Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16107/21.8YIPRT-A.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: COVID-19
PANDEMIA
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DE PRAZO
NORMA EXCECIONAL
INTERPRETAÇÃO DA LEI
CASO DE FORÇA MAIOR
INJUNÇÃO
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. Por força do regime excepcional do art. 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 (com a redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04) que decretou medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19, a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade ficou suspensa a partir de 09.03.2020, sendo a duração máxima desses prazos prolongada pelo período de tempo em que vigorou a situação excepcional.

II. A Lei n.º 16/2020, de 29.05, ao revogar o art 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, terminou, com efeitos a partir de 03.06.2020, com a suspensão generalizada dos prazos processuais, suspensão que veio a ser reintroduzida pelo n.º 1 do art. 6.º-B aditado à Lei n.º 1-A/2020 pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02.

III. A tais regimes suspensivos não é aplicável o disposto art. 321.º, n.º 1, do CC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. No âmbito de injunção iniciada em 19.02.2021 por Endesa Energia, S.A. - Sucursal Portugal contra Tulipa Cerâmica Decorativa, Lda. e convertida em acção declarativa (cfr. art. 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10.05), em sede de oposição defendeu-se a R. por excepção, invocando que o direito da A. a exigir o pagamento se encontra extinto por prescrição, com excepção do que respeita ao valor da factura n.º ...68, relativa a serviços prestados de 01 a 30.09.2020, e da factura n.º ...59, relativa a serviços prestados de 01 a 31.10.2020, nos valores de € 2.860,00 e de € 5.045,12, respectivamente, por terem decorrido mais de seis meses desde a prestação dos serviços até à sua citação.

No articulado de resposta à oposição de 14.04.2021, veio a A. responder à excepção invocada pela R., alegando, em suma, que:

- Tendo em conta o disposto no art. 17.º- E, n.º 7, do CIRE, e porque a R. iniciou PER, onde foi nomeado Administrador Judicial a 30/07/2020 e homologado o plano a 06/01/2021, o prazo de prescrição esteve suspenso entre 30/07/2020 e 06/01/2021;

- Durante o ano de 2020, a R. reconheceu perante a A. Endesa a existência do direito de crédito desta, o que se provará em sede de audiência de discussão e julgamento, pelo que deve considerar-se interrompido o prazo de prescrição;

- Considerando o Regulamento n.º 255-A/2020, de 18.03, que estabeleceu medidas extraordinárias no sector energético por força da emergência epidemiológica Covid-19, o prazo de prescrição da Lei n.º 23/96 passou de seis para nove meses;

- Por aplicação dos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, entre 12/03/2020 e 03/06/2020, com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29.05, os prazos de prescrição e caducidade foram alargados em 82 dias;

- Por fim, por aplicação do art. 6º-B, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, ficaram suspensos os prazos de prescrição e caducidade entre 22/01/2021 e 06/04/2021, com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 05.04, pelo que os prazos de prescrição e caducidade foram alargados em mais 74 dias;

- O prazo de prescrição a considerar é de 9 meses, e o mesmo esteve suspenso, pelo menos:

a) de 12/03/2020 a 03/06/2020, num total de 82 dias (Lei n.º 1-A/2020);

b) de 30/07/2020 a 06/01/2021, num total de 160 dias (PER);

c) de 22/01/2021 a 06/04/2021, num total de 74 dias (Lei n.º 4-B/2021);

- Como a acção deu entrada em juízo a 19/02/2021, ainda que se tenha em consideração que a R. foi citada a 03/03/2021, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 323.º do Código Civil, tem-se a prescrição por interrompida decorridos 5 dias depois da entrada da acção, ou seja, a 24/02/2021;

- Pelo que não se verifica a prescrição do direito ao recebimento do preço, pelo menos, da factura n.º ...49, referente ao período de consumo de 01/08/2019 a 31/08/2019, nem das facturas subsequentes, e nunca estariam prescritas as três últimas facturas (n.ºs ...61, ...68 e ...59).

Em 24/03/2022 foi proferido despacho saneador, que decidiu não se verificar «a prescrição do direito da autora, em relação a qualquer uma das facturas reclamadas».

Inconformada, interpôs a R. recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, por acórdão de 20/10/2022, foi julgado parcialmente procedente, decidindo-se nos seguintes termos:

«- Julga-se procedente a exceção perentória da prescrição relativamente aos serviços prestados pela A. à ré nos meses de setembro de 2018 a maio de 2020 (pelo decurso do prazo de 6 meses sobre a data do seu vencimento); e

- Julga-se improcedente a exceção perentória da prescrição relativamente aos serviços prestados pela A à ré nos meses subsequentes, de maio de 2020 a agosto de 2020 (inclusive).».


2. Vem a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«a) Por Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o Tribunal revogou a decisão proferida pelo tribunal de 1ª Instância de considerar não se verificar a prescrição do direito da A. (ora Recorrente) em relação a qualquer fatura.

b) O Acórdão julgou parcialmente procedente a apelação e em consequência julgou procedente a exceção perentória da prescrição relativamente a umas faturas e improcedente a exceção perentória da prescrição relativamente a outras.

c) A Recorrente não concorda com a prescrição das faturas relativamente aos serviços prestados nos meses de novembro/2019 a maio/2020, pois considera que o Acórdão deveria ter tido em conta a suspensão do prazo de prescrição por força da aplicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03 (Lei Covid).

d) Suspensão essa que decorreu de 9/3/2020 a 3/6/2020, como aliás não se discute em nenhuma decisão.

e) Daí que a contagem dos prazos feita pelos Mmo. Juízes a quo foi incorreta e levou à decisão da prescrição de mais faturas do que aquelas que a Recorrente considera.

f) Mas vejamos o que prevê a Lei Covid em relação à suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade.

g)Pode ler-se no seu artigo 7.º: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública. 2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional. 3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.”

