Acordam no Supremo Tribunal de Justiça os juízes da 3ª Secção Criminal
I - RELATÓRIO
I.1.O acórdão de 31/05/2023 decidiu, para o aqui pertinente,:
“1. Em “IV. Fundamentação de direito B) Dos Crimes de importunação sexual, previstos e puníveis pelo artigo 170º”, corrige-se a frase “Enviou a AA mensagens escritas a BB com linguagem de cariz sexual” para “Enviou a AA mensagens escritas com linguagem de cariz sexual.”
2. Suprindo a nulidade, por omissão da condenação no dispositivo, condena-se o arguido, como autor material na forma consumada e em concurso efetivo, na pena de seis meses de prisão, pela prática do crime de importunação sexual p. e p. no artigo 170º do CP, em que é ofendida AA.
3. E julga-se o recurso improcedente.”
No tocante ao “recurso improcedente”, manteve-se o decidido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo Central Cível e Criminal ... - Juiz ..., que, por acórdão de 17/11/2022, condenou o Recorrente nos seguintes termos:
“A) PARTE CRIME
Condenar o arguido CC:
1º Como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, de:
a) Um crime de importunação sexual previsto e punível pelo artigo 170.º (caso de BB), na pena de prisão de 6 meses;
b) Um crime de importunação sexual previsto e punível pelo artigo 170.º (caso de DD), na pena de prisão de 8 meses;
c) Um crime de importunação sexual previsto e punível pelo artigo 170.º (caso de EE), na pena de prisão de 6 meses;
d) Um crime de pornografia de menores, previsto e punível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 176.º, 1, c), e 5, e 177.º, 7 (caso de BB), na pena de prisão de 1 ano e 8 meses;
e) Um crime de pornografia de menores, previsto e punível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 176.º, 1, c), e 5, e 177.º, 7 (1º caso de AA), na pena de prisão de 1 ano e 8 meses;
f) Um crime de pornografia de menores previsto e punível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 176.º, 1, c), e 5, e 177.º, 7 (2º caso de AA), na pena de prisão de 1 ano e 8 meses;
g) Um crime de pornografia de menores previsto e punível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 176.º, 1, c), e 5, e 177.º, 7 (caso de FF), na pena de prisão de 1 ano e 8 meses;
h) Um crime de pornografia de menores previsto e punível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 176.º, 1, c), e 5, e 177.º, 7 (caso de GG), na pena de prisão de 1 ano e 8 meses;
i) Um crime de abuso sexual de criança previsto e punível pela alínea b) do n.º 3 do artigo 171.º (caso de HH), na pena de prisão de 1 ano e 6 meses;
j) Um crime de abuso sexual de criança previsto e punível pela alínea b) do n.º 3 do artigo 171.º (caso de II), na pena de prisão de 1 ano e 6 meses;
k) Um crime de abuso sexual de criança previsto e punível pela alínea b) do n.º 3 do artigo 171.º (caso de JJ), na pena de prisão de 1 ano e 6 meses;
l) Um crime de abuso sexual de criança, previsto e punível pela alínea b) do n.º 3 do artigo 171.º (caso de FF), na pena de prisão de 1 ano e 6 meses.
2º Na pena única de prisão de 6 anos e 10 meses – cfr. artigo 77.º, 1 e 2, do Código Penal.
3º Na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores pelo período de 10 anos – artigo 69.º-B, 2.
4º Na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 10 anos – artigo 69.º-C, 2”
I.2.O arguido vem agora arguir a nulidade do acórdão. e remata a peça processual com as seguintes conclusões:
“1º Do Relatório de Perícia Psiquiátrica Médico-Legal, datado de 22/08/2022 e junto aos autos em 12/09/2022, resulta, a fls. 11, que não se exclui, ao nível estrito médico-legal psiquiátrico, a integração da situação sub judice na anomalia psíquica do n.º 2, do artigo 20º, do CP, i.e., imputabilidade diminuída, incapacidade de se determinar de acordo com a avaliação sensivelmente diminuída (pressuposto volitivo);
2º O douto Acordão do STJ não se pronuncia, nem considera, a imputabilidade diminuída do Arguido, para a determinação da medida das penas parcelares e única, questão que foi colocada à sua apreciação no recurso apresentado;
3º Pelo que o Acordão do STJ padece da nulidade por omissão de pronuncia, prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 379º, do CPP, a qual se argui, com as legais consequências;
4º Por outra via, o tribunal não fundamentou a divergência com o entendimento da perícia quanto à imputabilidade diminuída, como obriga o n.º 2, do artigo 163º, do CPP, pelo que também por isso incorre em nulidade por omissão de pronuncia.
