Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:

063766
Nº Convencional: JSTJ00002031
Relator: ALBUQUERQUE ROCHA
Descritores: ESCOLA DE CONDUÇÃO AUTOMOVEL
IMPOSTO DE COMERCIO E INDUSTRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197207110637662
Data do Acordão: 07/11/1972
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: LIVRO 2 F. 244 V.

DG IS 1972/08/09, PÁG. 1048 - BMJ Nº 219 ANO 1972 PÁG. 103
Tribunal Recurso: TRIB ANO90 PAG362
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR TRIB - DIR FISC.
Legislação Nacional: CADM40 ARTIGO 710.
DL 45676 DE 1964/04/24.
DL 45103 DE 1963/07/01 ARTIGO 1 ARTIGO 2.
D 17813 DE 1929/12/30 ARTIGO 3.
DL 37191 DE 1948/11/24 ARTIGO 1.
D 37272 DE 1948/12/31 ARTIGO 201.
DL 44954 DE 1963/04/02 ARTUNICO.
DL 45331 DE 1963/10/28 ARTIGO 28 PARUNICO.
CCIV66 ARTIGO 9 N1.
Sumário :
As escolas de condutores automoveis estão sujeitas ao imposto de comercio e industria, em conformidade com o artigo 710 do Codigo Administrativo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Tribunal Pleno, os do Supremo Tribunal de Justiça:

