Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
438/14.6TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: JUROS DE MORA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / GARANTIAS DE CRÉDITOS DO TRABALHADOR / PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO EMERGENTE DE CONTRATO DE TRABALHO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 310.º, AL. D), 804.º, N.ºS 1 E 2, 806.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGO 381.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGO 337.º, N.º 1.
LEI DO CONTRATO DE TRABALHO (LCT): - ARTIGO 38.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 30-09-2004, PROC. N.º 1761/04, DE 21-02-2006, PROC. N.º 3145/05, DE 14-02-2006, PROC. N.º 2448/06, DE 14-03-2006, PROC. N.º 3825/05, E DE 06-03-2002, PROCESSO N.º 599/01.
Sumário :
I. Sendo o prazo de prescrição dos créditos laborais de um ano, contado a partir da data da cessação do contrato de trabalho, conforme determinam os artigos 38º da LCT, 381º, nº 1 do Código do Trabalho de 2003 e 337º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009, este regime é também aplicável aos juros de mora decorrentes do seu incumprimento.

II. Assim, não estão sujeitos ao regime geral da prescrição, decorrente da al. d) do artigo 310º do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---

AA veio intentar uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

PT Comunicações, S.A., com sede na Rua …, …, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe:
1. A quantia de € 31.252,56 (trinta e um mil duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), correspondente às diferenças salariais na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal, resultantes da inclusão dos mesmos dos valores médios recebidos pelo A. a título de remuneração por trabalho suplementar, trabalho nocturno, subsídio/abono de condução, subsídio assiduidade, subsidio prevenção, subsídio chamadas acidentais, distribuição lucros, isenção horário, atendendo-se, para o efeito, à média das importâncias auferidas, calculadas pelos 12 meses de trabalho anteriores aos meses em que o A. gozou férias e lhe foram processados os subsídios de férias e de Natal, tudo com respeito ao período compreendido entre Janeiro de 1992 e Dezembro de 2012;
2. Os juros de mora legais sobre tais quantias, calculados desde a data do vencimento das respectivas obrigações, até integral pagamento, às taxas legais sucessivamente em vigor.

Alegou para tanto que foi trabalhador da ré desde 1-6-1974 até 16-12-2013, altura em que passou à situação de aposentado. No entanto, nunca a ré integrou nas retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal, a média das diversas retribuições complementares que auferia.

Realizou-se diligência de audiência das partes, e não tendo derivado na sua conciliação, veio a ré contestar, invocando a ineptidão da petição inicial e a prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos. E impugnando, alegou que os complementos referidos pelo A não integram o conceito de retribuição para os efeitos pretendidos.

E tendo havido acordo das partes quanto à matéria de facto, foi proferida sentença, na qual se decidiu:

“julgo parcialmente procedente a presente acção, condenando a ré, PT – Comunicações, S.A., a pagar ao autor, AA, a quantia (global) de € 15.789,75 (quinze mil setecentos e oitenta e nove euros e noventa e setenta e cinco cêntimos), relativa às diferenças salariais – resultantes da não integração na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal do respectivo valor médio anual referente às quantias pagas pela ré e supra especificadas –, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, sobre cada uma das prestações em dívida, mas contabilizando-se apenas os vencidos a partir de 31 de Março de 2009, até efectivo e integral pagamento, e à taxa legal.”

Tendo a R apelado, e o A interposto recurso subordinado, acordou o Tribunal da Relação do Porto

“em julgar totalmente improcedente a apelação da ré e procedente o recurso subordinado do autor, alterando-se a sentença recorrida no que respeita à condenação da ré em juros de mora, sendo os juros devidos sobre todas as retribuições em dívida, desde a data do respectivo vencimento.”

No mais manteve-se a decisão recorrida.

Novamente inconformada, traz-nos a R a presente revista, que foi recebida apenas quanto à matéria dos juros de mora, conforme despacho do relator que não foi objecto de oposição das partes.

E quanto a esta questão, a R rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“….  

16. Relativamente aos juros moratórios, como é corajosamente afirmado pelo Senhor Magistrado, titular do Juiz 7, da 1ª secção do Trabalho da Comarca de Lisboa, no âmbito do processo 45/13.0TTLSB, trata-se de questão que tem sido alvo de algum "acomodamento" motivo pelo qual, há que aplaudir a recomendação para que seja merecedora da devida reanálise.

17. Dado chocar o sentimento comum, que neste caso possam ser devidos juros vencidos há mais de 30 anos, além de fazer todo o sentido que a obrigação de pagamento de juros, por consubstanciar obrigação autónoma, não possa merecer a protecção obrigacional da obrigação principal que emerge da relação de trabalho.”

Pede assim que se julgue o recurso procedente e que se circunscreva a condenação em juros aos vencidos posteriormente a 31 de Março de 2009.

