o mesmo, a privacidade e dinâmica do casal. Posteriormente adquiriram novo espaço habitacional, sito na rua ... e onde viveram durante 10 anos. Em Fev/2012 trocaram novamente de casa e passaram a viver na Rua ... (morada referida nos presentes autos). Ao nível laboral, o arguido exerceu diversas atividades laborais, por períodos de um a dois anos, nomeadamente numa firma de papelaria e escritório, como balconista e motorista, em superfícies comerciais e numa imobiliária, locais de onde veio a ser despedido por reestruturação das empresas e redução do quadro de pessoal, noutros, após termo do contrato ou por sua iniciativa, por não gostar da atividade. Frequentou de 2007 a 2009 e paralelamente ao exercício laboral, curso EFA – inserido no Programa Novas Oportunidades, curso em regime noturno na área de informática, que lhe conferiu o 12º ano. Em 2010 iniciou atividade laboral na empresa onde se mantinha em período anterior à sua reclusão, empresa de manípulos de porta e janelas – “... – do Grupo ...”, em ... – ..., onde não é apontado comportamento ou atitude desadequada por parte do arguido. AA considera nunca ter sentido especiais dificuldades ao nível da sustentabilidade económica do agregado familiar, mesmo nos períodos de tempo em que permaneceu desempregado, exaltando a sua característica de bom gestor dos recursos disponíveis. O arguido descreve a dinâmica familiar, como equilibrada e funcional, sustentada em laços de afecto e de coesão. As poucas discussões ocorridas entre o casal, segundo o arguido, eram causadas pela diferença de atitudes perante as mais elementares regras a cumprir em família, ele por ser rígido e a cônjuge mais permissiva. No início da vida conjugal a relação de intimidade com a mulher foi para o arguido gratificante, contudo, numa fase mais recente, a situação alterou-se, sentindo da parte da mulher um grande afastamento e frieza, pelo que deixou de se constituir para o arguido, uma relação de intimidade satisfatória. Como características individuais é-lhe apontado um padrão de funcionamento inflexível, rigidez de raciocínio, impositivo e dificuldade em aceitar opiniões contrárias, exigente na relação interpessoal, perfeccionismo e autoritarismo, percecionadas como perturbadoras do funcionamento familiar, do convívio com a família alargada, gerando conflitos e mal-estar. Segundo refere a progenitora, José Magalhães ainda jovem teve ataques de pânico, o que motivou a sua presença em consulta de psicologia, mas recusou qualquer intervenção continuada. Desde essa altura que o arguido desenvolveu algumas “fobias”, refugiando-se em casa, condicionando a família constituída a gozar de momentos de lazer em contextos sociais mais abrangentes. Desde que se casou e nasceu a filha do casal, ofendida nos presentes autos, que o arguido restringiu o convívio do seu núcleo familiar constituído, preterindo o convívio com a família alargada, com quem apenas se relacionava especialmente em momentos pontuais e datas significativas, ou mesmo com amigos. Segundo refere, era sua prioridade criar as condições adequadas ao desenvolvimento harmonioso à filha, proporcionando-lhe momentos de brincadeira, considerando-se um pai presente, atento e carinhoso, preocupado com o bem-estar da filha. No mais recente meio de residência, onde as relações de vizinhança são escassas e anónimas, o arguido é apenas identificado por alguns vizinhos, tal como a família. O arguido conservava uma atitude reservada, não sendo por estes conhecida a sua atual situação jurídico-penal, nem a natureza dos crimes em que está acusado.

Em contexto prisional, AA tem contado com a presença regular dos pais e irmãs. Mostra-se revoltado pelo facto de não receber a visita da mulher, o que classifica de desumano, responsabilizando esta e a filha de ambos, ofendida nos presentes autos e que considera uma mentirosa compulsiva, pela atual situação jurídico-penal, pelo que só pensará reintegrar o agregado constituído, caso a cônjuge mostrar arrependimento e vontade em retomar a relação. Por este facto pretende, quando restituído á liberdade, aceitar a disponibilidade dos pais em acolhê-lo e passar então a viver, na Rua .... Os progenitores subsistem das respetivas reformas, com uma situação financeira percecionada pelos próprios como equilibrada. Quanto a um projeto laboral, o arguido criou expectativas de vir a ser readmitido na empresa onde trabalhava anteriormente, contudo, do contacto estabelecido com a entidade patronal, diretora dos recursos humanos, resultou a informação que o mesmo se encontra em “regime de suspensão”, pelo que não aufere remuneração. Independentemente da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal, será posteriormente avaliada a possibilidade de manutenção ou não do posto de trabalho, por parte do arguido.

