Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1008/14.4YRLSB.L1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
ACESSO AO DIREITO
Data do Acordão: 07/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / REGRAS ESPECIAIS / CUSTAS DE PARTE.
Doutrina:
-Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª Edição, p. 206;
-Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, p. 183 e 184.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 533.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA B).
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGOS 6.º, N.º 7, 14.º, N.º 9, 25.º E 26.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 421/2013, DE 15/07/2013.
Sumário :
I - Num processo judicial de partes, o serviço judiciário não é prestado apenas à parte vencida mas sim a ambas as partes, e daqui que o que a parte vencedora é chamada a pagar nos termos do nº 9 do art. 14º do RCP não passa senão do complemento do que lhe cabe pagar pelo serviço judiciário que também lhe foi prestado.

II - Sendo assim, não pode dizer-se que a parte vencedora está a adiantar um pagamento pelo qual não é responsável, ou que esse pagamento funciona como reforço da garantia de cobrança, ou ainda que estamos perante uma transferência do risco da insolvabilidade da parte vencida, de modo que a citada norma não padece de inconstitucionalidade material.

III - Qualquer desproporcionalidade irrefutável entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que é imputada à parte, vai contra a lei constitucional, levando a um inaceitável comprometimento do acesso à justiça.

IV – Por isso, a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP não pode ser vista como excecional, impondo-se, ao invés, proceder sempre (oficiosamente ou a requerimento das partes) a um juízo de conformidade entre o valor que decorreria da mera aplicação da Tabela I anexa do RCP e a envergadura (volume, complexidade jurídica, etc.) do serviço prestado, levando-se a cabo a correção que deva ter lugar.

V – Não se se pode ter como proporcionada ao serviço judiciário prestado a taxa de justiça remanescente de quase um milhão de euros, quando - pese embora as instâncias judiciárias envolvidas (Tribunal da Relação e Supremo) tenham desenvolvido um aturado, exigente e extenso trabalho material e jurídico - estava em causa uma ação de anulação de sentença arbitral onde se debatiam questões jurídicas (no essencial, violação de princípios da ordem pública internacional do Estado Português e do dever de fundamentação) que não eram singulares nem altamente complexas, os serviços de secretaria não desenvolveram qualquer esforço incomum e as partes não adotaram expedientes de natureza dilatória, nem suscitaram questões processuais desnecessárias ou inúteis.

VI – Nesta situação justifica-se que as partes sejam dispensadas do pagamento de 5/6 da taxa de justiça remanescente.
Decisão Texto Integral:

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Lisboa

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA S.A. e BB, S.A. intentaram, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ação de impugnação contra CC, SA, DD, SA, EE, SA, FF, GG, SUCURSAL EN ESPANA, HH, SA, II, S.A., JJ, SUCURSAL EN ESPANA, KK- SUCURSAL EN ESPANA, FF GG e BANCO EUROPEU DE INVESTIMENTO, visando a anulação do acórdão arbitral proferido no respetivo processo.

Proferida decisão final neste Supremo Tribunal e remetido o processo para o Tribunal da Relação de Lisboa, atravessaram as partes requerimento dirigido ao relator - e ao abrigo do disposto nos art.s 6º, nº 7, conjugado com o art. 14º, nº 9, ambos do Regulamento das Custas Processuais (RCP) - onde pediram a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, ou, caso assim se não entendesse, “em alternativa” (devem ter querido dizer “subsidiariamente”), a dispensa de uma fração sempre superior a 90% do valor decorrente da mera aplicação da Tabela I anexa ao RCP.

Alegaram, em síntese, que, tendo a causa o valor de € 25.788.190,60 sempre teriam de proceder ao pagamento, a final, do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor excedente a € 275.000,00, do que resultaria para cada uma delas um encargo final (taxa de justiça da ação e taxa de justiça do recurso que fora interposto para o Supremo Tribunal de Justiça) de € 468.422,18. Porém, um tal encargo está absolutamente desajustado à contrapartida (encargos judiciários prestados) que visa compensar.

Sobre o assim requerido recaiu acórdão, que indeferiu a pretensão.

Inconformadas com o decidido, recorrem ambas as partes para este Supremo Tribunal de Justiça.

Da respetiva alegação extraem os Réus DD, S.A. e Outros as seguintes conclusões:

A) O presente recurso tem por objecto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que considerou que caberá aos Recorrentes proceder, nos termos do artigo 14°, n° 9 do RCP, ao pagamento da taxa de justiça remanescente correspondente ao seu impulso processual e julgou improcedente pedido de dispensa total ou parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

B) A norma do artigo 14.°, nº 9 do RCP conjugada com a norma do artigo 6.°, nº 7 do mesmo RCP (que prevê o pagamento do remanescente de taxa de justiça em ações de valor superior a € 275.000), são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso decorrente, decorrente dos artigos 2.° e 18.°, nº 2, segunda parte, da CRP, quando interpretada e aplicada no sentido de fazer recair sobre o vencedor num processo judicial a obrigação de suportar as custas que recaem exclusivamente sobre o vencido e transferir para aquele o ónus de reaver deste último o que tenha adiantado, sem garantia de sucesso, não podendo, como tal, ser aplicada por este Tribunal.

C) A norma do artigo 14.°, nº 9 do RCP não afasta o regime geral em matéria de responsabilidade por custas consagrado no artigo 527.° do CPC e densificado nos artigos subsequentes, segundo o qual o custo efetivo do processo fica a cargo de quem deu causa à ação, ou seja, da parte vencida.

D) Fazer impender sobre a parte vencedora o ónus de adiantar um valor pelo qual não é materialmente responsável constitui um meio manifestamente desadequado e desproporcionado face ao fim visado pelo legislador, ou seja, o de aumentar as receitas relativas a custas judiciais por via do reforço da garantia de cobrança.

E) O Supremo Tribunal de Justiça deverá determinar que, havendo remanescente a pagar, o mesmo seja pago diretamente pelas Requerentes, não sendo os ora Recorrentes notificados para proceder ao pagamento do remanescente nos termos do artigo 14°, n° 9 do RCP.

F) Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido parte de pressupostos errados, quer no que respeita à interpretação do disposto no artigo 6°, n° 7 do RCP, quer no que respeita à aplicação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade: tendo concluído que a causa era complexa, por estarem em causa questões de elevada especialização jurídica, o tribunal, partindo do pressuposto de que a possibilidade de isenção é excecional, demitiu-se de apreciar as demais circunstâncias, quer individualmente, quer no seu conjunto, e sobretudo não apreciou o resultado dessa ponderação à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade e por isso não fez um verdadeiro juízo de conformidade entre o valor resultante da mera aplicação da tabela I - no montante de 936.844,36 € - e o serviço efetivamente prestado, do que resulta que a taxa a pagar pelas partes assume a configuração de um imposto e não de uma verdadeira taxa.

G) A medida prevista no artigo 6°, n° 7 do RCP não é nem deve ser vista como excecional: a análise e apreciação da conformidade e proporcionalidade das custas têm de ser feita em todos os processos e a correção do remanescente deve ser feita sempre que se justifique, quer essa correção passe pela dispensa total ou por uma maior ou menor redução do remanescente.

H) Nessa apreciação devem ser globalmente consideradas todas as circunstâncias relevantes no caso concreto, todas as suas especificidades, ou seja, a maior ou menor complexidade do processo do ponto de vista material e processual, a extensão dos articulados, o número e extensão dos documentos, a realização ou não de audiências, a existência ou não de alegações, a conduta das partes, a atividade efetiva do tribunal, o valor económico do pedido, devendo a análise além do mais ser feita à luz do princípio da proporcionalidade e da igualdade, de forma a garantir que as custas a suportar pelas partes são adequadas ao serviço prestado pelo tribunal (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 12.12.2013, processo 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, Relator Lopes do Rego).

I) Está hoje assente que a taxa de justiça tem a natureza de taxa e não de imposto (Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 412/89 de 15.09.1989, 307/90 de 04.03.1991, 42/92 de 11.06.1992, 240/89 de 22.03.1994, 214/2000 de 05.04.2000).

J) “As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares” (art. 4° da LGT).

K) O valor de uma prestação administrativa não pode ser procurado na esfera do particular mas na contrapartida dada pela autoridade pública.

L) A criação e liquidação das taxas estão dependentes do cumprimento do princípio da equivalência, que corresponde à concretização, no domínio da figura jurídica das taxas, do princípio da igualdade tributária, decorrência natural e direta do princípio da igualdade vertido no artigo 13° da Constituição: o princípio da equivalência, ao exigir que cada indivíduo ou entidade contribua de acordo com o custo ou o valor das prestações de que usufrui, traduz a igualdade materialmente adequada às taxas, sendo desconformes ao princípio da igualdade tributária - e ao princípio da equivalência - as diferenciações entre os contribuintes que se mostrem alheias ao custo ou valor das prestações públicas que as taxas visam compensar.

M) É fundamental a verificação de uma proporção adequada e justa, suscetível de ser entendida pelo particular, entre o montante liquidado e o valor do serviço público prestado,

N) Nos casos em que essa desproporção é visível, como sucede in casu, o tributo desliga-se completamente da prestação pública, tomando-se numa receita “abstracta”, num imposto.

O) O relevo do critério de proporcionalidade não se esgota na qualificação de um específico tributo: estando assente a caracterização do tributo como taxa (como sucede com a taxa de justiça) a regra da proporcionalidade funciona, quanto àquela, como exigência substancial, devendo ser suscitada na dimensão de proibição do excesso (justa medida dos sacrifícios impostos), que exige uma adequada proporção entre o sacrifício imposto ao particular pelas medidas tomadas pela autoridade pública e o grau de satisfação dos fins ou interesses prosseguidos pelas mesmas.

P) A proporcionalidade não se pode aferir pois através da correlação entre o montante da taxa de justiça e o valor da causa, mas sim através da correlação entre o montante da taxa de justiça e o grau de complexidade do serviço prestado: a taxa de justiça tem de ser adequada à atividade judicial efetivamente desenvolvida.

Q) Se uma chamada taxa não observa o princípio da equivalência e/ou se é claramente desproporcionada, não se encontrando em qualquer relação sinalagmática com o custo ou valor da contraprestação, então assume a natureza de imposto.

R) O artigo 6.°, nº 7 do RCP impõe ao Tribunal dispensar pelo menos parte significativa do remanescente da taxa de justiça devida no caso concreto por forma a preservar o direito de acesso aos tribunais e o princípio da proporcionalidade e, assim, a constitucionalidade das regras relativas ao cálculo da taxa de justiça.

S) In casu, o montante total do remanescente obtido pela aplicação das normas constante dos artigos 6°, nºs 2 e 7, 7°, n° 2 e da Tabela I-B do RCP, no total de 936.844,36€ (468.423,27€ por parte) não encontra justificação no princípio da equivalência nem no princípio da cobertura de custos (não se verifica a necessária correspetividade), sendo manifestamente exorbitante e desproporcionado, face aos seguintes elementos:

(i) Está em causa uma ação de anulação de sentença arbitral em que foi essencialmente invocada a violação de princípios da ordem pública e do dever de fundamentação;

(ii) Foram apresentados os articulados/requerimentos constantes nos factos provados: petição inicial e a contestação, relativamente extensos, mas incluindo já a discussão sobre o aspeto jurídico da causa e com poucos documentos, 2 pareceres sobre o thema decidendum e 14 requerimentos relativamente curtos; alegações e contra-alegações para o Supremo Tribunal de Justiça não anormalmente extensos; pedido de dispensa do remanescente.

(iii) A atividade decisória do TRL resumiu-se aos despachos referidos nos factos provados 11, 16, 20, 28 e 33, que não implicaram a análise de questões com complexidade factual, trabalhosas e/ou com grande especificidade, e ao Acórdão proferido em 10.01.2017 que, sendo extenso, corresponde em grande medida a transcrição dos articulados das partes.

(iv) A atividade decisória do STJ resumiu-se ao despacho de admissão do recurso e ao Acórdão de 26.09.2017.

