Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1212/14.5T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: CONVENÇÃO ARBITRAL
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
APOIO JUDICIÁRIO
ACESSO AO DIREITO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ARBITRAL - ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA - COMPROMISSO ARBITRAL.
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA / GARANTIAS DA COMPETÊNCIA / INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA.
DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS / DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - TRIBUNAIS.
CUSTAS JUDICIAIS - ISENÇÕES.
Doutrina:
- António Sampaio Caramelo, “A autonomia da cláusula compromissória e a competência da competência do tribunal arbitral”, in Estudos de Homenagem ao professor Galvão Telles, Faculdade de Direito de Lisboa, 2007, 105/128.
- Carlos Ferreira de Almeida, “Convenção de Arbitragem: Conteúdo e Efeitos”, in Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa. Intervenções, 2009, 93.
- Carvalho Fernandes, João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, 2.ª edição, anotação ao artigo 17.º-A, 140/144.
- Castanheira Neves, “Fontes do direito. Contributo para a resolução do seu problema”, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LVIII, 1982, 169/257.
- João Luís Lopes dos Reis, “A excepção do Tribunal Arbitral (voluntário)”, in ROA, Ano 58, 117/118.
- Joaquim Shearman de Macedo, “Sobre A Qualificação Civil Da Incapacidade De Suportar Os Custos Do Processo Arbitral Por Uma Das Partes”, in Themis, Ano IX, nº16, 2009, 225/244.
- José Miguel Júdice, “Anotação ao Acórdão 311/08 do Tribunal Constitucional”, in Revista Internacional De Arbitragem E Conciliação, Associação Portuguesa de Arbitragem, Livraria Almedina, Ano 2, 2009, 161/190.
- Lebre de Freitas, “Algumas implicações da natureza da convenção de arbitragem”, in Estudos Em Homenagem À Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, volume II 625/641.
- “Lei da Arbitragem Voluntária” Comentada, Coordenação Mário Esteves de Oliveira, 97/104.
- Luís de Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional A Determinação Do Estatuto Da Arbitragem, 133/143.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 88 e 89.
- Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2.ª edição, 33, 236/237.
- Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e Incompetência dos Tribunais Comuns, 7; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 128.
- Pedro Metello de Nápoles, “Efeitos Da Insolvência Na Convenção De Arbitragem. Insuficiência Económica Das Partes Em Processo Arbitral”, V Congresso Do Centro De Arbitragem Da Câmara De Comércio E Indústria Portuguesa (Centro De Arbitragem Comercial) Intervenções, 139/158.
- Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais” Anotado E Comentado, 4.ª edição, 205.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º-D, N.ºS 5 E 10, 87.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 95.º, 705.º, N.º2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 20.º, 209.º, N.ºS 2 E 3.
LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA (LAV), LEI N.º 31/86, DE 29 DE AGOSTO, NA REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO-LEI N.º 38/2003 DE 8 DE MARÇO: - ARTIGOS 1.º, N.º1, 2.º, 21.º, N.º1.
LEI N.º 47/2007, DE 28 DE AGOSTO: - ARTIGO 7.º.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGO 4.º, N.º1, ALÍNEA U).
REGULAMENTO DE ARBITRAGEM DE 2014 DA CÂMARA DE COMÉRCIO E INDUSTRIA DE LISBOA E PORTO, CONSULTÁVEL EM HTTP://WWW.CENTRODEARBITRAGEM.PT/INDEX.PHP?LANG=PT : - ARTIGO 49.º.
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS Nº43/2011, DE 25 DE OUTUBRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 18 DE JANEIRO DE 2000, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-DE 30 DE MAIO DE 2008, PROCESSO N.º 753/07;
-DE 22 DE JUNHO DE 2009 E DE 1 DE JUNHO DE 2010, DO PLENÁRIO, TODOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :

I. A existência de um compromisso arbitral entre a Recorrente e o Recorrido, perfeitamente válido e operante para conhecer todos e quaisquer diferendos resultantes do contrato quadro havido entre ambos, traduz a afirmação do princípio da «competência da competência do Tribunal arbitral», igualmente designado por kompetenz-kompetenz ou competence-competence ou ainda compétence-compétence.

II. Este princípio pressupõe na sua análise um efeito positivo, o qual consiste em habilitar o Tribunal Arbitral a decidir da sua própria competência e um efeito negativo, que se traduz em atribuir aos árbitros o poder de serem não os únicos juízes, mas antes os primeiros juízes da sua competência, incumbindo apenas ao tribunal estadual apreciar a competência do tribunal arbitral depois de este se ter pronunciado sobre a mesma, quer através da impugnação da decisão interlocutória sobre a questão da competência quer em sede de oposição a execução da sentença proferida.