III – Impacto da situação jurídico-penal: AA deu entrada no E.P. ... em 27/11/2014, onde cumpre medida de coação de prisão preventiva à ordem do presente processo. Em abstrato, e relativamente à natureza dos factos pelos quais vem acusado, revela um discurso em conformidade com o que é expectável socialmente, de censura quanto à gravidade dos mesmos, e de compreensão pelos danos causados às vítimas. Não obstante tende a negar a responsabilidade dos agressores, vitimizando-os e assim, invertendo o papel agressor/vítima quando lhes atribui comportamentos de mentira, ingratidão. Simultaneamente apresenta uma perspetiva auto centrada do impacto da atual situação jurídico-penal, referindo consequências muito significativas na sua vida, por se sentir defraudado nas suas expectativas como indivíduo, como pai e marido, pela atenção que dispensou à família, mas incompreendida e desvalorizada pela mesma, a quem culpabiliza pela sua atual situação de reclusão, pelo que está convicto que em sede de julgamento consiga provar a sua inculpabilidade.

Apesar de apontarem ao arguido características da personalidade, perturbadoras ou condicionantes do adequado funcionamento intrafamiliar, foi com surpresa que o agregado familiar dos pais, assim como o dos sogros foram confrontados com o teor da acusação.

 - em conclusão: AA apresenta relevantes necessidades de reinserção social associadas, principalmente, à interiorização da censurabilidade jurídico-penal que recai sobre a sua conduta, nomeadamente pela aquisição de valores fundamentais como o respeito pela autodeterminação sexual, e o reconhecimento da existência de vítimas e impacto sobre as mesmas.”

*
B. Foram ainda fixados os seguintes
                                              Factos não provados:
a- que o jogo referido em e) era de “brincar “aos pais e às mães”, e que era uma coisa normal;
b- que á data dos factos referidos em f) , o arguido colocava as mãos da menor no pénis dele, e introduzia-lhe os dedos na vagina, ao mesmo tempo que lhe dizia que ela era bonita e que a BB ficava não obstante aterrorizada.

c- que a introdução do pénis no interior da menor referida em p) não foi completa.

d- que para além do que o arguido disse e plasmado na alínea y) ainda dizia que “ não estou a fazer nada de errado”.

e- que para além das expressões referidas em ii), o arguido ainda dizia “és feia, gorda e estupida, se tivesse outro filho ele ligava-me mais do que tu BB”.

f- que na data dos factos referidos em mm), o arguido deu na menor mais murros na face e outro empurrão.

g- que o pontapé referido em ll) foi nas costelas e que a menor na sequência do empurrão embateu com a face posterior do tórax num armário.

Da contestação:
h- que a menor até aos 13 anos se desenvolveu com normalidade no plano físico e psíquico e que não padecia de qualquer doença que obrigasse a tratamentos.

i- que o arguido nunca teve proximidade com a filha.

j- que não conhecia as automutilações da menor, apenas as conheceu quando descobertas em meio escolar.

l- que a menor convivia naturalmente com amigos.»

***

B. Fundamentação de direito

Constitui jurisprudência assente que, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 412.º do Código de Processo Penal e sem prejuízo para a apreciação das questões de oficioso conhecimento, o objecto do recurso define-se e delimita-se  pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação.

Assim, a esta luz, as  únicas questões a decidir traduzem-se em saber se:

1ª - O acórdão recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova, padecendo, por isso, do vício previsto no art. 410º, nº2, al. c) do CPP;

 

2ª – O acórdão recorrido ao valorar o depoimento da vítima violou o princípio “in dúbio pro reo”;

3ª – deve haver lugar à  redução das penas aplicadas.

*

9.  Antes, porém, de entrarmos na apreciação de cada uma destas questões, impõe-se conhecer  da questão prévia suscitada  pelo Ministério Público, ou seja,  da rejeição do recurso do Acórdão da Relação do Porto por alegada  extemporaneidade na sua interposição, o que passa pela resolução das subquestões de saber se:

1ª – ocorrendo renúncia ao mandato por parte do advogado constituído do arguido, no decurso do prazo de interposição de recurso,  o pedido de nomeação de defensor ofícioso suspende ou interrompe aquele prazo;

2ª- o novo período de tempo resultante da prorrogação do prazo para a interposição de recurso corre a partir do termo deste prazo ou da data de notificação do despacho prorrogativo.   

Para tanto, importa ter presente os seguintes factos resultantes dos elementos contantes dos autos:

1. Por acórdão proferido no processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, nº 2356/14.9JAPRT, da Comarca do ... –Instância ... – ... Secção ..., J...,  foi o arguido, AA, condenado, pela prática, em concurso real:

-de um crime de abuso sexual de crianças, previsto no artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, agravado pela circunstância prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 177.º do Código Penal, na pena de 9 anos de prisão;

- de um crime de abuso sexual de menor dependente, previsto no artigo 172.º, n.º 1, agravado por força do disposto no artigo 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal,    na pena de 5 anos de prisão;

- de um crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;

- em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena unitária de 12 anos de prisão.

Foi ainda condenado na pena acessória de inibição do poder paternal durante o período de 12 anos.

2. Inconformado com esta decisão do tribunal de 1.ª instância, dela interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando a matéria de facto e a medida da pena aplicada.