5º Acresce, finalmente, que o Acordão em análise é inconstitucional por violação do artº 32º da CRP, ao interpretar o nº 2, do artº 20º e o artº 71º, ambos do CP, no sentido de que o Arguido ao agir com a sua capacidade de determinação sensivelmente diminuída e existindo perícia que o afirma, não deverá ser punido com pena especialmente atenuada, nos termos do disposto nos artºs 72º e 73º do CP.
Termos em que se requer a V. Excias. que seja suprida a nulidade ora arguida no sentido de ser considerada a imputabilidade diminuída do Arguido, com a consequente diminuição da medida das penas parcelares e da pena única, diminuindo-se a sua pena para uma pena entre 4 e 5 anos e determinando-se a suspensão da sua execução.”
I.3. Em resposta avançou o MºPº, no que toca à omissão de pronúncia, que o acórdão do STJ se pronunciou acerca da questão, no ponto “II.2.7.”, que transcreveu, inexistindo situação que se possa qualificar, como pretende o arguido/recorrente, como de omissão de pronúncia. E adita que o recorrente está a partir de um pressuposto errado: o de que a perícia atestou o que não atestou – a existência de imputabilidade diminuída. E quanto à alegada inconstitucionalidade que é invocada, diz, não ter correspondência com as circunstâncias concretas do caso: “na decisão não se decidiu como alegado, ou seja, que afastando a aplicação de pena especialmente atenuada em caso de existência de perícia que ateste a sensível diminuição da capacidade de determinação do agente: Nem existe perícia que tenha apontado naquele sentido, nem existiu decisão que tenha afastado a possibilidade de especial atenuação da pena por tal (inexistente) motivo.”
E finaliza com o pedido de indeferimento de arguição de nulidades,
I.4. A assistente EE chamou a atenção para a página 8 do relatório acima citado sobre o exame do estado mental do arguido, “tudo o ali vazado é bem expressivo de inexistir qualquer patologia que o prive de juízo critico ou de capacidade de autodeterminação, sendo inaceitável venha a concluir-se, ainda que de forma relutante, pois a expressão “não se exclui” é apenas um considerando técnico ao nível estrito médico-legal psiquiátrico, e que acarrete imputabilidade diminuída.”
E também alinha no indeferimento da requerida arguição.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Recuperando, pela sua notável síntese, o sumário do ac. do STJ de 16/09/2008, proc. nº 08P2491, Henriques Gaspar,:
«I – A omissão de pronúncia constitui uma patologia da decisão, que consiste na sua incompletude, analisada por referência aos deveres de pronúncia e decisão que decorrem dos termos das questões suscitadas, da formulação do objeto da decisão e das respostas que a decisão fornece – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
II – A omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa (a “pronúncia”) sobre questões que lhe sejam submetidas.
III - As questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
IV - As questões que são submetidas ao tribunal constituem o thema decidendum, como complexo de problemas concretos sobre que é chamado a pronunciar-se, os quais devem constituir as questões específicas que o tribunal deve, como tal, abordar e resolver, e não razões, no sentido de argumentos, opiniões e doutrinas expostas pelos interessados na apresentação das respectivas posições (cf., entre outros, Acs. do STJ de 30-11-2005, Proc. n.º 2237/05, de 21-12-2005, Proc. n.º 4642/02, e de 27-04-2006, Proc. n.º 1287/06).
V - A verificação da existência da nulidade da sentença prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, depende, por isso, da identificação das questões que a decisão deveria apreciar de acordo com a definição do objeto ou thema a decidir, com a configuração que resulte da impostação do problema pelos interessados e do modo como esteja processualmente definido, ou que sejam de conhecimento oficioso. A sentença deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas que tenham relação com o objeto processual a decidir, e o juízo sobre a relevância, a razoabilidade ou a pertinência das questões tem de ser expresso. Mas, em consequência, o resultado da ponderação sobre as questões colocadas releva já do julgamento (matéria) e não do processo ou do vício (processual) do acto».
Mas, como se sublinhou no ac. de 17/05/2023, 140/06.2JFLSB.L1.S1, Pedro Branquinho, “A arguição de nulidades de uma decisão não deve servir para o requerente voltar a insistir nos mesmos argumentos que utilizou no seu recurso e que não convenceram o tribunal, tendo em vista a modificação do sentido dessa mesma decisão.”
