Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1177
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIO MENDES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
DANO MORTE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200806050011776
Data do Acordão: 06/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - Resultando dos factos provados que o acidente de viação, no qual perdeu a vida o marido da Autora, se deveu à conduta do Réu, trabalhador da Ré Brisa, pelo facto de este Réu ter atravessado inopinadamente a faixa de rodagem da auto-estrada, provocando o despiste do veículo no qual seguia a vítima, e estando o risco do acidente coberto pelo seguro de responsabilidade civil geral (e não de responsabilidade civil automóvel) celebrado entre a Ré Brisa e a Ré seguradora, devia a sentença ter condenado todos os Réus no pagamento da indemnização, ao invés de se ter limitado a condenar a Ré seguradora, absolvendo os demais Réus do pedido, com o fundamento de que “o total indemnizatório fica aquém do limite do seguro”.
II - Apesar do trânsito em julgado da decisão final absolutória daqueles co-Réus, encontra-se, igualmente com trânsito em julgado, definitivamente decidido e assente que o facto gerador da responsabilidade civil que na acção se invoca é da exclusiva responsabilidade do Réu e, consequentemente da Ré Brisa, pois actuava no quadro das funções que nesta profissionalmente desempenhava (art. 500.º, n.º 2, ex vi do art. 163.º, ambos do CC).
III - Provando-se que a vítima, na altura do acidente, tinha 51 anos de idade, era um profissional prestigiado e com boa situação económica, socialmente respeitado e disponível, com grande alegria de viver, carinhoso e afectuoso na sua vida familiar, tendo a sua morte resultado exclusivamente da conduta imprevidente do Réu, afigura-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais próprios (desgosto com a morte) em 25.000 € para a viúva e 20.000 € para os filhos.
IV - É ajustado fixar o montante da indemnização devida pela supressão do direito à vida em 49.879,79 €, por ser o montante indicado pelos Autores e que se aproxima dos valores habitualmente fixados pela jurisprudência.
V - Atendendo a que a vítima era professor universitário e director-geral de uma empresa de que era sócio-gerente, auferindo proventos mensais líquidos na ordem dos 15.000 €, e que os filhos embora vivessem então com os pais, na dependência destes, vieram, após o acidente, a completar as suas licenciaturas, só à viúva deverá ser atribuída uma indemnização pela perda da capacidade de ganho do marido, afigurando-se adequado fixar o montante da mesma em 150.000 €.
Decisão Texto Integral:
Revista nº 1177/08.1


Recorrentes: AA, SA; BB e outros.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. BB, CC, e DD instauraram a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra EE, BRISA – AUTO ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. e COMPANHIA DE SEGUROS FIELIDADE, S.A., alegando:

Os Autores são viúva e filhos de FF, que faleceu em consequência das lesões sofridas num acidente de viação, ocorrido no dia 02 de Abril de 1996, na Auto-Estrada do Norte (AE1), ao Km 50,250, quando conduzia a sua viatura, com a matrícula ........, pela faixa direita da estrada, considerando o no sentido que então levava, Lisboa Porto.
O acidente ficou a dever-se ao facto de, inesperadamente, lhe ter surgido à frente da viatura, em plena faixa de rodagem, o peão e ora réu EE.
Para evitar a colisão frontal com o mencionado EE, FF guinou para a faixa esquerda, mas embateu no separador central, acabou por sair da faixa de rodagem, capotou e ficou imobilizado num talude que ladeia a auto-estrada pelo lado direito.
EE é empregado da ré Brisa e, na altura, dirigia-se para uma caixa de papel, que se encontrava caída na faixa de rodagem, junto ao separador central, após ter parado e saído duma viatura da sua entidade patronal, sem que tivesse atentado na proximidade da viatura conduzida por .........
A Brisa havia transferido a sua responsabilidade civil para a Companhia de Seguros Fidelidade, S.A.
Após descrever os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, termina pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhes o montante de 241.316.000$00, acrescido de juros de mora, contados a partir da citação.



Citados os Réus, contestaram, alegando:

a) A COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE, S.A.

Que apesar de Seguradora da Brisa. nenhuma responsabilidade é imputável a esta Ré, pois o seu empregado EE actuou com cuidado, atenção e zelo no desempenho das suas funções.
Parou a viatura que conduzia totalmente fora da faixa de rodagem, ligou os quatro piscas e as luzes rotativas colocadas no tejadilho. Quando saiu da viatura e fechou a porta, foi embatido pelo veículo conduzido por ........, que era propriedade de ..... – Sistemas de Qualidade Indústrias e Serviços, Ldª e na altura animada com uma velocidade superior a 120 Km/Hora.
Após invocar o desconhecimento dos factos de natureza pessoal, termina concluindo pela improcedência da acção.

b) A BRISA AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A.

Após ter estacionado a viatura onde seguia, fora da faixa de rodagem e ligado a sinalização luminosa, o seu funcionário EE, saiu da mesma. Todavia, ainda antes de se virar para a faixa de rodagem, foi colhido, na berma, pelo veículo conduzido por FF.
A velocidade com que FF circulava, era superior a 120 Km/H e, tanto assim, que a viatura só se imobilizou após percorrer 150 metros e derrubado cinco chapas do separador central, cada uma com quatro metros de comprimento.
Impugna os factos relacionados com os danos peticionados e termina concluindo pela improcedência da acção.

c) O EE

Alega conforme o fez a sua entidade patronal e conclui pela improcedência da acção.

A folhas 452, vieram os Réus apresentar um articulado superveniente, nos termos dos artigos 506º a 508º, do Código de Processo Civil, alegando:

Tiveram, agora, os Réus conhecimento, que o acidente dos autos foi, em relação a FF, simultaneamente, de viação e de trabalho, pois na altura em que ocorreu, conduzia a viatura ........ ao serviço de ..... – Sistemas de Qualidade Industriais e Serviços, Ldª.



A autora BB tem vindo a receber da Companhia de Seguros Império, S.A., desde 03 de Abril de 1996, uma pensão anual e vitalícia de 910.728$00, que se manterá até à idade de reforma, passando depois para 1.214.304$00, actualizadas nos termos do Decreto-Lei nº 142/99.
As indemnizações não são cumuláveis.

Seguiram-se os demais termos processuais e procedeu-se a audiência de discussão e julgamento.

Julgaram-se provados os seguintes factos:

1 – Os autores são viúva e filhos de FF, que faleceu num acidente de viação ocorrido em 2 de Abril de 1996, na Auto-Estrada do Norte - al. A.