(v) Não houve lugar a qualquer diligência probatória, nem audiência e não foram produzidas alegações de facto ou direito.

T) Ao exposto acresce que as partes não adotaram expedientes de natureza dilatória, nem suscitaram questões processuais desnecessárias ou inúteis, tendo existido cooperação entre todos os intervenientes processuais, visando sempre a obtenção da justa composição do litígio, fator que o tribunal a quo não considerou na sua análise e que é precisamente o elemento que os tribunais têm vindo a realçar na possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

U) A referência feita no artigo 6°, n° 7 do RCP à conduta das partes nada tem que ver com a maior ou menor solidez económica das partes e muito menos com os árbitros que escolhem para dirimir os seus litígios e os advogados que contratam para as defender, uma vez que mesmo os cidadãos mais abastados têm direito a uma justiça com custos razoáveis (Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.05.2010, processo n° 491/05.3TCFUN-A.L1-6, Relator Fátima Galante, e de 22.10.2009, processo n." 1179/03.5TVLSB-G.L1-6, Relator Márcia Portela).

V) As partes reconhecem que as questões suscitadas não se revestiram de manifesta simplicidade, na medida em que discussão sobre se a sentença arbitral violava ou não os princípios de ordem pública internacional do Estado Português implicava em certa medida a compreensão da relação material controvertida subjacente, mas também não se revestem de uma complexidade excecional, sendo certo que os tribunais se deparam amiúde com ações substancialmente mais complexas, sendo de rejeitar a ideia que o serviço prestado pelo tribunal correspondente à verificação da conformidade de uma sentença arbitral com os princípios de ordem pública e à verificação do cumprimento do dever de fundamentação possam, em qualquer caso, justificar o pagamento de uma taxa de justiça próxima de um milhão de euros.

W) A dispensa total ou parcial do pagamento impõe-se, no caso, considerando a jurisprudência conhecida sobre a matéria (Acórdão do RLP, de 23.01.2012, Acórdãos do TRL de 22.10.2009 e de 04.10.2009, Acórdão do TC 471/2007) em que, não obstante a atividade judicial ter sido similar à dos presentes autos, os tribunais decidiram pela dispensa (ou redução) do pagamento da taxa de justiça remanescente.

X) O Acórdão recorrido viola, pois, o disposto no artigo 6°, n° 7 do RCP.

Y) Do art. 20°, n° 1, da CRP resulta que os montantes das custas não podem ser fixados de modo que impeça ou dissuada o acesso aos tribunais e que tal exigência é aplicável aos vários valores possíveis das causas.

Z) As custas, enquanto taxas, encontram-se materialmente sujeitas ao princípio da proporcionalidade, em particular enquanto princípio que requer justa medida dos sacrifícios impostos aos particulares; a exigência da observância da proporcionalidade e o controlo do seu respeito encontram-se, por via do art. 18°, n° 2, da CRP, associados à salvaguarda dos direitos fundamentais.

AA) Em regime de monopólio ou quase-monopólio que caracteriza a prestação do serviço de justiça, a utilidade do serviço não fornece, nem pode fornecer, critério para determinar a razoabilidade dos montantes a fixar como custas e, consequentemente, a justa medida dos sacrifícios requeridos, sendo indispensável fazer intervir, pelo menos combinadamente, o critério do custo do serviço.

BB) O custo do serviço de justiça não aumenta proporcionalmente ao valor da causa, nem ilimitadamente em função deste.

CC) Para respeito do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade mostra-se assim indispensável um tecto ou a possibilidade deste, judicialmente determinável, a partir do qual o valor da causa deixe de refletir-se (ou de se refletir plenamente) no montante das custas.

DD) Conforme as máximas de experiência indicam e o legislador reconheceu, o tecto ou a sua possibilidade hão de situar-se em zonas de valor da causa (segundo o RCP nos 275.000 €) muito inferiores aos mais de cerca de 25 milhões de euros do valor da causa dos autos.

EE) A norma que se extrai dos artigos 6.°, nºs 1, 2 e 7, e 7.°, nº 2 do Regulamento das Custas Judiciais, conjugada com o parágrafo seguinte à Tabela I, anexa ao RCP, quando interpretada no sentido de que dela resulte que o montante das taxas aplicadas num processo considerado complexo são determinadas apenas em função do valor da ação, sem admitir a possibilidade de correção do montante exigido em função do carácter manifestamente desproporcional do montante exigido, é inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.° da CRP conjugado com princípio da proibição do excesso decorrente dos artigos 2.° e 18.° da CRP.

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Da respetiva alegação extraem as Autoras as seguintes conclusões:

1. É a especificidade da situação concreta que dita se o remanescente da taxa de justiça deve ser, ou não, considerado na conta a final.

2. Os critérios previstos, a título exemplificativo, na parte final do artigo 6.°, n." 7, do RCP respeitam, apenas, à fundamentação que o juiz terá necessariamente de produzir para dispensar o pagamento, quando a especificidade da situação assim o impuser ou justificar.

3. A decisão judicial de dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça tem caráter excecional, dependendo da especificidade concreta da situação processual, a qual pode depender não apenas da complexidade da causa ou da conduta processual das partes, como de outras razões, tais como, entre outras, a utilidade económica da causa, nem sempre traduzida no valor da causa, ou, no que a este caso importa, a irrazoabilidade da contrapartida pedida pela efetiva prestação de um serviço público.

4. A ponderação das especificidades da situação concreta deve sempre, em qualquer circunstância, ser guiada por critérios de proporcionalidade e razoabilidade.

5. A decisão corretiva a proferir pelo tribunal em matéria de custas deve sempre subjazer o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, o que significa que a decisão a proferir deve atender não apenas à complexidade da causa e à conduta processual das partes, mas basear-se igualmente em critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

6. O mecanismo corretivo previsto no artigo 6.°, nº 7, do RCP deve operar e justificar a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, mesmo nos casos em que a complexidade jurídica da causa é relevante, sempre que a taxa de justiça apurada seja flagrantemente exagerada, isto é, que exceda manifestamente o custo do serviço prestado e sempre que o valor a cobrar a título de taxa de justiça seja desproporcional ao serviço prestado.

