Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
325/20.9PLSNT.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
AGRAVAÇÃO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
PROFESSOR
RELAÇÃO DE EMPREGO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
REPARAÇÃO OFICIOSA DA VÍTIMA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Tendo-se o arguido limitado a impugnar no seu recurso a medida da pena, não fica o Supremo dispensado de sindicar também o enquadramento jurídico dos factos efectuado no acórdão recorrido, quer quanto ao tipo de crimes, quer quanto ao número de crimes efectivamente cometidos pelo arguido, pois a decisão sobre o tipo legal e sobre o número de crimes é pressuposto e condição da aplicação da pena que cumpre sindicar a pedido do recorrente.

II. O Supremo deve conhecer oficiosamente do erro de subsunção e redefinir a moldura abstracta a considerar correctamente na sindicância da pena aplicada, aditando tal matéria ao objecto do recurso.

III. A relação professor-aluno ou explicador-explicando não configura factualmente o elemento típico agravante “a vítima encontrar-se numa relação de dependência de trabalho do agente”, previsto no  art. 177.º, n.º 1, al b), do CP.

IV. A alínea em causa preceitua  que as penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º do CP são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima se encontrar numa relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação.

V. As situações de especial relação ou ligação entre o agente e a vítima encontram-se expressamente previstas em termos completos e exaustivos, e as relações de trabalho são as “relações típicas no mundo laboral e empresarial”, ou seja, as que se estabelecem entre empregador e empregado, entre patrão e trabalhador, nada tendo que ver com as que se estabelecem no ensino, entre professor e aluno.

VI. Embora nesta se possa também descortinar a mesma ideia de “relação não horizontal”, comum a todos os tipos de relação previstos na norma em causa, a relação professor-aluno ou explicador-explicando não configura relação de dependência de trabalho, desde logo porque na relação de trabalho se trata de uma relação de dependência em que é a vítima que se encontra numa relação de dependência de trabalho do agente.

VII. Sendo  a enumeração das situações de relação típicas à luz da al. b) exaustiva, os princípios da legalidade e da tipicidade constitucionalmente consagrados em matéria penal (art. 29.º, nºs 1 e 2 da CRP) vedam o enquadramento da relação sub judice na agravante em causa, o que, a suceder, configuraria analogia, proibida em direito penal.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. Relatório

No Processo Comum Colectivo n.º 325/20…, do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz …, foi proferido acórdão absolvendo e condenando o arguido AA nos seguintes termos:

“1. Absolve o arguido AA da prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido à data dos factos pelo artigo 171.º, n.º 3, do Código Penal, e na presente data pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea b), e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal;

2. Absolve o arguido AA da prática, em autoria material, de dezasseis crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos à data dos factos pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), em conjugação com o artigo 170.º do Código Penal e na presente data pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), em conjugação com o artigo 170.º, e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal;

3. Absolve o arguido AA da prática, em autoria material, de cento e doze crimes de importunação sexual, previstos e punidos à data dos factos e na presente data pelo artigo 170.º do Código Penal;

4. Absolve o arguido da prática, em autoria material, de dois crimes de coação sexual, previstos e punidos à data dos factos pelo artigo 163.º, n.º 2, do Código Penal, e na presente data pelo artigo 163.º, n.º 1, do Código Penal;

5. Considerando não preenchida a circunstância agravante prevista no artigo 177º, nº 1 c) do Código Penal, condena o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, (cometido sobre a pessoa de BB), previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, na pena parcial de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

6. Considerando não preenchida a circunstância agravante prevista no artigo 177º, nº 1 c) do Código Penal, condena o arguido pela prática dum crime de abuso sexual de crianças, (sobre a pessoa de BB), previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 3 b), do Código Penal, na pena parcial de 1 (um) ano de prisão.

7. Considerando não preenchida a circunstância agravante prevista no artigo 177º, nº 1 c) do Código Penal, condena o arguido por um crime de abuso sexual de crianças, (sobre a pessoa de BB), previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea a), em conjugação com o artigo 170.º, ambos do Código Penal, na pena parcial de 9 (nove) meses de prisão;

8. Condena o arguido pela prática, em autoria material e em concurso real e efetivo, de 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, (sobre a pessoa de CC), previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, em cinco penas parciais de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

9. Condena o arguido pela prática, em autoria material e em concurso real e efetivo, de 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, (sobre a pessoa de DD), previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, em cinco penas parciais de 4 (quatro) anos de prisão;

10. Condena o arguido, por cada um dos crimes descritos em 8. e 9, em pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no artigo 69º B do Código Penal, por um período de 5 (cinco) anos.

11. De acordo com as regras de punição previstas nos artigos 77º e 78º do Código Penal, condena o arguido AA:

- pela prática dos crimes enunciados de 5. a 9., na pena única de 10 (dez) anos de prisão;

- pela prática dos crimes enunciados em 8. e 9. na pena acessória única de 15 (quinze) anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores.

12. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 16.º, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro e 67º-A e 82.º-A, do Código de Processo Penal, decide condenar o arguido AA a pagar, a título de montantes compensatórios € 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros) ao ofendido BB, € 10 000,00 (dez mil euros) ao ofendido CC e € 10 000,00 (dez mil euros) ao ofendido DD;”

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:

“1º Na prolação do acórdão recorrido, o douto Tribunal a quo, ao não ponderar todo o supra exposto, violou os artigos 40º e 71º do C.P.

2º O Douto Tribunal a quo errou, por excesso, na medida das penas parciais aplicadas.

3º Não questionando a sua condenação pela prática dos factos julgados provados, nem o respectivo enquadramento jurídico, o Recorrente faz notar que as penas parcelares, assim como a pena única, se revelam desproporcionais, excessivas e injustas

4º O douto Tribunal a quo, ao determinar tais penas, fez relevar em demasia critérios que prejudicam o Recorrente ao mesmo passo que não valorizou circunstâncias que o podem e devem beneficiar.

5º Desde já, e em relação a todas as penas aplicadas o acórdão recorrido não valorizou na medida devida o facto provado “44. O Arguido tem consciência do mal que provocou.”.

6º Igualmente não levou em conta o facto provado “68. O arguido vem sendo, no interior do estabelecimento prisional, acompanhado em consultas de Psicologia no âmbito da sexualidade, tendo iniciado o acompanhamento por iniciativa própria.”.

7º Factos estes que revelam a auto censura que o Recorrente faz recair sobre as suas acções e demonstram vontade em corrigir e adequar o seu comportamento o que, não sendo comum nos agentes deste tipo de ilícitos, deve ser valorizado.

EM RELAÇÃO A BB

8º O Douto Tribunal a quo não levou em conta que BB não mostra quaisquer danos derivados das acções do Recorrente, o que poderá ser explicado por força da idade que aquele tinha à data em que os factos foram praticados – 13 anos a escassas semanas de completar 14.

9º Nem considerou o hiato temporal de quase 9 anos entre os factos e a Acusação Pública e condenação que apenas se deram, não por queixa do BB, mas por denúncia da Assistente, que não é familiar nem com ele se relaciona ou conhece.

Da pena parcial aplicada aos Factos Provados 1 a 6 - 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime p. e p. no artigo 171.º, n.º 1

10º Também não pesou devidamente a confissão total e sem reserva dos factos que nesta parte lhe eram imputados e foram confirmados por BB;

11º Factos esses que, sendo graves, não passaram de uma rápida e súbita carícia no órgão sexual feita por cima da roupa, conforme provado no facto 5. “Já nas escadas da piscina, o arguido sentou-se, sentou BB no seu colo e acariciou-lhe o pénis por cima dos calções.” e 6. “Ato contínuo, BB pediu-lhe que parasse e o arguido largou-o “.

12º Para além de excessiva e desproporcional esta pena revela-se também injusta, face a múltiplas decisões tomadas em casos similares.

13º É o exemplo do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa emitido em 10-09-2020 no processo 948/18.6T9LSB.L1-9, disponível na DGSI.PT, que, ao arguido que não confessou e recusa tratamento por comprovadamente se ter deitado com uma menor de 12 anos, lhe ter apalpado as mamas e, mais tarde nessa noite, lhe ter lambido a vagina…

14º Confirmou uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime p. e p. pelo artigo 171º, nº1, do CP. e outra de 3 ( três ) anos de prisão.

15º Tudo considerado parece assim que a pena imposta ao Recorrente deve ser revista, aproximando-se do mínimo legal, mas sempre abaixo do ano e meio de prisão.

Da pena parcial aplicada aos Factos Provados 7 e 8 – 1 ano de prisão pelo crime p. e p. no artigo 171.º, n.º 3 alínea b)

16º Porque exibida de forma mediata e pela sua própria natureza, o envio de uma fotografia de gotas de sémen com a legenda "tens sede toma lá proteína", parcamente ofende a liberdade de auto determinação sexual de um jovem prestes a completar 14 anos de idade.

17º O arguido confessou o facto, o que o tribunal a quo apenas considerou como um juízo de auto censura moderado, quando o Recorrente, como supra referido, se recrimina em pleno por todos os factos cometidos.

18º O Tipo de ilícito “ Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos;" abarca uma enorme multiplicidade de acções e, objectivamente, a conduta do arguido sendo grosseira e ordinária está muito distante das mais graves que, cabendo dentro da previsão do artigo pelo qual o Recorrente foi condenado, podem ser cometidas.

19º É o que nos dá conta o Acórdão emitido em 07-10-2020 no processo 411/18.5JAPDL-3, disponível na DGSI.PT onde se relata o caso de um Pai/Arguido que (entre outros factos criminosos) sentou a própria filha no colo e, apertando-a, colocou uma cassete no respetivo leitor e passou um filme onde se viam relações sexuais entre duas mulheres e um homem; tendo a menor lhe dito que não queria ver aquele vídeo, e o arguido obrigado a criança a continuar a ver...

20º Apesar de não ter confessado os factos nem ter revelado qualquer capacidade de autocensura, ou arrependimento, o que revela a não interiorização da gravidade e censurabilidade das suas condutas;

21º Este arguido foi condenado (parcialmente) na pena de um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime p. e p. pelos artigos 171.º, nº 1, nº 3, alínea b) e artigo 177.º, nº 1, alínea a) do Código Penal, no que foi confirmado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

22º De maneira que a pena de um ano aplicada ao Recorrente se revela desproporcional, excessiva e injusta, devendo por isso ser reduzida ao seu mínimo legal.

Da pena parcial aplicada aos Factos Provados 9 a 14 - 9 (nove) meses de prisão pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea a), em conjugação com o artigo 170.º

23º Ficou provado que o Recorrente e BB, nos três meses ou semanas anteriores a este completar 14 de idade, comunicavam entre si, via Skype, por iniciativa ora de um, ora de outro para jogarem Minecraft e para conversarem.

24º Numa dessas vídeo chamadas o Recorrente, apesar do BB lhe ter dito que não queria, partilhou no ecrã o filme que estava a ver, que retratava sexo entre adultos e masturbou-se à vista daquele.

25º Entendemos que, para além dos critérios utilizados no douto acórdão sob escrutínio para fixar a pena, ficou por levar em conta a supra referida idade do jovem BB e o facto do ilícito ter sido cometido de forma mediata, através de vídeo chamada.

26º Factores que, diminuindo a gravidade dos factos devem, também, diminuir a medida da pena.

EM RELAÇÃO A CC

27º O Recorrente deu explicações a CC durante aproximadamente 9 meses;

28º Ficou provado que, durante esse período, por 5 vezes aquele colocou a mão dentro das calças do Menor e acariciou-lhe o pénis dizendo-lhe que não fazia mal nenhum.

29º Este dizia que não gostava e que não queria, e o Recorrente parou.

30º O acordão sub Júdice parece não se ter apercebido da verdadeira dimensão do que o Arguido fez.

31º Tratou-se de um toque, rápido e fugaz, lançado de modo experimental e hesitante e que cessou de imediato, porque de imediato o CC disse que não queria e assim o Recorrente quebrou o contacto com o corpo deste.

32º Ora, a celeridade e ligeireza com que o Recorrente agiu, coloca-o no limiar daquela tipicidade, algo que a pena aplicada não reflecte, situando-se muito próximo do meio da moldura penal.

33º Acresce que o Recorrente confessou todos os factos provados, como se percebe por análise da fundamentação a folhas 12 do douto acórdão a quo.

34º Contudo, o aresto agora em crise afirma que a confissão foi parcial mas, se arguido e vítima relatam os mesmos factos, não será pelo caso de a acusação pública ter relatado outras ocorrências não verificadas, que a confissão do primeiro deve ter menor valor.

35º Mas parece que foi o que aconteceu; o que deve ser reparado, diminuindo-se a medida da pena.

36º Mesmo porque, lendo a Jurisprudência disponível sobre este tipo de ilícito, encontramos o Acórdão proferido em 09-01-2020, pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 499/15.0T9SXL.L1-9, disponível na DGSI.PT.

37º Aí, ficamos a conhecer o caso de um Arguido/Avô que, aproveitando o facto de se encontrar a sós na sua residência com a sua neta de 7/8 anos, em três ocasiões distintas lhe baixou as cuecas e roçou o seu pénis erecto na região vulvar daquela, causando-lhe dor e perturbação permanente.

38º Este arguido negou os factos provados e apresentou falta de auto-crítica sobre os seus comportamentos faltosos.

39º Em primeira Instância foi condenado pelos arts.171 nº 1 e art. 177° nº 1 alínea a), do C.P. , na pena de 3 anos e 4 meses por cada crime.

40º O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou estas penas. Menores que as aplicadas ao aqui Recorrente, o que se clama injusto e pede reparação.

EM RELAÇÃO A DD

41º Em outubro de 2019, DD tinha 9 anos de idade e, na garagem da sua casa, começou a ter explicações com o Recorrente.

42º Entre janeiro e fevereiro de 2020, o Recorrente fez cócegas a DD e, ato contínuo, colocou a mão dentro das calças deste, apalpou-lhe as nádegas e agarrou no seu pénis com a mão, o que se repetiu pelo menos por três vezes em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre janeiro e fevereiro de 2020. Nestas circunstâncias, o menor pedia ao arguido para parar e este parava por instantes.

43º No dia ... de março de 2020, o recorrente colocou a mão dentro das calças de DD e mexeu no pénis e nádegas do mesmo e deu, pelo menos, dois beijos na boca de DD, colocando a sua língua dentro da boca da criança.

44º O Recorrente, apesar de não admitir todos os factos provados, confessa a maior parte deles.

45º Precisamente a parte mais grave, o que apesar de ser referido na fundamentação não parece ter sido merecedor da importância devida no momento de determinar a medida da pena.

46º o Acordão sub júdice peca no enquadramento da gravidade das acções do arguido por referência àquelas que o tipo de crime abarca.

47º De facto, o douto Tribunal a quo condenou o Recorrente numa pena muito próxima do meio da pena aplicável, o que se revela excessivo e desproporcional.

48º E Injusto.

49º Vejamos assim a decisão que o mesmo Juiz … do Tribunal Central Criminal .... proferiu no processo 304/18.6PDSNT.L1-5, disponível na DGSI.PT, e sobre o qual o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, se pronunciou.