III. A Lei 47/2007, de 28 de Agosto no seu artigo 7º veio consagrar o princípio da inaplicabilidade do instituto do apoio judiciário às pessoas colectivas com fins lucrativos, entendendo-se que as pessoas colectivas que tenham sido instituídas por particulares para a realização de actividades económicas geradoras de lucros, devem, pela sua própria natureza, encontrar-se dotadas de uma organização financeira que lhes permita fazer face aos custos da sua própria actividade, incluindo aqueles que possam eventualmente resultar de uma litigância causada pelo seu giro comercial, o que implica que a aqui Autora não tem direito a tal benesse nos Tribunais comuns e tão pouco nos Tribunais arbitrais por nestes não ter aplicação tal instituto.

IV. A Recorrente, enquanto sujeita ao PER e se este procedimento for deferido, está e estará isenta de custas nas acções judiciais que intentar, desde que as mesmas não sejam do foro laboral nos termos do artigo 4º, nº1, alínea u) do RCP, sendo que uma questão é a isenção de custas, em sede de processo judicial (já que esta isenção não se estende como é óbvio aos processos instaurados nos Tribunais Arbitrais), e questão outra, é a eventual interferência deste procedimento na convenção de arbitragem havida entre a Recorrente e a Recorrida.

V. O CIRE no seu artigo 87º, nº1 inserido no capítulo referente aos efeitos da declaração de insolvência, prevê a suspensão da eficácia das convenções arbitrais em que o insolvente seja parte, desde que nos litígios se ponham questões cujo resultado possa influenciar o valor da massa, sem prejuízo do disposto em tratados internacionais aplicáveis, excepcionando o seu nº2, os processos pendentes, os quais prosseguirão os seus termos.

VI. Se esta disposição pudesse ser aplicável aos processos de revitalização, o que desde já se afirma que nos repugna conceder, tendo em atenção os objectivos prosseguidos com este específico procedimento, uma vez que os presentes autos foram instaurados antes da propositura do PER, nunca a Recorrente poderia chamar à colação, a seu favor, o ali preceituado.

VII Por outro lado, continuando no pressuposto da aplicação paralela do artigo 87º ao PER, uma eventual suspensão da convenção arbitral, apenas seria de admitir durante o prazo das negociações, o que significa que apenas seria por um período de três meses, prazo este correspondente ao período legal de negociação do plano de recuperação, artigo 17º-D, nº5 do CIRE, mas tão somente quanto às eventuais acções em que a Recorrente fosse Ré e não Autora, como no caso em análise.

VIII. De qualquer modo, a circunstância de uma sociedade comercial se encontrar em PER ou em processo de insolvência, não significa a se que não tenha meios económicos para suportar as custas com um procedimento arbitral, acrescentando-se ainda que, mesmo nos casos de insolvência, como deflui do artigo 87º, nº2 do CIRE, as acções arbitrais pendentes na data da declaração de insolvência, prosseguem os seus termos normais.  

IX. A ausência de possibilidades económicas para suportar os custos com a propositura de uma acção – judicial ou arbitral – dependerá sempre da alegação e prova dos factos consubstanciadores de tal situação, o que, adiante-se, nem sequer foi feito in casu, sendo que a nossa Lei não contém qualquer disposição que preveja esta específica situação, a não ser no caso especial da suspensão da convenção arbitral naquele especifico caso de declaração de insolvência, nem consente que o Tribunal se exima ao deferimento da excepção dilatória de preterição do Tribunal Arbitral, oposta por uma parte à outra, sendo antes injuntiva a norma que obriga ao seu conhecimento e à imediata absolvição da instância o que decorre inequivocamente do disposto no artigo 21º, nº1 da LAV.

XI. É a própria Constituição ao admitir a existência de outras realidades jurisdicionais, como os Tribunais Arbitrais, no seu artigo 209º, nº2, que afasta o monopólio estadual da administração da justiça, atribuindo a particulares a solução de um litígio, gozando a decisão por estes proferida de força executiva idêntica à das sentenças judiciais, nos termos do artigo 705º, nº2 do CPCivil.