7. A norma do artigo 6.°, nº 7, do Constituição da República Portuguesa ao fazer preceder a referência às situações de excecionalidade (complexidade da causa e conduta processual das partes) do advérbio “designadamente” está a conferir ao elenco das mesmas uma ideia de exemplificação.

8. O advérbio de modo “designadamente”, incluindo no referido preceito legal, não desonera o Tribunal de atender aos critérios aí elencados; mas dita que atenda aos referidos critérios entre outros de interesse ou relevantes para a tomada da decisão em causa.

9. O Acórdão recorrido, ao desconsiderar por completo os critérios de razoabilidade e proporcionalidade que devem presidir na decisão sobre dispensa ou redução da taxa de justiça, valorando apenas a complexidade da causa, viola o disposto no artigo 6.°, nº 7 do RCP.

10. A presente ação seguiu uma tramitação linear, sem quaisquer incidentes, em que não houve lugar a produção de prova testemunhal ou pericial, com inúmeras sessões de julgamento, debate ou discussão sobre factos fundamentais a provar ou sobre quaisquer questões incidentais ou prejudiciais da questão principal em discussão nos autos.

11. A conduta processual das Partes foi irrepreensível, o que o Tribunal a quo desconsiderou por completo como critério moderador da taxa de justiça remanescente, como expressamente prevê a parte final do nº 7 do artigo 6.° do CPC.

12. As Partes não adotaram expedientes de natureza dilatória ou suscitaram questões processuais desnecessárias ou inúteis, tendo, antes, adotado uma postura cooperante entre si e para com o Tribunal, visando sempre a obtenção da justa composição do litígio, o que, conforme requerido, poderia - e deveria - ter sido devidamente valorado pelo Tribunal a quo aquando da ponderação da eventual isenção ou redução do pagamento da taxa de justiça remanescente.

13. O recurso interposto junto do Supremo Tribunal de Justiça foi admitido no dia 5 de setembro de 2017 e proferida decisão no dia 26 de setembro de 2017, entendendo-se que a duração da pendência do recurso não justifica a cobrança da quantia de € 156.141,09 a cada uma das Partes litigantes.

14. No tocante ao processo em primeira instância, que correu perante o Tribunal da Relação de Lisboa, e durou cerca de um ano e meio, também não se pode concluir que se tenha estado perante urna situação de especial complexidade, mas antes de uma complexidade que não se eleva do normal neste tipo de ações (impugnação de sentença arbitral).

15. A análise da questão jurídica controvertida, ainda que relevante, não é singular ou excecional a um Tribunal Superior corno o Tribunal da Relação de Lisboa e o Supremo Tribunal de Justiça, nem é, sequer nova, na medida em que estes Tribunais Superiores já foram, por diversas vezes, chamados a pronunciar-se sobre os concretos fundamentos de anulação da sentença arbitral invocados pela Recorrente.

16. Em face das circunstâncias próprias do caso concreto, da sua tramitação, da conduta processual das Partes, impõe-se concluir que a cobrança às Partes do pagamento de taxa de justiça remanescente no montante de €468.423,27 não é razoável e proporcional ao trabalho efetivamente prestado.

17. Na verdade, o valor da indicada taxa de justiça remanescente não respeita a proporcionalidade com a efetiva contraprestação, que constitui o custo do processo para o sistema de justiça, o que descaracteriza a própria taxa de justiça como verdadeira taxa que é, transformando-a, ao invés, na exigência de uma contribuição financeira ao Estado totalmente ilegítima e ilegal.

18. A taxa de justiça corresponde ao valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço judicial.

19. Essa contrapartida tem que ser adequada, tem que existir uma correlação mínima entre o serviço prestado e a contrapartida cobrada sem que ocorra uma desproporção intolerável entre as duas realidades.

20. O valor da taxa de justiça deve ser proporcional, estritamente adequado, e na justa medida do serviço prestado. Impõe-se, pois, a justa e adequada tributação da concreta atividade prestada ao utente dos serviços judiciais.

21. No caso dos autos, a desproporção é manifesta. E intolerável, na medida em que impõe às Recorrentes um exageradíssimo encargo pecuniário, destituído de qualquer correspondência concreta e efetiva com o serviço prestado.

22. A proporcionalidade das taxas, ou a proibição do seu excesso, impõe que as mesmas sejam adequadas, idóneas, à prossecução dos seus fins (suportar o custo do serviço prestado, desincentivar o acesso a determinados serviços), salvaguardando sempre outros direitos constitucionalmente protegidos.

23. A proporcionalidade das taxas impõe, ainda, que o fim obtido com a sua aplicação respeite uma justa medida, impedindo, precisamente, o excesso e, com ele, a adoção de medidas restritivas desproporcionadas e excessivas em relação aos fins obtidos.

24. O artigo 6°, nº 7, do RCP concede ao juiz, oficiosamente ou a instância das partes, um poder/dever de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, em função da apreciação casuística da especificidade da situação em causa, permitindo-se ao juiz adequar o valor da taxa de justiça aos custos que, em concreto, o processo consumiu ao sistema de administração de justiça, em ordem à salvaguarda, entre outros valores, dos da proporcionalidade e da justiça.

25. É precisamente a norma do artigo 6.°, nº 7, do RCP, e o poder/dever que atribui ao juiz da causa de moderar o resultado excessivo e irrazoável que resulta da aplicação da tabela ao valor da causa, que permite salvar a constitucionalidade das normas do RCP que fixam a taxa de justiça devida com base no valor da causa.

26. A inexistência de um limite máximo para as custas a pagar pelas partes de uma ação judicial pode pôr em causa o equilíbrio (adequação) que tem de existir entre o pagamento da taxa de justiça e o serviço de administração da justiça, o que acontece sempre que são calculados valores, como é o caso dos autos, que saem completamente fora dos parâmetros aceitáveis dentro da “justa medida” a equacionar entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço (de administração da justiça) prestado.

