Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1129/18.4T8PDL.L2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça*


                  

 No recurso de revista interposto, na presente acção com processo declarativo comum, que o Autor e Recorrente AA intentou contra BB, foi publicado o acórdão em audiência neste Supremo Tribunal de Justiça, concedendo em parte a revista.

No acórdão, considerou-se “a ponderação da aplicação prática da natureza subsidiária do enriquecimento – artºs 473º nºs 1 e 2 e 474º CCiv e, na sequência, da consagração da obrigação de restituir, a cargo da Ré”.

Mais se afirmou “a condenação da R., no equivalente a metade do valor que se vier a apurar na venda ou na adjudicação do imóvel, deverá ter por limite o dano do empobrecido Autor (artº 479º nº 1 CCiv), isto é, o valor de € 150 000,00”.

Consequentemente, concedeu-se a revista, “condenando-se a Ré a devolver ao Autor metade do valor que se vier a apurar na venda ou na adjudicação do imóvel sito na Rua ..., nº...., freguesia ..., concelho ..., em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob o nº…. da dita freguesia, e inscrito na respetiva matriz quanto à parte rústica sob o artigo …., Secção …., e quanto à parte urbana sob o artigo …, até ao limite de € 150 000,00”.


Suscita agora o Recorrente nulidade processual, ao abrigo do disposto no artº 615º nº 1 al.d) 2ª parte, reclamando para a Conferência e resumindo a respectiva alegação nas seguintes conclusões:

1º - Ao estabelecer “até ao limite de € 150 000” o Tribunal conheceu de uma questão de que não podia tomar conhecimento, porque tal dependeria de a Ré ter efectuado um pedido reconvencional a título sunsidiário, pedindo que, caso o pedido do Autor procedesse, como veio a proceder, ser estabelecido um limite para a obrigação de restituir, até porque não foi alegado nem está demonstrado, porque não existe, que a Ré tenha feito qualquer despesa com o imóvel.

2º - A doutrina portuguesa mais abalizada nesta matéria adopta uma concepção real do enriquecimento, que defende que o valor a restituir deve ser o valor de mercado do benefício obtido.

3º - Na situação dos autos, o valor a obter pela Ré que exceder a quantia de € 150 000,00 é também resultante da intervenção do Autor e é obtido à custa da deslocação patrimonial do Autor, sem qualquer iniciativa da Ré.

4º - No instituto do enriquecimento sem causa, o beneficiário é obrigado a restituir ao empobrecido tudo quanto haja obtido à sua custa (artº 479º nº1 CCiv), o que implica que, além dos € 150 000,00 pagos pelo Autor no momento da aquisição do imóvel, valor que corresponde ao empobrecimento do Autor e ao enriquecimento da Ré, naquele e neste momento, a Ré está, também e além dele, obrigada a restituir ao Autor metade da diferença entre € 300 000,00 e o valor que for apurado na venda ou na adjudicação do imóvel, valor que obterá ainda à custa do Autor.

5º - Condenar-se a Ré a devolver ao Autor metade do valor que se vier a apurar na venda ou na adjudicação do imóvel sem estabelecer qualquer limite é a única interpretação que permite salvaguardar o equilíbrio das prestações (artº 237º CCiv).

6º - A Ré achar-se-á enriquecida em metade da diferença entre o valor da venda ou da adjudicação e € 300 000,00, que corresponde ao valor de aquisição, quando tal venda ou adjudicação suceder, pelo que, não se estabelecendo qualquer limite, evita-se que o Autor tenha de propor outra (nova) acção judicial contra a Ré, para que possa ser ressarcido dessa diferença, caso a venda ou adjudicação seja por valor superior a € 300 000,00, a não ser que o empobrecimento real seja inferior àquele.

7º - A obrigação de restituição determina-se em função do enriquecimento real ou do valor real de mercado, já que reflexo nos patrimónios do enriquecido e do empobrecido são irrelevantes, conquanto a função deste instituto é reprimir o enriquecimento injustificado e não o de compensar os danos sofridos.

Conhecendo:


Como visto, o Autor impugna o trecho da fundamentação, e da decidão, onde se afirmou “a condenação da R., no equivalente a metade do valor que se vier a apurar na venda ou na adjudicação do imóvel, devendo ter por limite o dano do empobrecido Autor (artº 479º nº 1 CCiv), isto é, o valor de € 150 000,00”.

E, na verdade, a decisão é nula quando se mostre viciada por excesso de pronúncia (artº 615º nº1 al. d) 2ª parte), isto é, “sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer” (Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pg. 222).

Ora, e para encurtar razões, o Autor/Reclamante tem inteira razão: o Tribunal conheceu do pedido estabelecendo um limite quantitativo (o “dano do empobrecido Autor”) não formulado no pedido, nem alegado ou discutido no processo por qualquer das partes.

Em suma, conhecendo de matéria parcial e quantitativamente diversa da que foi objecto do processo.

Matéria essa que, tudo visto, integra a nulidade da decisão a que se reporta a norma do citado artº 615º nº 1 al. d) 2ª parte ex vi artº 3º nº 3 CPCiv.

Devendo a matéria do limite quantitativo do pedido por enriquecimento sem causa ter sido discutida no processo, desde logo por via de excepção peremptória (artº 576º nº 3 CPCiv), não podia o Tribunal conhecer oficiosamente qualquer limite ao enriquecimento, posto que matéria não discutida no processo, sob pena de nulidade parcial do acórdão.

Diga-se ainda que a decisão de aplicar um limite de € 150 000,00, por se tratar do valor à data da deslocação patrimonial, ou do empobrecimento, não poderia deixar de levar em linha de conta a data a que os artºs 479º nº 2 e 480º CCiv mandam atender, ou seja, o valor que resultasse da actualização do valor da deslocação patrimonial.

Esta actualização, com os meros dados do processo, constituiria sempre, equitativamente, metade do valor do bem a vender ou adjudicar.


Termos em que se julga procedente a invocada nulidade do acórdão e, em suprimento da mesma, se substitui o segmento decisório do acórdão pelo seguinte:

Concede-se a revista, condenando-se a Ré a devolver ao Autor metade do valor que se vier a apurar na venda ou na adjudicação do imóvel sito na Rua ..., nº...., freguesia ..., concelho ..., em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob o nº….93 da dita freguesia, e inscrito na respetiva matriz quanto à parte rústica sob o artigo …, Secção …, e quanto à parte urbana sob o artigo ….12

Sem custas.


STJ, 23/9/2021


Vieira e Cunha (relator)                                              

Abrantes Geraldes                                              

Tomé Gomes

_________

· Rev. 1129/18.4T8PDL.L2.S1. Acórdão em Conferência. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Exmºs Conselheiros António Santos Abrantes Geraldes e Manuel Tomé Soares Gomes.