3. Admitido o recurso, o Tribunal da Relação do Porto, em 20.04.2016, proferiu acórdão, que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido, confirmando, na íntegra, o acórdão recorrido.

4. Este acórdão foi notificado ao mandatário do arguido, por via postal registado, enviado em 21.04.2016 ( cfr. 1212), presumindo-se feita,  nos termos do disposto no art. 113º, nº2 do CPP, no 3º dia útil posterior ao do envio, ou seja, em 27.04.2016.

5. O arguido foi pessoalmente notificado deste mesmo acórdão no dia 22.04.2016 ( cfr. fls. 1216 e 1218).     

6. O advogado constituído do arguido, através de requerimento enviado por fax em 25.05.2016 ( mas registado em 27.05.2016) , veio renunciar  ao mandato conferido pelo arguido por procuração junta aos autos e requerer a imediata nomeação de defensor ao arguido  ( cfr. fls. 1219 e 1220).

7. O arguido, através de requerimento enviado por fax em 25.05.2016 ( mas registado em 27.05.2016), veio dar conhecimento ao Tribunal da Relação  de que, na sequência da denúncia feita pelo seu advogado e com vista a “apresentar recurso da decisão”, pediu apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas processuais  e  pagamento de compensação a defensor oficioso, juntando comprovativo desse pedido formulado em 25.05.2016 ( cfr. fls. 1221 a 1227).

8. Concluso o processo, por despacho datado de 01.06.2016, a Srª. Juíza Desembargadora titular do processo, determinou a notificação do arguido nos termos do art. 47º do C. P. Civil  bem como a nomeação de defensor ao mesmo ( cfr. fls. 1228).

9. Pela Ordem dos advogados, foi nomeado defensor ao arguido, o Sr. Dr. EE ( cfr. fls. 1229).       

10. O Sr. Dr. EE foi notificado desta sua nomeação, por via postal registado expedido em 02.06.2016, pelo que, nos temos do disposto no art. 113º, nº2 do CPP, tal notificação presumiu-se feita no 3º da útil posterior ao do envio, ou seja, em 07.06.2016 ( cfr. fls. 1230).

11. O arguido foi notificado da renúncia ao mandato do seu advogado constituído em 03.06.2016 ( cfr. fls. 1233 a 1235). 

12. Em 09.06.2016, o defensor oficioso nomeado ao arguido compareceu na secretaria do Tribunal da Relação, tendo-lhe sido entregue, a seu pedido, cópia dos acórdãos proferidos na 1ª instância e no Tribunal da Relação bem como um cd, contendo a gravação  da prova produzida nas sessões de audiência de julgamento ( cfr. fls. 1236).

13. Através de fax enviado para o tribunal às 22h32m do dia 13.06.2016  e junto ao processo em 14.06.2016, o defensor  do arguido,  apresentou o requerimento  com o seguinte teor: «1. Conforme ressalta dos autos, em 25.05.2016 foi o arguido informado da renúncia do mandatário até então constituído, como seu defensor, no identificado processo: data em que, de resto, dirigiu também aos serviços do Instituto da Segurança Social, I. P. pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de custas processuais, nomeação e pagamento de compensação a Defensor oficioso e, bem assim, manifestou a sua intenção de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do douto acórdão proferido por V. Exs. , tendo ainda requerido a suspensão do prazo em curso para aquele fim.

2. Entretanto, foi notificado da nomeação, como seu Defensor Oficioso, do subscritor abaixo melhor identificado, a quem não foi ainda facultado todo o processo mas tão só o IV volume - para consulta.

3. Como sobressai, a preparação das alegações de recurso num processo da índole do presente – pelo qual lhe são imputados actos – na sua óptica – verdadeiramente infames, severamente sancionados, que se reportam a um largo período temporal.  Que apela a vastos e alargados meios de prova, e objecto de um tratamento extensíssimo e enredado – sempre implicará uma análise profunda e depurada, que, de todo o modo, e face a enunciado circunstancialismo, não se entrevê viável….

4. Por conseguinte, e sob pena de ostensiva postergação do direito de recorrer, que encerra uma das garantias de defesa constitucionalmente consagradas a favor dos arguidos, deverão V. Exªs., reconhecendo a suspensão do prazo durante o período posterior à renúncia do anterior defensor e nomeação do aqui subscritor, conceder a prorrogação do prazo de recurso por período não inferior a vinte dias»   (cfr. fls. 1237 e 1238). 

14. Concluso o processo em 15.06.2016 ( com a informação de que foram facultados todos os volumes do processo para consulta. Encontrando-se o 4º Vol. No M. P. , foram facultados os restantes tendo tido o ilustre defensor que aguardar pela vinda daquele. Consultou o 4º vol., apenas, estribando-se na falta de tempo e na complexidade do processo para o fazer na íntegra e, por tal motivo também, solicitou apenas os elementos que constam do termo de entrega a fls. 236), a Exmª Srª Juíza Desembargadora titular do processo,  naquela mesma data escreveu «Visto. Ao MP»  ( cfr. fls. 1240).