50º Os factos provados foram: 21. O arguido sabia que a LS era menor e que a mesma, à data dos factos, tinha 11 anos de idade. 3. O arguido era amigo do pai da LS . 8. Até ao dia ... de novembro de 2018, o arguido encontrou-se sozinho pelo menos uma vez por semana com a menor. 11. Em datas não concretamente apuradas, entre maio de 2018 e o dia 2 de novembro de 2018, com uma frequência pelo menos semanal, quando a LS regressava da escola e aproveitando-se do facto de se encontrar sozinho com a menor, na referida residência, o arguido chamava-a até à sala. 12. Em seguida, o arguido abria a braguilha das calças que envergava, retirava o pénis e, com o mesmo ereto, agarrava na cabeça da LS , introduzindo-o na boca da menor, a quem dizia para efetuar movimentos de sucção. 13. A menor fazia esses movimentos de sucção e, decorrido algum tempo, o arguido ejaculava no interior da boca daquela. 14. Após ejacular o arguido, em tom sério, dizia à menor que “se contasse a alguém que a matava”, o que causava medo na LS. 15. Por diversas vezes, nesse período e naquela habitação, e com a mesma frequência semanal, o arguido beijou a menor na boca. 16. Num número não apurado de vezes, nessas mesmas ocasiões, o arguido retirou a roupa que a menor envergava e, com o pénis ereto, introduzia o mesmo no interior do ânus desta, causando-lhe dor. 17. No dia ... de novembro de 2018, cerca das 19h00, o arguido estava na residência da LS. 18. Nessa ocasião, o arguido, aproveitando-se do facto de se encontrar sozinho com ela, disse-lhe para entrar no quarto dela, de onde a menor estava a sair, o que ela fez. 19. No quarto, o arguido abriu a braguilha das calças que envergava, retirou o pénis e, com o mesmo ereto, agarrou na cabeça da menor e introduziu o mesmo na boca desta, dizendo-lhe para ela efetuar movimentos de sucção, o que ela fez, não tendo o arguido ejaculado porquanto a mãe da menor entrou em casa. 20. Nas ocasiões acima descritas, o arguido nunca utilizou preservativo. E onde consta ainda da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto: Ora, apesar do arguido negar os factos, avançando com uma explicação alternativa dos mesmos, resumida à teoria de que MCB , a mãe da menor, orquestrou a versão desta para se vingar por ele não pretender manter o relacionamento sexual que os tinha ligado, o certo é que nada corrobora a sua alegação.

51º Neste caso, o mesmo Tribunal agora a quo condenou o Arguido pela prática de 16 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão cada um.

52º O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a pena aplicada.

53º É difícil compreender que o Arguido que confessa ter apalpado um menor seja punido praticamente com a mesma pena que aquele que nega ter sodomizado e ejaculado na boca de uma criança.

54º Ainda mais quando ambas as decisões são proferidas pelo mesmo Tribunal.

55º É evidente que a gravidade dos factos e das consequências são de calibre diferente e parece óbvio que a pena parcial aplicada ao agora recorrente é tremendamente excessiva.

56º O Douto acórdão a quo faz uso dos escritos do Juiz Conselheiro Dr. José Souto de Moura in “A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena”:

“Mas o mesmo art.º 71º estabelece como parâmetro da medida da pena as exigências de prevenção.

Vem-se entendendo, então, que dentro da moldura penal prevista na lei se encontrará uma sub moldura adequada ao caso e aferida pelas necessidades de prevenção geral positiva.

O limite inferior dessa sub moldura corresponderá então ao mínimo de pena suportável pela comunidade, em face do facto, e o limite superior à medida óptima de defesa dos bens jurídicos violados com aquele crime.

Dentro desta sub moldura, configurada pelas exigências de prevenção geral de integração haverá que encontrar então, um “quantum” certo de pena, ditado pelas necessidades de prevenção especial.“

57º Contudo não procedeu de maneira que a referida sub-moldura se apoiasse nos factos concretamente em juízo de forma a que, como se disse no Ac. do Tribunal da Relação de Évora no processo 48/08.7PESTB.E2, disponível na DGSI.PT: “1. Na determinação da medida da pena as considerações que possam fazer-se sobre a personalidade do arguido devem cingir-se à sua personalidade revelada no facto, de modo a que seja punido “pelo que fez” e, não, “pelo que é”.”

58º E, ainda segundo o Juiz Conselheiro Dr. José Souto de Moura (na obra citada): “É evidente que a tradução numérica do grau de culpa se socorre das referências, também numéricas, do mínimo e máximo de pena previstos na moldura legal.” E que “Para quem esteja a ser julgado pela prática de um crime, constitui uma garantia fundamental o tratamento próprio, que a especificidade do seu caso reclama. Mas também constitui uma evidência que, em muitas situações, as variáveis a ponderar se repetem. E então, é possível chegar a resultados parecidos em matéria de medida da pena, os quais, podem ser lidos como “bitolas” da jurisprudência do S.T.J. para certo tipo de casos.”

59º Bem sabemos que a aplicação do Direito não é compatível com tabelas ou índices, mas, é reconhecida (e até exigida) a necessidade de uma certa harmonia no tratamento de situações semelhantes.

60º Harmonia essa que possa afirmar a unidade do sistema jurídico e afastar qualquer ideia de arbitrariedade ou de acaso.

61º Por isso, o Recorrente, tendo confessado e procurando a sua correcção, clama por uma decisão Proporcional àquilo que fez e que seja Justa em face das decisões supra identificadas.

DA REFORMULAÇÃO DO CÚMULO JURÍDICO

62º Pretende o Recorrente a revisão, em baixa, da medida das penas parcelares e a consequente reformulação do cúmulo jurídico.

63º O concurso de crimes é punido pelas regras do art. 77º do C.P., e, como diz a conhecida citação de FIGUEIREDO DIAS: «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.»

64º Contudo, o acórdão recorrido parece ter adoptado um procedimento baseado no princípio da exasperação ou agravação, que o Juiz Conselheiro António Artur Rodrigues da Costa in “O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ” critica assim:

“Por outro lado, também se faz praticamente tábua rasa das características da personalidade do agente, em termos de revelar ou não tendência para a prática de crimes ou de determinado tipo de crime, devendo a pena única reflectir essa diferença em termos substanciais. Ainda que a fórmula possa fornecer um mínimo, um máximo e uma média, a variação entre eles é muito pequena (para não dizer diminuta) e, para além disso, os dados fornecidos são sempre produto de um cálculo matemático, incompatível com a avaliação complexa da personalidade de um determinado agente.”

65º Seguindo nesta linha, pensamos que no cúmulo jurídico, a fim de se compreender a sua personalidade se devem ter em conta os seguintes factos provados em relação ao Recorrente:

48. O seu percurso escolar teve início em idade regular, revelando motivação e empenho para investir na sua formação, tendo obtido uma licenciatura em ……. no ……, em 2001.

49. Paralelamente aos estudos, o arguido já teria iniciado o percurso laboral no ano 2000 como consultor de informática na empresa “A.……” onde laborou seis meses.

50. Objetivando trabalhar na sua área de formação, inseriu-se numa outra empresa como perito ............. onde permaneceu até 2005.

51. Trabalhou, ainda, no regime de recibos verdes até 2011, vindo, posteriormente, a empreender, juntamente com um primo, uma empresa ........ (............), atividade que manteve até ser preso.

55. Salienta que convivia com um grupo de pares de muito restrito e essencialmente no âmbito profissional, sem conotações a comportamentos desajustados, até porque os pais foram exigentes no cumprimento de regras.

65. O arguido era bem considerado no seu meio profissional e no seio dos seus amigos.

69. O arguido não tem qualquer condenação averbada no seu registo criminal.

Destacamos ainda os seguintes factos provados:

61. Paralelamente à atividade profissional, o arguido dava, como já o fazia há 20 anos, explicações ............, tendo aberto um centro de estudos.

62. Iniciou tal atividade de explicações em centros de explicações sitos em ... e ... e, nos anos mais recentes, na sede da empresa supra referida.

64. Era através do “passa a palavra” que os alunos tomavam conhecimento das suas explicações.

66º Temos assim por demonstrado que o Recorrente, tendo trabalhado com jovens ao longo de duas décadas nunca cometeu qualquer acto da natureza que agora se julga.

67º Não esquecendo a particularidade que os actos cometidos sobre BB foram-no há quase uma década e a escassas semanas de, por força da idade deste, deixarem de ser crime.

68º Provado ficou ainda que o Recorrente 20. Era amigo de FF, pai de CC e de DD.

43. Foi FF que pediu ao arguido para que este apoiasse os seus filhos na disciplina ............ e que, a partir de certa altura, o passasse a fazer na garagem da sua casa.

63. Mais raramente, o arguido dava explicações fora da sede da empresa e a faixas etárias inferiores à correspondente ao sétimo ano de escolaridade.

69º O que o recorrente aqui pretende evidenciar é que não procurou as vítimas, não as perseguiu nem criou as condições para estar junto delas. A sua presença junto dos menores tratou-se de um favor feito ao pai destes.

70º Bem sabe e assume o Recorrente que não recusou nem se afastou dos menores mas, ao contrário do que tantas vezes acontece neste tipo de criminalidade, não deu causa nem procurou as circunstâncias em que se deram os ilícitos.

71º E existe, tem de existir, uma diferença de grau entre aquele que persegue as suas vítimas e o outro que apenas agiu porque as mesmas fortuitamente se atravessaram no seu caminho.

72º Da mesma forma que existe uma diferença de grau entre o que o Recorrente fez; carícias e beijos “experimentais”, “roubados” num momento e aqueles comportamentos que forçam, magoam e ameaçam as vítimas.

73º Assim, o que os factos provados e o relatório social nos retratam é um indivíduo recatado e cumpridor que, colocado na situação dos autos cometeu os crimes que assume e para cuja motivação já pediu ajuda psicológica.

74º E são estes factos e personalidade que o Recorrente espera que sejam globalmente considerados na formulação do cúmulo e na fixação da pena única.

75º No espírito do Julgador deve também estar presente a prisão preventiva a que o Recorrente está sujeito desde 12 de Maio de 2020 e que tem dois efeitos: Por um lado mostra à sociedade que o Sistema de Justiça funciona em pleno assim que accionado. Por outro, faz sentir ao Recorrente a brutal realidade do meio prisional, assim o motivando para não voltar a incorrer em práticas criminosas, ao mesmo tempo que, afastando-o da sociedade, o vai castigando pelos seus actos.

76º Por tudo o exposto espera o Recorrente que as penas parcelares, revistas em baixa permitam a aplicação de uma pena única de prisão não superior a Cinco anos, ou caso assim não se considere, que a medida da pena se aproxime deste almejado limite.

77º É o que Recorrente tem por justo e adequado ao caso, assim como o Ministério Público, cujo douto Magistrado entre o minuto 06.30 e o minuto 6.52 alegou: Daí que, efectivamente, se me afigura, admite-se que em cúmulo jurídico a pena não deve andar muito nem para cima nem para baixo da moldura penal que é o limite para a eventual aplicação da suspensão da execução de pena. Pelo que, em consciência, por lealdade processual e por imposição constitucional deverá agora responder naquele preciso sentido. Pugnando pela redução das penas parcelares e da pena única.

DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO

78º De tudo o que vem exposto, e a verificar-se o requisito formal de ao Recorrente ser aplicada uma pena única não superior a Cinco anos, acreditamos que este fornece ao Tribunal as razões que permitem sobre ele formular um juízo de prognose favorável.

79º Porque os factos cometidos sobre BB aconteceram há mais de Nove anos e, atenta a idade do jovem, no limite temporal do ilícito.

80º Em relação a CC e DD, considerando todas as acções enquadráveis na previsão penal do crime de abuso sexual de criança, os factos cometidos apresentam uma gravidade de grau menor.

81º O Recorrente não tem antecedentes criminais, é bem visto sócio e profissionalmente e tem apoio familiar.

82º Por tudo o supra exposto já temos que o Recorrente revela uma personalidade recatada e respeitadora do direito; personalidade essa que o levou a assumir e confessar os factos e a procurar ajuda psicológica.

83º E esse tipo de personalidade e percurso de vida levam a crer que a Prisão Preventiva a que se encontra sujeito e que lhe trouxe a privação da liberdade, a experiência das instalações e condições prisionais e a submissão aos outros reclusos são realidades que o aterrorizam.

84º De maneira que, se confrontado com algo que se assemelhe a uma remota possibilidade de lhe causar o regresso a um Estabelecimento Prisional, o Recorrente de imediato se afastará de tal coisa.

85º Assim, considerados todos os factos e as circunstâncias em que deram, a confissão prestada, a prisão preventiva aplicada, o modus vivendi e a motivação que o Recorrente demonstra em se corrigir, parece forçoso concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

86º Ademais, a Pena Suspensa é uma verdadeira pena e, in casu deverá ser sujeita a regime prova e obrigação de cumprimento de deveres.

Como disse o Digníssimo Sr. Procurador, a partir do minuto 08.30 até ao minuto 9.19:

... mas se o tribunal se decidir pelos cinco anos nesse caso afigura-se que deverá ser mesmo assim prisão efectiva e no caso de o tribunal preferir arbitrar uma oportunidade ao arguido de qualquer modo tem que ser sujeito a regime de prova muito apertado e sujeito a uma condição pecuniária e esse regime apertado deverá passar por um acompanhamento na área de facto que tem a ver com este... tipo de crimes de natureza sexual para que de facto o arguido não volte a praticar mais este tipo de crimes.

87º Pois é isso que o Recorrente procura; um acompanhamento especializado e intensivo na área sexual. Especialidade e Intensidade essa que dificilmente serão providenciadas pelos serviços do Estabelecimento Prisional; que se reduzem a pouco mais do que os serviços mínimos.

88º Diz assim Figueiredo Dias:

““o que está aqui em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda. O tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco – fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade.”6


Estamos certos de que o Recorrente oferece todas as indicações que, se for merecedor dessa esperança, não desapontará o Tribunal nem a Sociedade.

DA REVOGAÇÃO OU REVISÃO DO MONTANTE DA QUANTIA ARBITRADA A TÍTULO DE REPARAÇÃO DOS DANOS SOFRIDOS

89º Em matéria de compensação às vítimas o caso sub judice tem como ponto de partida o artigo 16º da Lei n.º 130/2015 – Estatuto da Vítima – cujo conteúdo e alcance (no que aqui interessa) é idêntico ao do artigo 21º da Lei n.º 112/2009.

Artigo esse que parece não levantar duvidas na Jurisprudência que: Tratando-se de uma fixação oficiosa de indemnização por parte do tribunal, não dependente de prévio pedido deduzido pela ofendida, sempre estará tal indemnização sujeita a critérios de equidade e conformada pelos factos constantes da acusação, em relação aos quais incide a produção de prova na audiência de discussão e julgamento.

90º É o que ficou decidido nos Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, emitido em 09-10-2018 no processo 853/15.8PJLSB.L1-5, disponível na DGSI.PT e o Ac. do Tribunal da Relação de Évora emitido, em 21-04-2015 no processo 65/11.0GEALR.E1, disponível na DGSI.PT.

91º Foi sobre esses factos – os constantes da acusação – que dados a conhecer ao Recorrente, o contraditório foi exercido. Assim como a totalidade da defesa, claro está.

92º Dá-se que na Acusação Pública não são indicados quaisquer danos patrimoniais ou não patrimoniais sofridos pelas vítimas. Durante o julgamento nenhum facto foi aditado e, consequentemente, nenhum dano foi provado.