2 - Naquele dia, FF conduzia o veículo com a matrícula ........ pela faixa da direita da Auto-Estrada, no sentido Lisboa Porto - art. 1. °.

3 - O réu EE conduzia uma carrinha da ré Brisa, SA, no sentido Sul Norte, em direcção a Santarém - al. G.

4 - Nessa mesma carrinha seguiam, além do réu EE, os seus colegas de trabalho GG, HH e II - al. H.

5 -Ao chegarem ao quilómetro 50,250 da Auto-Estrada, avistaram uma caixa de papel junto ao separador central - al. I.

6 - E com a intenção de apanharem tal caixa, o réu EE parou a carrinha na berma direita da Auto-Estrada, que tem 3,5 metros (de largura), encostou-a o mais possível à direita e estacionou-a totalmente fora da faixa de rodagem - al. J e arts. 75. °, 79.° e 101º.

7 - Antes de estacionar, o réu EE ligou os quatro pisca-piscas da viatura e os "pirilampos" (luzes rotativas) localizadas no tejadilho - art. 67. °.



8 - Ao quilómetro 50,250, o réu EE, querendo deslocar-se na direcção da caixa de papel referida na al. I, saiu da carrinha e fechou a porta, tendo momentos depois iniciado a travessia da faixa de rodagem da direita para a esquerda, considerando o sentido de marcha do veículo BB, passando para o efeito pela frente do veículo da ré Brisa que se encontrava parado na berma direita, sendo que foi nesse momento que se deu o acidente - arts. 2. °, 10.°, 11.° e 12º.

9 - O condutor do veículo BB, ao aperceber-se da presença inesperada do peão na via, guinou para a esquerda por forma a evitar o embate frontal, não tendo conseguido evitar o embate naquele com a parte lateral direita do veículo - arts. 3. °, 4.° e 6.º.

10 -O puxador da porta lateral direita prendeu-se na farda do réu EE - art. 82.°.

11 - A farda não resistiu e quando se rasgou o réu EE foi projectado para o meio da faixa de rodagem, onde caiu - art. 84º.

12 - No puxador da porta ficaram presos restos da farda do réu EE, o que foi visto por funcionários da Brisa que estiveram no local - arts. 86. ° e 87. °.

13 - Após o embate o réu EE ficou caído sobre a faixa de rodagem do lado esquerdo, junto à linha divisória das duas faixas de rodagem, a 3,80 metros da linha delimitadora da faixa de rodagem do lado direito - arts. 5. ° e 74.°.

14 - Após ter embatido no réu EE, o condutor do veículo BB perdeu o seu controlo, entrou em despiste para o lado esquerdo, colidiu com a frente do lado esquerdo no separador central, inflectiu para a direita (berma), percorreu cerca de 144 metros descontroladamente, indo imobilizar-se no talude que ladeia a Auto-Estrada do lado direito, onde capotou, a 151 metros de distância do quilómetro 50,250 - arts. 7., 8. ° e 9. °

15 - Este acidente provocou em FF traumatismo crâneo-encefálico, que foi causa da sua morte - al. B.



16 - O relatório de autópsia revela que a vítima apresentava ferida inciso-contusa do supra-cilio, infiltração sanguínea dos músculos intercostais, focos de contusão pulmonar, focos de contusão hemorrágica a nível do lobo parietal e temporal, hemorragia cerebral e meníngea, sendo tais lesões causa adequada da morte - al. C.

17 - Do acidente resultaram para o réu EE, entre outras lesões de menor gravidade, a bacia partida e o maxilar superior e cana do nariz partidos - art. 85.º.

18 - Em consequência do embate o separador central ficou danificado - art. 92. °.

19 - O veículo BB estava a poucos metros da carrinha da ré Brisa no momento em que o réu EE iniciou a travessia da faixa de rodagem - art. 16. °.

20 - A distância entre os pontos b (peão caído na via) e f (local de embate no separador central, após o embate no peão) assinalados no esboço de fls. 26 é de 6,10 metros - art. 73.º.

21 - Era de dia e o tempo estava bom - art. 91. °.

22 - O local do acidente é de muito boa visibilidade, atento o sentido de trânsito do veículo ........ - art. 88.º.

23 - O seu condutor poderia avistar o local onde o acidente ocorreu e a carrinha da Brisa parada a uma distância de 500/600 metros - arts. 89.º e 90. °.

24 - O réu EE é empregado da ré Brisa, SA, e é um dos elementos que integra a equipa de manutenção e conservação do troço da Auto-Estrada entre Sacavém e Santarém - al. D e E.

25 - O réu EE integrava o sector denominado Obra Civil, do Centro de Assistência e Manutenção do Carregado - art. 77.º.

26 - Entre outras obrigações dos funcionários da Obra Civil, conta­-se o de remover aquilo que se encontre na faixa de rodagem da Auto-­Estrada que possa fazer perigar a segurança do tráfego - art. 78.º.




27 - O réu EE estava, na altura do acidente, ao serviço da ré Brisa, SA, e actuava no interesse e por conta desta - al. F e art. 20. °.

28 - O acidente foi comunicado para o Centro de Assistência e Manutenção do Carregado da ré Brisa via rádio por um dos seus funcionários que se encontravam no local- art. 76. °

29 - FF era um condutor experiente, com carta de condução há 30 anos e sem acidentes - art. 17. °

30 - Até por formação profissional de base - Engenheiro Mecânico -conhecia bem o comportamento e possibilidades do automóvel - art. 18. °.

31 - Nasceu no dia 3 de Fevereiro de 1945, não sofria de qualquer doença, tinha com a sua saúde uma enorme preocupação, não fumava, raramente ingeria bebidas alcoólicas e detinha uma elevada qualificação científica, técnica e profissional, que havia atingido ao longo de mais de 15 anos de estudos superiores - documento de fls. 210 e arts. 22. °, 23.º, 24. °, 25.° e 26. °.

32 - Licenciou-se pelo Instituto Superior Técnico, em Lisboa, em Engenharia Mecânica, e efectuou de seguida uma pós-graduação em Engenharia Nuclear, com especialização em Materiais e Tecnologias de Reactores - Génie Atomique - Saclay - arts. 27. ° e 28. °.

33 - Especializou-se em "Quality Assurance" no Argonne National Laboratory, nos Estados Unidos da América, e na Universidade de Quelph, Ontário, Canadá - 29. °.

34 - Nos anos de 1988 e 1989, desenvolveu um programa de Alta Direcção de Empresa (esquema do lESE da Universidade de Navarra e Harvard Business School) - 30. °.