15. Aberta vista, em 15.06.2016, nesta mesma data o MP disse nada ter a opor à prorrogação do prazo para a interposição do recurso, por 20 dias, como requerido ( cfr. fls. 1241).

16. Concluso o processo em 15.06.2016, com a mesma data a Exmª Srª Desembargadora  proferiu o seguinte despacho  « Considerando a data em que foi apresentada a renúncia ao mandato (fls. 1219-1220) e foi ordenada a nomeação de defensor ao arguido ( fls. 1228-12299, tendo em conta a complexidade do processo e  visto a não oposição do M.P., concede-se a requerida prorrogação do prazo para interposição do recurso, por 20 dias, conforme o requerido» ( cfr. fls. 1242).

17. Este despacho foi notificado ao defensor do arguido por via postal registado expedido em 16.06.2016, pelo que nos termos do disposto no art. 113º, nº2 do CPP; tal notificação presume-se feita no 3º da útil  seguinte, ou seja, em 21.06.2016 ( cfr. fls. 1243). E, nesta mesma data foi notificado ao Ministério Público ( cfr. 1249).

18. Através de requerimento entrado em juízo em 16.06.2016, o defensor requereu fosse autorizadas a disponibilização da gravação áudio e vídeo das declarações para memória futura prestada pela ofendida … por tal se mostrar um elemento de prova relevantíssimo para a preparação  da causa e pleno exercício das funções de que está incumbido ( cfr. fls. 1245).

19. Aberta vista em 17.06.2016, na mesma data  o MP escreveu « Embora o recurso para o STJ apenas incida sobre matéria de direito, uma vez que o subscritor do requerimento que antecede  só agora foi nomeado como defensor oficioso ao arguido, nada temos a opor a que lhe sejam fornecidos os elementos pretendidos» ( cfr. fls. 1246).

20. Em 20.06.2016, a Srª Juíza Desembargadora determinou, verbalmente, a entrega da cópia da gravação em conformidade com o solicitado ( cfr. Cota de fls. 1247).

21. O defensor do arguido foi notificado em 20.06.2016 de que tinha sido deferida a requerida disponibilização das declarações para memória futura prestadas pela ofendida ( cfr. fls. 1248).

22. Através de requerimento, que deu entrada no tribunal em 13.07.2016, o defensor do arguido veio interpor recurso, juntando as respectivas motivações ( cfr. fls. 1251 a 1265)  bem como comprovativo da liquidação e pagamento da multa  de € 51, 00, nos termos do art. 107-A, al. a) do CPP, efetuado em 12.07.2016  ( cfr. fls. 1266 e 1267).

23. Concluso o processo em 15.07.2016, na mesma data, a Srª Juíza Desembargadora titular do processo  proferiu o seguinte despacho « Admito  recurso interposto. Tem efeito suspensivo e subida imediata. Notifique» (cfr. fls. 1268).

*

 Perante este quadro factual, sustentam os Exmºs Srs. Procuradores Gerais Adjuntos, junto do Tribunal da Relação do Porto e deste Supremo Tribunal, que  o recorrente entendeu, erradamente, a prorrogação do prazo para a interposição de recurso para o STJ por mais 20 dias, como a concessão de um novo prazo, pelo que, aquando da interposição do recurso ( 13.07.2016), já se mostrava largamente excedido o prazo concedido bem como a tolerância dos 3 dias do artigo 107º-A, o que dita a sua rejeição.

Diferentemente, pugna o recorrente pela tempestividade do recurso interposto e pela sua admissão, com base na seguinte argumentação:

1. a apreciação do Ministério Público denota uma interpretação restritiva e estritamente formalista do termo “prorrogação” usado no despacho proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que veio a conceder ao arguido, ora recorrente, o prazo suplementar de vente (20) dias para interposição de recurso.

2. não obstante o defensor ter sido notificado do despacho da sua nomeação  em 7 de junho de 2016, não lhe foi dado conhecimento do teor do acórdão recorrido nem da existência de qualquer prazo em curso e, por conseguinte, nessa data estava o mesmo impossibilitado de reagir contra o que quer que fosse.

3. a não ser assim entendido, pugna pela aplicação analógica, ao caso, do preceituado no art. 34º, nº1 da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, quanto aos casos de escusa de patrocínio, devendo, por isso, dar-se por interrompido o prazo em curso.

4. não é aceitar que, aquando da nomeação de defensor a arguido, o mesmo dispusesse apenas de 2 dias para interpor recurso  nem que, aquando da  sua notificação  do despacho que concedeu a prorrogação do prazo, ocorrida em 21.06.2016, o arguido dispusesse apenas de 8 dias  (ou seja, até 29.06.2016)  para a interposição de recurso.

5.  Tendo o despacho que  concedeu (novo ) prazo para interpor recurso sido proferido já depois de esgotado o prazo normal para a interposição de recurso, o início daquele prazo ocorre a partir da notificação daquele despacho ao defensor. 