h) Surge, posteriormente, a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril e que procede à primeira alteração à Lei n.º 1-A/2020 e vem, entre outros, alterar o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, produzindo os seus efeitos a 9 de março de 2020.

i) Assim, o artigo 7.º passa a ter a seguinte redação: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte. 2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional. 3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.”

j) Ora, o art. 10.º, da Lei n.º 23/96, de 26/7, referente à prescrição e caducidade dos serviços públicos prevê dois tipos de prazos diferentes; no n.º 1 prevê-se que o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação; e no n.º 4 prevê-se que o prazo para a propositura da ação ou injunção é de seis meses.

k) Assim, decorre da leitura conjugada dos preceitos acima referidos que o prazo previsto no n.º 4, do art. 10.º ficou verdadeiramente suspenso, por ser um prazo estabelecido para a prática de um ato processual.

l) Nas palavras de M. Teixeira de Sousa e J.H. Delgado de Carvalho, in “As medidas excepcionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil)” o regime deste artigo 7.º “é aplicável, sem qualquer dúvida, às acções ou aos procedimentos que, de modo a evitar a prescrição ou a caducidade, tivessem de ser propostos durante a vigência da situação excepcional.”

m) E, também neste sentido, Marco Carvalho Gonçalves, escreve “Nos termos do art. 7.º, n.ºs 3 e 4, a situação excecional constituía igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade que fossem relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, isto é, aos prazos de prescrição e de caducidade que dissessem respeito ao exercício de direitos em juízo.”

n) Desta forma, e discordando-se com a Douta decisão recorrida, o regime da suspensão decorrente desta Lei Covid tem aplicação no caso dos autos, pelo que este prazo para propositura de ação esteve suspenso de 9/3/2020 a 3/6/2020.

o) Ainda, outra causa de suspensão aplicável in casu é a prolação do despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório, no PER em 30/07/2020.

p) Daí que tenhamos de fazer uma contagem contínua no tempo, acolhendo a estas duas causas de suspensão na contagem do prazo de prescrição.

q) Na contagem dos prazos, parece que fica esquecido pelos Ilustres Juízes a quo que o prazo volta a suspender a 30/7/2020 com a nomeação do Administrador Judicial Provisório, no PER, depois do prazo voltar a correr em 3/6/2020.

r) No decurso do prazo de prescrição ocorreram, então, duas causas de suspensão: a Lei Covid e a prolação do despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório, no PER.

s) Atentemos aos seguintes quadros para facilidade e clareza na contagem dos prazos de prescrição das facturas em causa neste recurso:

Lei Covid
        PER
    1m e 28d

9/3/2020 3/6/2020 30/7/2020 27/2/2021 10/11/2021
(prescrição interrompida)

N.º
Fim período
    até 9/3/2020
de 3/6/2020 até 30/7/2020
Contagem do prazo total de prescrição
1230/09/20195 meses e 9 dias1 mês e 28 dias>6 meses
1331/10/20194 meses e 9 dias1 mês e 28 dias>6 meses
1430/11/20203 meses e 9 dias1 mês e 28 dias<6 meses
1531/12/20192 meses e 9 dias1 mês e 28 dias<6 meses
1631/01/20201 mês e 9 dias1 mês e 28 dias<6 meses
1729/02/20209 dias1 mês e 28 dias<6 meses
1831/03/2020-1 mês e 28 dias<6 meses
1930/04/2020-1 mês e 28 dias<6 meses
2031/05/2020-1 mês e 28 dias<6 meses
2130/06/2020-1 mês<6 meses
2231/07/2020--
2331/08/2020--
2430/09/2020--
2531/10/2020--
>A contagem dos prazos para a prescrição das faturas ...4 a ...7 começaram a contar antes da entrada em vigor da Lei Covid, suspenderam com a Lei Covid a 9/3/2020 até 3/6/2020; voltaram a contar de 3/6/2020 a 30/7/2020 e voltaram a suspender com o PER em 30/7/2020. Como a entrada da ação foi no decorrer da suspensão do prazo pelo PER, o prazo não voltou a contar.

> A contagem dos prazos para a prescrição das faturas 18 a 20 estavam suspensos durante a Lei Covid, não tendo por isso começado a contagem da prescrição. Começam então a 3/6/2020 até 30/7/2020 que, com o PER suspendem e não voltam a contar.

> A contagem do prazo para a prescrição da fatura 21 começa a contar a 30/6/2020 até 30/7/2020 que, com o PER suspendeu e não voltou a contar.

>Quanto à contagem dos prazos para a prescrição das faturas 22 a 25 nunca começaram a contar.

t) Tal significa que não se encontravam prescritas as últimas doze faturas (14 a 25) n.ºs ...52, ...53, ...54, ...55, ...56, ...57, ...58, ...60, ...36, ...61, ...68 e ...59, no valor total de € 40.859,54.

u) Forçoso é concluir que a decisão recorrida não pode manter-se pois os Mmos. Juízes a quo decidiram erradamente pela prescrição das primeiras 20 faturas, quando, na verdade, não estavam prescritas as faturas (14 a 20) n.ºs ...52, ...53, ...54, ...55, ...56, ...57 e ...58.».

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido.