35 - Doutorou-se no Instituto Superior Técnico na área da Qualidade e foi o primeiro doutorado português em Engenharia da Qualidade - arts. 31. ° e 32. °.

36 - Era docente universitário e leccionava na área da Engenharia da Qualidade - arts. 33.°, 34.° e 35.°.

37 - Participava activamente em importantes Comissões de Normalização - art. 36.°.



38 - Era membro participante do Comité Internacional da ISO CT 176 desde 1981 para elaboração das normas ISO 2000 - Sistemas de Qualidade - art. 37.°.

39 - Era membro da CT.80 para a normalização portuguesa (IPQ) - ­art. 38.°.

40 - Era membro do Conselho Nacional da Qualidade desde 1993 ­- art. 39.°.

41 - A eventual participação em comissões de normalização e outras constitui um factor de prestígio e reconhecimento técnico - art. 94.°.

42 - Tinha documentação publicada em Portugal e no estrangeiro - ­art. 40.°.

43 - Participava frequentemente em conferências internacionais com os mais reputados especialistas mundiais da sua área de conhecimentos ­- a Engenharia da Qualidade - e tinha elevada experiência profissional nesta área - arts. 41.° e 42.°.

44 - Fundou com a sua mulher, aqui autora, a sociedade QTIS - ­Qualidade Total, Indústria e Serviços, Lda, através da qual prestou serviços a diversas empresas - 43.°.

45 - Parte do capital social (90%) de tal sociedade, que era de 1.000.000$00, foi adquirido pela ..... Portugal, Lda, ao falecido FF e à aqui autora, pelo montante de 120.000.000$00 - art. 44.°

46 - Sendo certo que o activo dessa empresa adquirido pela ..... Portugal, Lda, não tinha qualquer significado para além dos conhecimentos científicos e experiência profissional daquele - art. 45.°.

47 - Com a ..... Portugal, Lda, FF fundou a ..... - Sistemas de Qualidade, em cujo capital de 3.000.000$00 detinha uma quota de 1.440.000$00, correspondente a 48% - art. 46.°

48 - Além de sócio-gerente, desempenhava, à data da sua morte, as funções de director-geral da ..... - Sistemas de Qualidade, Lda - art. 47.°



49 - Na qualidade de director-geral da ..... - Sistemas de Qualidade, Lda, acompanhava como consultor mais de 90 empresas já certificadas e em processo de certificação - art. 48.°.

50 - A ..... - Sistemas de Qualidade, Lda, continua a desenvolver a sua actividade com outra pessoa a realizar o trabalho antes realizado pelo falecido FF - art. 97.°.

51 - Foi igualmente fundador, com os autores, de uma sociedade denominada G.E.G.- Gestão Empresarial Global, Lda, através da qual prestava serviços profissionais como consultor independente - art. 49.°.

52 - Dão-se aqui por reproduzidas o conteúdo das declarações de rendimentos de fls. 55 a 70 - arts. 50.° e 54.°.

53 - Pode considerar-se como rendimento o preço da cessão de quotas da sociedade QTIS- Qualidade Total, Indústrias e Serviços, Lda, a favor da ..... - Sistemas de Qualidade, Lda - art. 51.°.

54 - Esta aquisição correspondeu a uma forma de remuneração do falecido FF, uma vez que a sociedade não detinha outros "activos" - arts. 52.° e 53.°.

55 - Uma pessoa com a capacidade científica e experiência profissional semelhantes à da vítima receberia proventos mensais líquidos na ordem dos 3.000.000$00 - arts. 55.° e 56.°.

56 - Apesar da multiplicidade das suas tarefas profissionais, o falecido FF mostrava-se sempre disponível para atender aos problemas dos outros, fossem amigos ou não - art. 57.°.

57 - Mostrava-se disponível e participava em obras e acções sociais diversas, como o Rotary Clube (de Benfica), Paróquia da Luz, Associação de Apoio a Toxicodependentes e outras - art. 58.°.

58 - Atribuía enorme importância à família e com sua mulher e filhos mantinha um elevado nível de amor, carinho e afectividade que era visível no dia a dia de todos com quem contactava - art. 59.°.



60 - Era uma pessoa alegre, espirituosa e uma companhia apreciada por todos quantos o conheciam - art. 60.°.

61 - Era uma pessoa afável e aberta - art. 61.º.

62 - A sua morte provocou enorme dor e consternação nos autores - ­art. 62.°.

63 - A dor e a consternação persiste e são mais visíveis na vida da autora - art. 63.°.

64 - Os autores CC e DD eram solteiros e viviam com os pais, sendo deles dependentes - art. 64.°.

65 - Após o acidente, e em data não concretamente apurada, o autor CC licenciou-se em Direito e o autor DDa licenciou-se em Gestão de Empresas - art. 99.°

66 - Após o acidente, e em data não concretamente apurada, o autor CC contraiu casamento e passou a viver em morada diversa da de sua mãe - art. 100.°.

67 - Os professores universitários jubilam-se aos 70 anos - art. 65.°.

68 - A visibilidade nas Auto-Estradas construídas pela ré Brisa é de, pelo menos, 250 metros - art. 68.°.

69 - A ré Brisa transferiu para a ré Companhia de Seguros Fidelidade a responsabilidade civil pelas indemnizações que lhe sejam exigidas por terceiros, até ao limite de 150.000.000$00, por sinistro e por ano, conforme apólice n.º../..... - al. L.

Considerando que os autores não impugnaram os factos alegados no articulado superveniente, bem como o conteúdo dos documentos de fls. 454 a 457, está ainda provada a seguinte matéria:

70 - O acidente ocorreu quando o sinistrado FF conduzia o veículo com a matrícula ........ ao serviço da sociedade ..... - Sistemas de Qualidade, Industriais e Serviços, Lda, na qualidade de gerente da mesma.





71 - A autora BB tem vindo a receber da Companhia de Seguros Império, SA, com início em 3 de Abril de 1996, uma pensão anual e vitalícia de 910.728$00, que se manterá até à idade da reforma.

72 - A partir dessa data receberá uma pensão anual e vitalícia de 1.214.304$00, tudo nos termos do auto de conciliação que sob o n.º 109/97 correu termos pela 1ª secção do 4.° Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa.