6. havendo dúvidas acerca da interpretação seguida para avaliar da tempestividade do recurso, deverão as mesmas ser dilucidadas a favor do arguido, na senda do decidido no Acórdão do STJ, de  03.03.2004, proc. 03P4421.

O entendimento propugnado pelo Ministério Público esbarra com os princípios da segurança jurídica e confiança, imanente ao princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como com as próprias garantias de defesa constitucionalmente consagradas no artigo 32º, pelo que deverá reiterar-se a decisão de admissão do recurso. 

*

 Vejamos, então, de que lado está a razão.

No caso vertente,  dúvidas não ocorrem acerca do prazo de interposição de recurso, que é de 30 dias a contar da  notificação da decisão, nos termos do disposto no art. 411º, nº1, al. a) do CPP.

Assim, tendo o acórdão recorrido sido notificado ao mandatário do arguido, por via postal registado, enviado em 21.04.2016, tal notificação presumiu-se feita, em conformidade com o disposto no  art. 113º, nº2 do CPP, no 3º dia útil posterior ao do envio, ou seja, em 27.04.2016.

Daqui resulta que o prazo para interposição de recurso para o STJ, terminava a 27. 05.2016, ou, com o acréscimo dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo e o pagamento da respectiva multa, nos termos do  art. 107º-A do CPP e art. 139º, nº5 do CPC, em 02.06.2016.

Acontece, porém, que no decurso deste prazo, em 25.05.2016, ou seja, quando faltavam apenas dois dias  para  o seu terminus,  o advogado constituído do arguido veio renunciar ao mandato e requerer a imediata nomeação de defensor ao arguido. Na   mesma data, o arguido veio dar conhecimento ao Tribunal da Relação de que, na sequência da denúncia feita pelo seu advogado e com vista a “apresentar recurso da decisão”, formulou, em 25.05.2016, pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas processuais  e  pagamento da compensação de defensor oficioso, juntando aos autos comprovativo desse pedido.

Ora, consabido que o Código de Processo Penal, é completamente omisso a respeito da renúncia do mandato, por força  do artigo 4º do CPP, impõe-se  observar, quanto a esta matéria,  as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, os princípios gerais do processo penal.

Por outro lado, decorre  do Título III do CPP, epigrafado «do arguido e seu defensor»,  do CPP, que, não obstante o  arguido gozar do direito e da inteira liberdade para,  «em qualquer fase do processo» «constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor» - cfr. Art. 61º, nº1, al. e) - ,  não pode o mesmo  recusar a assistência de defensor nos atos previstos no art. 64º,  nomeadamente  nos recursos ordinários ou extraordinários, nos termos da alínea e)  do  no nº1 deste último artigo.

Tratam-se dos casos em que a obrigatoriedade de assistência é imposta ao arguido, dado o interesse objetivo da realização da justiça por meios processuais adequados, que, por isso, se sobrepõe aos interesses subjetivos daquele.

Do mesmo modo e dando voz ao princípio de que o arguido tem de estar, sempre acompanhado de defensor,  para salvaguardar o seu direito de defesa, consagrado no art. 32º, n3 da CRP, dispõe o nº4 do art. 66º do CPP, que « enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo».   

Assim, havendo renúncia ao mandato, por parte do mandatário constituído, quando decorre o prazo para interposição de recurso, impõe-se, na conjugação do artigo 47º, n.ºs 1, 2 e 3 do  novo CPC, com os artigos 64º, nº1 al. e) e 66º, nº4, ambos do CPP, notificar o arguido pessoalmente para, querendo em 20 dias, constituir novo mandatário, com a advertência que caso não constituísse mandatário, ser-lhe-ia nomeado defensor oficioso.

Todavia, uma vez que, no caso dos autos, o arguido, na sequência da renúncia ao mandato do advogado por ele constituído, veio apresentar pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas processuais  e  da compensação de defensor oficioso, torna-se evidente a sua vontade de não constituir novo mandatário, pelo que impunha-se tão só notificá-lo, pessoalmente,  daquela renúncia, nos termos do citado art. 47º, nº2,  o que foi efetivamente feito em 03.06.2016, conforme se vê de fls.  1233 a 1235. 

Sendo assim e consabido que, de harmonia com o disposto no artigo 47º, nº2 do C. P. Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do CPP, os efeitos da  renúncia ao mandato produzem-se tão só a partir da notificação pessoal ao mandante, impõe-se concluir, por um lado, que até  03.06.2016,  o arguido manteve-se representado  pelo seu advogado constituído, impendendo sobre este o dever de, até então, praticar  todos os atos processuais em representação do arguido, designadamente o de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

E, por outro lado, que, na data em que a sua renúncia ao mandato produziu eleitos, nos termos do citado art. 47º, nº2, do CPC, ou seja, em 03.06.2016,  já se  mostrava decorrido o prazo de 30 dias para a interposição de recurso, a não ser que, entretanto, tivesse ocorrido alguma causa de suspensão ou de interrupção  deste mesmo prazo. 