A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

«1. Antes de mais, o presente Recurso de Revista não deve ser admitido, uma vez que não cumpre os requisitos formais para o efeito;

2. Vejamos, à Injunção foi atribuído o valor de 89.432 EUR e 48 cêntimos, sendo que, o valor do capital ascendia 86.754 EUR e 91 cêntimos – Cfr. Requerimento injuntivo;

3. Em sede de Oposição à injunção, a Ré reconheceu a dívida concernente às n.ºs ...68 e ...59, referentes aos períodos de fornecimento em Setembro e Outubro de 2020, no valor total de 7.905 EUR e 12 cêntimos;

4. Considerando que na sentença proferida foi julgada improcedente a excepção da prescrição, a Ré recorreu dessa decisão, pelo que, o Recurso tinha, para si, o valor de 78.849 EUR e 79 cêntimos (86.754,91 € – 7.905,12 €)

5. O Tribunal da Relação veio a reconhecer a prescrição relativamente aos serviços prestados entre Setembro de 2018 a Maio de 2020, cujo valor ascende a quantia de 70.358 EUR e 20 cêntimos;

6. Reconhecendo, no entanto, a obrigação da Ré ao pagamento dos serviços prestados entre Junho a Agosto de 2020, no montante total de 8.491 EUR e 59 cêntimos (a que se somaria um valor já reconhecido em Primeira Instância, pela Ré, de 7.905 EUR e 12 cêntimos, num total de 16.396 EUR e 71 cêntimos);

7. A Autora delimita bem o objecto do seu recurso, determinando que o mesmo visa apenas os serviços prestados nas datas de Novembro de 2019 a Maio de 2020, reconhecendo que, os demais serviços, prestados anteriormente, estão, de facto, prescritos;

8. Ora, feitas as contas, reconhece a prescrição do valor de 46.895 EUR e 37 cêntimos, e apenas tenta ver reconhecida a exigibilidade de serviços cujo valor ascende a quantia de 23.462 EUR e 83 cêntimos;

9. E, portanto, desde logo, não nos podemos conformar com o valor atribuído ao recurso, a saber: 40.859 EUR e 54 cêntimos, uma vez que esse valor não é coincidente com a probabilidade de ganho que a mesma pretende ao reduzir o presente recurso, mas sim os referidos 23.462 EUR e 83 cêntimos, como assim se expôs;

10. A Autora, indevidamente e para efeitos de recurso, somou o valor da decisão na parte em que lhe é desfavorável (23.462 EUR e 83 cêntimos) com um valor na parte em que lhe foi favorável (8.491 EUR e 59 cêntimos)), reconhecendo a prescrição, somando ainda o valor já aceite pela Ré ab initio (7.905 EUR e 12 cêntimos), o que dá um total de 39.859 EUR e 54 cêntimos, sendo a diferença de 1.000 EUR, para o valor atribuído ao recurso resultante do lapso numérico acima reportado, o que somado daria 40.859 EUR e 54 cêntimos;

11. Ora nos termos do 629.º do CPC, o recurso de revista só admissível quando a causa tem um valor superior alçada do Tribunal de que se recorre;

12. No caso concreto, para a Autora o valor da causa computa-se em 23.462 EUR e 83 cêntimos, e alçada do Insigne Tribunal fixa-se em 30000 EUR;

13. E, assim sendo, o recurso é inadmissível, pelo que não deve ser tomado conhecimento do seu objeto;

Sem prescindir,

Caso assim não se entenda,

Sempre sempre se dirá quanto aos fundamentos invocados o seguinte:

14. Antes demais esclareça-se que, a aqui Recorrida pugna pela manutenção do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que revogou a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, reconhecendo parcialmente a prescrição dos serviços prestados pela Autora à Ré;

15. Não existe motivo atendível para alterar a fundamentação na decisão proferida quando ao Recurso de Apelação;

16. A Autora propõe-se, neste Recurso de Revista, a contrariar aquela decisão por entender ser de aplicar ao caso dos autos a Lei n.º 1-A/20, de 19/03, e, por via disso, aplicar-se a suspensão entre o período que mediou 09/03/2020 a 03/06/2020;

17. O que a Ré, aqui a Recorrida, não se conforma, conforme aliás já amplamente manifestou no Recurso anteriormente por si apresentado quanto a sentença proferida pelo Tribunal de Braga!!!

18. Primeiramente, porque decorre da própria redacção naquela Lei, que a mesma aplicada a “processos e procedimentos”, ora a acção dos Autos apenas foi instaurada no ano seguinte, pelo que, não se vê como a mesma pudesse ser concretamente aplicada;

19. Além disso, não estava impossibilitada, durante esse período a prática de actos processuais, tanto mais com carácter não presencial, conforme disponha o n.º 1 do artigo 6.º da Lei 4-A/2020, de 06 de Abril;

20. E assim sendo apenas se concebe a aplicabilidade da lei em processos judiciais já em decurso;

21. O que não era evidentemente o caso dos Autos e, portanto, não poderá servir de fundamento à inacção de Autora, beneficiando de prazos de suspensão, quando ela própria não pugnou pelo impulso atempado e devido das obrigações que tenta importar à Ré;

22. Aliás ela própria recorda a tese defendida por “Marco Carvalho Gonçalves, escreve “Nos termos do art. 7.º, n.ºs 3 e 4, a situação excecional constituía igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade que fossem relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, isto é, aos prazos de prescrição e de caducidade que dissessem respeito ao exercício de direitos em juízo.””, bem sublinhando que as leis da Pandemia apenas se aplicam a “direito em juízo”, ou seja, perante os quais já haja processo;

23. O que não é evidentemente o caso dos Autos!!!

24. E igual raciocínio se fará quanto a suspensão derivada do PER da Ré, e que a própria Autora já negou, nestes Autos, ter aplicação no caso concreto;

25. Ou seja, a suspensão apenas pode ter lugar se existir processo onde aquela possa ser considerada;

26. Ora, como a acção apenas foi intentada em 22/02/2021, o PER já se tinha iniciado há mais de 7 meses, e, portanto, apenas pode ter a virtualidade de suspender os prazos de prescrição que, nessa data, ainda corriam, não podendo fazer-se uma aplicação retroactiva na suspensão, pelo que, esta só podia ser considerada após a data acima mencionada;

27. Não podendo aproveitar-se dessa suspensão para serviços cujo prazo de prescrição já tinha terminado;

28. Nem, por outro lado, se podem somar prazos de suspensão, quando os mesmos coexistiram, querendo isto dizer que, não podemos somar aos prazos da suspensão da pandemia (ainda que se concebam aplicáveis, o que a Ré não aceita) aos prazos da suspensão do PER, quando os mesmos ocorreram na mesma data e se sobreponham, o prazo de suspensão é único;