Com base em tal factualidade foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e a ré AA, S.A. condenada a pagar:

A - aos autores a quantia de € 290.000,00 (duzentos e noventa mil euros), a título de lucros cessantes, acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e até integral pagamento, calculados segundo as taxas legais que sucessivamente têm vigorado;

B – 40.000,00 € a título de compensação pela perda do direito à vida;

C - à autora BB da Silva Ferreira Lopes Pereira a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e até integral pagamento, calculados segundo as taxas legais que sucessivamente têm vigorado;

D - ao autor CC a quantia de € 18.000,00, acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e até integral pagamento, calculados segundo as taxas legais que sucessivamente têm vigorado;

E - ao autor DD a quantia de € 18.000,00, acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e até integral pagamento, calculados segundo as taxas legais que sucessivamente têm vigorado.
Foram absolvidos do pedido os Réus EE e Brisa - Auto­-Estradas de Portugal, SA.

A R AA, S.A. e os AA, não conformados interpuseram recursos de apelação.






Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora (fls. 1379 a 1424) foi julgada parcialmente procedente a apelação interposta pela R seguradora revogando-se a sentença recorrida na parte em que a condenou a pagar aos AA uma indemnização por danos patrimoniais futuros.

II. Deste acórdão interpuseram a mesma referida R e os AA o presente recurso de revista.

Nas conclusões da sua alegação diz, em síntese, a R Fidelidade que:
a) Nos termos das condições da apólice (artigo 1º das condições gerais) garantiu até ao montante de 748196,85, a responsabilidade civil a responsabilidade civil por indemnizações que, nos termos da lei, a R Brisa seja condenada a pagar por prejuízos causados a terceiros, quando resultantes de actos ou factos que integrem a responsabilidade civil coberta pelo seguro;
b) Estamos perante um contrato de seguro facultativo sendo que a Fidelidade só responde na medida e quando a Brisa for responsabilizada pelo pagamento de qualquer indemnização a terceiro;
c) No caso dos autos a Brisa e o seu empregado EE foram absolvidos do pedido por decisão transitada em julgado;
d) Apesar de no acórdão recorrido se ter entendido que houve lapso material nesta absolvição não estão reunidos os pressupostos relativos à existência e consequente rectificação de lapso material, antes havendo erro de julgamento, dado que a absolvição decorre necessariamente da fundamentação apresentada;
e) O erro de julgamento só pode ser atacado por via de recurso e como tal decisão não foi impugnada transitou em julgado;
f) A absolvição da Brisa e do seu empregado impõe a absolvição do pedido da Fidelidade;
g) Acresce que o Tribunal da Relação diz rectificar o lapso mas não condena, consequentemente, a Brisa e o seu empregado;
h) Por ultimo acrescenta que se (por absurdo) assim não se entender as indemnizações por danos não patrimoniais a favor da A mulher e dos AA filhos devem ser fixadas, de acordo com a melhor orientação jurisprudencial e equidade, em € 15000 e € 10000, respectivamente, para cada um deles.

Contra alegaram os AA rebatendo os argumentos da R seguradora e afirmando, fundamentalmente, que:
a) a alegada absolvição dos RR Brisa e Teço não transitou em julgado porquanto os AA recorreram de tal absolvição;
b) A absolvição dos ditos RR constitui erro material;
c) O Tribunal, na fundamentação (de facto e de direito) atribui culpa exclusiva na produção do acidente ao R Teco e à sua entidade patronal (ao serviço de quem se encontrava) a R Brisa;
d) Absolvendo-os com único fundamento de a indemnização arbitrada se compreender nos limites do capital seguro.

Nas conclusões da sua alegação dizem, em síntese os AA BB a e outros que:
a) O Acórdão recorrido, ao decidir negar aos AA o direito de indemnização por danos patrimoniais (lucros cessantes), com fundamento em que aqueles danos são devidos por força do artigo 495º nº 3 CC, fez incorrecta interpretação e aplicação da lei;
b) A indemnização que pedem a título de lucros cessantes não se baseia no direito a alimentos mas sim no direito a indemnização por perda absoluta do rendimento que seria realizado pela vitima (cônjuge e pai dos AA) se não fosse o seu falecimento;
c) Estando a A casada em regime de comunhão de adquiridos com a vitima o produto do trabalho dos cônjuges é bem comum (artigo 1724º CC);
d) Sendo a perda de rendimentos do trabalho resultante da morte da vitima um dano patrimonialmente ressarcível;
e) Os AA têm direito a indemnização por danos futuros, por força dos artigos 483º nº 1, 562º e 564º CC;
f) Estando provado que a culpa na produção do acidente é exclusivamente do R Teco, trabalhador da Brisa, existe obrigação de indemnizar os AA pelo referido dano que, após várias considerações quantificam em € 1004159,97;
g) Após demais fundamentação acrescentam que a indemnização pela perda do direito à vida deverá ser computada em € 49879,79;
h) Os danos morais devidos à A BB no mesmo montante;
i) E aos restantes AA (filhos do falecido) a quantia de € 45000, a cada um;
j) Porque o total indemnizatório ultrapassa o limite do capital seguro a condenação deverá estender-se aos restantes RR que responderão solidariamente pelo remanescente do valor.





Contra alegou a R seguradora afirmando que os AA não têm, conforme o decidido em 2ª Instancia, direito a indemnização por danos patrimoniais futuros dado que a previsão do artigo 483º nº 1 CC só se aplica ao próprio lesado e que, ainda, os AA não alegaram que estavam a receber alimentos do falecido ou que deles irão ter necessidade.
Reafirma o trânsito em julgado da decisão absolutória dos RR Teco e Brisa.

III. Analisaremos de seguida as diversas questões colocadas no quadro de apreciação e decisão deste recurso.

A primeira questão que é colocada tem a ver com o segmento em que a recorrente seguradora pretende tirar efeitos do alegado transito em julgado da decisão na parte em que absolveu do pedido os RR EE e a Brisa.

A apreciação/decisão deste primeiro fundamento do recurso (suscitado pela seguradora) será analisada em primeiro lugar quanto a saber-se se existe ou não transito em julgado da decisão absolutória daqueles RR e, em segundo lugar, quais os efeitos dessa decisão.

