Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
645/21.5T8TMR.E1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONTRADIÇÃO
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Sumário :

I- O recorrente que invoca, como fundamento de uma revista excepcional, as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do CPC tem o ónus de indicar “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” e/ou “as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social”, sob pena de rejeição do recurso;


II- Não cumpre esse ónus o recorrente que se limita a, de forma vaga e genérica, tecer considerações genéricas sobre a figura do abuso de direito e sobre a presunção prevista no artº 394º, nº 5, do CT;


III- Não existe contradição de acórdãos, quando o acórdão recorrido e o acórdão fundamento qualificam ambos tal presunção como juris et de jure.

Decisão Texto Integral:

Processo 645/21.5T8TMR.E1.S2


Revista Excepcional


80/23


Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou acção de processo comum contra BB requerendo, a final que se decida o seguinte:


Nos termos expostos, com o douto suprimento, deve a presente acção ser julgada provada e procedente, consequentemente se declarando que insubsiste e não é válida a invocação de justa causa, feita pela Ré, nas circunstâncias em que o fez, para declarar a resolução do contrato de trabalho que mantinha com o A., já por não se verificar o fundamento legal em que pretendeu basear-se, já por ter agido em manifesto abuso de direito, excedendo na sua actuação os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico-social do direito de resolução, que se arrogou, mas que realmente não tinha, em qualquer dos casos sendo nula e de nenhum efeito aquela declaração, sendo, por conseguinte, a Ré condenada nas custas dos autos.”.


Frustrou-se a conciliação das partes.


A Ré contestou a acção, não aceitando a posição do Autor e deduziu pedido reconvencional, requerendo que seja julgada procedente a resolução do contrato com justa causa e o Autor condenado a pagar-lhe a quantia de € 40.500, acrescida de juros de mora legais, vencidos e vincendos até integral pagamento.


O Autor pugnou pela improcedência da reconvenção.


Foi realizada audiência final.


Por sentença de 28.10.2021, foi decidido o seguinte:


Pelos fundamentos de direito e de facto supra mencionados, julga-se:


1.- Improcedente os pedidos do Autor AA de que seja declarado que insubsiste e não é válida a invocação de justa causa, feita pela Ré BB, nas circunstâncias em que o fez, para declarar a resolução do contrato de trabalho que mantinha com o Autor, por não se verificar o fundamento legal em que pretendeu basear-se, e por ter agido em manifesto abuso de direito, excedendo na sua atuação os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico-social do direito de resolução, que se arrogou, mas que realmente não tinha, e, em qualquer dos casos, sendo nula e de nenhum efeito aquela declaração, sendo, por conseguinte, a Ré condenada nas custas dos autos, deles absolvendo, integralmente a R.;


2.- Parcialmente procedente o pedido reconvencional da R. BB, declarando-se que fez cessar com o CC o contrato de trabalho com justa causa e, em consequência, condeno este a pagar-lhe a quantia de € 15.300,00 (quinze mil e trezentos euros) de indemnização pela cessação do contrato por justa causa, acrescida de juros à taxa legal, contados desde .../.../2020, até integral pagamento, absolvendo, no mais, o A. do peticionado”.


O Autor interpôs recurso de apelação.


Por acórdão de ........2022 do Tribunal da Relação de Lisboa considerou improcedente o recurso de apelação.


O Autor interpôs recurso de revista excepcional.


x


O processo foi distribuído a esta Formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil.


O Autor formulou, com vista a essa admissibilidade, as seguintes conclusões:


1º) A apreciação das questões suscitadas é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito;


2º) Nomeadamente, a natureza jurídica da presunção estabelecida no art. 394º, nº 5, do Código do Trabalho não constitui apenas um problema de qualificação ou de construção, senão que também, e decisivamente, um problema de regulamentação, pois que, embora os Acórdãos citados acabem por admitir a regra do art. 394º, nº 4, do Código do Trabalho, a verdade é que a qualificação daquela presunção como presunção iuris et de iure pode obviamente dar lugar a que, numa qualquer decisão, se viole, em termos de efeito prático, a dita norma, sem se fazer a necessária ponderação das disposições combinadas dos arts. 394º, nº 4 e 351º, n 3, do citado diploma, desaplicando-as, por se entender, erradamente, que a presunção do 394º, nº 5 é uma presunção iuris et de iure, excluindo a aplicação daqueles normativos;


3º) Foi, nomeadamente, o caso do douto acórdão aqui recorrido, bem como da jurisprudência na qual se louvou,