29. E assim sendo, encontram-se prescritas as faturas n.ºs ...52, ...53, ...54, ...55, ...56, ...57 e ...58, referentes aos serviços prestados entre Novembro de 2019 a Maio de 2020;

30. Sendo que, quanto aos serviços subjacentes às facturas n.ºs ...60, ...36 e ...61, elementos ou período de Junho de 2020 a Agosto de 2020, foram as mesmas já consideradas pelo Tribunal da Relação como não prescritas, e, portanto, nestas não tem a Recorrente óbvio interesse em agir;

31. Já quanto às facturas n.ºs ...68 e ...59, referentes aos períodos de Setembro de 2020 e Outubro de 2020, já tinham sido em Primeira Instância reconhecidas pela própria Ré, verificando-se igual falta de interesse em agir.».

Termina pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, subsidiariamente, pela sua improcedência.


3. Invoca a Recorrida a inadmissibilidade do recurso, alegando que o valor da causa se «computa (...) em 23.462 EUR e 83 cêntimos, e [a] alçada do Insigne Tribunal fixa-se em 30000 EUR.».

Para que o recurso de revista seja admissível é necessário que o valor da causa seja superior a € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) e a sucumbência seja igual ou superior a € 15 000,01 (quinze mil euros e um cêntimo) - cfr. arts. 629.º, n.º 1, do CPC e 44.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário.

Compulsados os autos, verifica-se que, por despacho datado de 22/04/2021, proferido no processo principal, o valor da causa foi fixado em € 89.585,48 (oitenta e nove mil quinhentos e oitenta e cinco euros e quarenta e oito cêntimos).

Em termos de sucumbência, e uma vez que a Recorrente apenas impugna a decisão que considerou prescrito o seu crédito consubstanciado nas facturas relativas aos serviços prestados nos meses de Novembro de 2019 a Maio de 2020, cujo valor total é de € 23 489,83 (vinte e três mil quatrocentos e oitenta e nove euros e oitenta e três cêntimos), será pelo menos este (isto é, mesmo sem se atender ao montante dos juros vencidos à data da entrada da injunção), o valor da sucumbência.

Encontrando-se preenchidos os pressupostos de recorribilidade respeitantes ao valor da causa e da sucumbência, conclui-se pela admissibilidade do recurso.


4. Vem provado o seguinte:

- A autora, ENDESA ENERGIA S.A. – Sucursal Portugal, é uma empresa que se dedica à compra e venda de energia, sob a forma de electricidade, gás e outras, bem como ao exercício de actividades e prestações de serviços afins e complementares daquelas;

- A autora emitiu as vinte e cinco facturas identificadas no requerimento de Injunção, por serviços de fornecimento de gás alegadamente feito à ré, no período de 26.10.2018 a 31/10/2020;

- A 19/02/2021, a autora iniciou injunção via tribunais.net, tendo o procedimento sido iniciado junto do Balcão Nacional de Injunções a 22/02/2021, e a pesquisa de moradas feita a 23/02/2021, expedindo-se carta para citação da ré a 02/03/2021; e

- A 03/03/2021, a ré foi citada para se opor ao requerimento de injunção.


5. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto a seguinte questão:

- Apreciar se o crédito consubstanciado nas facturas de serviços energéticos relativas aos serviços prestados pela A. à R. nos meses de Novembro de 2019 a Maio de 2020 está ou não prescrito.


6. O acórdão recorrido decidiu que se encontra prescrito o crédito da A. consubstanciado nas facturas relativas aos serviços prestados à R. nos meses de Novembro de 2019 a Maio de 2020.

Contra, insurge-se a A. invocando essencialmente o seguinte:

- O prazo de seis meses para a propositura da presente acção (previsto no n.º 4 do art. 10.º da Lei n.º 23/96, de 26.07) esteve suspenso de 09-03-2020 a 03-06-2020 por força do art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, e da Lei n.º 4-A/2020, de 06.04;

- Com o despacho, proferido em 30/07/2020, de nomeação de Administrador Judicial Provisório no PER em que a ré era devedora, suspendeu-se novamente o prazo de prescrição; tendo a injunção dado entrada em juízo no decurso do PER, o prazo não voltou a contar.

Vejamos.

6.1. Estão em causa facturas respeitantes a fornecimentos de gás, pelo que é aplicável a Lei n.º 23/96, de 26.07 (Lei dos Serviços Essenciais), sendo a A. considerada prestadora e a R. utente (cfr. art. 1.º, n.º 2, alínea c), e n.ºs 3 e 4).

O art. 10.º da Lei dos Serviços Essenciais estipula o seguinte:

1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.

(...)

4 - O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.

(...).».

Ainda que a interpretação conjugada das normas dos n.ºs 1 e 4 não seja isenta de dúvidas (cfr., a este respeito, Marcelino António Pereira de Abreu, Lei dos Serviços Públicos Essenciais (Anotada e comentada)[1], 2018, págs. 127 e segs.), vem-se entendendo que o legislador pretendeu estabelecer um prazo de prescrição mais curto do que o previsto no Código Civil (cfr. art. 310, alínea g)) não apenas para proceder à apresentação da factura (n.º 1) como, não sendo voluntariamente pago o custo do serviço prestado, para iniciar o procedimento judicial (n.º 4), sendo que, de acordo com o n.º 1 do art. 323.º do CC, a prescrição se interrompe «pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito».


6.2. No caso dos autos, ambas as instâncias consideraram que, nos termos previstos no art. 323.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, o prazo de prescrição se interrompeu em 27/02/2021, decorridos cinco dias após o início da injunção (19/02/2021).

As instâncias divergiram sim no que se refere ao juízo sobre a suspensão do prazo de prescrição por aplicação do regime previsto na legislação que decretou medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19 (Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 e Lei n.º 4-A/2021, de 06.04).