27. O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa consubstancia um direito fundamental, que reclama, numa das suas vertentes, a necessidade de que os encargos com as custas judiciais pelo serviço prestado não sejam de tal modo exagerados que o tomem incomportável e restrinjam o seu exercício.

28. A conformidade constitucional da interpretação normativa das disposições com base nas quais é apurado o valor da taxa de justiça tem, assim, que passar por urna intervenção moderadora do juiz, atribuindo-lhe um sentido que permita ajustá-las a limites aceitáveis, adequados e razoáveis, sob pena de inconstitucionalidade.

29. A norma dos artigos 6.°, nº 7, e 11.° do RCP, conjugada com a Tabela I anexa, interpretada no sentido de que, numa ação de anulação de decisão arbitral à qual foi fixado o valor de Euros 25.788.190,60, que se entende revestir complexidade jurídica normal e cuja decisão se desdobrou em duas instâncias, por motivo de recurso, a cada urna das Partes pode ser pedido o pagamento da quantia de € 468.423,27 a título de taxa de justiça remanescente (com as possíveis ulteriores repercussões em matéria de custas de parte para a parte vencida), é inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.°, 18.°, nº 2, segunda parte, e 266.°, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

30. Mesmo que se concluísse pela especial complexidade dos presentes autos, sempre se deveria entender que a norma que se extrai dos artigos 6.°, nº 7, e 11.° do RCP, conjugada com o parágrafo seguinte à Tabela I, àquele anexa, quando interpretada no sentido de que dela resulte que o montante das taxas aplicadas num processo considerado complexo são determinadas apenas em função do valor da ação, sem admitir a possibilidade de correção do montante exigido em função do carácter manifestamente desproporcional do montante exigido, é inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa conjugado com princípio da proibição do excesso decorrente dos artigos 2.° e 18.° da Constituição da República Portuguesa.

31. Ao decidir de modo diverso, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos artigos 6.°, nº 7 e 11.° do RCP, conjugado com a Tabela I anexa, e violou os artigos 2.°, 18.°, nº 2, 20.° e 266.°, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

                                                           +

Não há contra alegações.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- Inconstitucionalidade do art. 14º, nº 9 do RCP;

- Dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Os autos revelam os seguintes factos, descritos no acórdão recorrido:

1. A presente ação deu entrada no Tribunal da Relação de Lisboa no dia 03 de Setembro de 2014, tendo-lhe sido atribuído o valor de € 25.788.190,60.

2. A petição inicial tem 108 páginas, tendo com a mesma sido juntos sete documentos e um Parecer elaborado por dois distintos Professores Universitários.

3. O primeiro documento é constituído pelo Compromisso Arbitral e outros, no total de 18 páginas.

4. O segundo documento é constituído pela Decisão Arbitral que é composta de 231páginas seguidas de 11 páginas referentes a uma Declaração de Voto.

5. O terceiro documento é constituído por duas páginas e reporta-se à notificação da sentença arbitral.

6. O quarto documento é uma garantia Bancária composta por oito páginas.

7. O quinto documento é uma outra garantia Bancária também composta por oito páginas.

8. O sexto documento é uma outra garantia Bancária também composta por seis páginas.

9. O sétimo documento é um relatório de Análise de Situação Financeira elaborado pela Delooitte composto por 66 páginas.

10. O Parecer apresentado pelo Senhor Professor Carneiro da Frada e pelo Mestre Costa Gonçalves, relativo ao Projeto Financeiro de Distribuição do Risco Contratual do Financiamento do Túnel do Marão, é composto por 147 páginas.

11. A 16 de Setembro de 2014 foi proferido despacho liminar, ali se determinando a citação das Requeridas.

12. Na petição inicial foram indicados nove RR./demandados, a saber:

- CC, SA,

- DD, SA,

- EE, SA,

- FF, PLC, SUCURSAL EN ESPANA,

- HH, SA,

- II, S.A., NV, SUCURSAL EN ESPANA

- KK- SUCURSAL EN ESPANA,

- FF PLC

- BANCO EUROPEU DE INVESTIMENTO.

13. A Oposição apresentada pelos Requeridos DD, SA, BANCO EUROPEU DE INVESTIMENTO e EE, SA, tem 202 páginas, tendo sido juntos 5 documentos e 8 Pareceres, num total de 624 páginas.

14. Alguns dos documentos junto encontravam-se escritos em língua inglesa tendo sido pedido pelos AA./Requerentes a prorrogação do prazo para procederem à junção da respetiva tradução atendendo “à extensão do texto a traduzir”, nas suas próprias palavras.

15. Outros documentos juntos pelas AA. encontravam-se escritos em língua portuguesa (docs. 1 a 6), tendo sido pedido pelos RR/Requeridos a sua junção em língua inglesa para os poderem compreender, em face do que as primeiras pediram ao Tribunal a concessão de um prazo não inferior a 30 dias para procederem à junção da respetiva tradução.

16. Em face da dificuldade de citação de alguns dos Requeridos, foram proferidos despachos judiciais com vista à sua efetivação.

17. Por requerimento de 01 de Abril de 2015 os RR./Requeridos FF, PLC, SUCURSAL EN ESPANA, HH, SA, II, S.A., NV, SUCURSAL EN ESPANA, KK— SUCURSAL EN ESPANA e FF PLC, afirmaram que se consideravam devidamente citados e que aderiam à Oposição apresentada pelos Requeridos DD, SA, BANCO EUROPEU DE INVESTIMENTO e EE, SA.

18. A 08 de Maio de 2015 as Requerentes apresentaram requerimento em que se pronunciam sobre a Oposição apresentada e pedem que a ação seja julgada de foram sumária e que se proceda à notificação das partes para apresentarem as suas alegações, seguindo-se a prolação de decisão.

19. Os Requeridos pronunciaram-se por requerimento apresentado a 21 de maio de 2015, opondo-se à pretensão das Requerentes e requerendo que o Tribunal se pronuncie, com urgência, sobre o efeito do recurso tanto mais que não foi prestada qualquer caução por parte das Requerentes com a apresentação da ação.