93º Daí que na fundamentação da compensação, em matéria de prejuízos, o acórdão recorrido apenas refira quanto a CC e DD “visto o presumível sofrimento de cada uma das vítimas e as potenciais consequências”. Quanto a danos sofridos por BB nada refere.

94º Contudo, mesmo se tratando de um arbitramento e não de uma verdadeira indemnização, aquele valor deve ser encontrado à luz dos reais danos efectivamente causados pela acção do Recorrente e não por recurso aos danos imaginados ou presumidos pelo Julgador.

95º Bem ou mal, o que letra da Lei impõe é a “reparação pelos prejuízos sofridos” o que significa que sem prejuízos não haverá reparação.

96º Assim ficou violada a norma do artigo 82º-A do C.P.P. que deve ser interpretada no sentido que a reparação só é arbitrada se se provar que a vítima sofreu prejuízos.

97º Pensamos que é isso que Paulo Pinto de Albuquerque quer afirmar quando diz: As únicas condições de reparação oficiosa da vítima são, nestes casos, a prova de danos causados à vítima, a condenação do arguido pelo crime imputado e a não oposição da vítima à reparação.

98º Neste sentido e embora numa situação de Violência Doméstica, sumariou assim o Ac. do Tribunal da Relação do Porto emitido em 15-12-2016, no processo 192/15.4GBVFR.P1, disponível na DGSI.PT.

I - Á vítima do crime de violência doméstica é reconhecido o direito de obter uma decisão de indemnização havendo sempre lugar à aplicação do disposto no artº 82ºA do CPP.

II - Para que seja arbitrada tal indemnização é necessário que se verifiquem os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual e do dever de indemnizar.

E lê-se na sua fundamentação:

No entanto, daí não decorre a obrigatoriedade de se arbitrar uma indemnização a todo o custo. Será necessário que se verifiquem ainda os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual e do dever de indemnizar.

Se não houver dano, ou porque não há prejuízo patrimonial ou porque o prejuízo não patrimonial não tem expressão que justifique a tutela do direito, ou se a equidade ou a culpa do lesado determinarem a exclusão do direito, então o tribunal não arbitrará indemnização.

Seria a nosso ver absurdo que a lei obrigasse a indemnizar nessas situações em que os pressupostos da responsabilidade civil não estão preenchidos.

99º E assim, por não se observar o requisito legal de verificação de prejuízo sofrido, se requer a revogação parcial do douto acórdão recorrido absolvendo-se o Recorrente da condenação ao pagamento das quantias fixadas às vítimas ao abrigo do artigo 82º-A do C.P.P.


CONTUDO E SUBSIDIARIAMENTE

100º Por cautela de patrocínio devemos dizer que os factos provados: 37. Em todos os momentos supra descritos, o arguido, ao manter com BB (…) que os atos que praticou punham em causa o desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade e da autodeterminação sexual da vítima. 38. O arguido agiu pela forma referida, de forma a conseguir, como conseguiu, satisfazer os seus instintos libidinosos, ofendendo o pudor e a liberdade sexual de BB. 39. Em todos os momentos supra descritos, o arguido, ao tocar no corpo de CC e de DD (…) os atos que praticou punham em causa o desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade e da autodeterminação sexual das vítimas. São relativos ao dolo, dizem respeito à vontade e consciência do Recorrente e não à realidade da vítima e não podem por isso ser levados como danos não patrimoniais.

101º O acórdão agora em crise não tomou na devida conta a situação económica do Recorrente. A empresa de onde retirava o seu salário, porque dependia em absoluto do seu trabalho, encerrou actividade. A sua vontade e a sanção acessória em que foi condenado proíbem-no de dar explicações. Ou seja, não tem rendimentos e só a longo prazo os poderá vir a ter.

102º Por outro lado, o montante fixado é desproporcional aos danos supostos, excessivo face às consequências ficcionáveis e injusto perante casos comparáveis.

103º Assim o demonstra o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça emitido em 23-05-2019, no processo 134/17.2JAAVR.S1 disponível na DGSI.PT onde o Arguido que em 4 ocasiões distintas manteve relações de sexo vaginal, anal e oral com uma menor de 12 anos, foi condenado ao pagamento da quantia de Dez Mil Euros a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

104º Pelo exposto, e, repete-se por cautela de patrocínio, e por violação dos artigos 82º-A do C.P.P. e 496º e 494º do Código Civil requer o Recorrente que a quantia fixada a título de reparação seja reduzida ao montante adequado à prática jurisprudencial, à sua situação económica e à das vítimas e aos factos verificados.

Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de vossas excelências, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser o acórdão recorrido revogado

E, em consequência:

- ser reduzida a pena parcial aplicada a cada um dos crimes.

- ser o recorrente condenado numa pena única em medida não superior a cinco anos.

- ser a pena única suspensa na sua execução com imposição dos deveres, regras e regime de prova considerados adequados.

- ser o recorrente absolvido do pagamento das três quantias arbitradas a título de reparação em que foi condenado.

Ou, subsidiariamente,

- serem estas quantias reduzidas a valores adequados à situação económica das partes, à gravidade dos prejuízos e à prática jurisprudencial.”

O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:

“- As penas parcelares e a pena única em que o arguido foi condenado mostra-se adequada, ponderando as exigências de prevenção geral e especial, bem como a culpa;

- Inexiste qualquer violação do disposto nos artºs. 40º, nº 1, 70º e 71º, nºs. 1 e 2, do Código Penal.

Pelo exposto, deve o acórdão recorrido confirmar-se «in totum».”

A assistente respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:

“1. O Tribunal a quo condenou o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão, bem como na pena acessória única de 15 (quinze) anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contato regular com menores.

2. Com o recurso interposto o arguido pretende a redução das penas parcelares, com o objetivo de reduzir a pena única que lhe foi aplicada, a fim de possibilitar a suspensão da execução da pena de prisão. Para o efeito, fundamenta o seu recurso na comparação da decisão proferida ao caso concreto com decisões de outros processos com factos e circunstâncias alheias a este. Tal, não nos parece possível.

3. Até porque a moldura penal existe justamente para balizar por um limite máximo e, por vezes, por um limite mínimo, a pena aplicável a determinado crime.

4. Nos termos do que dispõe o nº 1 do artigo 40º, o artigo 70º e os nºs 1 e 2 do artigo 71º, todos do Código Penal, ao aplicar a pena ao caso concreto o Tribunal deve levar em conta as exigências de prevenção geral e especial e a medida da culpa do agente. E assim o fez!

5. Ao aplicar as penas parcelares, o Tribunal a quo sopesou a intensidade do dolo (direto), a data (antiguidade) e o período pelo qual os factos foram cometidos, a confissão parcial do arguido, a oposição (ou não) dos ofendidos, os danos causados às vítimas, sobretudo às crianças, e a primariedade e a integração social e profissional do arguido.

6. Quanto à confissão parcial do arguido, há que se observar que os factos por ele confessados foram, apenas, aqueles menos graves, sendo que os factos mais graves, nomeadamente os beijos na boca do menor DD, à época com apenas 9 anos, foram todos, por ele, negados.

7. Aliás, face a prova já existente relativa às declarações para memória futura de CC e DD, o arguido tinha plena consciência da sua provável condenação. Assim, com a confissão pretendia, apenas, tentar ‘diminuir o prejuízo’, com a tentativa inglória de suspender a execução da pena de prisão que lhe seria aplicada.

8. Mais: Em momento algum o arguido demonstrou arrependimento pelos factos ilícitos cometidos.

9. O Tribunal a quo, considerando a moldura penal abstrata, as exigências de prevenção geral e especial, bem como a culpa do agente, decidiu (e bem) aplicar ao arguido penas parcelares que correspondem a cerca de 1/3 ou 1/4 da moldura penal abstrata, sendo que, relativamente aos menores CC e DD, as penas parcelares são maiores em razão da agravante (conhecido da família, explicador), da parca idade de ambos (crianças), da veemente oposição dos irmãos aos atos praticados pelo arguido e sobretudo das consequências vitimológicas (após os factos, ambos estão a ser acompanhados por psicólogos).

10. Em suma, as penas parcelares aplicadas aos 13 (treze) crimes pelos quais o arguido foi condenado encontram-se amplamente justificadas, tendo sido sopesadas todas as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao caso concreto, não merecendo qualquer reparo.

11. Efetuado o cúmulo jurídico (concurso de penas), foi fixada a pena única de 10 (dez) anos de prisão e uma pena acessória única de 15 (quinze) anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contato regular com menores.

12. Na totalidade das penas parcelares, o arguido foi condenado em 41 anos e 9 meses de prisão e, nos termos do nº 2 do artigo 77º do Código Penal, para a fixação da pena única deve-se observar o limite mínimo de 4 (quatro) anos e o limite máximo de 25 (vinte e cinco) anos (nº 1 do artigo 41º do Código Penal).

13. Ora, a aplicação da pena única também está devidamente justificada no acórdão recorrido, tendo sido ponderadas todas as circunstâncias, favoráveis e desfavoráveis, ao arguido, não merecendo, na nossa modesta opinião, qualquer reparo.

14. Os crimes praticados pelo arguido são muito graves! O arguido procurou saciar os seus ‘desejos’ com meninos cada vez mais jovens – 13, 10 e 9 anos, aproveitando-se da proximidade com eles – o BB era seu vizinho e os irmãos EE eram seus alunos. Os mais novos (crianças) sempre demonstraram oposição aos atos praticados pelo arguido, no entanto, apenas a coragem do mais novo e a consequente prisão preventiva do arguido impediram de os factos continuarem e, eventualmente, tornarem-se ainda mais graves.

15. Importa referir, ainda, que o arguido, após ser questionado pelos 3 juízes do Tribunal Coletivo acerca do motivo pelo qual agia daquela forma e sobretudo porque, se reconhecia após cada ato que aquele comportamento não era correto, continuava a agir assim, respondeu simplesmente que não sabia, para depois acrescentar que não sabia “(…) que as coisas pudessem chegar a esse ponto.”, referindo-se à sua prisão.

16. Portanto, é muito provável que, caso não estivesse em prisão preventiva, o arguido estaria, neste momento, a ‘atacar outras presas’.

17. Se o arguido ainda não percebeu porque praticou aqueles factos e, muito embora tendo conhecimento da sua ilicitude, voltou a praticá-los por diversas vezes, não tem ele qualquer possibilidade de ser, neste momento, colocado em liberdade. Portanto, conceder ao arguido, após eventual redução da pena, o que só em tese se admite, o benefício da suspensão da execução da pena de prisão, será colocar um predador sexual, com preferência por jovens em tenra idade, no seio da comunidade, com o sentido de impunidade bastante apurado, possivelmente encorajador de novos ilícitos de cariz sexual. É um risco enorme!

18. Quanto às compensações, entendem-se que o montante de € 10.000,00 (dez mil euros) para cada um dos dois irmãos é justo e adequado, tendo em conta os danos causados, as condições económicas do arguido e as necessidades das vítimas, que, face aos abusos sofridos, estão a ser acompanhadas por uma psicóloga.

19. Há que se observar que os menores CC e DD sempre se lembrarão, quando este tema vier à tona (numa conversa, num filme e/ou numa notícia nos jornais), que também eles foram sexualmente abusados por quem tinha o dever de protegê-los. Assim, se pensarmos no futuro destes meninos, conclui-se que € 10.000,00 (dez mil euros) para cada um é, na verdade, muito pouco para dirimir os danos que lhe foram perpetuamente causados.

20. O arguido tem 46 anos e é ... . Tinha plena capacidade para facilmente perceber o mal que estava a causar àqueles meninos e evitar os seus mais repugnantes desejos e atos. Não o fez unicamente porque não quis!!! Razão pela qual tem de ser, como o foi, justa, adequada e exemplarmente punido!

21. Em suma: a avaliação conjunta da globalidade dos factos e da personalidade do arguido impõem, conforme, muito bem decidiu o Tribunal a quo, a aplicação da pena única de 10 anos de prisão, com a consequente pena acessória de 15 (quinze) anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contato regular com menores.

Por todo o anteriormente exposto, observando-se as exigências de prevenção geral e especial, bem como a culpa do arguido, a sentença recorrida deve ser mantida, confirmando-se in totum a decisão proferida.

EM SUMA:

I – Considerando-se as exigências de prevenção geral e especial, bem como a culpa do arguido, a sentença recorrida deve ser mantida, confirmando-se in totum a decisão proferida.

II – Termos em que e nos demais de Direito deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida, tudo com as legais consequências.”

Neste Tribunal, a  Sra. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, sufragando a confirmação do acórdão e referindo no essencial:

 “Apesar de não serem conhecidos antecedentes criminais ao recorrente AA, entende-se que os actos que praticou, entre os anos de 2012 e 2020, demonstram uma já acentuada e determinada resolução criminosa.

E, temos também elevadas exigências de prevenção geral, que se fazem sentir  relativamente a este tipo der criminalidade, e à frequência com que é cometido por todo o país.

Ora, entende-se que o acórdão recorrido atendeu ao disposto no art. 40° do Cod. Penal, que refere que a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa;

E, também atendeu ao disposto nos arts. 71º, nº 1, e 77º, nº 1, ambos do Cod. Penal, referindo o primeiro que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, e dentro dos limites definidos na lei, e o segundo que, na aplicação da pena única são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente;

E, também atendeu à protecção dos bens jurídicos que estavam em causa, e aos fins de prevenção geral e de especial, face a medida da culpa do recorrente AA.

E, aplicou penas parcelares que se revelam justas e adequadas, tendo em conta a personalidade do recorrente AA, a natureza dos crimes por si praticados (de elevada gravidade e alarme social), as circunstâncias que rodearam a sua prática, bem como as consequências que daí advieram.

E, invocando-se novamente o Ac. STJ de 13/03/2019, in Proc. nº 610/16.4JAAVR.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt., na fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente pelos factos individualmente considerados, e pelo respectivo conjunto, face à dimensão e à gravidade global do seu comportamento delituoso.

No caso, o acórdão recorrido ponderou devidamente a gravidade da totalidade dos factos praticados pelo recorrente AA, as finalidades da punição, face aos imperativos da prevenção geral e especial, pelo que não se afigura minimamente desproporcionada a pena única de 10 (dez) anos de prisão em que foi condenado, em cúmulo jurídico, face à moldura pena abstracta correspondente aos crimes em concurso [(entre 4 (quatro) e 25 (vinte e cinco) anos de prisão], não existindo fundamento para a aplicação de uma pena única coincidente ou mesmo próxima do limite mínimo desta moldura penal.

Concluindo, entende-se que nenhum dos argumentos invocados pelo recorrente AA deverá relevar para a diminuição da medida da pena única aplicada, não sendo viável a aplicação, por si pugnada, de uma pena até 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução, por não se mostrar preenchido o pressuposto material, enunciado no art. 50º, nº 1, do Cod. Penal, no sentido de considerar que a pena de substituição é adequada e suficiente para prevenir a reincidência.

Face ao exposto, somos de parecer que o recurso deve improceder, subscrevendo no demais, a resposta apresentada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância.”

A assistente respondeu ao parecer, acompanhando a posição neste expressa,  e teve lugar a conferência.