Mais concretamente, há que ter presente a seguinte cronologia:

(i) O art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, prescreveu o seguinte:

«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.

2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.

3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

(...).».

(ii) O art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 passou a ter a seguinte redacção com a Lei n.º 4-A/2020, de 06.04 (apenas foi alterado o n.º 1):

«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.

2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.

3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

(...)».

(iii) O art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, foi revogado pela Lei n.º 16/2020, de 29.05;

(iv) Posteriormente, veio o art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, determinar o aditamento do art. 6.º-B à Lei n.º 1-A/2020, de 19.03:

Artigo 6.º-B

Prazos e diligências

1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 - O disposto no número anterior não se aplica aos processos para fiscalização prévia do Tribunal de Contas.

3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.

4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.

(...)».

(v) Por fim, o art. 6.º-B aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, foi revogado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril.

6.3. Sobre a articulação entre a vigência do regime do art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020 (revogado pela Lei n.º 16/2020) e a vigência do art. 6.º-B aditado à Lei n.º 1-A/2020 pela Lei n.º 4-B/2021, pronunciou-se já este Supremo Tribunal (convocando a posição assumida por Menezes Leitão («Os prazos em tempos de pandemia Covid-19», texto actualizado a 5 de Junho de 2020, in e-book Estado de Emergência – Covid-19. Implicações na Justiça, 2.ª ed., Centro de Estudos Judiciários, Junho 2020) no acórdão de 21/04/2022, (proc. n.º 3920/18.2T8VIS.C1.S1), disponível em www.dgsi.pt, da seguinte forma:

«Seguindo a interpretação exposta por Menezes Leitão em “Os prazos em tempos de pandemia Covid-19”, texto “actualizado a 5 de Junho de 2020”, e-book Estado de Emergência – Covid-19 Implicações na Justiça, 2.ª ed., Centro de Estudos Judiciários, Junho 2020, pág. 51 e segs., pág. 73 e segs., a Lei n.º 16/2020, de 19 de Maio, veio terminar com o regime genérico da suspensão de prazos judiciais:

“A suspensão dos prazos veio finalmente a ser levantada pela Lei 16/2020, de 29 de Maio, mais uma vez um diploma de redacção muito deficiente e que por isso levanta justificadas dúvidas.

4.2. A revogação do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março. Salienta-se que o artigo 7.º, da Lei 1-A/2020, estabelecia que a suspensão vigoraria até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 (artigo 7.º, n.º 1, da Lei 1-A/2020), a qual teria que ser decretada por Decreto-Lei, no qual se declara o termo da situação excepcional (artigo 7.º, n.º 2, da Lei 1-A/2020). Uma vez que a situação excepcional de mitigação e tratamento desta infecção epidemiológica está ainda longe do fim, seria extremamente polémico o Governo proferir um diploma a declarar o seu termo, requisito necessário para levantar a suspensão dos prazos. Optou-se, por isso, por revogar pura e simplesmente o artigo 7.º da Lei 1-A/2020, o que causou surpresa em alguns que aguardavam pela emissão desse decreto-lei apenas no fim do período de pandemia. Em qualquer caso, parece evidente que a revogação do artigo 7.º permite o levantamento da suspensão dos prazos sem necessidade de ser emitido esse decreto-lei, voltando os prazos a correr no quinto dia seguinte ao da publicação da lei (artigo 10.º da Lei 16/2020, de 29 de Maio), ou seja 3 de Junho de 2020.

4.3. O novo regime processual transitório e excepcional. Em consequência da revogação do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, a Lei 16/2020, de 29 de Maio, aditou àquele diploma um artigo 6º-A que estabelece um regime processual transitório e excepcional, aplicável "no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19" (artigo 6.º-A, n. º 1), já não estando previsto o seu levantamento através de diploma posterior ou qualquer outra declaração. Não se sabe quanto tempo durará este regime transitório, sendo que, no entanto, o mesmo não implica a suspensão generalizada dos prazos processuais. O regime caracteriza-se, nos termos do artigo 6.º-A, n.ºs 2 a 5, pelo estabelecimento das seguintes regras (…)”.

No mesmo sentido, fazendo aliás a história legislativa pertinente, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de Julho de 2021, www.,dgsi.pt, proc.n.º 90/21.2T8OER.L1-2: “O regime legal do referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 vigorou até 03-06-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que revogou o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 (artigos 8.º e 10.º), colocando termo à suspensão generalizada dos prazos processuais, retomando-se a contagem dos prazos judiciais a partir de 03-06-2020 (inclusive), considerando-se, em cada prazo, o tempo decorrido até à declaração da sua suspensão.(…)”

A regra genérica da suspensão dos prazos judiciais apenas veio a ser reintroduzida pelo n.º 1 do artigo 6.ºB aditado à Lei n.º 1-A/2020 pela Lei n.º 4-B/2021, nos seguintes termos:

“Artigo 6.º-B

Prazos e diligências

1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes:

(…) 5 - O disposto no n.º 1 não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;

b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;

c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.

(…)”

7. Quando a sentença foi notificada às partes, em 4 de Janeiro de 2021, não estava ainda em vigor a Lei n.º 4-B/2021; mas tinha já cessado a regra da suspensão genérica dos prazos, por virtude da entrada em vigor da citada Lei n.º 16/20.». [negrito nosso]

Este entendimento – de que a suspensão dos prazos de prescrição iniciada em 09/03/2020 cessou no dia 03/06/2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29.05, que revogou o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, colocando termo à suspensão generalizada dos prazos processuais, retomando-se a contagem dos prazos judiciais a partir dessa data de 03/06/2020 – não vem posto em causa pela A, ora Recorrente, a qual expressamente admite que os prazos suspensos «voltaram a contar [a partir] de 3/6/2020» (conclusão s)).