Daí colocar-se, desde logo, a  questão de saber se o prazo de recurso  suspendeu-se  com a apresentação do pedido de concessão de  apoio judiciário, tal como parece defender o Ministério Público, ou se se interrompeu nos termos do art. 24º, nº4 ou por aplicação analógica do art. 34º, ambos da Lei nº 34/2004, de 29.07, conforme  sustenta o arguido.

Para responder a esta primeira questão, urge tecer algumas considerações sobre o regime da proteção jurídica do arguido no que respeita ao processo penal.

Nesta matéria rege, atualmente, o DL nº 34/2004, de 29.07[2], que, no seu capítulo IV, intitulado de «Disposições especiais sobre processo penal», preceitua, no seu  artigo 39º, que:

«1 - A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º

(…)

5 - Se a secretaria concluir pela insuficiência económica do arguido, deve ser-lhe nomeado defensor ou, no caso contrário, adverti-lo de que deve constituir advogado.

6 - A nomeação de defensor ao arguido, nos termos do número anterior, tem carácter provisório e depende de concessão de apoio judiciário pelos serviços da segurança social.

7 - Se o arguido não solicitar a concessão de apoio judiciário, é responsável pelo pagamento do triplo do valor estabelecido nos termos do n.º 2 do artigo 36.º.

8 - Se os serviços da segurança social decidirem não conceder o benefício de apoio judiciário ao arguido, este fica sujeito ao pagamento do valor estabelecido nos termos do n.º 2 do artigo 36.º, salvo se se demonstrar que a declaração proferida nos termos do n.º 3 foi manifestamente falsa, caso em que fica sujeito ao pagamento do quíntuplo do valor estabelecido no n.º 2 do artigo 36.º.

9 - Se, no caso previsto na parte final do n.º 5, o arguido não constituir advogado e for obrigatória ou considerada necessária ou conveniente a assistência de defensor, deve este ser nomeado, ficando o arguido responsável pelo pagamento do triplo do valor estabelecido nos termos do n.º 2 do artigo 36.º.

10 - O requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo.»

Decorre, assim, desta  disposição que:

1º-  a nomeação de defensor em processo penal é regulada pelas normas do Código de Processo Penal e pelas normas constantes dos artigos 39º e seguintes da Lei 34/2004 (nº1);

2º-  o  requerimento do apoio judiciário perante a segurança social, em processo penal pendente, não visa a nomeação de defensor, visando apenas, e nos termos do artigo 16º, n.º1 da referida LAJ, o “pagamento da compensação de defensor oficioso” ( nºs 5 e 9), visto que a nomeação é feita pelo Juiz do processo (que avalia a conveniência ou a obrigatoriedade da assistência ao arguido pelo defensor), mediante indicação (solicitada) da Ordem dos Advogados, tal como decorre  dos arts. 61º e 64º do CPP.

3º- o pedido de apoio judiciário, tem apenas como efeitos, no caso de indeferimento, o pagamento pelo arguido da compensação do defensor oficioso e, no caso de deferimento, o pagamento da referida compensação por outra entidade, pelo que,  se o arguido não requerer o apoio judiciário na modalidade de pagamento da compensação ao defensor, ou requerendo-o, lhe for negado o benefício, fica sujeito a suportar os respetivos encargos ( nºs 5 a 9) .

4º- O requerimento para a concessão de apoio judiciário não afeta a marcha do processo ( nº10).

De destacar ainda, com interesse para o caso, o art. 41º, que, no seu nº3,  estabelece que o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequente  e o art. 42º, nº3, que, para o caso da dispensa de patrocínio, estipula que «enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo», tudo em  consonância com o disposto no   já citado art.66º, nº4 do CPP e com a preocupação que a lei tem de não permitir que o arguido, na pendência de um processo, possa estar, em momento algum, desacompanhado de defensor, com vista à salvaguarda do seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado.

Mas se assim é e tendo em conta, conforme já se deixou dito, que o art. 39º, nº10 da Lei nº 34/2004 dispõe, especialmente que, em processo penal, «o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo», forçoso é  concluir que, nem mesmo o disposto no  artigo 44º, n.º1 desta  mesma lei,  que manda aplicar,  em tudo o que não esteja especialmente regulado no capítulo relativamente à concessão de proteção jurídica ao arguido em processo penal e com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, ou seja, as relativas aos processos de diferente natureza, legitima a aplicação ao processo penal  da  norma do artigo 24º, nº4, que estabelece que « quando o pedido de apoio judiciário  é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo».

Desde logo porque, não só não estamos perante uma lacuna da lei processual penal  nem da Lei nº 34/2004, como também o regime geral previsto no art. 24º, nº4 desta última lei  não é compatível com o regime da representação do arguido no processo penal.

Do mesmo modo e pela mesma ordem de razões, julgamos, contrariamente ao defendido pelo atual defensor do arguido,  ser de  afastar a aplicação analógica, ao caso vertente,   da  norma do artigo 34, nº2 da Lei nº 34/2004, que estipula que « o pedido de escusa (…) apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido (…)»

Daí termos como assente, na esteira do que vem sendo  entendimento maioritário do S.T.J.[3],  que os prazos em curso no processo penal, nomeadamente o prazo para a interposição de recurso não se suspendem nem se interrompem por via da renúncia ao mandato por parte do advogado constituído do arguido.