O industrial de Santarem, A, recorre, nos termos do artigo 764 do Codigo de Processo Civil, do acordão da Relação de Lisboa, de 26 de Março de 1971.
Invoca oposição com o acordão da Relação de Coimbra, de 30 de Outubro de 1968.
O aresto recorrido julgou que a actividade da escola de condutores de automoveis, pertença do recorrente, esta sujeita ao imposto municipal de comercio e industria.
Pelo invocado acordão de 1968, decidira a Relação de Coimbra estar isenta desse imposto a actividade de tais escolas.
Fundamentaram-se esses arestos nas seguintes disposições:
Decreto-Lei n. 37191, de 24 de Novembro de 1948, artigo 1;
Decreto n. 37272, de 31 de Dezembro de 1948, artigo 201;
Decreto-Lei n. 44954, de 2 de Abril de 1963, artigo unico;
Decreto-Lei n. 45331, de 28 de Outubro de 1963, artigo 28.
A contradição relativa a mesma questão fundamental de direito, alias evidente, foi expressamente reconhecida pela recorrida, Camara Municipal de Santarem, verificada pelo acordão da secção e e tambem afirmada pelo douto parecer do ilustre magistrado do Ministerio Publico.
O acordão recorrido era insusceptivel de agravo ou revista por motivo estranho a alçada. O transito em julgado do aresto anterior não foi posto em duvida, pelo que e de presumir, conforme o n. 4 do artigo 763 do Codigo de Processo.
Isento, assim, de censura o decidido pela secção quanto ao seguimento do recurso.
E deste cumpre conhecer, como se segue:
As escolas de condutores são tributadas em contribuição industrial, conforme os artigos 1 e 2 do respectivo Codigo, aprovado pelo Decreto-Lei n. 45 103, de 1 de Julho de 1963.
Portanto, e salvo isenção especial, são tributaveis pelo discutido imposto municipal, por imperativo do artigo 710 do Codigo Administrativo, actualizado pelo Decreto-Lei n. 45676, de 24 de Abril de 1964.
Invocando os ja citados diplomas de 1948 e 1963, a Relação de Lisboa nega a existencia dessa isenção que, por seu turno, a Relação de Coimbra afirma.
Foi o Decreto n. 17813, de 30 de Dezembro de 1929, que aboliu o imposto de viação relativo a automoveis e motocicletas e proibiu "aos corpos administrativos o lançamento de impostos ou taxas pelo uso, estacionamento, passagem ou por qualquer outro titulo sobre os veiculos mencionados (...), e sobre a venda ou consumo de gasolina, pneumaticos e camaras-de-ar, sendo abolidos os actualmente existentes".
O relatorio desse diploma retrata a situação caotica a que estava dando lugar "o imposto de transito (...) e as taxas, multiplas nalguns pontos do Pais, criadas pelas camaras municipais sobre o uso, a passagem e o estacionamento dos mesmos veiculos, ainda quando se lhes não juntam pesados impostos de consumo sobre a gasolina. E opinou, ( o Ministerio do Comercio) a sua substituição pela elevação correspondente dos direitos da gasolina, dos pneumaticos e camaras-de-ar, compensando-se os municipios das receitas que poderiam perceber razoavelmente da existencia dos mesmos factos tributaveis".
Depois de concretizar as desvantagens da situação existente, prossegue o relatorio do decreto: "A nossa imaginação facil em complicações tributarias criou ja nada menos de nove imposições diferentes nalguns concelhos para o caso simples da licença de automovel".
Depois aponta as vantagens do sistema então instituido, dizendo:
"E escusado por em relevo os beneficios que resultam de acabar o imposto de transito para o Estado, duplicado de licenças camararias, bem como da proibição aos municipios de lançarem, sob qualquer pretexto impostos ou taxas que embaracem a circulação de veiculos automoveis.
(Sublinhamos). O que se quis salientar foi que se não trata de lançar qualquer novo imposto, mas de cobrar por modo diferente a carga tributaria actual, e so esta, desaparecendo pois, não dizemos ja motivo, mas sequer o pretexto para qualquer alteração das condições actuais destes transportes. Ao imposto pago em prestações pesadas substitui-se o mesmo imposto pago a pouco e pouco, conforme o dispendio que dos artigos taxados vai fazendo com o uso dos veiculos".
Para compensação das receitas que assim deixavam de cobrar, o artigo 3 do citado diploma, atribuiu as camaras, uma importancia por cada veiculo que circulasse e pertencesse aos domiciliados no concelho.
O conteudo de tais preceitos transitou para o Decreto-Lei n. 37191, de 24 de Novembro de 1984 (artigo 1) e Decreto n. 37272, de 31 do mes imediato (artigo 201).
Ali se prescreveu:
"E da exclusiva competencia do Governo o lançamento e a cobrança de quaisquer impostos, taxas, contribuições ou multas relativos ao uso, circulação ou estacionamento ou a qualquer outro assunto que se relacione com veiculos automoveis e respectivos condutores e bem assim com a gasolina, protectores e camaras-de-ar". Em paragrafo unico estabeleceram-se sanções para os municipios que infringissem tais preceitos.
Tendo-se estabelecido divergencias na interpretação de tais preceitos, por se tratar de assuntos que tinham sido havidos - por alguns tribunais - como relacionados com automoveis, gasolina, protectores e camaras-de-ar, foi publicado o Decreto-Lei n. 44954, de 2 de Abril de 1963, cujo artigo unico e do seguinte teor:
"O comercio de gasolina ou quaisquer outros combustiveis e de veiculos automoveis e seus acessorios, bem como a industria de reparação dos mesmos veiculos, ficam sujeitos ao imposto municipal denominado "licença de estabelecimento comercial ou industrial", actualmente designado por "imposto de comercio e industria", desde que foi dada nova redacção ao ja citado artigo 710 do Codigo Administrativo.
A 28 de Outubro do mesmo ano de 1963, foi publicado o Decreto-Lei n. 45 331 que, no artigo 28, revogaria as correspondentes disposições do Decreto-Lei n. 37191 e prescreveu:
"Artigo 28: Salvo o disposto no Decreto-Lei n. 44954, de 2 de Abril de 1963 (ate pela data se manifesta o erro com que no Diario do Governo se indicou o n. 44959) e da exclusiva competencia do Governo o lançamento de quaisquer impostos, taxas e contribuições relativos ao uso, circulação e estacionamento de veiculos automoveis ou a quaisquer outras materias que se relacionem com os mesmos e os respectivos condutores ou com gasolina, protectores e camaras-de-ar. Tambem nenhum orgão da Administração, salvo o Governo, nem nenhum corpo administrativo podera estabelecer quaisquer multas relativas a tais materias.
Paragrafo unico - A violação deste preceito por parte dos corpos administrativos envolve a perda da compensação estabelecida pelo Decreto n. 17813, de 30 de Dezembro de 1929, e a dedução das importancias por eles indevidamente cobradas nas entregas do produto dos adicionais sobre as contribuições e impostos arrecadados pelo Estado".
Os Diplomas legais que desde 1929 vem sendo publicados proibindo os corpos administrativos de tributar os automoveis, com ligeirissimas variantes de redacção, tem-se mantido fieis ao principio inicialmente proclamado de libertar tais veiculos das multiplas sobrecargas fiscais, a que chegaram a estar sujeitos, impeditivas de sua circulação, buscando antes facilitar a sua expansão como rapido meio de comunicação.
Como se alcança das transcrições que fizemos ha, em todos esses diplomas, expressões que, por menos precisas, tem tornado possiveis divergencias jurisprudenciais a que, pelo Decreto-Lei n. 44954 - diploma evidentemente interpretativo como logo resulta do seu relatorio e foi proclamado pelo assento de 26 de Maio de 1964 - o legislador se sentiu forçado a por cobro.
Efectivamente o artigo 28 do Decreto-Lei n. 45331, depois de ressalvar "o disposto no Decreto-Lei n. 44954", reserva para a competencia exclusiva do Governo, toda a tributação relativa ao uso, circulação e estacionamento de automoveis "ou a quaisquer outras materias que se relacionem com os mesmos e os respectivos condutores...".
Se fora licito cingir-nos a letra da lei - o que e proibido pelo n. 1 do artigo 9 do Codigo Civil - poderia admitir-se a tese do recorrente, sancionada pelo invocado acordão da Relação de Coimbra. Ha, porem, que, partindo do texto, reconstituir o pensamento legislativo, considerando sobretudo a unidade do sistema juridico, as circunstancias da eleboração da lei e as condições especificas do tempo em que e aplicada - citado preceito.
Ora o Decreto n. 17813 proibiu os corpos administrativos de lançar "impostos ou taxas pelo uso, estacionamento, passagem ou por qualquer outro titulo sobre os veiculos mencionados (automoveis)...".
Depois, os Decretos ns. 37191 e 37272 - aquele com força de Lei - afirmaram da competencia exclusiva do Governo o lançamento e cobrança de todos os impostos, taxas, contribuições e multas "relativas ao uso, circulação ou estacionamento ou a qualquer outro assunto que se relacione com veiculos automoveis e respectivos condutores e bem assim com a gasolina, protectores e camaras-de-ar".
As duvidas que, entretanto, surgiram vieram a ser esclarecidas pelo Decreto-Lei - interpretativo e não derrogatorio - n. 44954 que disse sujeitos ao imposto municipal "o comercio de gasolina ou quaisquer outros combustiveis e de veiculos automoveis e seus acessorios, bem como a industria de reparação dos mesmos veiculos".
Porque o artigo 28 do Decreto-Lei n. 45331 substitui os correspondentes preceitos dos dois anteriores diplomas, com diferente redacção, mas sem modificação da doutrina, bem pode considerar-se autenticamente interpretado pelo Decreto-Lei n. 44954, que, alias, expressamente ressalva, em formula pouco feliz por poder dar a impressão de que so as actividades neste mencionadas estariam sujeitas ao imposto de comercio e industria.
Se, como foi afirmado nos transcritos passos do relatorio do Decreto n. 17813, o regime ali iniciado, e ate hoje mantido, visou libertar a viação automovel de sobrecargas fiscais que a dificultassem - se não a impedissem - e facilitar a sua expansão, como rapido meio de comunicação, e evidente que a discutida tributação das escolas de condução, nem de perto, nem de longe, poderia afectar a prossecução de tais fins.