6.4. No caso dos autos, a 1.ª instância entendeu que, ao prazo de prescrição previsto no n.º 4 do art. 10.º da Lei dos Serviços Públicos, era aplicável o disposto no art. 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 (invocando também o disposto no art. 6.º-B, n.ºs 3 e 4, aditado à Lei n.º 1-A/2020 pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02), pelo que, por força desta suspensão, não se encontra prescrito o crédito consubstanciado nas facturas ora em apreciação.

Diversamente, o Tribunal da Relação – acolhendo expressamente a orientação interpretativa proposta, aquando da publicação da primeira das referidas leis especiais (Lei n.º 1-A/2020, de 19.03), por Miguel Teixeira de Sousa e J.H. Delgado de Carvalho («As medidas excepcionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil)», 26-03-2020, págs. 3 e segs. in blog do IPPC) – considerou que a suspensão decorrente destes diplomas legais deveria ser conjugada com o previsto no art. 321.º, n.º 1, do Código Civil, no qual se dispõe que:

«A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.».

Em consequência, e em relação às facturas que ora estão em causa, afirma-se no acórdão recorrido que:

«[O]s prazos de prescrição e de caducidade que se suspendem, a partir de 9/3/2020, por força do disposto no art.º 7.º, nºs 3 e 4 da Lei 1-A/2020 são todos aqueles (mas apenas esses) que estejam nessa data ou que entrem durante a situação de exceção nos últimos três meses. Disto decorre que, como é próprio do regime da suspensão (que é distinto do da interrupção), os prazos de prescrição e caducidade que estejam ou venham a estar durante a vigência da situação excecional nos últimos três meses, voltam a correr após a declaração do termo dessa situação, completando-se então o prazo com aquele que não correu até 9/3/2020. (…)

Considerando então a solução apontada, e fazendo a sua aplicação ao caso dos autos, verificamos que se suspendem-se todos os prazos de prescrição e de caducidade que em 9/3/2020 se encontravam nos últimos três meses, encontrando-se nessa situação os serviços faturados de setembro de 2019 a maio de 2020, os quais, dentro do período de 9.3.2020 a 3.6.2020 se encontravam a 3 meses de prescrever.

Terminado o prazo de suspensão, que ocorreu em 3.6.2020, os prazos entretanto suspensos voltaram a correr, somando-se o período retomado, ao período anterior entretanto suspenso.

Significa isto que apesar de suspensos aqueles prazos, voltando os mesmos novamente a correr, em 3.6.2020, todas as prestações em causa encontram ainda assim prescritas, por terem decorrido mais de 6 meses desde a data do seu vencimento (melhor dizendo, dos serviços prestados) até à data da instauração da Injunção (22.2.2021).

(...).». [negrito nosso]

Proferindo a final a seguinte decisão:

«- Julga-se procedente a exceção perentória da prescrição relativamente aos serviços prestados pela A. à ré nos meses de setembro de 2018 a maio de 2020 (pelo decurso do prazo de 6 meses sobre a data do seu vencimento)

(...).».

6.5. No presente recurso vem a A. impugnar tal decisão naquilo que se refere às facturas relativas aos serviços prestados nos meses de Novembro de 2019 a Maio de 2020, alegando, no essencial, o seguinte:

- «A contagem dos prazos para a prescrição das faturas 14 a 17 [Novembro de 2019 a Fevereiro de 2020] começaram a contar antes da entrada em vigor da Lei Covid, suspenderam com a Lei Covid a 9/3/2020 até 3/6/2020; voltaram a contar de 3/6/2020 a 30/7/2020 e voltaram a suspender com o PER em 30/7/2020. Como a entrada da ação foi no decorrer da suspensão do prazo pelo PER, o prazo não voltou a contar;

- A contagem dos prazos para a prescrição das faturas 18 a 20 [Março a Maio de 2020] estavam suspensos durante a Lei Covid, não tendo por isso começado a contagem da prescrição. Começam então a 3/6/2020 até 30/7/2020 que, com o PER suspendem e não voltam a contar.».

Importa, pois, apurar se o prazo de prescrição previsto no n.º 4 do art. 10.º da Lei dos Serviços Essenciais ficou suspenso tout court por força das citadas leis da pandemia, ou se a suspensão aí prevista deve ser interpretada de forma conjugada com o disposto no art. 321.º, n.º 1, do Código Civil, e, como tal, se deve considerar que só se suspenderam os prazos de prescrição das facturas que, em 09/03/2020 e durante o período excepcional, atingissem os últimos três meses dos prazos de prescrição.

Como se referiu supra, este último entendimento, seguido no acórdão recorrido, corresponde à interpretação propugnada – repita-se, aquando da publicação da primeira das referidas leis especiais da pandemia, a Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 – por Miguel Teixeira de Sousa e J.H. Delgado de Carvalho («As medidas excepcionais e temporárias estabelecidas pela L 1-A/2020, de 19/3 (repercussões na jurisdição civil)», cit.), em termos que, em seguida, se transcrevem:

«4.1. Do estabelecido nos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020 resulta um regime excepcional e temporário de suspensão de prazos de prescrição e de caducidade.

O regime é aplicável, sem qualquer dúvida, às acções ou aos procedimentos que, de modo a evitar a prescrição ou a caducidade, tivessem de ser propostos durante a vigência da situação excepcional. Assim, por exemplo, os prazos convencionados ou legais que regulam a produção de efeitos da resolução de contratos não ficam suspensos, dado que a resolução opera ex voluntate (cf. art. 436.º, n.º 1, CC); mas já fica suspenso o prazo (substantivo) para propor uma acção de anulação (cf., por exemplo, arts. 287.º, n.º 1, 917.º e 1644.º a 1646.º CC) ou uma acção de preferência (cf., por exemplo, arts. 416.º, n.º 2, e 1410.º, n.º 1, CC). A mesma solução vale para os prazos estabelecidos no CPC para a propositura de acções (cf., por exemplo, arts. 373.º, n.º 1, al. a), e 395.º CPC).