20. Por despacho de 02 de Julho de 2015 o senhor Juiz Desembargador relator desatendeu a pretensão dos Requeridos, ali afirmando que era manifesto que a “ação não se reveste de simplicidade”, pronunciando-se ainda sobre ouras questões jurídicas.

21. Por requerimento de 17 de Julho de 2015 os Requerentes procederam á junção de novo Parecer Jurídico, elaborado pela Sra. Professora Doutora Paula Costa e Silva e pelo Sr. Doutor Nuno Trigo dos Reis, composto por 126 páginas.

22. Por requerimento de 11 de Setembro de 2015 as Requerentes pronunciaram-se sobre a indicação do valor a ser fixado a título de caução, para fundar o efeito suspensivo da execução da decisão arbitral.

23. Por requerimento de 15 de Setembro de 2015, composto por 30 páginas, os Requeridos opuseram-se à junção do Parecer indicado sob o Ponto 21 destes Factos Provados.

24. Por requerimento de 29 de Setembro de 2015 as Requerentes pronunciaram-se sobre a resposta dos Requeridos, quanto à não admissão do parecer Jurídico.

25. Invocando tratar-se um facto superveniente e com interesse para a decisão da causa, por requerimento de 01 de Outubro de 2015, vieram as Requerentes juntar aos autos acórdão arbitral proferido em ação em que eram partes a CC, SA e o Estado Português, composto por 118 páginas.

26. Por requerimento de 13 de Outubro de 2015 os Requeridos apresentaram novo requerimento ao abrigo do artigo 3.º do CPC Revisto.

27. Por requerimento de 26 de Outubro de 2015 as Requerentes apresentaram novo requerimento de reposta ao anterior requerimento dos Requeridos.

28. Por decisão de 15 de Julho de 2016 o senhor Desembargador relator proferiu decisão composta por 15 folhas em que foram analisadas várias questões jurídicas e fixado o valor da caução a prestar pelas Requerentes e em que se incluiu, para além do valor de capital em que estas tinham sido condenadas, o valor dos juros desde 15 de Julho de 2012 a 30 de Novembro de 2016 e as custas (incluindo as de parte), sem qualquer redução, caução esta que, diga-se, não veio a ser prestada.

29. Por requerimento de 01 de Setembro de 2016 os Requeridos juntaram a tradução de dois Pareceres juntos com a Oposição, da autoria de E.R. Yescombe e Ian Ingram-Johnson, composto por 39 folhas.

30. A 10 de Janeiro de 2017 foi proferido Acórdão por este Tribunal da Relação de Lisboa, composto por 313 folhas, em que concluiu pela improcedência da ação de anulação mantendo-se, assim, a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral que condenou as aqui Requerentes no pagamento às Requeridas, a título de capital, da importância de € 25.788.190,60.

31. Por requerimento de 21 de Fevereiro de 2017 as Requerentes interpuseram recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, composto por 40 páginas e em que juntam um documento – acórdão de Liquidação do Tribunal Arbitral – composto por 20 páginas.

32. Por requerimento de 28 de Março de 2017 os Requeridos apresentaram as suas contra-alegações de recurso, compostas por 127 páginas, tendo ainda ali sido junto um documento composto por 48 páginas.

33. Este recurso foi admitido por despacho de 19 de maio de 2017 neste Tribunal da Relação e admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, como Revista, a 05 de Setembro de 2017.

34. A 26 de Setembro de 2017 foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, composto por 22 páginas, em que se negou a revista e confirmou-se o acórdão recorrido.

35. Por requerimento conjunto de 13 de Novembro de 2017, composto de 12 páginas, Requerentes e Requeridos a dispensa do pagamento da totalidade da taxa de justiça remanescente ou, e alternativa, a sua dispensa em valor superior a 90% do valor devido pela aplicação da Tabela I anexa ao RCP.

36. O processo final é composto por quinze volumes;

37. Cada uma das partes procedeu ao pagamento de € 1.648,00 a título de taxa no início do processo;

38. Com a interposição do recurso cada uma das partes procedeu ao pagamento de € 816,00 a título de taxa de justiça.

De direito

Quanto às conclusões B) a E) do recurso das Rés:

Sustentam as Rés que:

- A norma do artigo 14.°, nº 9 do RCP conjugada com a norma do artigo 6.°, nº 7 do mesmo RCP (que prevê o pagamento do remanescente de taxa de justiça em ações de valor superior a € 275.000), é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso decorrente dos artigos 2.° e 18.°, nº 2, segunda parte, da CRP, quando interpretada e aplicada no sentido de fazer recair sobre o vencedor num processo judicial a obrigação de suportar as custas que recaem exclusivamente sobre o vencido e transferir para aquele o ónus de reaver deste último o que tenha adiantado, sem garantia de sucesso, não podendo, como tal, ser aplicada por este Tribunal;

- Fazer impender sobre a parte vencedora o ónus de adiantar um valor pelo qual não é materialmente responsável constitui um meio manifestamente desadequado e desproporcionado face ao fim visado pelo legislador, ou seja, o de aumentar as receitas relativas a custas judiciais por via do reforço da garantia de cobrança;

- Este Tribunal deverá determinar que, havendo remanescente a pagar, o mesmo seja pago diretamente pelas Autoras, não sendo as Rés notificadas para proceder ao pagamento do remanescente nos termos do artigo 14°, n° 9 do RCP.

Mas, segundo cremos, carecem de razão.

Num processo de partes, como é precisamente o caso do presente processo, o serviço judiciário não é prestado apenas à parte vencida. Pelo contrário, é prestado a todas as partes (ou a todos os conjuntos de partes, quando estas forem de formação plúrima), e por isso todas elas estão individualmente vinculadas ao pagamento do encargo (entenda-se, taxa de justiça) que constitui o correlato desse serviço. O que a parte vencedora é chamada a pagar aos Estado no quadro do nº 9 do art. 14º do RCP não passa senão do complemento do que lhe cabe pagar pelo serviço judiciário que também lhe é prestado. A circunstância de ser parte vencedora (e, por isso, não condenada nas custas) não contende com o facto, cumprido e consumado, da efetiva prestação desse serviço.