A posição da recorrente seguradora é rebatida pelos recorrentes AA, fazendo-o com argumento em que quer na apelação, quer neste recurso de revista suscitaram a questão da absolvição daqueles RR.
Analisando a sentença da 1ª Instancia temos que nesta se decidiu pela absolvição do pedido dos co-RR Brisa e EE com exclusivo fundamento em que (fls. 703) ficando o total indemnizatório aquém do limite do seguro a responsabilidade recai unicamente sobre a R seguradora”; isto depois de na fundamentação (fls. 696) se concluir que o acidente se deveu única e exclusivamente á conduta do trabalhador da Brisa, o também R EE”.
Vejamos, pois, em primeiro lugar se efectivamente a sentença transitou, nesse segmento, em julgado.
Constitui jurisprudência uniforme aquela que vai no sentido da delimitação do âmbito objectivo e subjectivo do recurso decorrer do conteúdo das conclusões da alegação (neste sentido o Acórdão deste STJ de 14/4/99, in BMJ 486/279).
Apesar do que é referido pelos AA apelantes em nenhuma das conclusões da alegação de recurso de apelação é colocada em causa a questão da absolvição do pedido dos RR EE e Brisa, absolvição essa que, de acordo com a sentença, resultará, ainda que tal não seja explicitamente referido, do normativo contido no artigo 29º nº 1 do DL 522/85, de 31/12.



Talvez por isso mesmo, por os recorrentes AA não suscitarem a questão, o Acórdão recorrido procurou justificar aquela absolvição com a tese de verificação de um erro material, que diz existir mas do qual não tira, a final, quaisquer conclusões.
Uma vez que este aspecto se encontra também suscitado no âmbito deste recurso – conclusões da alegação da R seguradora e contra alegação dos AA – e é relevante para a decisão da questão concreta em apreciação, sobre ele diremos que não há qualquer razão ou fundamento para a invocação de erro material na sentença, neste preciso segmento; a decidida absolvição dos RR EE e Brisa não decorre de qualquer erro de escrita ou lapso manifesto antes aparecendo conscientemente ou volitivamente sustentada como decorrente da norma processual contida no artigo 29º nº 1 do diploma legal supracitado. Trata-se de um manifesto erro de julgamento uma vez que, mesmo que ao caso seja aplicável a antecedentemente citada disposição legal (analisaremos posteriormente esta questão), sempre aqueles RR deveriam ter sido condenados, solidariamente com a seguradora – está demonstrada a culpa exclusiva do R EE e a consequente responsabilidade da Brisa, enquanto sua entidade patronal – uma vez que a indemnização pedida é superior ao valor máximo do capital seguro.
Não há lugar á aplicação oficiosa do disposto no artigo 667º CPC e não há duvida que não tendo a questão da absolvição do pedido dos RR EE e Brisa sido suscitada nas conclusões da alegação de recurso de apelação tal absolvição (do pedido) transitou em julgado (1)..

Passando ao segundo aspecto desta mesma questão deverá analisar-se se do transito em julgado da decisão absolutória da Brisa, segurada na R recorrente, nos termos em que tal absolvição é sustentada, decorre necessariamente a absolvição desta (seguradora).

Como já referimos a sentença recorrida dá como provada a culpa exclusiva na produção do acidente de viação que vitimou o marido e pai dos AA do R EE – trabalhador da R Brisa e ao serviço desta – que atravessou a pé a faixa da auto-estrada por onde circulava a viatura conduzida pela vitima ocasionando o seu despiste e os consequentes e gravíssimos danos.



Não abrangendo o recurso de revista interposto pela R seguradora (os outros co-RR não recorreram do Acórdão da 2ª Instancia) a questão da culpa na produção do acidente esse segmento decisório transitou igualmente em julgado já que, como entendemos, o alcance do caso julgado a que alude o artigo 673º CPC reporta-se a todo o objecto da causa (definitivamente decidido) e não apenas à decisão final de procedência ou improcedência; significa isto que, apesar do transito em julgado da referida decisão final absolutória daqueles co-RR (2)”., se encontra, igualmente com transito em julgado, definitivamente decidido e assente que o facto gerador da responsabilidade civil que na acção se invoca (causa de pedir) é da exclusiva responsabilidade do R EE e, consequentemente da Brisa (segurada na R Fidelidade), por que este actuava no quadro das funções que nesta profissionalmente desempenhava - artigo 500 nº 2, ex-vi do artigo 163º, ambos do Código Civil.
Não se tratando, como bem é referido, de um seguro de responsabilidade civil automóvel mas antes de um seguro de responsabilidade civil geral não há duvida – não está sequer posto em causa pela seguradora nem poderia estar dadas as condições da apólice – que tal seguro cobre o risco aqui em causa.
Por outro lado, e apesar da sentença ter absolvido os RR EE e Brisa do pedido quanto a eles formulado – em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 29º do DL 522/85 – também não há duvida que, como dissemos, o acidente se deveu a culpa exclusiva do trabalhador da R (segurada).
A decidida absolvição do pedido dos co-RR (EE e Brisa) não tem como fundamento razões de natureza substantiva (considera-os, antes, civilmente responsáveis) mas tão-só uma razão de natureza adjectiva alicerçada numa errada interpretação/aplicação do supracitado artigo 29º do DL 522/85.
A partir deste dado temos que o contrato de seguro de responsabilidade civil geral - que apenas diverge do obrigatório pelo facto de este cobrir necessariamente um risco tipificado e ter um capital mínimo definido por lei e não pela vontade das partes – determina uma relação contratual na qual nasce para a seguradora a obrigação de reparar danos sofridos por eventual vitima de actos geradores da responsabilidade civil do segurado.


Para que a responsabilidade da seguradora exista, dentro obviamente dos limites do capital seguro, não se exige a condenação judicial (solidária(3)) do segurado mas apenas o reconhecimento (neste caso judicial) da responsabilidade do segurado (4) no evento (risco coberto) de que resultou a produção dos danos que são reclamados.
De acordo com a doutrina e jurisprudência tradicional a principal finalidade do contrato de seguro de responsabilidade civil – obrigatório ou facultativo – consiste na transferência do “risco” do segurado para a seguradora, consolidada no contrato; com essa “transferência de risco” e em caso de ocorrência de sinistro (coberto ou previsto no contrato) tem a seguradora obrigação de indemnizar terceiro lesado dos danos e prejuízos sofridos resultantes de acto da responsabilidade do segurado (5).
Decidida a responsabilidade do segurado no evento determinante do dano e a cobertura deste pelo contrato de seguro existe responsabilidade da própria da seguradora pela indemnização, enquanto medida do dano, desde que compreendida dentro dos limites do capital seguro (6).
Ao contrário do que defende a recorrente seguradora (diga-se que com alguma contradição argumentativa com a posição que assume nos autos) a absolvição (do pedido) dos co-RR, nos precisos termos em que se encontra sustentada, não implica a sua absolvição do pedido de satisfação do montante indemnizatório (dentro do limite do capital seguro).
A única consequência desse segmento decisório, consequente ao seu transito em julgado, será a de que caso a indemnização venha, conforme se reclama, a ser arbitrada em montante superior ao capital seguro já os co-RR Brisa e EE não poderão vir a ser condenados na parte excedente à responsabilidade da seguradora por efeito do caso julgado sobre tal decisão absolutória.