Se dúvidas houvesse quanto a esta interpretação, pelo menos no que se refere ao regime da prescrição, o disposto no n.º 1 do art. 321.º CC sempre permitiria, por si mesmo, considerar suspensos os prazos de prescrição que, em 9/3/2020, se encontrassem nos últimos três meses. Convém recordar o que se estabelece nesse preceito: "A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo".

Sobre este regime escreveu-se, de forma esclarecedora, o seguinte: “Não oferece dúvidas a aproximação entre o 321.º/1 e o 790.º: há suspensão, nos últimos três meses do prazo, quando o titular estiver impossibilitado, por causa que lhe não seja imputável, de fazer valer o seu direito. Releva, naturalmente, a impossibilidade efetiva, temporária e absoluta, nos termos gerais” (Menezes Cordeiro (Coord.), Código Civil Comentado I (no prelo)/Menezes Cordeiro, Art. 341 6).

O regime instituído nos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020 visa evitar situações anómalas no domínio da prescrição e da caducidade. Seria o que sucederia se um interessado ficasse impedido de instaurar o meio processual destinado à satisfação do seu direito devido a situação epidemiológica e se um outro interessado, que futuramente fosse por ele demandado, pudesse vir a excepcionar a prescrição ou a caducidade ou o tribunal pudesse vir a conhecer oficiosamente desta caducidade. Seria um resultado que violaria o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais (cf. art. 20.º, n.º 1, da CRP), dado que a verificação da prescrição ou da caducidade do direito do interessado conduziria ao insucesso da sua pretensão ou do seu pedido.

4.2. A aplicação do disposto no n.º 1 do art. 321.º CC ao regime excepcional e temporário de suspensão de prazos imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020 permite concluir que o regime aproveita a todos os que sejam titulares de direitos cujos prazos de prescrição se encontrem nos últimos três meses. O regime que consta do n.º 1 do art. 321.º CC para a prescrição também pode ser aplicado à caducidade, atendendo, nomeadamente, ao tratamento conjunto da prescrição e da caducidade nos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020 e à circunstância de, durante a situação de excepção decretada pelo art. 7.º, n.º 2, L 1-A/2020, não haver nenhuma justificação para tratá-las de forma diversa.

Os demais titulares – isto é, aqueles cujos prazos de prescrição ou de caducidade não se encontrem nos últimos três meses – não beneficiam da suspensão excepcional e temporária desses prazos, por não se justificar a protecção concedida pelos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020. O legislador certamente não podia pretender que, para todo e qualquer prazo de prescrição ou de caducidade, se viesse a acrescentar (quiçá daqui a 10 ou 15 anos) a duração da situação excepcional. Quem precisa de protecção é quem, neste momento, tem um prazo de prescrição ou de caducidade a terminar, não aquele contra quem corre um prazo de prescrição ou de caducidade que vai terminar daqui a 2, 7, ou 12 anos. Assim, não se deve retirar do art. 7.º, n.ºs 3 e 4, L 1-A/2020 que a qualquer prazo de prescrição ou de caducidade que se encontre estabelecido no CC ou em qualquer outro diploma e que se encontre a correr se passa a somar automaticamente a duração da situação excepcional.

Quer isto dizer que é fundamental distinguir entre os prazos de prescrição e de caducidade que ficam abrangidos pelos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020 e aqueles que não são cobertos por este regime. É precisamente neste contexto que se mostra toda a relevância do disposto no n.º 1 do art, 321.º CC. A relevância é a seguinte: a aplicação desse preceito permite concluir que, além dos prazos que se encontravam em 9/3/2020 nos últimos três meses, também se suspendem os prazos de prescrição e de caducidade que atinjam os últimos três meses durante a situação de excepção. O disposto no n.º 1 do art. 321.º CC fornece um critério seguro e razoável para determinar os prazos de prescrição e caducidade que devem ficar abrangidos pela suspensão imposta pelos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020.

Em suma e numa formulação geral: os prazos de prescrição e de caducidade que se suspendem, a partir de 9/3/2020, por força do disposto no art. 7.º, n.ºs 3 e 4, L 1-A/2020 são todos aqueles (mas apenas esses) que estejam nessa data ou que entrem durante a situação de excepção nos últimos três meses. Disto decorre que, como é próprio do regime da suspensão (que é distinto do da interrupção), os prazos de prescrição e caducidade que estejam ou venham a estar durante a vigência da situação excepcional nos últimos três meses voltam a correr após a declaração do termo dessa situação, completando-se então o prazo com aquele que não correu até 9/3/2020. A solução é então, de forma esquemática, a seguinte:

– Suspendem-se todos os prazos de prescrição e de caducidade que em 9/3/2020 se encontravam nos últimos três meses;

– Suspendem-se todos os prazos de prescrição e de caducidade que, durante a situação excepcional, atinjam os últimos três meses;

– A todos os prazos suspensos acresce, quando terminar a situação excepcional, o tempo que faltava para os completar em 9/3/2020.». [negritos nossos]

6.6. Se, num plano abstracto, a solução interpretativa proposta por estes autores - repita-se, que imediatamente após a publicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 - no sentido da aplicação do disposto no n.º 1 do art. 321.º CC ao regime excepcional e temporário de suspensão de prazos imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º da mesma lei, se afigura, pelas razões aduzidas pelos mesmos autores, como tecnicamente mais perfeita, certo é que a adopção de sucessivos regimes especiais ao longo dos meses de prolongamento da situação pandémica (cfr. supra, ponto 6.2. do presente acórdão) não permite o acolhimento de tal solução.