Pois se o legislador do Decreto-Lei n. 44954, claramente enuncia que tal finalidade não e prejudicada pela tributação municipal do comercio de gasolina, automoveis e acessorios e da industria de reparação de tais veiculos, cujos objectos são - sem possibilidade de duvida - "assuntos" ou "materias" muito mais intimamente relacionados com os veiculos, seus condutores, combustivel e borrachas, do que as escolas de preparação para exame de futuros condutores!
Forçoso parece, pois, concluir que a jurisprudencia da Relação de Coimbra, possivelmente conforme uma das interpretações admitidas pelo texto da lei, e repudiada pelo pensamento legislativo reconstituido a partir dos textos, tendo em boa conta o sistema juridico, na sua unidade, as circunstancias em que a lei foi elaborada e as condições especificas da actualidade.
Tal como na tributação das actividades especificadas no citado diploma interpretativo, com o discutido imposto municipal, o que se tributa são os lucros obtidos na exploração do ensino de quem pretende vir a habilitar-se a legalmente conduzir veiculos automoveis. Nada que perturbe a expansão da viação automovel.
Por tudo o exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando o acordão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Uniformizando a jurisprudencia, e tirado o seguinte assento:
"As escolas de condutores de automoveis estão sujeitas ao imposto de comercio e industria, em conformidade com o artigo 710 do Codigo Administrativo".

Lisboa, 11 de Julho de 1972

Albuquerque Rocha (Relator) - Ludovico da Costa - Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - J. Santos Carvalho Junior
- Eduardo Correia Guedes - Adriano de Campos de Carvalho - Alberto Nogueira - João Moura - Falcão Garcia - Eduardo Arala Chaves (Vencido: a tributação da actividade exercida pelas escolas de condução de automoveis e da exclusiva competencia do Governo, pelo que não estão sujeitas ao imposto camarario de comercio e industria) - Manuel Jose Fernandes Costa - Jose Antonio Fernandes (entendo que o Decreto-Lei n. 45331, de 28 de Outubro de 1963, retirou a competencia as Camaras Municipais para tributar as escolas de condução de automoveis).