Nestes termos e com os fundamentos expostos, improcede este segmento do recurso da seguradora.

Passamos a uma segunda questão que é suscitada – comum aos dois recursos interpostos e relativa à quantificação dos danos não patrimoniais (próprios) sofridos pelos AA (mulher e filhos da infeliz vítima).

O Acórdão recorrido confirmou, neste especifico aspecto, o decidido em 1ª Instancia quantificando esse dano numa indemnização (parcial) de € 25000 para a A BB e € 18000 para cada um dos restantes AA.
Enquanto os AA pedem, pelas razões que invocam, a quantificação desse segmento indemnizatório em € 49879,79 para a A (mulher) e € 45000 para cada um dos AA (filhos), a R seguradora entende que a melhor jurisprudência leva à fixação desses valores em € 15000 e € 10000, respectivamente.
Nos termos do disposto no artigo 496º nº 3 CC a indemnização por danos não patrimoniais (ou morais) deverá ser fixada segundo critérios de equidade, acrescentando-se que deverão ser tidas em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º; significa isto que não poderão ser indiferentes ao estabelecimento do computo indemnizatório aspectos relacionados com a estrutura da sua vida familiar (ainda que para tanto se tenha que entrar no campo extremamente subjectivo da ponderação/avaliação dos afectos) e/ou com o papel (mais ou menos relevante) que a vitima desempenhava na sociedade.
A matéria factual provada revela-nos que a vitima, na altura com 51 anos de idade, era um profissional altamente prestigiado e com consequente boa situação económica, socialmente respeitado e disponível, com grande alegria de viver, carinhoso e afectuoso na sua vida familiar à qual dava enorme importância; como é normal nestas circunstâncias a sua morte causou enorme e permanente dor na sua mulher e filhos (os aqui AA).
O acidente de que resultou a sua morte ocorreu numa auto-estrada explorada pela R Brisa e resultou exclusivamente da conduta absolutamente imprevidente de um trabalhador desta (o R EE) que violou elementares regras de segurança que devem ser observadas em vias desta natureza.
Estes factos deverão ser ponderados no estabelecimento do cômputo indemnizatório relativo aos danos morais próprios dos seus herdeiros ainda que daí resulte um elevado grau de subjectividade na avaliação, subjectividade que apenas poderá ser mitigada pela via do recurso a precedentes jurisprudenciais (não obviamente no sentido dos sistemas anglo-saxónicos).



Cada vez mais a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a afastar a corrente que consagrava um carácter mais ou menos simbólico a este tipo de indemnização, privilegiando “a contrario” valores verdadeiramente ressarcitórios.
Só desta forma se procede a uma verdadeira compensação do dano moral e só desta forma se atende à vertente preventiva/punitiva que deve integrar a indemnização por responsabilidade civil extracontratual.
Perante os elementos de facto descritos e tendo por parâmetro, na antecedente jurisprudência deste STJ, o Acórdão de 24/10/2006(7). entendemos, neste particular ponto do recurso, conceder parcial revista ao recurso dos AA fixando, por mais justa em termos de equidade, a indemnização devida por danos não patrimoniais próprios em € 25000 para a A BB e em € 20000 para os AA CC e DD (importâncias a que acrescem juros de mora às taxas legais sucessivamente em vigor desde a citação até efectivo e integral pagamento).

Concede-se, neste especifico aspecto, parcial provimento à revista dos AA, negando-se, no mesmo segmento, a revista à R.

Passamos, agora, à terceira questão, suscitada apenas na revista dos AA – da quantificação da indemnização devida pela perda do direito à vida.

Não está minimamente colocada a questão deste dano da morte ou dano por privação da vida (danno da privazione della vita, na doutrina italiana) constituir um dano autonomamente indemnizável (8)., centrando-se a mesma exclusivamente na determinação do “quantum” indemnizatório por tal dano.
Por razões que sucintamente são expostas a sentença de 1ª Instancia valorou esse dano em € 40000, valoração essa que foi mantida no Acórdão recorrido.
Invocando antecedentes da nossa jurisprudência sustentam os AA que a indemnização por tal dano deve ser fixada em € 49879,79.
A vida constitui valor supremo e absoluto independente das características próprias de cada ser humano; no plano inverso a morte é o prejuízo supremo no plano dos interesses tutelados pela ordem jurídica. Por isto mesmo o dano não patrimonial autónomo pela perda do direito à vida deve, dentro de critérios de equidade, ser ressarcido por forma garantir a elevada dignidade que lhe está subjacente e não de forma meramente simbólica.


Antes de referir recentes antecedentes jurisprudenciais do STJ quanto à valoração deste dano não se pode deixar de salientar que, por mera coincidência ou não, os valores arbitrados foram-se, sobretudo a partir de 2002, aproximando dos valores atribuídos pelo Executivo nas indemnizações atribuídas pelo direito à vida de cada vitima do trágico acidente de Entre-os- Rios - € 50000.
Percorrendo a jurisprudência recente (9). relativa a indemnização por supressão do direito à vida citamos, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos:
1) de 25/1/2002 – relator Conselheiro Silva Paixão - € 49879,79;
2) de 27/2/2003 – Conselheiro Ferreira Girão - € 50000;
3) de 16/1/2003 – Conselheiro Neves Ribeiro - € 50000;
4) de 17/10/2006 – Conselheiro Alberto Sobrinho - € 49879,79;
5) de 24/10/2006 – Conselheiro Azevedo Ramos – € 49879,79;
6) de 12/10/2006 – Conselheiro Sebastião Povoas - € 50000.

Não havendo razões para nos desviarmos destes montantes referencia concede-se a revista, neste particular segmento do recurso fixando-se em € 49879,79 (10) o montante da indemnização devida pela supressão do direito à vida do respectivo marido e pai.

Quanto á ultima questão suscitada no recurso dos AA – indemnização por danos patrimoniais futuros (lucros cessantes).
A sentença de 1ª Instancia atendeu a estes danos considerando-os indemnizáveis nos termos dos artigos 564º e 566º nº 3 CC, arbitrando aos AA uma indemnização de € 250000.
Por sua vez a Relação entendeu que tais danos não são indemnizáveis por não se encontrarem provados factos que demonstrassem que qualquer dos AA beneficiasse ou carecesse de alimentos por parte da infeliz vitima.
Os AA, inconformados, sustentam o direito ao ressarcimento por tais danos afirmando que o seu pedido não decorre do direito a alimentos, mas de danos patrimoniais sofridos pela vítima cujo quantum lhes é transmissível nos termos das disposições legais que citam.
Vejamos esta questão que, desde já o afirmamos, se não confunde com a antes analisada.