Cumprido o nº 3 do artigo 87º do CPT, veio a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitir parecer no sentido da negação da revista.

Cumpre portanto decidir.

2---

Quanto à matéria de facto, e por não se tratar de matéria controvertida cuja análise se imponha para a presente decisão, remete-se para a fundamentação de facto da sentença da 1ª instância, ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 6, do CPC.

3----

Quanto ao mérito:

Já dissemos que a única questão a tratar na revista diz respeito aos juros de mora, pois tendo o acórdão recorrido condenado no pagamento dos juros moratórios desde a data do vencimento da obrigação imposta à R, sustenta esta que devem ser limitados aos últimos cinco anos, conforme estabelecido na primeira parte da alínea d) do artigo 310º do CC.

Como fundamento da sua posição, argumentou a Relação que:

“… de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

Idêntico é o regime que se extrai do artigo 381.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 e, mais recentemente, do artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009.

Trata-se de um regime especial de prescrição que, como é sabido, encontra a sua razão de ser no facto de se considerar que só a partir do momento da cessação do contrato o trabalhador estará em condições de exercer os seus direitos, sem qualquer dependência para com o empregador decorrente da vigência da relação de trabalho.

O não cumprimento da obrigação de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho faz incorrer o devedor, ….na obrigação de indemnizar o credor, indemnização essa que correspondente aos juros a contar do dia da constituição em mora.

Daqui decorre que esta obrigação de indemnizar emerge da mora no cumprimento de um crédito laboral, constituindo, por isso, também um crédito emergente da violação do contrato de trabalho.

Por isso, o mesmo encontra-se sujeito ao prazo especial de prescrição do artigo 38.º, n.º 1 da LCT, ou do artigo 381.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003, ou artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009, constituindo, por isso, um desvio ao regime geral do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil.

Esta tem sido, de resto, a interpretação, se não uniforme pelo menos largamente maioritária, da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que se pronunciou sobre a matéria, como pode ver-se, entre outros, dos acórdãos de 30-09-2004 (Proc. n.º 1761/04), de 21-02-2006 (Proc. n.º 3145/05), de 14-02-2006 (Proc. n.º 2448/06) e de 14-03-2006 (Proc. n.º 3825/05).

Como se afirmou no acórdão desse tribunal de 30-09-2004, «Seria perfeitamente absurdo que a A. estivesse em tempo de pedir ao R. os créditos resultantes do incumprimento parcial do contrato de trabalho que os uniu e já não pudesse pedir-lhe os juros de mora, por se considerarem prescritos.

Tal entendimento aberrante obrigaria a autora a accionar o réu para pagamento dos juros dos seus créditos laborais na vigência do contrato de trabalho, criando mal estar e atritos com o empregador, que a lei pretendeu evitar ao conceder-‑lhe o prazo de 1 ano a partir do dia seguinte ao da cessação daquele para o fazer. Tal entendimento anularia o escopo prosseguido pelo legislador com aquele normativo, caso a autora não estivesse na disposição de prescindir dos juros de mora dos seus créditos …”

 

Também sufragamos o juízo decisório da Relação e a fundamentação em que assenta.

Efectivamente, a jurisprudência deste Supremo Tribunal há muito que se consolidou no entendimento que vem plasmado na decisão impugnada, como nos dá conta o transcrito trecho do acórdão sujeito[1].

E não vemos razões para a abandonar.

Na verdade, e conforme resulta do disposto no artigo 804.º, n.º 1 do Código Civil, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, estabelecendo o seu nº 2 que o devedor se considera em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação não foi efectuada no tempo devido.

Por outro lado, nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros que são devidos desde o dia da constituição em mora, conforme prescreve o n.º 1, do artigo 806.º, do Código Civil.

Por isso, tratando-se duma obrigação acessória dum crédito laboral, estamos também perante um crédito do trabalhador emergente da violação do contrato de trabalho, pelo que se justifica que o seu regime prescricional seja o mesmo do crédito principal.

E assim, os juros de mora derivados do incumprimento dum direito laboral do trabalhador encontram-se sujeitos ao prazo especial de prescrição da lei laboral, que é um ano, conforme estava estabelecido no artigo 38.º, n.º 1 da LCT; no artigo 381º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003; e no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009, quanto aos créditos laborais posteriores a 17 de Fevereiro de 2009.

Por isso, e como tal prazo só começa a correr a partir da data da cessação do contrato, não se lhes aplica o regime geral do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil.

Improcedendo esta questão, temos de confirmar o acórdão recorrido.

4---

           

Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista.

Custas a cargo da R.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 16 de junho de 2016

           

Gonçalves Rocha (Relator)

           

Ana Luísa Geraldes

           

Ribeiro Cardoso

                                                    

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[1] Para além dos acórdãos deste Supremo Tribunal referidos no texto do acórdão da Relação, veja-se ainda o acórdão de 6/3/2002, processo nº 599/01.