XII. O confronto entre a garantia da tutela arbitral, constitucionalmente consagrada, artigo 209º, nº2 e 3 da CRP bem como o direito da personalidade na vertente da auto-determinação das partes e a tutela do direito ao direito, prevenida no artigo 20º, nº1 daquele diploma fundamental, tem de ser ponderado e dirimido na sede própria, qual é a dos Tribunais Arbitrais, sem prejuízo de, se assim vier a ser entendido, a questão poder vir a ser tratada nos Tribunais comuns, se e quando aqueles Órgãos concluírem pela sua incompetência, com a inaplicação da cláusula compromissória.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I X Construções, S.A., intentou acção declarativa contra Banco Y, SA, pedindo a sua condenação no pagamento a título de indemnização, com fundamento na violação de deveres de informação do contrato de Swap havido entre ambas, a quantia de € 867.933,21, acrescida das quantias que se venham a apurar e de juros legais à taxa de 4%, desde a citação até ao efectivo pagamento; ou assim não se entendendo, deverá o Contrato Swap 2008 ser declarado nulo por ser subsumível à categoria de jogo e aposta, com as legais consequências ou quando assim não se julgue, deverá o mesmo contrato ser resolvido por alteração das circunstâncias, também com as legais consequências, sendo que a título de questão prévia, colocou a autora a questão da competência do tribunal, concluindo que, apesar da existência de uma cláusula de arbitragem voluntária (cláusula compromissória) no Contrato Quadro, é o foro judicial o competente para julgar a presente acção.

A Ré contestou, invocando, além do mais, a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, concluindo, assim, desde logo, pela sua absolvição da instância e no mais pela sua absolvição do pedido

Foi proferida sentença que, conhecendo da invocada excepção, julgou a mesma procedente e, consequentemente, absolveu a Ré da instância tendo a Autora interposto recurso, o qual veio a ser julgado improcedente.

De novo inconformada veio a Autora interpor Revista excepcional, apresentando as seguintes conclusões:

- Sem conceder quanto às questões referentes à validade da convenção, que não se discutirão nesta sede, procurará a Recorrente demonstrar apenas neste recurso que a convenção de arbitragem deixou de lhe ser oponível em função da situação superveniente de insuficiência económica.

- A questão objecto do recurso cinge-se, pois, em saber se a competência material para a presente acção cabe aos tribunais judiciais ou é da competência dos tribunais arbitrais, cumprindo, para tanto, apreciar o fundamento enunciado atrás.

- «Mostra-se posicionamento pacífico considerar que a superveniência de uma situação de insuficiência económica que impossibilite uma das partes de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem, constituirá causa legítima de incumprimento da convenção» e que «quando uma das partes, sem culpa sua, deixa de ter meios de custear as despesas relativas à arbitragem, não pode ficar impedida de ver satisfeito o seu direito de acesso à justiça para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, pois estar-se-ia a denegar justiça por insuficiência de meios económicos (o que a Lei Fundamental, como vimos, não permite), pelo que a obrigação de recorrer à arbitragem se extingue relativamente a ela» - cfr. o Ac. STJ de 18/01/2000, proc. 99A1015, e o Ac. TRL de 02/11/2010, proc. 454/09.0TVLSB.L1-7.

- No caso dos autos, já depois de celebrar a convenção de arbitragem, a Recorrente viu-se a braços com uma degradação da sua situação económica, que não lhe é imputável, e que a impossibilita de custear as despesas de arbitragem. A situação agravou-se de tal forma que, por despacho judicial de 20/03/2015, portanto já posteriormente à instauração da acção, a Recorrente foi admitida a PER, facto que o Acórdão recorrido já tomou em conta.

- A admissão ao PER determinou uma alteração ope legis do estatuto jurídico da Recorrente, garantindo-lhe, para além do mais, de forma imediata e directa, a isenção total de custas judiciais no acesso aos tribunais (artigo do 4.º, n.º l, alínea u), do RCP), situação de que já tirou proveito no recurso que interpor para a Relação de Lisboa mas que, obviamente, não a poderá beneficiar na instância arbitral que, reconhecidamente e sem necessidade de comprovação adicional, será mais dispendiosa neste caso.

- Os elementos fácticos evidenciados nos autos (designadamente os Documentos 3, 4, 5 e 6 da p.i., e o Documento 1 junto como recurso para a Relação) espelham bem a débil realidade económica e financeira da Recorrente e permitiam à Relação inferir, ao abrigo da prerrogativa que lhe assistia nos termos do art. 662.º do CPC, a concomitante incapacidade de aquela suportar as despesas inerentes à via arbitral e, por outro, em consequência, julgar extinta a obrigação de recorrer à arbitragem.

- A impossibilidade de custear as despesas relativas à arbitragem acarreta, nos termos do art. 790.º n.º 1 do CC uma extinção da obrigação de recorrer à arbitragem, fundada na impossibilidade do seu cumprimento por causa não imputável ao devedor, o que permite julgar, desde logo, improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral, sem que para tal haja necessidade de desaplicar a norma contida no art. 577.º, alínea a) do CPC em função de um juízo de inconstitucionalidade sobre determinada dimensão interpretativa da mesma.