Tanto a maioria da doutrina como a maioria da jurisprudência deste STJ entende que a perda de rendimentos futuros resultante da morte de vítima (imediata) de acidente de viação gera ou pode gerar obrigação de indemnizar, quer por via do artigo 495º CC – no caso de essa indemnização ser exigida por beneficiários ou titulares do direito a alimentos – quer nos termos gerais dos artigos 483º nº 1, 562º e 566º nºs 2 e 3 do mesmo Código desde que, para tanto, reunidos os necessários pressupostos legais.
No caso dos autos, como foi bem entendido na sentença de 1ª Instancia e mal no Acórdão do Tribunal da Relação – os recorrentes AA – cônjuge e filhos maiores da vitima - não radicam o direito à indemnização reclamado neste segmento no direito a alimentos mas antes nos pressuposto gerais da responsabilidade civil - perda de rendimentos futuros decorrentes da morte do seu cônjuge e progenitor geradora de um consequente empobrecimento da sua esfera patrimonial (invocam lucros cessantes).
É pois nesta segunda vertente que deveremos analisar a questão.
Entende alguma jurisprudência do STJ – citam-se a título de exemplo os Acórdãos de 2/7/2003 (P. 03B4120 – relator Conselheiro Salvador da Costa) e de 27/1/2005 (P. 04B4277 – relator Conselheiro Noronha Nascimento) – que os sucessores da vitima de lesão mortal têm direito, por via sucessória, nos termos do artigo 2024º do Código Civil, à indemnização por danos patrimoniais futuros por ela sofridos relativos à perda de rendimento do trabalho.
Na lógica subjacente a esta posição os lucros cessantes consequentes à morte afectarão a esfera patrimonial da própria vitima e o direito à consequente indemnização transmite-se por via sucessória; assim, e dentro deste entendimento, serão titulares do direito à indemnização os herdeiros da vitima, no caso o cônjuge meeiro – artigos 1724º alínea a) 2132º e 2133º nº 1 alínea a) CC – e os filhos maiores – artigos 2132º e 2133º nº 1 alínea a) do mesmo Código.
Com todo o respeito pelos argumentos esgrimidos em defesa desta posição (se bem a entendemos nos seus fundamentos) entendemos não ser assim.
Na verdade é nosso entendimento que os danos futuros (no caso traduzidos em lucros cessantes) resultantes da perda de capacidade de ganho da vitima no caso de morte desta têm, ao contrário do que ocorre em caso de incapacidade total ou parcial permanente, reflexos não na esfera patrimonial da vitima mas antes os podendo, abstractamente, ter na esfera patrimonial dos que deixaram de obter benefícios em consequência da lesão (artigo 563º 2ª parte CC).



Tanto o cônjuge como os filhos (menores ou maiores, estes pelo menos no caso de se inserirem no quadro de previsão do artigo 1880º CC (11)) poderão, a título de lucros cessantes próprios (12) e verificados os pressupostos gerais da responsabilidade civil, reclamar uma indemnização pela morte do respectivo cônjuge e progenitor àquele que teve culpa na produção do evento mortal (ou á seguradora para quem por seguro válido tenha sido transferida a responsabilidade civil); nestes casos deve o tribunal valorar todas as circunstâncias do caso concreto indagando, com base em critérios de normalidade e verosimilhança, a existência de danos constituídos por benefícios ou vantagens que o cônjuge sobrevivo ou os filhos maiores deixaram de auferir em consequência da morte da vítima.
Como afirma João Álvaro Dias (13), poderão, no limite, tais benefícios ou vantagens não passar de expectativas juridicamente tuteladas com apreciável valor económico; ponto é, afirma o mesmo autor, que os critérios de normalidade ou previsibilidade (o normal acontecer das coisas) ancorada na experiência da vida e nas correspondentes presunções permitam inculcar no decisor a convicção necessária para que não subsistam dúvidas razoáveis sobre a certeza do dano sofrido.
Analisando a factualidade provada à luz do que para o caso é relevante, temos que a vitima:

a) era professor universitário e director-geral da ..... – Sistemas de Qualidade, Limitada, empresa de que era, igualmente sócio-gerente, tendo à data da morte 51 anos;
b) enquanto director-geral da ..... acompanhava como consultor mais de 90 empresas certificadas e a certificar;
c) fundou com os AA a sociedade GEG – Gestão Empresarial Global, Limitada, através da qual prestava serviços profissionais como consultor independente;
d) uma pessoa com a sua capacidade e experiencia profissional receberia proventos mensais líquidos na ordem dos 3.000.000$00 (+ ou - 15000 €);
e) entregou as declarações de rendimentos constantes de fls. 50 a 70;
f) atribuía enorme importância à família;


g) os filhos CC e DD viviam à data do acidente com os pais, na dependência destes;
h) após o acidente completaram as licenciaturas em Direito e Gestão, respectivamente;
i) após o acidente (data não apurada) o CC contraiu casamento passando a viver em casa própria;
j) a A BB tem vindo a receber da seguradora Império uma pensão anual vitalícia de 910.728$00 a qual após a reforma passará para 1.214.304$00.

De acordo com estes factos é absolutamente normal e razoável admitir, dentro de regras de experiencia comum, que com a morte de FF o seu cônjuge, a A BB, terá sofrido um prejuízo (lucro cessante), ela A (beneficiária, não esqueçamos, do dever de assistência que recaía sobre o falecido marido nos termos dos artigos 1675º nº 1 e 1676º nº 1 CC(14)), traduzido na violação das legitimas e juridicamente tuteladas expectativas em continuar a auferir de parte dos (avultados) rendimentos do seu marido.
Não temos qualquer duvida em afirmar que à A BB será devida uma indemnização, a titulo de lucros cessantes, pela perda da capacidade de ganho do falecido marido (consequente à morte deste).
O mesmo se não diga, no entanto, quanto aos filhos maiores. Por um lado estes terminaram a sua formação profissional em data não determinada posterior ao decesso do pai (cessou a obrigação que resultava do disposto no artigo 1880º CC) e por outro lado não ficou, como se imporia, demonstrado que beneficiassem antes da morte daquele de qualquer ajuda pecuniária específica e regular da sua parte da qual se viram privados, para além obviamente da que indirectamente resultaria do facto de estarem inseridos num meio familiar com rendimentos superiores à média.