II.2. Revisitado o acórdão e o processo, temos de concluir que não houve omissão de pronúncia no que toca à invocada imputabilidade diminuída. O acórdão pronunciou-se sobre a questão em “II.2.7.”. Assim:
“II.2.7. A perícia médica foi considerada, mas dela nada se extrai em termos de inimputabilidae ou de imputabilidade diminuída. O Colectivo decidente afirmou que o arguido “agiu de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida”, não detectando, consequentemente, nele qualquer anomalia que o tornasse incapaz de, no momento da prática do acto, avaliar a sua ilicitude e de se determinar de acordo com essa avaliação; por outras palavras, afastou a possibilidade de o mesmo ser inimputável, nos termos do art. 20.º, n.º 1, do CP; igualmente afastou a sua imputabilidade diminuída. Para que no caso se pudesse falar em imputabilidade diminuída mister era que o tribunal, ao abrigo do artigo 20, nº 2, do CP, preenchidos que estivessem os respetivos pressupostos, declarasse o arguido como inimputável. “Assim, se o juiz considerar que o efeito psicológico da inimputabilidade só se verifica parcialmente, mas encontrar uma base biológica grave, permanente, e que o agente não domina nos seus efeitos, pode concluir pela inimputabilidade, bastando para tanto que o agente revele incapacidade para se deixar influenciar pelas penas (cfr art. 20º, nºs 2 e 3).” (“Noções de Direito Penal”, Simas Santos e Leal Henriques, 8º edição, Rei dos Livros).
De uma parafilia não se extrai necessariamente nem a inimputabilidade nem a imputabilidade diminuída.
E, no caso concreto, nem da perícia médica se extraiu a inimputabilidade ou a imputabilidade diminuída nem o tribunal decidiu por uma ou outra. E, se o não foi, foi certamente por se ter considerado que o arguido ainda tinha capacidade para avaliar a ilicitude do facto e para se determinar de acordo com essa avaliação.”
Com o que, forçoso é concluir, o acórdão se pronunciou sobre a questão.
Mas não podia o acórdão julgar com base em provada imputabilidade diminuída porque a mesma não estava entre a factualidade dada como provada. E os poderes de cognição do STJ restringem-se à matéria de direito, não podendo, por isso, alterar a decisão em matéria de facto e, designadamente, julgar assentes factos que dela não constam;
Adianta o Requerente que o Relatório de perícia médico-legal não exclui a imputabilidade diminuída. E é verdade que em “F”, “3º”, se lê que a perturbação mental identificada como pedofilia “não se enquadra nos pressupostos de anomalia psíquica prevista no art. 20º, nº 1, do Código Penal (inimputabilidade), mas não se exclui , ao nível estrito médico-legal psiquiátrico , a sua integração na anomalia psíquica do nº 2 do mesmo articulado, i.e., imputabilidade diminuída, incapacidade de se determinar de acordo com a avaliação sensivelmente diminuída (pressuposto volitivo).”
Mas, certo é que, uma coisa é não excluir como hipótese a dita imputabilidade diminuída que, através de novos e complementares exames ordenados, fosse oficiosamente ou por via de requerimento do arguido, poderia ser verificada ou não. E não foram ordenados seguramente porque nem o tribunal nem o arguido os acharam necessários. Desnecessidade que terá assentado, é bom de vê-lo, no demais que do Relatório consta e nos outros elementos constantes dos autos.
Outra coisa é, ao que pretende o requerente mas não se extrai da factualidade provada, considerar-se como verificada a imputabilidade diminuída. E a perícia não atestou a existência de imputabilidade diminuída. E não a tendo atestado não podia o tribunal, sem mais, dá-la como provada.
E repetindo-nos, o Colectivo decidente afirmou que o arguido “agiu de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida”, não detectando, consequentemente, nele qualquer anomalia que o tornasse incapaz de, no momento da prática do acto, avaliar a sua ilicitude e de se determinar de acordo com essa avaliação; por outras palavras, afastou a possibilidade de o mesmo ser inimputável, nos termos do art. 20.º, n.º 1, do CP; e igualmente afastou a sua imputabilidade diminuída.
Não houve, portanto, omissão de pronúncia no que toca à questão da invocada imputabilidade diminuída, não se verificando, por aqui, nulidade do acórdão.
II.3. Quanto à alegada inconstitucionalidade que só agora é invocada, (cfr conclusões apresentadas após convite sob referência nº ...05), como diz o MºPº, não tem correspondência com as circunstâncias concretas do caso: na decisão não se decidiu como alegado, ou seja, afastando a aplicação de pena especialmente atenuada em caso de existência de perícia que ateste a sensível diminuição da capacidade de determinação do agente: Nem existe perícia que tenha apontado naquele sentido, nem existiu decisão que tenha afastado a possibilidade de especial atenuação da pena por tal (inexistente) motivo.
De todo o modo, as decisões judiciais, em si mesmas não são ou deixam de ser inconstitucionais. No nosso sistema, a inconstitucionalidade é exclusivamente normativa. Pelo que apenas pode atacar-se de inconstitucionalidade uma norma com a interpretação com que foi aplicada
Não há, assim, também aqui, qualquer omissão de pronúncia.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em indeferir, por falta de fundamento, a arguida nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Custas pelo recorrente, que se fixam em três UC´s.
STJ, 29 de junho de 2023
Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator)
José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Adjunto)
Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)