Sendo assim, como é, cremos que não é fundamentado dizer-se, como dizem as Rés, que a parte vencedora está a adiantar um pagamento pelo qual não é responsável, ou que esse pagamento funciona como reforço da garantia de cobrança, ou ainda que estamos perante uma transferência do risco da insolvabilidade da parte vencida.

Donde, tendo as Rés saído vencedoras no litígio, o direito que possuem não é o de serem isentadas de custear o serviço que lhes foi prestado, mas o de serem compensadas (por via de um direito de regresso) pela parte vencida (que foi condenada nas custas) relativamente à taxa de justiça que pagaram efetivamente. Tudo conforme o estabelecido nos art.s 533º, nºs 1 e 2 alínea b) do CPCivil e 25º e 26º do RCP. A dialética que aqui se estabelece é interpartes, e o risco que lhe possa estar associado dissolve-se na própria prestação do serviço, sendo estranho ao prestador do serviço.

Não ocorre, pois, a inconstitucionalidade material que as Rés apontam, com o que improcedem as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das demais conclusões do recurso das Rés, e quanto à matéria das conclusões do recurso das Autoras:

Está aqui em causa - é esta a questão decidenda - a atuação do nº 7 do art. 6º do RCP.

Querem as partes, nomeadamente à luz do enquadramento constitucional do caso, que se determine a dispensa total da taxa de justiça remanescente ou, pelo menos, a sua redução.

Vejamos:

Não suscita, por certo, dúvidas a ninguém que a Constituição da República Portuguesa não consagra um direito de acesso aos tribunais gratuito (ou sequer tendencialmente gratuito), sendo constitucionalmente admissível o estabelecimento de uma contrapartida pela prestação dos serviços de administração de justiça, gozando o legislador, inclusivamente, de ampla liberdade na fixação do montante das custas (não tendo sequer de criar um sistema que garanta uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar por quem beneficia do serviço de justiça).

Mas também é certo - e seguindo aqui Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, I, p. 183) - que a lei não pode adotar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam as pessoas de aceder à justiça, de sorte que as custas não devem ser incomportáveis em face da capacidade contributiva do cidadão médio. Nesta medida, não é constitucionalmente admissível, por desproporcionado, a adoção de soluções em matéria de custas que, designadamente nos casos de maior incerteza sobre o resultado do processo, inibam os interessados de aceder à justiça. O estabelecimento de um sistema de custas cujo montante aumentasse diretamente e sem limite na proporção do valor da ação poderia levar ao rompimento da proporcionalidade entre as custas cobradas e o serviço de administração de justiça prestado (deixando-se então de estar perante uma verdadeira taxa, para se passar para o domínio dos impostos) e consubstanciar a imposição de um sistema de custas excessivas, inaceitável em face do art. 20º da Constituição, por inibitório do recurso dos interessados aos tribunais. Dentro desta perspetiva, pode ler-se do acórdão nº 421/2013 do Tribunal Constitucional, de 15 de Julho de 2013, que “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois (…) zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”.

Concordantemente com todo este enquadramento, e mostrando estar atento às supra aludidas exigências constitucionais, escreveu o legislador no preâmbulo do DL nº 34/2008 (que aprovou o Regulamento das Custas Processuais) que se impunha adequar “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores”. As cautelas emergentes de toda esta problemática estão agora concretamente consignadas no nº 7 do art. 6º do RCP, que estabelece precisamente que “Nas causas de valor não superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

De outro lado, e passando a seguir de novo Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit., p. 184), podemos dizer que o controlo de constitucionalidade do critério legal de determinação das custas deve igualmente tomar em consideração o princípio da igualdade. Dizem a propósito estes autores que “Assim, e embora não exista uma imposição de as custas serem de montante igual independentemente da natureza do processo, elas não podem ser arbitrariamente mais altas em determinados tipos de processos (…). [N]ão se afigura conforme ao princípio da igualdade uma solução que se consubstancie num aumento das custas judiciais pelo qual o cidadão médio fique, no mesmo tipo de acções, colocado numa posição acentuadamente desigual em relação ao acesso aos tribunais por confronto com os cidadãos de mais forte poder económico”. De igual forma, também não será tolerável que o montante da taxa de justiça possa ser mais elevada pela simples circunstância da parte pagante ter boa capacidade económica.

Qualquer desproporção irrefutável entre a atividade judiciária despendida e o montante da taxa de justiça que é imputada à parte, vai contra o texto constitucional nos termos sobreditos, levando a um inaceitável comprometimento do acesso à justiça. Mas igual conclusão se impõe em nome do princípio do Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da Constituição, e a que está submetido funcionalmente o relacionamento impositivo do Estado no confronto dos cidadãos. Pois que, como significam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª ed., p. 206), o preceito do Estado de direito democrático também assegura a proteção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça, especialmente por parte do Estado. Podemos dizer que o preceito garante também a decência nas relações funcionais impositivas do Estado (neste caso o sistema de justiça) para com os cidadãos. Este será, inclusivamente, o último subsídio para o evitamento de graves injustiças no contexto dessas relações.

Sendo nesta perspetiva constitucional que o assunto deve ser encarado, segue-se então que a dispensa a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP não pode ser vista como excecional (embora a sua letra possa porventura sugerir o contrário), impondo-se, ao invés, proceder sempre (oficiosamente ou a requerimento das partes) a um juízo de conformidade entre o valor que decorreria da mera aplicação da Tabela I anexa do RCP e a magnitude do serviço prestado, levando-se a cabo a correção que deva ter lugar. Para esse efeito importa atender a todas as circunstâncias relevantes, a todas as especificidades do caso concreto, como sejam a maior ou menor complexidade jurídica do litígio do ponto de vista material e processual, a extensão dos articulados, o número e extensão dos documentos, a realização de diligências de prova morosas, a análise de meios de prova complexos, a realização ou não de audiências, a existência ou não de alegações, a conduta processual das partes, o tempo despendido pelos magistrados no estudo e decisão do caso, o valor económico do pedido, o tempo e esforço despendido pelos serviços de secretaria, devendo a análise ser feita, além do mais, à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade. Tudo de forma a garantir que as custas a suportar pelas partes são razoavelmente adequadas ao serviço prestado pelas instituições judiciárias (rectius, não são manifestamente desadequadas ao serviço prestado pelas instituições judiciárias).