Com efeito, em diversos momentos (aquando da publicação da Lei n.º 4-A/2020, de 06.04, da Lei n.º 16/2020, de 29.05, e da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02), ao, sucessivamente, alterar, revogar e repristinar, o regime de suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, teve o legislador oportunidade de, resolvendo as objecções entretanto surgidas optar pela via propugnada, não o tendo feito. Como, aliás, veio a ser reconhecido pelo próprio Teixeira de Sousa («Nova alteração à L 1-A/2020, de 19/3», 01/05/2020, in blog do IPPC, ponto IV) se pronunciar sobre a Proposta de Lei n.º 30/XIV, que esteve na base da Lei n.º 16/2020, de 29.05, nos seguintes termos:

«III. Em conclusão: não é nada seguro o regime que vai vigorar quanto aos prazos de prescrição e de caducidade depois da revogação do art. 7.º L 1-A/2020. O próprio legislador dá sinais contraditórios. Por um lado, parece querer afastar o regime dos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º L 1-A/2020; mas, por outro, não dá nada em troca da desprotecção dos interessados que resulta da mera revogação do art. 7.º L 1-A/2020.

IV. Melhor solução seria estabelecer, em consonância com o disposto no art. 321.º, n.º 1, CC, que o alargamento dos prazos de prescrição e caducidade só se verifica em relação aos prazos que, em 10/3, estivessem nos últimos três meses ou que os tivessem atingido durante a vigência do art. 7.º, n.º 4, L 1-A/2020. Para estes prazos, poder-se-ia estabelecer que eles só voltariam a correr depois de x tempo a partir da revogação do art. 7.º L 1-A/2020 (por exemplo, após 30 ou 45 dias). Isso protegeria quem pode ser afectado pela cessação da suspensão do prazo de prescrição ou de caducidade e impediria a interpretação de que todo e qualquer prazo que estivesse em curso no dia 10/3 está alargado até à sua definitiva consumação.

No fundo, em vez de uma reposição tácita e "desprotectora" do decurso dos prazos de prescrição e caducidade, haveria uma reposição expressa e "protectora" dessa reposição. Dado que esta reposição expressa seria acompanhada de uma medida de protecção do interessado que pode ser afectado pelo decurso do prazo, deixaria de haver qualquer justificação para se entender que esse interessado necessita do alargamento estabelecido no art. 7.º, n.º 4, L 1-A/2020.». [negrito nosso]

No sentido da inviabilidade da solução interpretativa da aplicação do disposto no n.º 1 do art. 321.º CC ao regime excepcional e temporário de suspensão de prazos pelas leis da pandemia, se pronunciou Marco Carvalho Gonçalves («Atos Processuais e Prazos no Âmbito da Pandemia da Doença Covid-19», intervenção proferida no âmbito da sessão de estudo, intitulada Atos Processuais e Prazos no âmbito da pandemia da doença Covid-19[2]):

«Nos termos do art. 7.º, n.ºs 3 e 4, a situação excecional constituía igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade que fossem relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, isto é, aos prazos de prescrição e de caducidade que dissessem respeito ao exercício de direitos em juízo. (…)

Acresce que este regime especial prevalecia sobre quaisquer outros que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional.

(...)

Diferentemente, no que diz respeito ao prazo de prescrição, temos dúvidas de que houvesse necessidade de se dispor expressamente quanto à sua suspensão, já que, por força do regime vigente no art. 321.º, n.º 1, do CC, a prescrição “suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo”. O mesmo é dizer que, se, à data da entrada em vigor desse diploma legal, o prazo de prescrição se encontrasse nos últimos três meses, a contagem do prazo suspender-se-ia automaticamente, por força da lei.

Em todo o caso, o certo é que, por força da adoção daquele regime excecional, a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade não só ficou suspensa a partir do dia 9 de março de 2020, como também a duração máxima desses prazos foi prolongada pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional.» [negritos nossos]

6.7. Aqui chegados, e retornando ao caso dos autos, temos que, de acordo com o invocado pela Recorrente:

- A contagem dos prazos para a prescrição do crédito consubstanciado nas facturas relativas aos serviços prestados nos meses de Novembro 2019 a Fevereiro 2020 começou a contar antes da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, foi suspensa com esta lei a 09/03/2020 e até 03/06/2020; voltou a contar de 03/06/2020 a 30/07/2020 com a revogação do art. 7.º pela Lei n.º 16/2020, de 29.05; e voltou a ser suspensa, em 30/07/2020, com o despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório, no PER; como a entrada da acção teve lugar no decurso desta última suspensão, o prazo não voltou a contar;

- A contagem dos prazos para a prescrição do crédito consubstanciado nas facturas relativas aos serviços prestados nos meses de Março a Maio 2020 esteve suspensa durante a Lei n.º 1-A/2020, não tendo por isso tido início a contagem dos prazos de prescrição; começou a contar em 03/06/2020 (com a revogação do art. 7.º pela Lei n.º 16/2020, de 29.05) e até 30/07/2020, data em que, com o despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório, no PER, foi de novo suspensa, não voltando a contar.

Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da Recorrente no sentido de se considerar que os créditos consubstanciados nas facturas relativas aos serviços prestados nos meses de Novembro de 2019 a Maio de 2020 não se encontram prescritos.


7. Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a decisão do acórdão recorrido, na parte impugnada, e declarando-se não prescritos os créditos consubstanciados nas facturas relativas aos serviços prestados nos meses de Novembro de 2019 a Maio de 2020.


Custas no recurso pelos Recorridos.

Custas na acção e no recurso de apelação pelas partes a final, na proporção do decaimento.


Lisboa, 11 de Maio de 2023


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Catarina Serra

João Cura Mariano

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[1] Disponível em https://recipp.ipp.pt/handle/10400.22/15152:
[2] Promovida pela AEDREL – Associação de Estudos de Direito Regional e Local, realizada no dia 22-06-2020, via colibri zoom; disponível em
https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/65830/1/Atos%20processuais%20e%20prazos%20no%20%C3%A2mbito%20da%20pandemia%20da%20doen%C3%A7a%20Covid-19%20%28Marco%20Gon%C3%A7alves%29.pdf.