1.2. O acórdão recorrido, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor:

“II – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Discutida a causa, o Tribunal considera provados os seguintes factos, com relevância:

1. BB (doravante BB) nasceu em … de 1998 e contava, no Verão de 2012, 13 anos de idade.

2. O arguido AA era vizinho de BB, que vivia na ....

3. Em data não concretamente apurada, mas situada no Verão de 2012, o arguido e BB encontravam-se sozinhos na piscina da casa de BB, a brincar.

4. A dada altura, o arguido agarrou BB por trás, com os braços à volta do seu tronco, e puxou-o para as escadas da piscina.

5. Já nas escadas da piscina, o arguido sentou-se, sentou BB no seu colo e acariciou-lhe o pénis por cima dos calções.

6. Ato contínuo, BB pediu-lhe que parasse e o arguido largou-o.

7. Mais tarde, em data não concretamente apurada, mas nesse Verão de 2012, o arguido enviou a BB, por mensagem do seu telemóvel para o deste, fotografias onde eram visíveis vestígios de sémen num copo, acrescentando “Tens sede? Toma lá proteína”.

8. Mais pediu o arguido a BB que ejaculasse para um copo, fotografasse e lhe enviasse as fotografias, mas BB não o fez.

9. A partir do Verão de 2012 e até ... de outubro de 2015, data em que BB completou 17 anos, o arguido estabelecia videochamadas com BB através de Skype.

10. Numa dessas videochamadas, em data não concretamente determinada, mas pelo menos uma vez antes do BB perfazer 14 anos, o arguido começou a perguntar este se via filmes pornográficos, ao que o menor respondeu que não.

11. Mais lhe perguntou se BB queria ver filmes pornográficos, tendo este referido que não.

12. Ainda assim, o arguido partilhou no ecrã o filme que estava a ver, que retratava sexo entre adultos.

13. E disse ao menor que queria ver pornografia e que gostaria de se masturbar a ver um filme pornográfico, enquanto o partilhava no ecrã para BB visse o que estava a fazer e a ver.

14. Através de videochamada, o arguido mostrou o seu pénis, ao mesmo tempo que o manipulava, com movimentos ascendentes e descendentes.

15. Após o BB completar 14 anos o arguido atuou desta forma descrita de 10 a 14 pelo menos uma vez a cada três meses.

16. Entre o Verão de 2012 e o Verão de 2014, o arguido insistiu com BB para que este se masturbasse nas videochamadas que faziam.

17. Perante as suas recusas, disse que ninguém o queria e que se ia matar.

18. Pelo menos por duas vezes, BB acabou por ceder, mostrou-lhe o seu pénis e manipulou-o, com movimentos ascendentes e descendentes, nas videochamadas que fizeram.

19. O arguido dava explicações ............, numa loja sita em ..., a alunos que necessitassem de apoio ao estudo.

20. Era amigo de FF, pai de CC e de DD.

21. CC nasceu em ……… de 2008 e contava, em setembro de 2018, 10 anos de idade.

22. Por força de tal amizade, mas sem deixar de ser remunerado, CC começou, a partir de outubro de 2018 e às sextas-feiras, a ter explicações ............ com o arguido no supra referido local.

23. Em data não concretamente apurada mas no período compreendido entre outubro de 2018 e o final do ano letivo de 2018-2019, o arguido fez cócegas na barriga e no pescoço de CC.

24. Alguns dias depois, e no seguimento das cócegas que lhe fez, o arguido colocou a mão dentro das calças de CC, ao que este perguntou o que estava a fazer, e o arguido retorquiu, dizendo que não fazia mal nenhum.

25. CC disse ao arguido que não queria que lhe tocasse, ao que o arguido lhe perguntou porquê, tendo respondido que não gostava e que não queria, e o arguido parou.

26. O arguido repetiu, pelo menos por quatro vezes e no período de tempo supra referido, tal comportamento, colocando a mão dentro das calças de CC e mexendo-lhe no pénis.

27. CC disse-lhe sempre que não queria que ele lhe fizesse aquilo.

28. DD nasceu em ... de março de 2010 e contava, em outubro de 2019, 9 anos de idade.

29. Começou, após outubro de 2019 e com especial incidência às terças-feiras, a ter explicações ............ com o arguido na garagem da sua casa, sita na ......., …, em ....

30. Em data não apurada, mas situada entre janeiro e fevereiro de 2020, o arguido AA fez cócegas a DD e, ato contínuo, colocou a mão dentro das calças deste, apalpou-lhe as nádegas e agarrou no seu pénis com a mão.

31. O arguido repetiu, pelo menos por três vezes e em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre janeiro e fevereiro de 2020, os factos descritos em 30.

32. Nestas circunstâncias, o menor pedia ao arguido para parar e este parava por instantes.

33. No dia ... de março de 2020, o arguido colocou a mão dentro das calças de DD e mexeu no pénis e nádegas do mesmo.

34. Mais, o arguido deu, pelo menos, dois beijos na boca de DD, colocando a sua língua dentro da boca da criança.

35. O arguido ainda disse a DD “se quiseres estás à vontade para mexeres na minha pila”.

36. Em todos os momentos acima descritos, o arguido conhecia a idade das vítimas, compelindo-as a sofrer os seus intentos e ações, contra a vontade das mesmas, o que quis e conseguiu.

37. Em todos os momentos supra descritos, o arguido, ao manter com BB conversações de teor sexual, dirigindo-lhe as expressões acima descritas, ao exibir-lhe fotografias e imagens de conteúdo pornográfico e ao exibir-se a masturbar-se, bem como ao tocar no corpo da vítima e solicitar-lhe a prática dos atos descritos, fê-lo com o intuito concretizado de satisfazer os seus impulsos sexuais, tendo perfeita consciência da natureza das conversas e dos contactos que manteve com o mesmo e que a idade daquele não lhe permitiria autodeterminar-se sexualmente e que os atos que praticou punham em causa o desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade e da autodeterminação sexual da vítima.

38. O arguido agiu pela forma referida, de forma a conseguir, como conseguiu, satisfazer os seus instintos libidinosos, ofendendo o pudor e a liberdade sexual de BB.

39. Em todos os momentos supra descritos, o arguido, ao tocar no corpo de CC e de DD e ao solicitar-lhes que lhe tocassem, fê-lo com o intuito concretizado de satisfazer os seus impulsos sexuais, tendo perfeita consciência dos contactos que manteve com os mesmos e que a idade daqueles não lhes permitiria autodeterminarem-se sexualmente e que os atos que praticou punham em causa o desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade e da autodeterminação sexual das vítimas.

40. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Provou-se ainda:

41. Muitas das conversas via Skype que o Arguido manteve com BB foram iniciativa deste, que procurava o arguido para jogarem o jogo …… on line.

42. Muitas dessas ligações ocorriam sem que fossem mantidas conversas de cariz sexual.

43. Foi FF que pediu ao arguido para que este apoiasse os seus filhos na disciplina ............ e que, a partir de certa altura, o passasse a fazer na garagem da sua casa.

44. O arguido tem consciência do mal que provocou.

Mais se provou:

45. O arguido, de 46 anos de idade, é natural ……. e é o único filho de um casal de média condição socioeconómica em que o pai era ……. e a mãe……….

46. O pai desenvolvia a sua atividade profissional de forma regular não tendo sido relatadas dificuldades económicas.

47. Segundo o relato do arguido e da sua mãe, o seu processo de desenvolvimento decorreu num ambiente familiar funcional e equilibrado, pautado por sólida vinculação afetiva entre todos os seus membros.

48. O seu percurso escolar teve início em idade regular, revelando motivação e empenho para investir na sua formação, tendo obtido uma licenciatura ……. no ………, em 2001.

49. Paralelamente aos estudos, o arguido já teria iniciado o percurso laboral no ano 2000 como consultor de informática na empresa “A……” onde laborou seis meses.

50. Objetivando trabalhar na sua área de formação, inseriu-se numa outra empresa como perito ...... onde permaneceu até 2005.

51. Trabalhou, ainda, no regime de recibos verdes até 2011, vindo, posteriormente, a empreender, juntamente com um primo, uma empresa ....... (......), atividade que manteve até ser preso.

52. Paralelamente, dava explicações .....

53. No domínio amoroso, verbaliza relações de namoro de muito curta duração, relatando alguma dificuldade em criar ligações afetivas de cariz íntimo.

54. Nos seus tempos livres, dedicava-se à prática ......, nomeadamente ......, com o objetivo de manter um estilo de vida saudável.

55. Salienta que convivia com um grupo de pares de muito restrito e essencialmente no âmbito profissional, sem conotações a comportamentos desajustados, até porque os pais foram exigentes no cumprimento de regras.

56. No domínio da saúde, sofre ......, estando medicado.

57. À data dos factos, o arguido residia numa habitação adquirida com recurso a empréstimo bancário, juntamente com……, descrevendo uma relação familiar harmoniosa e de proximidade afetiva entre os diferentes elementos.

58. A sua situação prisional é vista pelos ascendentes com ansiedade, sendo descrentes quanto aos factos de que o arguido vem acusado, tendo este mostrado preocupação pelo sofrimento causado à família que decorre da sua reclusão.

59. No domínio laboral, mantinha a empresa que empreendeu juntamente com um primo, auferindo um salário que lhe permitia ter um nível de vida sem dificuldades financeiras.

60. A referida empresa veio, no entanto, a encerrar até porque dependia totalmente do trabalho do arguido que foi sujeito a prisão preventiva no âmbito dos presentes autos.

61. Paralelamente à atividade profissional, o arguido dava, como já o fazia há 20 anos, explicações ............, tendo aberto…….

62. Iniciou tal atividade de explicações em centros de explicações sitos em ... e ... e, nos anos mais recentes, na sede da empresa supra referida.

63. Mais raramente, o arguido dava explicações fora da sede da empresa e a faixas etárias inferiores à correspondente ao sétimo ano de escolaridade.

64. Era através do “passa a palavra” que os alunos tomavam conhecimento das suas explicações.

65. O arguido era bem considerado no seu meio profissional e no seio dos seus amigos.

66. Em meio prisional tem revelado adequada capacidade de integração e adaptação, estando alocado no setor……..

67. A nível familiar, verifica-se um impacto negativo pelo sofrimento causado aos pais que o têm apoiado material e afetivamente.

68. O arguido vem sendo, no interior do estabelecimento prisional, acompanhado em consultas de Psicologia no âmbito da sexualidade, tendo iniciado o acompanhamento por iniciativa própria.

69. O arguido não tem qualquer condenação averbada no seu registo criminal.

(…)

III – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL E MEDIDA DA PENA

Como se viu, ao arguido foi imputada a prática, em concurso real e efetivo, de:

- um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido à data dos factos pelo artigo 171.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal e na presente data pelos artigos 171.º, n.º 1, alínea c), e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal;

- Dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos à data dos factos pelo artigo 171.º, n.º 3, do Código Penal, e na presente data pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea b), e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal;

- Dezassete crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos à data dos factos pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), em conjugação com o artigo 170.º do Código Penal e na presente data pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), em conjugação com o artigo 170.º, e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal;

- Cento e doze crimes de importunação sexual, previstos e punidos à data dos factos e na presente data pelo artigo 170.º do Código Penal;

- Dois crimes de coação sexual, previstos e punidos à data dos factos pelo artigo 163.º, n.º 2, do Código Penal, e na presente data pelo artigo 163.º, n.º 1, do Código Penal;

- Cinco crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea b), e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal;

- Cinco crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, previstos e

punidos pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea b), e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal.


*


Dos crimes de abuso sexual de menores.

Na secção II do Capítulo V do Código Penal, do livro II, denominada de “crimes contra a autodeterminação sexual”, sob a epígrafe de “abuso sexual de crianças”, dispõe o artigo 171º, nº 1, na sua atual redação que “Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos”.

E prevê o nº 2 que “Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos”.

Na Secção III, preveem-se algumas circunstâncias que levam à “agravação” do tipo de crime, podendo ler-se no artigo 177º, nº 1, na redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 04 de setembro, entrada em vigor em 15 de setembro de 2007, que “As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:

a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou

b) Se encontrar numa relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação”.

A Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto, em vigor desde 23 de setembro de 2015, alterou a previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 177.º que passou a contemplar como circunstância agravante : “Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação”.

A Lei n.º 101/2019, de 06 de Setembro, em vigor desde 1 de outubro de 2019, veio prever uma terceira alínea (c)): (a vítima) “ For pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez”.

O artigo 171º, nº 3 do Código Penal, na redação prevista pela Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro, prevê que “Quem:

a) Importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º; ou

b) Actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos; é punido com pena de prisão até três anos”.

A Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto introduziu uma terceira alínea (c)) ao nº 3 do artigo 171º do Código Penal, prevendo como abuso sexual de criança a atividade daquele que “Aliciar menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais”.

A Lei n.º 59/2007, de 04 de setembro conferiu ao artigo 170.º, sob a epígrafe, “Importunação sexual”, a seguinte redação: “Quem importunar outra pessoa praticando perante ela actos de carácter exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

Posteriormente, a Lei n.º 83/2015, de 05 de agosto, que entrou em vigor em 4 de setembro de 2015, alargou o âmbito do artigo 170º do Código Penal, que passou a ter a seguinte redação “Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

Este crime de abuso sexual protege a sexualidade na fase de desenvolvimento da personalidade, estando tipicamente estruturado como um crime de perigo abstrato, que assenta na presunção legal de que os menores de 14 anos não têm capacidade de autodeterminação sexual e que, em virtude dessa incapacidade, a sua submissão a práticas sexuais, mesmo que obtidas sem força ou coação, prejudica o livre desenvolvimento da sua personalidade. Procura-se, pois, com esta tutela, garantir um desenvolvimento adequado da sexualidade.

O limite de 14 anos define, em vários diplomas, a fronteira entre a infância e a adolescência, dúvidas inexistindo que a idade dos dois irmãos CC e DD, no período descrito na douta acusação para a qual remete o despacho de pronúncia, fica aquém desta fronteira, sendo, pois, “crianças”.

E também BB, no que diz respeito aos factos a que foi sujeito até 17 de outubro de 2012, se enquadra neste conceito de “criança” (pontos 1 a 8 da acusação e a parte dos descritos de 9. a 16 que ficam aquém desta data de 17 de outubro de 2012).

Assim, o tipo objetivo consiste na prática mesmo que “consensual de ato sexual de relevo com criança (incluindo a cópula, o coito anal, o coito oral ou a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos), de “importunação sexual” de criança ou actuação sobre uma criança por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos” - cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 1ª edição, pág, 473 – e após 23 de setembro de 2015, o aliciamento para assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais.

O tipo subjetivo admite qualquer forma de dolo.

Realizando a subsunção da matéria assente ao direito, temos por assente que no Verão de 2012, quando BB tinha 12 anos, o arguido agarrou-o por trás, com os braços à volta do seu tronco, e puxou-o para as escadas da piscina. Aí, o arguido sentou BB no seu colo e acariciou-lhe o pénis por cima dos calções. Mais tarde, em data não concretamente apurada mas nesse mesmo Verão de 2012 (antes do menor perfazer 12 anos), o arguido enviou a BB, por mensagem do seu telemóvel para o deste, fotografias onde eram visíveis vestígios de sémen num copo, acrescentando “Tens sede? Toma lá proteína”.