E nem se argumente, como o faz o defensor nomeado ao arguido,  com a violação do direito ao recurso porquanto, conforme se deixou dito, a lei processual penal ao não permitir que o arguido, na pendência do processo, possa estar em momento algum, desacompanhado de defensor, assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Neste sentido, já se pronunciou o Tribunal Constitucional, designadamente no Acórdão nº 450/2013.

Mas, não obstante tudo o que se deixou dito, o certo é que a Srª Juíza Desembargadora, titular do processo, seguindo, certamente, entendimento diverso do nosso,  ao pronunciar-se sobre a pretensão formulada pelo defensor nomeado ao arguido ( no seu requerimento junto a fls. 1237  e 1238), no sentido de ver reconhecida « a suspensão do prazo durante o período posterior à renúncia do anterior defensor e nomeação do aqui subscritor» e de lhe ser concedida «a prorrogação do prazo de recurso por período não inferior a vinte dias» (sublinhado nosso), decidiu,  através  de despacho proferido em 15.06.2016,  « considerando a data em que foi apresentada a renúncia ao mandato (fls. 1219-1220) e foi ordenada a nomeação de defensor ao arguido ( fls. 1228-1229), tendo em conta a complexidade do processo e  visto a não oposição do M.P.», conceder «a requerida prorrogação do prazo para interposição do recurso, por 20 dias, conforme o requerido».

Ora, ainda que se considere, não haver fundamento legal,  para a concessão desta  prorrogação, porquanto, em nosso entender, o prazo  para a interposição de recurso já havia terminado em 27.05.2016, a verdade é que, tendo a mesma sido deferida pelo Tribunal da Relação do Porto e tendo aquele  despacho sido notificado ao defensor do arguido e ao MP em 21.06.2016 ( cfr. fls. 1243 e 1249), impõe-se concluir  que  ocorreu trânsito em julgado e, consequentemente, considerar que o mesmo fez o arguido adquirir o direito à  prorrogação do prazo para a interposição de recurso por 20 dias.

O processo justo e leal bem como a imprescindível tutela de confiança, como elementos do princípio do processo equitativo, não permitem admitir outra solução que não esta.

Mas, aqui chegados e na ausência de qualquer norma do processo penal e do processo civil sobre esta matéria, urge, então,  enfrentar a questão  de saber a partir de que momento se há-de contar o novo período de tempo resultante da prorrogação por 20 dias do prazo para a interposição de recurso.

A este respeito defende o arguido que, tendo o despacho que  concedeu (novo) prazo para interpor recurso sido proferido já depois de esgotado o prazo normal para o efeito, o seu  início  conta-se a partir da  notificação daquele despacho ao defensor. 

Afigura-se-nos, porém, não assistir-lhe razão.

Desde logo, porque, contrariamente ao afirmado, não estamos perante um novo prazo, tratando-se, antes, da prorrogação de um prazo pré-existente.  

A prorrogação de um prazo  tem inerente a caraterística da sua continuidade com o prazo original, em sintonia com a regra da continuidade dos prazos vertida no art. 138º, nº1 do CPCivil, aplicável ex vi, art. 4º do CPP,  pelo que a interpretação do arguido, no sentido de que a prorrogação do prazo de recurso apenas se contaria a partir da notificação do despacho judicial que  a deferiu, desvirtuaria, por completo, a natureza jurídica do aumento do prazo em curso por prorrogação, passando a equivaler  á concessão de um novo prazo para a interposição de recurso, facto não consentido pela lei adjetiva.

Acresce  a tudo isto  o absurdo deste novo prazo ficar completamente dependente da agenda do tribunal, correndo-se o risco do seu prolongamento por tempo indeterminado, designadamente em caso de doença imprevista e/ou prolongada do juiz ou  duma  ausência justificada por largo tempo.

Daí impor-se concluir, por um lado, que o novo período de tempo resultante da prorrogação,  conta-se a partir do termo do prazo inicial.

E, por outro lado, que nessa contagem há que observar a regra da continuidade dos prazos legais ou judiciais, a não ser que ocorra alguma causa de suspensão ou de interrupção.

Julgamos, porém, que, no caso dos autos, a questão da contagem deste prazo não pode ser encarada com esta simplicidade, impondo-se fixar o sentido do despacho   proferido em 15.06.2016 pela Srª Desembargadora  ( a. fls. 1242 dos autos), que recaiu sobre o requerimento apresentado pelo defensor do arguido ( a fls. 1237 e 1238),  no sentido de, para além da concessão da requerida prorrogação, ver reconhecida « a suspensão do prazo durante o período posterior à renúncia do anterior defensor e nomeação do aqui subscritor» (sublinhado nosso) .