Donde, não pode deixar de se concordar com o que, neste particular e numa perspetiva abstrata, dizem as Recorrentes Rés nas conclusões G), H), I), J), K), L), M), N), O), P), Q), R), U), Y), Z), AA), BB), CC) e EE), e as Recorrentes Autoras nas suas conclusões 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª,18ª, 19ª, 20ª, 22ª, 23ª, 24ª, 25ª, 26ª, 27ª, 28ª e 30ª.

Isto posto, passemos ao caso concreto.

Tendo a causa o valor de €25.788.190,60, segue-se que as taxas de justiça[1] globais a pagar, por parte, seriam de €313.921,47 (1ª instância) e de €156.956,74 (recurso), das quais foram pagos, por parte, €1.648,00 (1ª instância) e €816,00 (recurso). A taxa de justiça remanescente, incidente sobre €25.513.190,60 (€25.788.190,60 - €275.000,00) seria, por parte, de €312.281,48 (1ª instância) e de €156.140,73 (recurso), num total de €468.414,20 (€936.828,40, considerando ambas as partes).

Tendo presentes os factos processuais acima elencados, cremos que resulta á evidência que uma tal taxa de justiça remanescente é exorbitante e desproporcionada ao serviço judiciário prestado.

Sem dúvida que os dois tribunais envolvidos no processo (o Tribunal da Relação de Lisboa, que funcionou como tribunal de 1ª instância) e o Supremo Tribunal de Justiça (tribunal de recurso) não foram chamados a decidir sobre questões simples e expeditas, pelo contrário tiveram que desenvolver um aturado, exigente e extenso trabalho material e jurídico, como resulta dos respetivos acórdãos, e como se impunha quer em face da natureza das questões jurídicas discutidas no processo quer da dimensão e profundidade das peças que formavam o processo (articulados, documentos, pareceres). A prova mais eloquente da bondade desta asserção reside inclusivamente na necessidade que foi sentida de apresentação de pareceres de jurisconsultos.

Porém, essa atividade judiciária não justifica de forma alguma a cobrança de quase um milhão de euros a título de taxas de justiça.

Como resumido pelas Rés nas conclusões S) e T), estava em causa uma ação de anulação de sentença arbitral onde se debatiam questões jurídicas (no essencial, violação de princípios da ordem pública internacional do Estado Português e do dever de fundamentação) que não podem ser vistas como singulares; os articulados (petição inicial e contestação) eram relativamente extensos é certo, mas incluíam já a discussão sobre o aspeto jurídico da causa; foram juntos relativamente poucos documentos e de dois pareceres; as alegações e contra-alegações para o Supremo Tribunal de Justiça não eram anormalmente extensas; a atividade decisória do tribunal de 1ª instância resumiu-se aos despachos referidos nos factos provados 11, 16, 20, 28 e 33, que não implicaram a análise de questões com enorme complexidade factual, nem foram desmesuradamente trabalhosas ou suscetíveis de elicitar uma anormal especificidade jurídica, e ao acórdão proferido em 10 de Janeiro de 2017, que, sendo extenso, correspondeu em grande medida a transcrição dos articulados das partes; a atividade decisória do tribunal de recurso resumiu-se ao despacho de admissão do recurso e ao acórdão de 26 de Setembro de 2017; não houve lugar a qualquer diligência probatória nem à realização de audiências e não foram produzidas alegações de facto ou de direito; as partes não adotaram expedientes de natureza dilatória, nem suscitaram questões processuais desnecessárias ou inúteis, tendo existido cooperação entre todos os intervenientes processuais, visando sempre a obtenção da justa composição do litígio. Acresce dizer que o dispêndio de tempo e esforço dos serviços de secretaria nada teve de incomum ou de significativamente anormal.

Tudo isto visto e ponderado, é mandatório corrigir a taxa de justiça remanescente a pagar.

Qual o quantum devido?

Cremos estar fora de hipótese a dispensa total do pagamento dessa taxa. Atento o que vem de ser dito, as taxas já pagas pelas partes estão longe, por defeito, de equivaler ao custo do serviço prestado nas duas instâncias. Improcedem assim as pretensões de ambas as partes recorrentes à dispensa total do pagamento da taxa remanescente.

Mas já se nos afigura - com toda a subjetividade que o assunto reveste (e sendo que, como sobredito, não é exigível uma correspetividade absoluta entre o custo do serviço e a taxa de justiça, o que na prática seria impossível de estabelecer) - que se justifica uma redução em 5/6, suportando as partes 1/6 da taxa de justiça remanescente. É este o montante que se antolha como proporcionado, equitativo, razoável e decente relativamente ao serviço de justiça prestado às partes, tendo em vista o dispêndio conatural a esse serviço. Dispêndio este enformado, designadamente, pela complexidade jurídica da causa, pela magnitude ou envergadura do processo e pela conduta processual das partes.

Procedem pois, nos segmentos que se identificam com o sobredito, as conclusões em destaque, não podendo manter-se o acórdão recorrido.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos e, revogando o acórdão recorrido, deferem parcialmente o pedido tendente à dispensa da taxa de justiça remanescente nos seguintes termos: são as partes dispensadas do pagamento de 5/6 dessa taxa.

Regime de custas:

As Rés são condenadas nas custas da revista que interpuseram, reduzidas a 1/6.

As Autoras são condenadas nas custas da revista que interpuseram, reduzidas a 1/6.

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Sumário:

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Lisboa, 3 de Julho de 2018

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo

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[1] Para os cálculos consideram-se compreendidas 1020,5277 frações de €25.000,00 no valor do remanescente (€25.513.190,60/€25.000,00=1020,5277). Naturalmente que os valores serão ligeiramente diferentes se se usar uma fração sem qualquer casa decimal ou com menos ou mais casas, razão pela qual os valores indicados não coincidem exatamente com os indicados pelas partes.