E provou-se ainda (cfr. pontos 9. a 14. da matéria de facto assente) que, pelo menos uma vez, entre o Verão de 2012 e 17 de outubro desse ano, o arguido estabeleceu videochamadas com BB através de Skype e, numa dessas videochamadas, o arguido começou a perguntar a este se via filmes pornográficos, ao que o menor respondeu que não. Mais lhe perguntou se BB queria ver filmes pornográficos, tendo este referido que não. Ainda assim, o arguido partilhou no ecrã o filme que estava a ver, que retratava sexo entre adultos. E disse ao menor que queria ver pornografia e que gostaria de se masturbar a ver um filme pornográfico, enquanto o partilhava no ecrã para BB visse o que estava a fazer e a ver. Através de videochamada, o arguido mostrou o seu pénis, ao mesmo tempo que o manipulava, com movimentos ascendentes e descendentes.

Conforme se deu por assente em 23. a 27., em data não concretamente apurada, mas no período compreendido entre outubro de 2018 e o final do ano letivo de 2018-2019, (entre os 10 e os 11 anos de idade de CC) o arguido, no contexto das explicações ............ que lhe ministrava, fez cócegas na barriga e no pescoço deste. Alguns dias depois, e no seguimento das cócegas que lhe fez, o arguido colocou a mão dentro das calças de CC, ao que este perguntou o que estava a fazer, e o arguido retorquiu, dizendo que não fazia mal nenhum.

CC disse ao arguido que não queria que lhe tocasse, ao que o arguido lhe perguntou porquê, tendo respondido que não gostava e que não queria, e o arguido parou.

O arguido repetiu, pelo menos por quatro vezes e no período de tempo supra referido, tal comportamento, colocando a mão dentro das calças de CC e mexendo-lhe no pénis.

CC disse-lhe sempre que não queria que ele lhe fizesse aquilo.

E, conforme resulta assente de 28. a 35., DD, nascido em ... de Março de 2010, começou, a partir de outubro de 2019 e quando tinha 9 anos, a ter explicações ............ com o arguido na garagem da sua casa, sita na ...... …, …, em ....

Em data não apurada, mas situada entre outubro de 2019 e fevereiro de 2020, o arguido AA fez cócegas a DD e, ato contínuo, colocou a mão dentro das calças deste, apalpou-lhe as nádegas e agarrou no seu pénis com a mão.

O arguido repetiu, pelo menos por três vezes e em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre outubro de 2019 e fevereiro de 2020, esta atuação sobre o menor.

Nestas circunstâncias, o menor pedia ao arguido para parar e este parava por instantes.

E no dia ... de março de 2020, o arguido voltou a colocar a mão dentro das calças de DD e mexeu no pénis e nádegas do mesmo.

Mais, o arguido deu, pelo menos, dois beijos na boca de DD, colocando a sua língua dentro da boca da criança.

O arguido ainda disse a DD “se quiseres estás à vontade para mexeres na minha pila”.

O arguido, mesmo que não contasse com a oposição expressa do primeiro dos três menores, sujeitou os três a atos sexuais que integram a previsão do artigo 171º, nº 1 do Código Penal.

Para preenchimento do tipo objetivo de crime, e excluídos, no caso sub judice quaisquer dos atos sexuais previstos no nº 2 do artigo 171º do Código Penal, há que densificar o conceito de “acto sexual de relevo”. Este é “todo aquele (comportamento activo...) que, de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de autodeterminação sexual de quem a sofre ou pratica” (cfr. Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, I, pág. 447).

O preenchimento do conceito tem por limite negativo o princípio da subsidiariedade do direito penal que, como direito de “ultima ratio”, exige que apenas seja tutelada a liberdade sexual contra ações que revistam a mínima gravidade.

Ou seja, têm de estar em causa comportamentos, diretamente relacionados com a esfera da sexualidade e de intimidade sexual e que possam prejudicar, com essa conexão, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso.

O nº 1 do artigo 171º tem ainda como limite os comportamentos descritos no seu nº 3.

Ora, inexistem dúvidas de que o arguido, ao sentar BB no seu colo e ao acariciar-lhe o pénis por cima dos calções pratica, sobre o menor, que o suportou, ato sexual de relevo, previsto no nº 1 do artigo 171º do Código Penal.

Já ao exibir o copo com sémen a BB e ao perguntar ao menor se tinha sede e que lhe dava “proteína” e ao pedir para, também ele, ejacular para um copo (factos assentes em 7. e 8.), o arguido pratica atos previstos na alínea b) do artigo 171º, nº 3 do Código Penal, atuando sobre menor de 14 anos por meio de conversa, escrito e objeto pornográficos, porque inequivocamente relacionados com o ato sexual e com a ejaculação.

Ao atuar como descrito de 9. a 14, o arguido, para além de atuar, novamente, por meio de conversa pornográfica e ao exibir filme pornográfico, pratica, também atos “exibicionistas”.

Efetivamente, o arguido pratica, ele próprio, ato de natureza sexual, perante a presença da vítima, ainda que mediada pela videoconferência, masturbando-se em frente à câmara.

E mesmo que não seja claro que a vítima tenha expressado a sua falta de consentimento, atenta a sua idade, menor de 14 anos, sempre seria indiferente a existência, ou não, de constrangimento.

Assim, esta ação compromete o arguido com os elementos objetivos do tipo de crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º nº 3 a) do Código Penal.

Dúvidas inexistem, até pela heterogeneidade da conduta, sobre a renovação da intenção criminosa do arguido, tendo-se comprovado, além do mais, que bem sabia o arguido que tal conduta não lhe era permitida, mas ainda assim, quis livremente agir do modo descrito, praticando atos sexuais de revelo, bem como atuando por meio de conversas e escritos pornográficos e através de atos exibicionistas, com pessoa que bem sabia ser menor de 14 anos.

Assim, atua com dolo direto, porquanto dispõe o artº 14º, nº 1 do C.P. que “Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar”.

Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Pelo que o arguido não pode deixar de ser condenado, no que tange a BB, pela prática, em autoria material, e em concurso real e efetivo, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, pela prática dum crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 3 b), do Código Penal e, ainda, por um outro crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea a), em conjugação com o artigo 170.º, ambos do Código Penal.

Sem necessidade de mais considerandos, atenta a data da prática destes factos – antes de ... de outubro de 2019 – e sem necessidade de considerar se a toda a incriminação por um crime de abuso sexual de crianças – que tem por objeto vítimas de idade inferior a 14 anos e, assim, especialmente vulneráveis em razão da idade - se deverá sobrepor a circunstância agravante prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 177º do Código Penal, o certo é que esta não estava, à data, em vigor.

Pelo que, atendendo ao princípio geral de processo penal sintetizado pelo brocado latino “nulla poena sine crimen”, deve ser considerada não preenchida essa circunstância agravante e o arguido absolvido, no que diz respeito a BB, dos crimes de abuso sexual de crianças na forma agravada.

Quanto aos demais crimes de abuso sexual imputados ao arguido e que teriam por vítima este menor, constata-se que não se comprovou que o arguido tivesse, até ao limite temporal de 17 de outubro de 2012, data em que este perfez 14 anos, atuado noutras ocasiões para além das ora consideradas.

O que leva incontornavelmente a considerar que deve ser absolvido de 17 crimes de abuso sexual de crianças.

Também no que tange ao menor CC, a factualidade assente de 23. a 27. compromete-o por, pelo menos, cinco vezes, com um crime de abuso sexual de criança, previsto e punível pelo artigo 171º, nº 1 do Código Penal, já que todas as ações - comportamentos ativos - descritas têm conexão inequívoca e direta com a esfera da sexualidade. O arguido toca, nessas ocasiões, além do mais, na zona púbica e mesmo no sexo do menor, constrangendo-o a esse contato.

Estão, desta forma, preenchidos os elementos típicos objetivos do tipo de crime descrito no artigo 171º, n º 1 do Código Penal.

Tornava-se claro da acusação que o arguido não podia deixar de estar comprometido, com tantos os crimes quantas as vezes que repetiu esta conduta perante o menor.

Ou seja, pratica tantos os crimes quanto as resoluções criminosas e as vezes em que adota estas condutas.

Efetivamente, dita o artigo 30º, nº 1 do Código Penal: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.

Nos termos do nº 2, “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, salvaguardando o nº seguinte que “O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.

Este é um crime, como se viu, praticado contra bens pessoais, não sendo admissível a previsão de um crime continuado, mesmo que a ação do arguido, o que não se reconhece, sendo executada por forma essencialmente homogénea, ocorresse no quadro da “solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

Isto não quer dizer que, perante um obstáculo incontornável de quantificação de número de crimes, a jurisprudência não tenha contemplado a subsunção de vários atos sexuais praticados sobre o mesmo menor a um só crime.

Trata-se da solução do crime de trato sucessivo a que se reporta, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/06/2013, (disponível na internet no endereço www.dgsi.pt) no qual se lê: «A solução do crime de trato sucessivo serve também hipóteses de pluralidade de crimes mas cuja prática conforma uma “atividade”, prolongada no tempo, e em que se torna tarefa muito difícil, se não arbitrária, definir o concreto número de atos parcelares que a integram. No entanto, diferentemente do que é requerido para a afirmação da figura do crime continuado, não se verifica uma situação exterior que diminua sensivelmente a culpa do agente.»

O mesmo Supremo Tribunal de Justiça num seu acórdão de 13 de Junho de 2013 entende ainda que “Configura o trato sucessivo a existência de um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas e essa unidade de resolução, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal”.

Ou seja, a esta solução do crime de trato sucessivo serve as situações em que se torna uma tarefa quase arbitrária, definir o concreto número de atos parcelares que a consubstanciam.

Ainda que no caso dos autos essa tarefa seja muito difícil, não é arbitrária se desbastada a prova, esta aponte para um critério que nos fornece um número mínimo de atos parcelares que integram a conduta do arguido.

E a própria acusação imputava ao arguido a repetição, em pelo menos cinco ocasiões, destas condutas.

Também aqui e porque estão em causa comportamentos anteriores a 1 de outubro de 2019, é inaplicável temporalmente a agravação prevista no artigo 177º, nº 1 c) do Código Penal.

No entanto, a própria acusação, para além da diferença de idades entre a criança e o adulto, do temor referencial por o arguido ser amigo do pai, descreve inequivocamente que a vítima, CC, estava ligada e entregue ao arguido e seu molestador por uma relação de trabalho deste. Efetivamente, o arguido era seu explicador e aproveita-se desta relação de dominância e de trabalho para estar sozinho com o menor e perpetrar as sevícias sexuais descrita.

Destarte, o arguido não pode deixar de estar comprometido, com a circunstância agravante prevista no artigo 177º, nº 1 b) do Código Penal.

Os factos assentes de 36 a 40, permitem concluir que, também aqui, o arguido atua com dolo direto, descrito no artº 14º, nº 1 do C.P..

Inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Assim, preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime na forma agravada, o arguido não pode deixar de ser condenado pela prática, em autoria material e em concurso real e efetivo, de 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, que têm como vítima CC.

Por fim, também os factos que se deram por assentes de 28. a 35, que têm por vítima DD, até com maior dimensão e relevância, preenchem o conceito de ato sexual de relevo definido pelo artigo 171º, nº 1 do Código Penal.

Estes factos comprometem o arguido, valendo aqui mutatis mutandis os argumentos expendidos a propósito da vítima CC, por 5 vezes, com este tipo criminal, tantas quantas as resoluções criminosas e os dias em que submeteu o menor DD a estes atos sexuais.

Ao contrário dos crimes que dizem respeito às outras duas vítimas, o período temporal abarcado por esta atuação está abrangido pela entrada em vigor do artigo 177º, nº 1 c) do Código Penal.

Todavia, apesar da tenra idade do menor – entre 9 e 10 anos – a circunstância agravante dominante é, também aqui, a prevista na alínea b), do artigo 177º, nº 1 do Código Penal, já que a vítima também lhe foi confiada por força da sua atividade profissional – explicador. E o arguido atua com aproveitamento desta relação.

Assim, entendemos, também aqui, que o arguido deverá estar comprometido com a circunstância agravante do artigo 177º, nº 1 b) do Código Penal, em detrimento da prevista na alínea c).

Vistos os factos relativos aos elementos subjetivos, também aqui o arguido está comprometido com os elementos cognoscitivos e volitivos do dolo, na sua forma direta.

Também neste caso inexistem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Pelo exposto, o arguido não pode deixar de ser condenado, pela atuação perpetrada sobre DD, por 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal.


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Dos crimes de coação sexual.

O arguido estava acusado, também, da prática de dois crimes de coação sexual, previstos e punidos à data dos factos pelo artigo 163.º, n.º 2, do Código Penal, e na presente data pelo artigo 163.º, n.º 1, do Código Penal.

Dispõe o citado artº 163º, nº 1, que “Quem, sozinho ou acompanhado por outrem, constranger outra pessoa a praticar ato sexual de relevo é punido com pena de prisão até cinco anos”.

E prevê o nº 2 que “Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de um a oito anos.”

São elementos objetivos do crime de coação sexual o constrangimento de uma pessoa a sofrer ou a praticar com o agente ou terceiro ato sexual de relevo, por meio de violência, ameaça grave.

Atentos os factos provados, verifica-se que não é possível imputar ao arguido a conduta típica prevista nesta disposição, ou seja, não se apurou que tenha submetido o menor a qualquer ato sexual de relevo após o ter colocado na impossibilidade de resistir. Em concreto, não se considerou provado que BB tenha ficado impressionado ou acreditado que o arguido levasse adiante as ameaças que fazia de pôr cobro à sua vida. Nem se comprovou que o menor tenha manipulado o seu pénis, com movimentos ascendentes e descendentes, nas videochamadas que fizeram, constrangido por essas ameaças de suicídio.

Assim, não se mostram preenchidos os elementos essenciais objetivos e subjetivos, deste tipo de crime, razão pela qual se impõe a absolvição do arguido dos dois crimes de coação sexual de que estava acusado.

Dos crimes de importunação sexual.

Ao arguido era, ainda, imputada a prática, em autoria material, de cento e doze crimes de importunação sexual, previstos e punidos à data dos factos e na presente data pelo artigo 170.º do Código Penal.

Imputava a Digna Magistrada do Ministério Público os factos vertidos na sua douta acusação de 9 a 16, sendo que os praticados após o dia 17 de outubro de 2012, após o arguido perfazer 14 anos, poderiam comprometer o arguido, em abstrato, com um crime de importunação sexual.

O artigo 170º do Código Penal, na redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro prevê que “Quem importunar outra pessoa praticando perante ela actos de carácter exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

A redação atualmente vigente que resulta da alteração introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 05/08, entrada em vigor em 04/09/2015, dispõe que “Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

A conduta típica deste tipo de crime consubstancia-se na prática de um ato de natureza sexual (não se exigindo que tenha a gravidade de ato sexual de relevo) contra a vontade da vítima e na presença da mesma ou sobre esta.

A vítima é, assim, constrangida a presenciar ou suportar um ato de tal natureza sexual, pelo que é, desta forma, “importunada”.

Por contraposição ao artigo ao art. 171º, nº 3, alínea a) do Código Penal, a pessoa que pode ser vítima deste facto, independentemente do género, é o maior de 14 anos.