É que, apesar da Srª Desembargadora não se ter pronunciado, expressamente,  sobre a requerida  suspensão do prazo, cremos que ao justificar a concessão da prorrogação do prazo,  com   « a data em que foi apresentada a renúncia ao mandato (fls. 1219-1220) e foi ordenada a nomeação de defensor ao arguido ( fls. 1228-1229) » (sublinhado nosso), tal despacho pressupõe, implicitamente, o deferimento da requerida suspensão, pois de outro modo, de nada adiantaria a concedida prorrogação do prazo para a interposição de recurso por mais 20 dias, uma vez que, conforme já de deixou dito, o prazo de 30 dias previsto no art. 411º , nº1, al. a) do CPP, já havia terminado em 27.05.2016.

Foi também este  sentido que o Ministério Público  e o arguido extraíram do despacho em causa, conforme se vê, respetivamente,  do parecer  de fls.1283 e 1284 e da resposta  do recorrente de fls. 1288 a 1294.

De resto, se dúvidas houvesse quanto à interpretação a dar a este despacho ( que bem ou mal transitou em julgado, impondo-se, por isso, intraprocessualmente), na esteira do Acórdão do STJ, de 03.03.2004[4], sempre seria este o sentido a prevalecer, pois,  estando em causa direitos e garantias de defesa, a regra vigente é a « regra do favor reo» (e não contra o titular do direito), reforçada pelos princípios da lealdade processual, boa fé e confiança, conformadores de um processo penal  “equitativo e justo”.       

Mas ainda assim, ou seja, mesmo dando por assente que o despacho em causa considerou suspensa a instância, desde 25.04.2016 ( data da renúncia ao mandato) até  07.06.2016 ( data da presumida notificação ao defensor da sua nomeação), não há como não reconhecer que o recurso interposto  para este Supremo Tribunal  é extemporâneo.

É que, à data da suspensão ( 25.05.2016),  já haviam transcorrido 28 dias e, uma vez  cessada a suspensão em 07.06.2016, o prazo de 30 dias previsto no art. 411º, nº1, al. a) do CPP terminou em 09.06.2016, pelo que,  contando-se a partir de 10.06.2016 o prazo de prorrogação de 20 dias,  temos que o prazo concedido  para a interposição de recurso terminou em 29.06.2016.

E sendo assim, dúvidas não restam que o recurso interposto em 13.07.2016, excede largamente o prazo concedido, bem como a tolerância dos  três dias úteis a que alude o  artigo 107º-A do CPP.

De resto sempre se dirá que, mesmo a admitir-se a orientação pugnada pelo recorrente no sentido de contar o prazo de 20 dias a partir da data de notificação do despacho prorrogatório ( o que não se aceita), o recurso interposto sempre seria de rejeitar, pois tal prazo terminaria em 11.07.2016 e  o arguido a não só  veio interpor recurso apenas em  13.07.2016,  como  efetuou apenas o pagamento da multa correspondente ao 1º dia útil ( € 51, 00, nos termos do art. 107-A, al. a) do CPP).

Por tudo o que deixou dito, impõe-se considerar que o  recurso do arguido não devia ter sido admitido,  nos termos do nº 2 do artº 414º do CPP.

Deste modo e porque o despacho da Srª Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação do Porto que o admitiu (fls. 1268) não vincula o Supremo Tribunal de Justiça, conforme disposto no artigo 414.º, n.º 3, do CPP, face à verificação de  causa que devia ter determinado a não admissão do recurso, impõe-se, agora, decretar a sua rejeição, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 420º, também do CPP.

***
 
III. DECISÃO

Termos em que acordam na 3ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recursos interposto pelo arguido.

Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cincos) UCs.
O Arguido/recorrente pagará ainda a soma de 3 (três) UCs, por força do disposto no nº 3 do artº 420º do CPP.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de novembro de 2016

(Texto elaborado e revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2, do CPP).

Parte superior do formulário

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[1] Relato nº6

[2] Que alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais que constava da Lei nº 30-E/2000, de 20/12, que, por sua vez, havia  revogado o DL nº 387-B/87, de 29/12.

[3] Neste sentido, Acórdãos do STJ de 06.07.1994,  in BMJ, nº 439, pág. 418; de 13.11.203, in CJ/STJ, ano XI, tomo III, pág. 231; de 15.01.2004, proc. 3470/03-5ª Secção; de 15.01.2004, proc. 3297/03-5ª Secção; de 27.01.2005, proc. 3501/04- 5ª Secção; de 12.05.2005, proc. 1310/05-5ª secção; de 23.06.2005, proc. 2251/05-5ª secção; 18.01.2007, proc. 3067/06-5ª Secção; de 03.10.2012, proc. 112/12.8YFLSB-5ª Secção; 23.10.2013, proc. 110/13.4YFLSB.S1-3ª Secção; de 30.10.2013, proc. 224/09.5GCAMT-A.S1-3ª Secção; de 10.12.2015, proc. 150/15.9YFLSB.S1-3ª secção.   
[4] Relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar no proc. 2140/03 e publicado in wwwdgsi.pt.