4º) Existindo, assim, uma dupla e diversa orientação na análise e concreta aplicação das disposições conjugadas dos citados normativos, que só por si justifica a admissão do recurso, para uma melhor aplicação do Direito,


5º) Ademais, estão em jogo interesses de particular relevância social, visto que o conhecimento do abuso de direito é de natureza oficiosa, conforme decidiu,


nomeadamente, o acima citado Acórdão do STJ, de .../.../2013; e, sendo de natureza


oficiosa, está em jogo norma de interesse e ordem pública, que corresponde, necessária e justamente, àqueles interesses;


6º) Também, por força do disposto na al. c) do nº 1 do art. 672º do Cod. Proc. Civil, o recurso de revista é admissível, porquanto o douto acórdão recorrido está em oposição com os não menos doutos acórdãos acima citados, a saber:


a) O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de ...-...-2020, proferido no Proc. n.º 7902/15.8T8PRT.P1.S1, cujo sumário pode consultar-se em https://www.stj.pt/? p=15469, não tendo sido encontrado o texto desse Acórdão na base de dados do IGFEJ;


b) O Acórdão da Relação de Coimbra, de 10/02/2011, proferido no proc. nº 1022/09.1TTCBR.C1, cuja cópia ao presente vai junta, constituindo o acórdão fundamento, que pode consultar-se em (...)


7º) Qualquer um desses Acórdãos decidiu, contrariamente ao douto Acórdão recorrido, que apesar da presunção do nº 5 do art. 394º do Código do Trabalho, na determinação da culpa do empregador, nos casos de resolução contratual por iniciativa do trabalhador, é sempre aplicável a norma do nº 4 desse art. 394º do Código do Trabalho, que remete para o respectivo art. 351º, nº 3, sendo igualmente aplicável o disposto no art. 799º, nº 1, do Cod. Civil, normativos que admitem ser possível o afastamento da presunção, ao contrário do que considerou o douto acórdão recorrido;


x


Cumpre apreciar e decidir:


A revista excepcional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.


A admissão do recurso de revista, pela via da revista excepcional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito.


De outra banda, a revista excepcional, como o seu próprio nome indica, deve ser isso mesmo- excepcional .


O Recorrente começa por invocar como fundamento da admissão do recurso o disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, que referem o seguinte:


“1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:


a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;


b) Estejam em causa interesses de particular relevância social”.


Relativamente à primeira excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea, a) pode ler-se em anotação ao artº 672º do CPC, anotado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), “Para esta primeira exceção são elegíveis situações em que a questão jurídica suscitada apresente um carácter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação aos interesses das partes envolvidas. Na verdade, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de uma questão cujo relevo jurídico seja indiscutível, embora a lei não distinga entre questões que emergem do direito substantivo ou do direito adjetivo. Não bastará, pois, o mero interesse subjetivo da parte.»


Com maior desenvolvimento, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, pág. 381) refere: “Outra linha de força aponta para a recusa da pretensão quando a decisão recorrida se enquadrar numa corrente jurisprudencial consolidada, denotando a interposição de recurso mero inconformismo perante a decisão recorrida.


As expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excecionalmente” e “claramente necessária”) não consentem que se invoque como fundamento da revista excecional a mera discordância quanto ao decidido pela Relação. Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador.


Constituindo um instrumento processual em que fundamentalmente se pretendem tutelar interesses ligados à “melhor aplicação do direito”, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de questões cujo relevo jurídico seja indiscutível, o que pode decorrer, por exemplo, da existência de legislação nova cuja interpretação suscite sérias divergências, tendo em vista atalhar decisões contraditórias (efeito preventivo), ou do facto de as instâncias terem decidido a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência ou da doutrina (efeito reparador)”.


Por outro lado, e no que concerne à segunda excepção à regra da irrecorribilidade em situações de dupla conforme, prevista na referida alínea b), os autores já citados Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. P. Sousa (Almedina Vol. I, 2018), referem que “Na segunda exceção, por estarem em causa interesses de particular relevo social, serão de incluir ações cujo objeto respeite, designadamente, a interesses importantes da comunidade, à estrutura familiar, aos direitos dos consumidores, ao ambiente, à ecologia, à qualidade de vida, à saúde ou ao património histórico e cultural, valores que naturalmente se sobrepõem também ao mero interesse subjetivo da parte da admissibilidade do terceiro grau de jurisdição”.


Importa, no entanto e à partida, ter em conta que decorre do nº 2 do artigo 672.º do CPC que o Recorrente tem o ónus de indicar na sua alegação, sob pena de rejeição, “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, caso invoque a alínea a) do nº 1 do artigo 672º e “as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social”, quando o fundamento da revista excepcional reside no disposto na alínea b) desse nº 1.