Ora, está aqui em causa o grupo de factos elencados entre 10. a 15. da matéria assente e que ocorreram após o BB ter completado 14 anos (após 17 de outubro de 2012).

Não existem dúvidas de que o então menor presenciou estes atos de exibicionismo sexual por parte do arguido perante a camara, bem como viu filmes pornográficos exibidos por este.

Estes configuram atos sexuais contemplados pelo tipo, mas dos factos assentes não resulta que tenha havido importunação do menor, ou seja, que a exibição tenha sido contra a sua vontade.

Assim, também aqui não se mostram preenchidos todos os elementos típicos do tipo de crime, o que conduz à inevitável absolvição dos 112 crimes de importunação sexual.

(…)

Medida da Pena

Em sede de determinação das consequências jurídicas do crime e da reação criminal adequada, a culpa e a prevenção funcionam como critérios gerais orientadores da medida da pena, tendo esta, sempre, como limite, aquela, que é justamente o seu suporte. Relevantes para encontrar a "medida da culpa" são os próprios ilícitos típicos, enquanto apreciados nas suas consequências típicas, que lhe conferem uma certa "imagem" ou sentido social.

Assim, tendo como pressuposto este critério orientador, analisemos então a situação do arguido.

Como se viu, o arguido foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, com pena de prisão de um a oito anos, dum crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 3 b), do Código Penal e por um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea a), em conjugação com o artigo 170.º, ambos do Código Penal, com pena de prisão até 3 anos de prisão.

E foi condenado por 10 crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, com pena de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão.

Uma vez que os tipos de crime em apreço não contemplam, em alternativa, penas de diferente natureza, há que graduar as penas de prisão, tendo em conta o critério para determinação concreta da pena, cuja base está consagrada no artigo 71º do Código Penal: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, e condicionada pelo nº 2 que que se refere às “circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.”

O grau de culpa do agente surge, assim, como indicador do limite intransponível da medida da pena, que deve expressar as exigências de prevenção, que constituem o seu parâmetro.

A Jurisprudência traçada pelo Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que - dentro da moldura penal prevista na lei se definirá uma “ sub-moldura” adequada ao caso e aferida pela necessidade de prevenção geral positiva.

Então, o limite inferior desta sub-moldura corresponderá ao mínimo de pena tolerada pela comunidade perante o caso concreto.

O limite superior, por seu turno, corresponderá à medida ideal de defesa dos bens jurídicos violados com aquele crime. É dentro desta sub-moldura, configurada pelas exigências de prevenção geral que haverá que se encontrar o justo “quantum”, ditado pelas necessidades de prevenção especial.

Vejamos qual o quantum sancionatório para cada crime com que o arguido está comprometido.

a. Crime de abuso sexual previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de BB.

O crime de abuso sexual é fortemente estigmatizante e preocupa a comunidade, sendo, assim, prementes as exigências de prevenção geral.

Apesar da imagem social do crime ser muito negativa e apesar dos valores jurídicos ofendidos pela conduta, atenta a moldura penal prevista para o caso (1 ano a 8 anos), vista a integração social do arguido e ausência de antecedentes criminais, entende-se que a pena tolerada pela comunidade para esta concreta conduta poderá ainda coincidir com dois anos, perto do limite mínimo daquela moldura.

Dentro do espetro das ações típicas previstas no tipo, a intensidade da danosidade da conduta perpetrada pelo arguido, que submeteu o menor de 13 anos a suportar carícias no sexo, dentro da sua casa, para onde aquele tinha sido convidado, é mediana. Assim, atenta a amplitude da moldura, entende-se que o limite superior da submoldura, deverá atingir os quatro anos.

Procurando, agora, dentro desta sub - moldura, encontrar a justa medida exigida pelas necessidades de prevenção especial, tem-se em conta que:

- a intensidade do dolo, direto, é média - o arguido não é afetado por parafilias conhecidas, ou de qualquer perturbação de personalidade, que contenda com a sua capacidade de regular a sua conduta de acordo com o juízo normativo que é capaz de fazer. O arguido age motivado pelo desejo de obter satisfação sexual, empreendendo reflexão suficiente neste caso concreto.

- a intensidade do ilícito é, pelo que fica dito, ainda relativamente reduzida, atenta a natureza do ato, duração e dinâmica.

- a conduta anterior ao facto, revelada pela falta de antecedentes criminais e boa integração social e profissional deve ser valorada a favor do arguido.

- o arguido admite a prática deste facto e elabora juízo de relativa auto censura, mas apenas a sua detenção, já que foi incapaz, perante tal conduta, de arrepiar caminho, voltando a praticar factos deste jaez sobre este menor e sobre mais dois, de ainda mais tenra idade, num período muito dilatado de tempo.

Tudo sopesado, entendemos ser de graduar a medida da pena parcelar, por este crime de abuso sexual de criança em 2 anos e 6 meses.

b. Do crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 3 b), do Código Penal.

Este tipo de crime é punível com pena de prisão de 1 mês a 3 anos.

A pena tolerada pela comunidade para esta concreta conduta poderá ainda coincidir com o limite mínimo daquela moldura, enquanto o limite superior da sub moldura deverá corresponder, no caso, a dois anos, à defesa dos bens jurídicos violados com aquele crime.

Considera-se, neste caso, dentro do mesmo critério legal:

- a intensidade média/alta do ilícito, considerando a natureza do ato e da conversa, para mais na sequência do anterior abuso;

- a intensidade média do dolo, direto;

- a antiguidade dos factos;

- o arguido admite, também aqui, este facto, ainda que elaborando um juízo moderado de autocensura, valendo, aqui, mutatis mutandis, as considerações já tecidas a propósito do crime anterior.

- valoram-se fatores positivos anteriormente focados.

Tudo sopesado, o tribunal entende ser justa e adequada a pena parcelar de um ano de prisão, para este tipo de crime de abuso sexual de menores, que também teve por vítima BB.

c. Do crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º 3, alínea a), em conjugação com o artigo 170.º, ambos do Código Penal.

O limite inferior da sub –moldura deverá situar-se em 6 meses, perto do mínimo legal, pena ainda tolerada pela comunidade, atentas as especificidades do caso concreto.

O limite superior da sub moldura corresponderá a dois anos.

- Os factos aqui assentes de 9. a 14. e que integram este tipo de crime, valorados à luz do mesmo critério legal do artigo 71º do Código Penal, atingem um limiar de ilicitude menor, considerando que o arguido se limita, aqui, a reproduzir vídeos de terceiros perante o menor BB, sujeito a pouco controlo parental;

- a intensidade do dolo, também ele direto, é mediana;

- valora-se, também aqui, a antiguidade dos factos e o aparente reduzido dano vitimológico;

- o arguido confessou, também aqui os factos;

- valoram-se os aspetos positivos, relacionados com a integração social do arguido e com o seu primarismo.

Tudo conjugado, entende-se ser de graduar a pena parcelar em 9 meses de prisão, relativa a este tipo de crime.

d. Dos crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal (praticados sobre a pessoa de CC).

- para além da pena abstratamente aplicável ser superior - de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão – o ilícito é, no caso deste menor, mais intenso. Existe, aqui, claramente um abuso não só da condição de maior de idade, com mais experiência, amigo da família e, assim, numa posição, à partida, de ascendente psicológico sobre a vítima, como ainda existe censurável abuso da confiança do menor ao arguido para fins pedagógicos (na qualidade de explicador).

- a intensidade do dolo, direto, é média, sendo que o arguido, ainda que com dificuldade de refrear os seus impulsos, volta a delinquir e vitimar uma segunda criança, nada fazendo para procurar perceber o que o impulsionava para tão reprovável comportamento.

- os factos são, aqui, mais recentes dos que os preteritamente analisados;

- o menor expressou oposição à atuação do arguido, o que reforça a censurabilidade da conduta;

- no entanto, suportou os factos, não denunciando o arguido, o que é revelador de estarmos perante consequências vitimológicas superiores;

- o arguido confessa parte dos factos, reproduzindo-se, aqui, as considerações já expendidas a propósito dos demais tipos de crime.

Apesar da conduta ser relativamente em crescendo, não existem elementos que permitam distinguir a medida da culpa de cada uma das 5 atuações que se consideraram seguramente comprovadas.

O limite inferior da sub moldura, correspondente ao mínimo de pena tolerada pela comunidade perante os casos concretos dos abusos aos dois irmãos tem, necessariamente que se elevar a dois anos e meio.

Atenta natureza dos abusos, o limite superior da sub moldura deverá situar-se em seis anos.

Tudo sopesado, entendemos ser de graduar, no que tange à vítima CC, a medida de cada pena parcelar, por cada crime de abuso sexual de criança, em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

e. Dos crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal (praticados sobre a pessoa de DD).

- o ilícito atinge intensidade superior, se considerarmos o tipo de atos praticados sobre este menor, mais intrusivos e a sua menor idade – apenas 9 anos.

- a intensidade do dolo, também ele direto, é menor.

- por outro lado, os aspetos vitimológicos não são despiciendos, ainda que se estime que com menor ressonância do que os praticados sobre o próprio irmão, atentas as caraterísticas dos dois irmãos, o DD mais extrovertido o que facilita a cicatrização emocional.

- a confissão é, também aqui, apenas parcial, sendo que o arguido foi incapaz, por tudo o que fica dito, de realizar um juízo de autocensura pleno.

- valoram-se positivamente os demais aspetos já supra assinalados, relacionados com as condições pessoais do arguido.

Pelo exposto, julgamos justo e adequar, condenar o arguido em cinco penas parciais de 4 (quatro) anos de prisão, no que tange aos crimes de abuso sexual de crianças de que foi vítima DD.


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Da pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores.

Como se viu, comunicou-se ao arguido, para além de alteração de qualificação jurídica relacionada com a alínea do nº 1 do artigo 177º do Código Penal em que a sua conduta concretamente recaía, a possibilidade de lhe ser aplicada a apena acessória prevista no artigo 69º B do Código Penal.

Este artigo foi introduzido no Código Penal pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto, pelo que fácil torna-se de ver que apenas pode ser aplicada em virtude das condenações sofridas pelos crimes que vitimaram DD e CC, já que não será temporalmente aplicável aos crimes que de que foi alvo BB.

Nos termos do nº 2 deste artigo, “É condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor”.

O escopo desta pena acessória prende-se com os riscos associados à reincidência e aos perigos que os autores deste tipo de crime representam.

A grande maioria da jurisprudência dos Tribunais Superiores tem concluído que, da interpretação da lei, decorre que esta pena acessória em apreço será de aplicação obrigatória.

Sem prejuízo, o arguido replica comportamentos semelhantes por 3 vítimas menores, orientando a sua conduta molestadora para rapazes cada vez mais novos, pelo que demonstra uma deficiência na formação da sua personalidade e atua com total desconsideração das vítimas, o que justifica, em concreto, do ponto de vista da prevenção especial, a necessidade de aplicação desta pena.

Para mais, nos casos relativos aos menores CC e DD, os únicos que são, do ponto de vista de aplicação da lei penal no tempo, suscetíveis de aplicação da norma contida no artigo 69º B, nº 2 do Código Penal, o arguido desempenhava funções que envolvia contactos com menores.

Mais, o arguido contactou, nessa tarefa de explicador, com muitos outros menores.

Assim, conclui-se que é imperativo aplicar a pena acessória aqui prevista.

Tendo em conta os fatores supra enunciados na fixação das penas parcelares e o tempo de reclusão que previsivelmente irá cumprir, fixa-se a medida parcelar de cada uma das 10 penas acessórias previstas naquele preceito em 5 (cinco) anos pela prática do crime de abuso sexual de crianças.


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Da pena única.

Por ter sido condenado por 13 crimes, que são julgados neste mesmo acórdão, e que estão, assim, numa relação de concurso, importa fixar ao arguido uma pena única.

Assim, operando o cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artigo 77º do Código Penal, há que aplicar uma pena unitária, que deve ser fixada entre a maior das penas concretamente aplicadas e a soma de todas.

O arguido incorre, assim, por força da aplicação desta regra, numa pena mínima de 4 anos, correspondente à maior das penas aplicadas e máxima de 25 anos, que equivale à pena máxima prevista pelo artigo 41º, nº 1 do Código Penal, já que a soma aritmética das 13 penas equivaleria a 41 anos e 9 meses de prisão.

De acordo com os traços de personalidade demonstrados pela sua atuação e evidenciados pelo relatório à personalidade do arguido, visto estarmos perante um arguido primário, que se afigura como um delinquente pluriocasional, atenta a relativa homogeneidade da conduta, a existência de 3 vítimas e a atuação progressivamente sobre vítimas cada vez mais novas, bem como a imagem global da ação delinquente, muito negativa, julga-se adequado condenar o arguido na pena única global de 10 anos de prisão, aquém do quarto da diferença da pena máxima aplicada e da pena máxima aplicável em abstrato.

No que tange ao cúmulo das penas acessórias supra fixadas e lançando mão do mesmo critério, fixa-se a medida da pena acessória única prevista pelo n.º 2 do artigo 69.º-B do Código Penal em 15 (quinze) anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores.


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Da compensação às vítimas.

Assegurado o contraditório quanto à possibilidade de se arbitrar uma indemnização às vítimas, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 16.º, da Lei n.º 130/2015, de 04.09 e 67º-A e 82.º-A, do Código de Processo Penal, há que ponderar da verificação dos respetivos pressupostos.

No termos do artigo 16º, nº 1 do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, reconhece-se “à vítima” (…) “no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”.

O nº 2 prevê que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”

De acordo com o artigo 67º-A, do CPP, na parte a ter em conta, considera-se “a) 'Vítima': i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, directamente causado por acção ou omissão, no âmbito da prática de um crime;(…)

b) “Vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”.

Preceitua o nº 3 que “As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 (…)”.

O artigo 82º-A, do mesmo Código de Processo Penal, por seu turno, prevê que “1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham. 2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. 3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”

Assim, estes normativos permitem concluir que ao Tribunal é imposta a obrigação de arbitrar, em relação a vítimas especialmente vulneráveis, uma quantia indemnizatória para reparação pelos danos sofridos, a suportar pelo agente do crime.

BB, CC e DD são vítimas de crimes de abuso sexual de criança, que integram o conceito de criminalidade violenta, à luz da alínea j) do artigo 1º do CPP, que define como tal “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos”.

Destarte, entende-se estarmos perante vítimas “especialmente vulneráveis”.

No caso dos autos, os representantes legais das vítimas (ou o próprio BB já maior) não deduziram pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, mas também não se opuseram à atribuição de uma quantia reparadora.

Deste modo, haverá que fixar uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos pelos 3 ofendidos dos crimes que levaram à condenação do arguido.

A atribuição desta quantia não é regulada pela lei civil, mas nos termos do disposto nos artigos 16º, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, 67º-A e 82º-A, do CPP.

Estes normativos não consagram um direito a uma indemnização proper rem, mas à reparação dos prejuízos – uma vez que a quantia é tida em conta em ação que venha a conhecer o pedido civil de indemnização, de acordo com o nº 3, do mesmo artigo.

Assim, estando meramente em causa a fixação de reparação, ainda que o legislador use o termo “indemnização”, aquela deve ser fixada de acordo com a equidade – cfr. Ac. do STJ de 06/10/2011, Proc. nº 88/09.9PESNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt .

Deste modo, tudo ponderado, considerando a atuação do arguido, potenciada, no caso dos dois irmãos pelo temor reverencial, e a especial suscetibilidade destes dois menores, visto o presumível sofrimento de cada uma das vítimas e as potenciais consequências para o normal desenvolvimento das respetivas personalidades e vivência da sua sexualidade, analisadas as condições económicas do ora condenado – que perdeu, entretanto, a capacidade de ganho - entende-se ser de fixar o montante indemnizatório em € 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros), relativamente ao ofendido BB, em € 10 000,00 (dez mil euros) relativamente ao ofendido CC e em € 10 000,00 (dez mil euros) no que diz respeito ao ofendido DD.

Para além da ressonância vitimológica ser diferente, considera-se que em relação à primeira vítima apenas se apurou um crime suscetível de integrar o conceito da alínea j) do artigo 1º do CPP, contra os cinco crimes de que cada uma das outras vítimas foi alvo.

(…)

Da compensação às vítimas.

Assegurado o contraditório quanto à possibilidade de se arbitrar uma indemnização às vítimas, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 16.º, da Lei n.º 130/2015, de 04.09 e 67º-A e 82.º-A, do Código de Processo Penal, há que ponderar da verificação dos respetivos pressupostos.

No termos do artigo 16º, nº 1 do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, reconhece-se “à vítima” (…) “no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”.

O nº 2 prevê que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”

De acordo com o artigo 67º-A, do CPP, na parte a ter em conta, considera-se “a) 'Vítima': i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, directamente causado por acção ou omissão, no âmbito da prática de um crime;(…)

b) “Vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”.

Preceitua o nº 3 que “As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 (…)”.

O artigo 82º-A, do mesmo Código de Processo Penal, por seu turno, prevê que “1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham. 2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. 3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”

Assim, estes normativos permitem concluir que ao Tribunal é imposta a obrigação de arbitrar, em relação a vítimas especialmente vulneráveis, uma quantia indemnizatória para reparação pelos danos sofridos, a suportar pelo agente do crime.

BB, CC e DD são vítimas de crimes de abuso sexual de criança, que integram o conceito de criminalidade violenta, à luz da alínea j) do artigo 1º do CPP, que define como tal “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos”.

Destarte, entende-se estarmos perante vítimas “especialmente vulneráveis”.

No caso dos autos, os representantes legais das vítimas (ou o próprio BB já maior) não deduziram pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, mas também não se opuseram à atribuição de uma quantia reparadora.

Deste modo, haverá que fixar uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos pelos 3 ofendidos dos crimes que levaram à condenação do arguido.

A atribuição desta quantia não é regulada pela lei civil, mas nos termos do disposto nos artigos 16º, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, 67º-A e 82º-A, do CPP.

Estes normativos não consagram um direito a uma indemnização proper rem, mas à reparação dos prejuízos – uma vez que a quantia é tida em conta em ação que venha a conhecer o pedido civil de indemnização, de acordo com o nº 3, do mesmo artigo.

Assim, estando meramente em causa a fixação de reparação, ainda que o legislador use o termo “indemnização”, aquela deve ser fixada de acordo com a equidade – cfr. Ac. do STJ de 06/10/2011, Proc. nº 88/09.9PESNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt .

Deste modo, tudo ponderado, considerando a atuação do arguido, potenciada, no caso dos dois irmãos pelo temor reverencial, e a especial suscetibilidade destes dois menores, visto o presumível sofrimento de cada uma das vítimas e as potenciais consequências para o normal desenvolvimento das respetivas personalidades e vivência da sua sexualidade, analisadas as condições económicas do ora condenado – que perdeu, entretanto, a capacidade de ganho - entende-se ser de fixar o montante indemnizatório em € 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros), relativamente ao ofendido BB, em € 10 000,00 (dez mil euros) relativamente ao ofendido CC e em € 10 000,00 (dez mil euros) no que diz respeito ao ofendido DD.

Para além da ressonância vitimológica ser diferente, considera-se que em relação à primeira vítima apenas se apurou um crime suscetível de integrar o conceito da alínea j) do artigo 1º do CPP, contra os cinco crimes de que cada uma das outras vítimas foi alvo.”


2. Fundamentação

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, as questões a apreciar respeitam à medida das penas parcelares e única e ao montante indemnizatório. Nada mais impugnou o recorrente, conformando-se com o acórdão em toda a parte restante, designadamente na referente à pena acessória.


2.1. Da impugnação da medida da(s) pena(s) parcelares e única

Pugna o recorrente pela redução de todas as penas aplicadas, das parcelares correspondentes a cada um dos crimes concorrentes e da pena única, pretendendo que esta seja reduzida a cinco anos de prisão e suspensa na sua execução.

 Considera que o acórdão recorrido violou os arts. 40.º e 71.º do CP, mostrando-se desproporcionais, excessivas, e injustas as penas parcelares aplicadas, bem como a pena única resultante do cúmulo jurídico de todas elas. Aceita, no entanto, a pena acessória de pena acessória única quinze anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, não integrando esta o objecto do recurso.

Desenvolve a seguinte linha de argumentação: por um lado, alega que se desconsiderou o referente jurisprudencial, o qual evidenciaria a extrema severidade das penas aplicadas; por outro lado, invoca  a concreta expressão não particularmente gravosa de todos os actos praticados sobre a pessoa dos três menores vítimas, quer na vertente da modalidade da acção, quer na das consequências do(s) crime(s); por último, refere que não foram valorizadas devidamente as suas circunstâncias pessoais, mormente a confissão, o arrependimento, o acompanhamento psicológico a que se sujeitou posteriormente, a primariedade e o seu percurso de vida profissional e de integração familiar e social.

O Ministério Público, na primeira instância e no Supremo, pronunciou-se no sentido da confirmação integral do acórdão, considerando necessárias e proporcionais as penas, parcelares e únicas, aplicadas. Assim se pronunciou igualmente a assistente.

Refira-se, porém, que do contraditório do recurso resulta que o Ministério Público  em alegações finais de julgamento se pronunciou no sentido da aplicação de uma pena única de cerca de cinco anos de prisão (assim é dito no recurso, e assim é confirmado na resposta).

Passando então a conhecer o objecto do recurso, este exige, previamente e em concreto, a redefinição dos poderes de cognição do Supremo.

Como se disse, em matéria crime o recorrente limitou-se a impugnar a medida da(s) pena(s) e foi muito claro na delimitação do recurso. No entanto, nunca ficaria o Supremo dispensado de sindicar também o enquadramento jurídico dos factos efectuado no acórdão recorrido, quer quanto ao tipo de crimes, quer quanto ao número de crimes efectivamente cometidos pelo arguido. Assim sucede, pois a decisão sobre o tipo legal e sobre o número de crimes é sempre pressuposto e condição de aplicação das penas, parcelares e únicas, que cumpre expressamente sindicar. E se o Supremo detectar alguma incorrecção, mormente no referente a um eventual erro de subsunção, deve proceder oficiosamente a correcção, de modo a redefinir as molduras abstractas a considerar então na sindicância da(s) pena(s) aplicada(s), que lhe é pedida.  

Da análise do acórdão, constata-se a correcção da decisão no referente ao número de crimes efectivamente cometidos pelo arguido,  o que se consigna. E nada tendo sido impugnado nesta parte, nada se impõe acrescentar.

Consigna-se igualmente a correcção do acórdão no que respeita aos tipos de crimes da condenação, à excepção  da parte referente à agravação prevista no art. 177.º, n.º 1, al. b), do CP, a qual não ocorre no caso presente. E detectando-se oficiosamente que o tribunal incorreu em erro de subsunção ao considerá-la verificada, cumpre aditar esta sub-questão ao objecto do recurso, pelas razões que se expuseram já.


2.1.1. Do afastamento da agravação prevista no art. 177.º, n.º 1, al. b), do CP

Entre outros (e esses outros nenhuma observação merecem), o arguido foi condenado como autor de cinco crimes de abuso sexual de crianças na forma agravada dos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. b), do CP, em cinco penas de três anos e seis meses de prisão (ofendido CC), e como autor de cinco crimes de abuso sexual de crianças na forma agravada dos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. b), do CP, em cinco penas de quatro anos de prisão (ofendido DD).

No acórdão recorrido justificou-se o enquadramento jurídico no que à qualificativa respeita, do modo seguinte: “(…) a própria acusação, para além da diferença de idades entre a criança e o adulto, do temor referencial por o arguido ser amigo do pai, descreve inequivocamente que a vítima, CC, estava ligada e entregue ao arguido e seu molestador por uma relação de trabalho deste. Efetivamente, o arguido era seu explicador e aproveita-se desta relação de dominância e de trabalho para estar sozinho com o menor e perpetrar as sevícias sexuais descrita. Destarte, o arguido não pode deixar de estar comprometido, com a circunstância agravante prevista no artigo 177º, nº 1 b) do Código Penal.”

Também em relação ao ofendido DD, identicamente se concluiu: “Pelo exposto, o arguido não pode deixar de ser condenado, pela atuação perpetrada sobre DD, por 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, na forma agravada, previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal.”

Sucede que a situação sub judice, idêntica nos dois os casos, não se enquadra na norma legal aplicada, não configurando nenhuma das hipóteses previstas na alínea b), do n.º 1, do art. 177.º do CP.

O art. 177.º, n.º 1, al b) preceitua  que as penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima se encontrar numa relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação.

As situações de especial relação ou ligação entre o agente e a vítima encontram-se aqui expressamente previstas, em termos completos e exaustivos, como resulta com extrema evidência da literalidade do preceito. 

No acórdão recorrido considerou-se que a relação professor-aluno (ou explicador-explicando, tanto faz) configurariam factualmente o elemento típico agravante “a vítima encontrar-se numa relação de dependência de trabalho do agente”. Mas essa relação de dependência de trabalho, a prevista como elemento típico agravante, não ocorre aqui. Nem ocorre, claro, nenhum outro dos previstos na mesma al. b).

Embora nela se possa descortinar também a mesma ideia de “relação não horizontal” comum a todos os tipos de relação previstos na norma típica, a relação professor-aluno ou explicador-explicando não configura relação de dependência de trabalho. Desde logo porque, como resulta da letra da lei, trata-se (na relação de trabalho) de uma relação de dependência em que é a vítima que se encontra numa relação de dependência de trabalho do agente.

Como explica Maria João Antunes  (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Dir. Figueiredo Dias, Tomo I, 2.ª Ed. p. 889), as relações de trabalho são as “relações típicas no mundo laboral e empresarial”, ou seja, as que se estabelecem entre empregador e empregado, entre patrão e trabalhador, nada tendo assim que ver com as relações que se estabelecem no ensino, entre professor e aluno.

E decorrendo também claramente da norma que a enumeração das situações de relação típicas à luz da al. b) é exaustiva, como se disse, tem de concluir-se que nessas relações não está aquela que se estabelece entre o professor ou explicador e o aluno ou explicando.

O princípio da legalidade e da tipicidade (lei prévia, escrita, estrita e certa), constitucionalmente consagrado em matéria penal (art. 29.º, nºs 1 e 2 da CRP), veda o enquadramento da relação sub judice na agravante em causa, o que, a suceder, configuraria analogia, proibida em direito penal.

Do exposto resulta que o acórdão é de revogar na parte em que considerou o arguido autor de dez crimes de abuso sexual de crianças na forma agravada, dos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), do CP. E impondo-se assim afastar esta qualificativa,  não cumprindo verificar se outra ocorreria, num recurso interposto exclusivamente pela defesa (atenta a proibição da reformatio in pejus – art. 409.º, n.º 1, do CPP),  há que redefinir as dez penas parcelares de prisão correspondentes a tais crimes, que são agora punidos à luz do art. 171.º, n.º 1, do CP.

E deixa-se já consignado que esta alteração na qualificação jurídica dos factos não tem repercussão na pena acessória (de quinze anos de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pena que o arguido não impugnou), uma vez que permanece, em concreto, integralmente preenchida a previsão do art. 69.º-A, n.º 2, do CP.


2.1.2. Da redefinição de dez penas parcelares, da sindicância das restantes parcelares e da reformulação do cúmulo jurídico

Começando pela sindicância do acórdão na parte referente aos crimes de que foi vítima BB, o colectivo de juízes aplicou as seguintes penas:  por um crime de abuso sexual de crianças do art. 171.º, n.º 1, do CP, numa pena abstracta de um a oito anos de prisão, a pena parcial de dois anos seis meses de prisão; por um crime de abuso sexual de crianças do artigo 171.º, n.º 3, al.  b), do CP, numa pena abstracta de prisão até três anos, a pena parcial de um ano de prisão; por um crime de abuso sexual de crianças do art. 171.º, n.º 3, al. a), do CP, numa pena abstracta de prisão até três anos, a pena parcial de 9 (nove) meses de prisão.

Na sindicância desta decisão, o Supremo tem presente que o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena. E daqui resulta que deve intervir na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem em matéria de pena, e que não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão anterior.

O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar, e a sindicabilidade em via de recurso “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).

Do enunciado exposto no que respeita às parcelares aplicadas pelos  crimes de que foi vítima BB, resulta que as penas se situam abaixo do ponto médio das molduras abstractas, a cerca de um terço a partir do mínimo legal, o que se apresenta perfeitamente justificado por razões de prevenção geral, que são na verdade bastante elevadas. E com estas confluem claramente as necessidades de prevenção especial, pois estas resultam não só de eventuais condenações anteriores, que o arguido de facto não sofreu, mas do próprio comportamento global analisado no processo. Ou seja, se bem que o arguido seja primário, as necessidades de prevenção especial retiram-se aqui dos próprios factos, da sua repetição, da reiteração  ao longo de um tempo expressivo, considerando todas as condutas praticadas sobre as três vítimas identificadas.

De tudo resulta que o colectivo de juízes mesurou aqui bem as exigências de prevenção geral e especial, confluentes entre si, distinguindo também a gravidade dos factos, de cada acção do arguido individualmente considerada, valorando-a também na sua individualidade e tendo em conta a pessoa da vítima. E também de cada vítima em concreto, adiante-se.

Assim, dentro das molduras legais abstractas enunciadas no início, as penas aplicadas mostram-se necessárias, proporcionais e justas, sendo de sufragar a mesuração do grau da ilicitude dos factos e das demais circunstâncias consideradas no acórdão (conforme transcrito em 1.2.), nada resultando no sentido de se mostrar eventualmente ultrapassado o limite da culpa do arguido.

Referiu o recorrente, no que respeita à modalidade da acção e às consequências do crime, que em relação ao ofendido BB o tribunal teria  desconsiderado o hiato temporal de quase nove anos entre os factos e a acusação e condenação, “que apenas se deram, não por queixa do BB, mas por denúncia da assistente, que não é familiar nem com ele se relaciona ou conhece”, que BB tinha à data dos factos quase catorze anos, não mostrando quaisquer danos derivados das acções do recorrente.

Mas esta argumentação não fragiliza a decisão, muito menos a ponto de exigir uma intervenção correctiva do Supremo na(s) pena(s). Na verdade, por um lado, no acórdão procedeu-se à adequada distinção do grau de dano sofrido por cada uma das vítimas; por outro lado, se é certo que o decurso do tempo pode, em abstracto, evidenciar uma atenuação do juízo de censura social do crime, essa atenuação não se justifica aqui, na medida em que o arguido se absteve de manter boa conduta, reincidindo na agressão do bem jurídico tutelado pelas normas que reiteradamente violou.