A primeira conclusão a tirar da análise antes efectuada é a de que só a A BB tem, nos termos expostos o direito a ser indemnizada pelos lucros cessantes resultantes da perda da capacidade de ganho do falecido marido.
Como quantificar então esta indemnização.
De acordo com o regime regra o parâmetro a observar deve ter em conta a reposição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano, sendo a indemnização fixada em dinheiro quando (como ocorre) for inviável a reconstituição em espécie (artigos 562º e 566 nº 1 CC).



A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria se o dano não tivesse ocorrido; não se podendo quantificar exactamente o valor desse dano o tribunal julgará equitativamente ou seja através de recurso a elementos incontornavelmente subjectivos, ainda que por referencia ao maior numero possível de dados objectivos sindicáveis (no caso os dados resultantes da prova, acima descritos) - artigo 566º nºs 2 e 3 CC.
Tratando-se de um dano futuro no âmbito de um período mais ou menos longo de previsão aconselha-se a sua determinabilidade ou quantificação imediata a qual por natural dificuldade de cálculo aconselha mais uma utilização intensa a juízos de equidade que o recurso a formulas de base matemática (15).
Sabe-se que ao tempo do acidente mortal a vitima tinha 51 anos de idade, era professor universitário, gestor/consultor de empresas, empresário e auferia, pelo menos os rendimentos declarados nas declarações fiscais juntas aos autos. Não há qualquer prova relativamente à actividade profissional desenvolvida pela A (sua viúva) nem quanto a eventuais rendimentos desta, excepto que actualmente recebe a pensão (por morte) acima indicada.
Os dados objectivos são estes e os restantes elementos para cálculo da indemnização resultarão de raciocínios lógicos de probabilidade, segundo o princípio id quod plerumque accidit – a equidade imporá a correcção por defeito dos valores resultantes da aplicação de qualquer fórmula aritmética (16), dado que partimos de uma mera previsibilidade que contém uma variável inatingível da trajectória futura da vitima no plano profissional e consequente percepção de rendimentos.
Deve igualmente ter-se em linha de conta que a recorrente A irá receber de imediato um valor indemnizatório relativo a danos patrimoniais futuros temporalmente dilatados.
Perante todas as circunstancias referidas e ponderando com a razoável prudência que se impõe a justa medida das coisas e as realidades da vida, na envolvência reforçada de juízos de equidade que aqui deve ter lugar julga-se adequada a indemnização de € 150000 a prestar pela seguradora à A (recorrente) BB.




Procede neste segmento, e em parte, o recurso interposto pela A.

Por tudo o que fica exposto, acorda-se em:
a) Negar provimento ao recurso interposto pela R AA, SA;
b) Conceder parcial provimento ao recurso dos AA.

Em consequência:

1) Revoga-se, em parte, o Acórdão recorrido na parte em que manteve a decisão de 1ª Instancia no sentido da condenação da R a pagar aos AA, a titulo de danos não patrimoniais, as quantias de € 25000 para a A BB e € 18000 para cada um dos restantes AA, mantendo a quantia a esse titulo arbitrada a favor da R BB e alterando para € 20000 as quantias arbitradas a cada um dos restantes AA (CC e DD);
2) Revoga-se o Acórdão recorrido na parte em que manteve a decisão de 1ª Instancia no sentido do pagamento aos AA de uma indemnização de € 40000 devida pela perda do direito à vida, fixando-se essa parcela indemnizatória em € 48879,79;
3) Revoga-se, em parte, o Acórdão recorrido no segmento em que considerou não dever ser atribuída aos AA qualquer indemnização a titulo de lucros cessantes decorrentes da perda de capacidade de ganho da vitima, condenando-se a R AA a pagar à A, a esse titulo, uma indemnização de € 150000.


Custas neste recurso e nas instâncias por AA e R na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa,05 de Junho de 2008

Mário Mendes (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves

___________________________


(1)- Não podem os AA ressuscitar essa questão no recurso de revista, sendo certo que, também nas conclusões da alegação deste recurso, não o fazem na forma que a lei o exige.
(2)- Apesar de reconhecer a existência de todos os pressupostos geradores da responsabilidade civil a sentença conclui (fls. 703 dos autos) que “uma vez que o total indemnizatório fica aquém do limite do seguro a responsabilidade pelo pagamento da indemnização recai apenas sobre a seguradora”.
(3)- Não existe neste caso uma situação de solidariedade perfeita – conforme se estatui no artigo 512º CC.
(4) - Dentro dos pressupostos gerais geradores de responsabilidade civil.
(5)- Nos termos em que foi celebrado o contrato de seguro em causa, e como é normal neste tipo de seguro, não vincula apenas a seguradora para com o segurado constituindo antes a seguradora em obrigação para com a vítima. Estamos, neste caso, perante um contrato a favor de terceiro (o lesado) - neste sentido se pronunciava o Prof. Vaz Serra.
(6)-Tanto assim é que, em nosso entender, a nossa lei processual civil não impõe, nestes casos, o litisconsórcio necessário passivo.
(7)- Disponível em www.dgsi.pt, referencia 06A3021, relator Conselheiro Azevedo Ramos.
(8)-Apenas a partir do Acórdão de 17 de Maio de 1971, de que foi relator o Conselheiro Bernardes de Miranda, passou o STJ a aceitar a indemnização autónoma pelo dano patrimonial da morte.
(9) - Todos os Acórdão citados estão disponíveis em www.dgsi.pt.
(10) -Trata-se do montante indicado pelos recorrentes.
(11) - Alguns autores – v. João Álvaro Dias “ Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios” – pag. 314 – entendem que tal obrigação poderá existir mesmo em situações em que se não verifique a aplicação daquela norma.
(12) - De jure próprio e não jure succeciones.
(13) - Obra citada, pagina 312.
(14) - V. Acórdão deste STJ – Processo nº 3459/07 - relator Conselheiro Urbano Dias.
(15) - Neste sentido o Acórdão deste STJ, de 2/7/2003 - Processo 03B4120.
(16) - Resulta isto, nomeadamente, de se verificar que tirando a remuneração devida pela docência universitária todos os outros rendimentos resultam do exercício de actividades cumulativas de gestão e consultoria, necessariamente incertas e, porque cumulativas, difíceis de se manterem, com a mesma intensidade, com o evoluir da idade.