Como se decidiu no Ac. deste Supremo Tribunal de 29/09/2021, proc. n.º 2948/19.0T8PRT.P1. S2, no recurso de revista excepcional devem ser indicadas razões concretas e objetivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excepcional com o objectivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes.


Ora, é manifesto que, no caso em apreço, o Recorrente não deu cumprimento a esse ónus de indicar as razões pelas quais é necessária a intervenção deste STJ.


Com efeito, limita-se a invocar razões meramente genéricas, ligadas à actuação da Recorrida que integrará abuso de direito, actuação “absolutamente desleal para com o A.-Recorrente no exercício do direito, que lhe assistia, de resolver o contrato de trabalho, com justa causa”, com considerações gerais sobre essa figura do abuso de direito e sobre o seu conhecimento oficioso, conhecimento esse reconhecido por jurisprudência consolidada deste STJ. E também a figura do abuso de direito se encontra já amplamente discutida e definida nos seus contornos, quer em termos doutrinais quer em termos jurisprudenciais, não se revelando necessária a intervenção deste Supremo Tribunal para tal desiderato.


E o Recorrente também utiliza meras considerações gerais acerca da presunção estabelecida no nº 5 do artº 394º do CT, defendendo que é errada a asserção de que a mesma é uma presunção juris et de jure, sem se fazer a necessária ponderação das disposições combinadas dos arts. 394º, nº 4 e 351º, n 3, do citado diploma.


Alegações meramente genéricas quanto a tais aspectos, não identificando a recorrente, com as necessárias concretização e especificação, a questão ou as questões que pretende submeter ao STJ, que justifiquem a intervenção deste, em sede de revista excepcional, de modo a identificar, com as indispensáveis clareza e segurança, a questão ou questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, sejam claramente necessárias para melhor aplicação do direito, ou tenham que ver com interesses de particular relevância social.


É jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal que não bastam afirmações efectuadas de uma forma genérica e vaga, sendo necessário explicitar, com argumentação sólida e convincente, as razões concretas e objetivas, susceptíveis de revelar a alegada relevância jurídica e social, não relevando o mero interesse subjetivo do recorrente, sendo necessário que o mesmo concretize com argumentos concretos e objectivos- cfr., entre outros, os acórdãos deste STJ de 11/05/2022, proc. 1924/17.1T8PNF.P1.S1, de 30/03/2022, Proc. n.º 5881/18.9T8MAI.P1.S2, de 17/03/2022, Proc. n.º 28602/15.3T8LSB.L2.S2, e de 11/05/2021, Proc. n.º 3690/19.7T8VNG.P1.S2


“O recorrente que, simplesmente, reputa uma questão de juridicamente relevante, não cumpre o ónus previsto no n.º 2 do art. 672.º do CPC, pelo que o recurso não deve ser admitido com esse fundamento” - Ac. de 10/11/16, Proc. nº 501/14.3T8PVZ.E1.S1.


É de rejeitar liminarmente o recurso de revista excecional quando não foram indicadas razões concretas e objetivas reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excecional com o objetivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes.- Ac. de 10/11/21, Proc. nº 2475/18.2T8VFX-A.L1.S1.


Quanto ao invocado fundamento da al. c), no Acórdão do STJ de 3/03/2016, proc. 102/13.3TVLSB.L1.S1, incluído nos Boletins Anuais disponibilizados em www.stj.pt, entendeu-se, lapidarmente, que “I - Constitui entendimento uniforme da Formação de apreciação preliminar, que a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro caso, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação.


Por sua vez no Ac. deste STJ e Secção Social de 13/1/2021, proc. 512/18.0T8LSB.L1.S2, escreveu-se:


“A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o acesso ao recurso de revista excecional, previsto no art.º 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, pressupõe a verificação dos seguintes requisitos:


- O acórdão recorrido e o acórdão-fundamento têm de incidir sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo ser idêntico o núcleo da situação de facto, atento o ratio da norma aplicável;


- A existência de uma contradição ao nível da resposta dada em ambos os acórdãos a determinada questão, bastando que no acórdão recorrido se tenha dado uma resposta diversa e não, propriamente, contrária à resposta dada no acórdão-fundamento, devendo, no entanto, a oposição ser frontal e não implícita ou pressuposta;


- A essencialidade da questão de direito conducente ao resultado numa e noutra das decisões, sendo irrelevante a argumentação sem valor decisivo;


- A existência de um quadro normativo idêntico, independentemente de eventuais alterações que não tenham alterado a sua substância;


- Não exista acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão jurídica em questão que o acórdão recorrido tenha seguido”.