Também não colhem os restantes argumentos que apresentou, agora em relação a toda a decisão sobre a pena, no sentido de fragilizarem inexoravelmente o acórdão recorrido.

Como se disse, o recorrente alegou que se desconsiderou o referente jurisprudencial, o qual evidenciaria a extrema severidade das penas aplicadas, e  referiu que não foram valorizadas devidamente as suas circunstâncias pessoais, mormente a confissão, o arrependimento, o acompanhamento psicológico a que se sujeitou posteriormente, a primariedade e o seu percurso de vida profissional e de integração familiar e social.

É certo que o arguido trouxe ao recurso jurisprudência vária dos tribunais superiores, da qual poderia aparentemente resultar algum desequilíbrio “para mais” da pena única de dez anos de prisão que lhe foi aplicada no acórdão. Mas, por um lado, e como se adiantou, vai proceder-se a rectificação de dez das penas parcelares e consequentemente da pena única. Por outro lado, se bem que o referente jurisprudencial deva ser merecedor de atenção, há que ter presente que cada caso transporta sempre em si a natureza de caso único, sendo inúmeras as circunstâncias que nele confluem e que só a ele respeitam.

E todas as circunstâncias, quer as relativas aos factos, quer as relativas à personalidade e à pessoa do arguido (deste arguido) se mostram correctamente avaliadas, à excepção daquela que se passa agora a analisar, e que relevará na redefinição da(s) pena(s).

Relativamente aos crimes de que foi vítima CC, o arguido fora condenado por cinco crimes de abuso sexual de crianças na forma agravada, dos arts. 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. b), do CP, em cinco penas parciais de três anos e seis meses de prisão. A pena abstracta deixou agora de ser agravada, na decorrência do afastamento da aplicação do art. 177.º,  passando a ser de um a oito anos de prisão, em vez de um ano e quatro meses a dez anos e oito meses de prisão.

Assim sucede também relativamente aos crimes de que foi vítima DD. O arguido estava condenado aqui por cinco crimes de abuso sexual de crianças dos arts. 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. b), CP, em cinco penas parciais de quatro anos de prisão, e a pena abstracta é agora de um a oito anos de prisão, em vez de um ano e quatro meses a dez anos e oito meses de prisão.

Independentemente da correcção (na pena) que se impõe na decorrência do afastamento da norma qualificadora, também o acórdão mereceria aqui uma censura. Referimo-nos ao segmento em que se valorou como agravante geral o “censurável abuso da confiança do menor ao arguido para fins pedagógicos (na qualidade de explicador)”, quando esta mesma circunstância fazia então parte do tipo agravado concretamente aplicado. O que sempre afrontaria a proibição da dupla valoração (art. 71.º, n.º 2, do CP). No entanto agora, afastada a norma qualificadora, manter-se-á a valoração da referida circunstância como agravante geral, já que deixou de fazer parte do tipo incriminador e não ocorre uma dupla valoração.

De tudo resulta que, olhando o acórdão, e constatando-se que, no mais, cumpre as exigências de fundamentação em matéria de pena, quer de facto, quer de direito, oferecendo resposta adequada aos demais problemas colocados em recurso, justificando-as individualmente e distinguindo acertadamente as situações de maior e de menor gravidade na lesão do bem jurídico, passam a enunciar-se as penas parcelares correspondentes aos crimes de que foram vítimas CC e DD. E por estes crimes fica agora o arguido condenado em cinco penas parciais de três anos de prisão pelos cinco crimes de abuso sexual de crianças do art. 171.º, n.º 1 na pessoa de CC, e por cinco dos mesmos crimes na pessoa de DD, em cinco penas parciais de três anos e seis meses de prisão.

A moldura penal do cúmulo jurídico passa a ser agora de três anos e seis meses a vinte e cinco anos de prisão.

Na fixação da pena única, aditiva das penas correspondentes aos treze crimes concorrentes, reitera-se a reavaliação autónoma dos factos em conjunto com a personalidade do arguido (art. 77.º, n.º 1 do CP), já efectuada no acórdão recorrido, mas agora na nova moldura abstracta.

Na avaliação do ilícito global perpetrado, releva a conexão e o tipo de conexão entre os factos concorrentes, a sua relação com a personalidade do arguido, evidenciando o conjunto dos factos – o grande facto - um ilícito global bastante desvalioso, e a personalidade do arguido revelada nos factos, agora no facto global, evidencia também um grau de culpa elevado.

As considerações que possam fazer-se sobre a personalidade do arguido cingem-se sempre à sua personalidade revelada no facto. “O agente deve ser punido pelo que fez, não por aquilo que é como pessoa, ou aquilo em que se tornou por sua culpa” (Vaz Patto, Os Fins das Penas e a Prática Judiciária, www.tre.pt). E respeitando à culpa, tais considerações não puderam deixar de ter sido já incluídas no processo de determinação das penas parcelares. Mas a sua reponderação na determinação da pena única respeita o princípio da proibição da dupla valoração (art. 72.º, n.º 2 do CP), pois como princípio extensível a todas as operações de determinação da pena, ele deve repercutir-se ao longo de todo o processo aplicativo da pena. “Aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles” (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 292).

A culpa revelada no facto apresenta-se aqui como elevada. E é de acompanhar a fundamentação do acórdão recorrido quando nele se pondera que está em causa a aplicação de uma pena única correspondente à prática de treze crimes cometidos por “arguido primário, que se afigura como um delinquente pluriocasional, atenta a relativa homogeneidade da conduta, a existência de três vítimas e a actuação progressivamente sobre vítimas cada vez mais novas.”


Na nova moldura abstracta, considera-se proporcionada ao concreto “ilícito global perpetrado” e à personalidade desvaliosa do arguido revelada nos factos a pena única de oito anos de prisão, pena manifestamente necessária às exigências de prevenção geral e especial.


2.2. Da impugnação da indemnização

O recorrente impugna a condenação no pagamento de indemnização, fixada às vítimas ao abrigo do artigo 82º-A do CPP. Argumenta não se observar “o requisito legal de verificação de prejuízo sofrido” relativamente a nenhuma delas, e considera dever ser revogado o acórdão nesta parte.

Subsidiariamente, alega que os factos provados “39. Em todos os momentos supra descritos, o arguido, ao tocar no corpo de CC e de DD (…) os actos que praticou punham em causa o desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade e da autodeterminação sexual das vítimas” são relativos ao dolo e não à realidade da vítima e não podem por isso ser levados em conta como danos não patrimoniais”, inexistindo assim base factual relativa aos danos.

Adita que o acórdão não tomou em conta a sua situação económica, não tendo actualmente rendimentos e só a longo prazo os podendo vir a ter, e que o montante fixado é desproporcional aos danos supostos, excessivo face às consequências ficcionáveis e injusto perante casos comparáveis na jurisprudência.

Conclui deverem as quantias ser “reduzidas a valores adequados à situação económica das partes, à gravidade dos prejuízos e à prática jurisprudencial.”

A assistente contrapôs que o montante de € 10.000,00 para cada um dos dois irmãos é justo e adequado, tendo em conta os danos causados, as condições económicas do arguido e as necessidades das vítimas, que, face aos abusos sofridos, estão a ser acompanhadas por uma psicóloga.

Observou que os menores CC e DD sempre se lembrarão, quando este tema vier à tona, que também eles foram sexualmente abusados por quem tinha o dever de protegê-los, concluindo que € 10.000,00 para cada um é muito pouco para dirimir os danos que lhe foram perpetuamente causados.

A decisão sobre as três indemnizações arbitradas encontra-se transcrita em 1.2. e, adianta-se,  mostra-se globalmente correcta na identificação e interpretação das normas legais aplicáveis, bem como na selecção dos factos que constituem a base factual desta decisão, designadamente no que respeita à constatação e mesuração do dano, sendo por tudo de aceitar.

Julgar (avaliar, mesurar) de acordo com juízos de equidade comporta sempre uma relativa imprecisão e um incontornável grau de subjectividade. Imprecisão e subjectividade que se pretendem ver reduzidas ao mínimo, mas que são impossíveis de erradicar totalmente.

Mesmo o apoio importante do “referente jurisprudencial”, a que se deve sempre atender e a que de novo o recorrente apela, particularmente quando está em causa a fixação de valores tão difíceis de concretizar, tem as limitações decorrentes das especificidades de cada caso. Esse referente jurisprudencial permite estabelecer alguns padrões de avaliação do dano não patrimonial, mas não elimina a natureza única e irrepetível de cada caso concreto, a que se fez já referência.

E sempre reafirmando o modelo de recurso  como recurso-remédio, também em matéria de fixação de indemnizações o Supremo Tribunal de Justiça tem insistido que “não cabe ao STJ, por não envolver a resolução de uma questão de direito, sindicar os valores exactos dos montantes indemnizatórios concretamente arbitrados” e que “a sua apreciação cingir-se-á ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado” (por todos, Acórdão do STJ de15-09-2016, Rel. Joaquim Piçarra).

Ou seja, por via do recurso, de um recurso-remédio, mostrando-se cumpridas as normas e princípios legais aplicáveis ao caso, não se justificarão correcções traduzidas em pequenas alterações de valores, sendo de reconhecer, ao juiz de julgamento em primeira instância, aquela margem de liberdade que integra o acto de julgar.

Assim, atenta essa margem de liberdade, bem como a fluidez da matéria em apreciação, cumpre apreciar se os valores fixados são realmente de aceitar como justos e proporcionais, e, logo, de manter. E adiantou-se já que o são.

Desde logo, no acórdão decidiu-se correctamente no que à identificação do quadro normativo se refere e à sua aplicação ao concreto caso em análise.

Como ali se refere, assegurou-se o contraditório quanto à possibilidade de se arbitrar uma indemnização às vítimas, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 16.º, da Lei n.º 130/2015, de 04.09 e 67º-A e 82.º-A, do CPP. Ponderou-se a verificação dos respetivos pressupostos, de acordo com o art. 16.º, n.º 1 do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, que reconhece “à vítima” (…) “no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável” e cumpriu-se o nº 2 que prevê que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do CPP em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”

Por último, atendeu-se ao art. 67º-A, do CPP, em que se considera “vítima” a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, directamente causado por acção ou omissão, no âmbito da prática de um crime, e “Vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade,

Identificou-se o regime do art. 82º-A, do CPP, que prevê a fixação oficiosa de indemnização e concluiu-se pela necessidade justificada (como resulta da fundamentação do acórdão já supra transcrita e, 1.2.) de arbitrar indemnização nos três casos.

 Por último, concluiu-se que “considerando a atuação do arguido, potenciada, no caso dos dois irmãos pelo temor reverencial, e a especial suscetibilidade destes dois menores, visto o presumível sofrimento de cada uma das vítimas e as potenciais consequências para o normal desenvolvimento das respetivas personalidades e vivência da sua sexualidade, analisadas as condições económicas do ora condenado – que perdeu, entretanto, a capacidade de ganho - entende-se ser de fixar o montante indemnizatório em € 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros), relativamente ao ofendido BB, em € 10 000,00 (dez mil euros) relativamente ao ofendido CC e em € 10 000,00 (dez mil euros) no que diz respeito ao ofendido DD.

Para além da ressonância vitimológica ser diferente, considera-se que em relação à primeira vítima apenas se apurou um crime suscetível de integrar o conceito da alínea j) do artigo 1º do CPP, contra os cinco crimes de que cada uma das outras vítimas foi alvo.”

Atenta a fundamentação desenvolvida no acórdão, e tudo o que se aditou de início, aceita-se que, no caso presente, os critérios de equidade permitem chegar aos valores fixados no acórdão. E justifica-se efectivamente a mensuração expressiva da quantificação do dano não patrimonial, nos três casos, que mais uma vez se distinguiram adequadamente entre si.

De recordar que a indemnização civil reveste uma natureza mista, como seja a de compensar os danos e, simultaneamente, a de reprovar, no plano civilístico, a conduta do agente. Também por isso, não deve ser miserabilística sob pena de incumprir as suas finalidades.

Uma última nota sobre a referência feita em recurso a uma apodada ausência de base factual bastante, no acórdão, para a conclusão sobre a existência de danos.

Diz o recorrente que nos factos provados inexistem factos relativos ao dano sofrido pelas vítimas e que as referências feitas a tais danos se encontram apenas na descrição dos factos do dolo do arguido.

Lendo a matéria de facto provada, constata-se que os factos relativos aos danos não se encontram realmente individualmente especificados aquando da descrição factual dos factos que interessam ao tipo objectivo dos crimes. Mas não pode dizer-se que eles não estão e/ou não se retiram linearmente da matéria de facto provada do acórdão.

Desde logo, aparecem descritos a propósito da especificação dos factos que relevam para o tipo subjectivo de crime – “tendo perfeita consciência dos contactos que manteve com os mesmos e que a idade daqueles não lhes permitiria autodeterminarem-se sexualmente e que os atos que praticou punham em causa o desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade e da autodeterminação sexual das vítimas”.

Por um lado, não pode dizer-se que não está lá; pelo outro, os factos notórios e todos aqueles que se retiram já, logica e necessariamente, dos factos provados e descritos no acórdão sempre poderiam ser considerados.

Os factos da sentença (no caso, acórdão) são sempre “enunciados linguísticos descritivos de acções” (Perfecto Ibañez, Sobre a Formação Racional da Convicção Judicial, Rev. Julgar nº 13, pp. 155-173). Os concretos episódios de vida ora em apreciação assumem na matéria de facto uma clareza descritiva evidente. E independentemente de se ter procedido ou não  a um “desdobramento” dos factos do dano da vítima, descritos na arrumação dos factos do tipo subjectivo, factos esses que estiveram sempre, necessariamente  e na totalidade, em discussão na audiência de julgamento,  o certo é que não pode dizer-se que eles não se encontrem no acórdão e não se retirem do acórdão.

Ou seja, a decisão recorrida descreve factualmente episódios de vida suficientemente perceptíveis, e perceptíveis também na parte relativa à demonstração factual de um dano realmente sofrido pelas três vítimas.

Em suma, avaliadas as circunstâncias do caso concreto e sempre de acordo com as regras de equidade (arts. 496.º, n.º 3, e 494.º do CC), os valores arbitrados no acórdão a título de danos não patrimoniais justificam-se factual e normativamente, e são, por tudo, de manter.


3. Decisão

Face ao exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso, e, em consequência,

-  absolve-se o arguido da prática de dez crimes de abuso sexual de crianças na forma agravada dos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), CP, antes o condenando como autor de dez crimes  de abuso sexual de crianças do art. 171.º, n. º 1, do CP;

-  condena-se em cinco penas de três anos de prisão (ofendido CC) e em cinco penas de três anos e seis meses de prisão (ofendido DD) por estes dez crimes do art. 171.º, n.º 1, do CP;

- reduz-se a pena única para oito anos de prisão, na reformulação do cúmulo jurídico das penas principais;

- mantém-se em tudo o mais o acórdão.

Sem custas.


Lisboa, 07.07.2021

Ana Barata Brito

Tem voto de conformidade da Sra. Conselheira Adjunta Maria da Conceição Simão Gomes