Ora, analisando os acórdãos –recorrido e fundamento (o Recorrente não juntou cópia do acórdão do STJ que cita nas suas alegações), não corresponde à realidade que haja qualquer contradição, nomeadamente no que toca ao afastamento da presunção jure et de jure do nº 5 do artº 394º do CT pelo nº 4 desse mesmo artigo, que remete para o respectivo artº 351º, nº 3, e pelo disposto no artº 799º, nº 1, do Cod. Civil.


Com efeito, afirma-se no acórdão recorrido:


“Quanto ao segundo requisito – comportamento culposo do empregador – há a afirmar que a doutrina vem defendendo que o art. 394.º n.º 5 estabelece uma presunção inilidível de culpa do empregador, “não afastável por prova em contrário, mas que não exclui a possibilidade de qualificar como culposas outras situações de incumprimento da obrigação retributiva, ainda que a falta de pagamento não perdure por 60 dias”


Esta Relação de Évora tem igualmente decidido que a falta de pagamento de retribuições, que se prolongue por mais de 60 dias, presume-se culposa, não sendo ilidível essa presunção de culpa5, e no mesmo sentido se tem orientado o Supremo Tribunal de Justiça


E no acórdão fundamento chegou-se exactamente à mesma conclusão:


“A redacção do n.º 5 do citado art. 394.º estabelece que hoje, mesmo nos casos em que a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por sessenta dias, a resolução do contrato pelo trabalhador tem que assumir e verificação de uma justa causa subjectiva, sendo necessário apurar-se a culpa do empregador.


Aquele dispositivo prevê claramente uma presunção de culpa do empregador para os casos a que se refere, como bem assinalou a 1ª instância.


Não concordamos, no entanto, com o que se escreveu na sentença recorrida quando refere que essa presunção é uma presunção juris tantum, uma presunção que pode ser ilidida por prova em contrário.


(...)


Observando, contudo, o n.º 5 do art. 394.º do CT/2009, vejamos se podemos colher dúvidas sobre a natureza da presunção, caso em que, a existirem, deveríamos classificá-la como juris tantum, seguindo o critério enunciado.


Em primeiro lugar, devemos assinalar que, não se tratando de uma presunção juris et de jure, então a norma em causa não tem sentido ou, melhor, seria redundante, já que uma presunção de culpa juris tantum sempre resultaria, porque se trata de um caso de um caso de falta de cumprimento de obrigação, do disposto no art. 799.º n.º 1 do Código Civil (“[i]incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento (…) da obrigação não procede de culpa sua”). Por outro lado, tendo em conta esta última presunção, não haveria qualquer distinção entre as situações em que a mora se prolongasse por sessenta dias e aquelas em que se prolongasse por menos...


Em segundo lugar, o assinalado n.º 5 do art.º 394.º não se reporta apenas à situação de mora por 60 dias, mas também àquela em que o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo. Neste caso, têm de incluir-se as situações em que o empregador por quebra de tesouraria não pode, sem culpa, assegurar o pagamento pontual da retribuição. Ora, não teria sentido a lei estender a elas uma presunção de culpa ilidível, permitindo que o trabalhador declarasse a resolução do contrato para depois o empregador demonstrar a falta de culpa, negando ao trabalhador os efeitos indemnizatórios da resolução.


Por tudo isto, podemos afirmar que, não se nos suscitando dúvidas sobre na interpretação da norma, a presunção em causa deve qualificar-se como uma presunção juris et de jure”.


E em parte alguma esse acórdão (fundamento) conclui que essa presunção pode ser afasta pela consideração do disposto no nº 4 do artº 394º do CT e/ou do nº 1 do artº 799º do Cod. Civil. O que se afirmou aí foi uma coisa completamente diferente: que em relação às retribuições vencidas há menos de 60 dias, considerando a data da resolução do contrato, o trabalhador beneficia da presunção de culpa (juris tantum) a que se refere o nº 1 do artº 799º do Código Civil, e que havendo culpa do empregador (presumida ou não), importa sempre aquilatar da gravidade do respectivo comportamento, por forma a justificar a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho- citado nº 4 do artº 394º do CT.


x


Decisão


Pelo exposto, acorda-se em indeferir a admissão da revista excepcional, interposta pelo Autor / recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 08/03/2023


Ramalho Pinto (Relator)


Mário Belo Morgado


Júlio Vieira Gomes





Sumário (elaborado pelo Relator).