- Inconstitucionalidade que, à cautela, também se suscita quando a norma referida seja interpretada no sentido de a excepção de violação de convenção de arbitragem ser oponível à parte que, sem culpa, se encontre em situação superveniente de insuficiência económica que lhe confira o benefício de isenção de custas judiciais previsto no artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP, por de violação do art. 20.º da Constituição (acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva), não devendo, em conformidade, a mesma norma ser aplicada ao caso dos autos e julgando-se assim improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal (cfr. neste sentido o Ac. TC n.º 311/08, de 30/05/2008, no proc. 753/07, já citado).

- E não se diga que o princípio constitucional da garantia do acesso à justiça não passa por o Estado assegurar que entidades com fins lucrativos e em má situação económica têm a possibilidade de aceder aos tribunais.

- Embora seja verdade que a redacção actual do art. 7.º, n.s 3 da Lei 34/2004, de 29 de Julho, introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, acabou com a concessão de protecção jurídica (dispensa de despesas judiciais e patrocínio judiciário gratuito) às pessoas colectivas com fins lucrativos, o Estado, porém, posteriormente, com o actual Regulamento de Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 20/04/2009 - concedeu às sociedades comerciais em situação de insolvência, ou em processo de recuperação de empresa, como é o caso da Recorrente, o benefício de isenção total de custas processuais (alínea u) do n.º 1 do art.4.º do RCP)

- Dito isto, não é obviamente indiferente para a Recorrente litigar nos tribunais judiciais ou nos tribunais arbitrais. Enquanto nos primeiros pode fazê-lo, pois está isenta de todas as custas processuais; já na instância arbitral, onde não beneficia de qualquer isenção de custas, está impedida de litigar visto que não tem condições económicas para fazê-lo.

- Ao recusar-lhe o acesso aos tribunais judiciais, encaminhando-a para a justiça arbitral, o Acórdão recorrido está na prática a denegar justiça à Recorrente por insuficiência de meios económicos, resultado que a Constituição manifestamente impede (cfr. o Ac. TRL de 02/11/2010, já citado).

- Em síntese, é manifesto e patente (na acepção acima mencionada) que a aludida cláusula compromissória é inoponível à Recorrente, por impossibilidade superveniente de esta, sem culpa sua, custear as despesas da arbitragem (art. 790.º do CC). E, em qualquer caso, sempre a oponibilidade da convenção de arbitragem, no caso concreto dos autos, violaria o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva previstos no art. 20.º da CRP.

Nas contra alegações o Recorrido concluiu do seguinte modo:

- O reconhecimento de que o tribunal arbitral tem, em primeira linha, competência para aferir a sua própria competência, implica, no entendimento do STJ «que, ao aplicar a referida excepção dilatória devem os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litigio que se lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada»

- A convenção de arbitragem cm causa nos presentes autos nào sofre de qualquer vício manifesto que possa ser assim conhecido e declarado pelo tribunal judicial, face ao alegado na petição inicial e aos documentos juntos, não é manifesto que a incapacidade financeira da Recorrente existisse, pelo que nunca poderia o Tribunal de primeira instancia, com esse fundamento, julgar-se competente para a acção.

- A situação económica mais ou menos débil de uma sociedade comercial não pode ser razão para não cumprir a convenção de arbitragem, pois no direito português a mera dificuldade ou maior onerosidade da prestação não exime o devedor da obrigação de cumprir: somente a autêntica impossibilidade, quando não imputável ao devedor, o pode liberar da obrigação.

- Uma sociedade com fins lucrativos «só existe enquanto tal ontologicamente enquanto puder assegurar os meios económicos necessários à sua própria existência. Faz parte da sua natureza resguardar meios para esse fim, designadamente resguardar o necessário para prover á defesa dos seus direitos.», (Ac. do STJ de 09.10.2003; cfr. igualmente o Ac. do Tribunal Constitucional de 22.06.2009).

- A Recorrente concluiu voluntariamente um contrato no qual se prevê uma cláusula arbitral, e não podia ignorar que o recurso à arbitragem envolve custos que teria de suportar, pelo que a alegada dificuldade financeira não é, nem pode ser, fundamento para deixar de cumprir tal cláusula.

- Nada foi alegado pela Recorrente quanto ao custo efectivo da arbitragem nem e quanto aos próprios encargos com o processo judicial, que são hoje muito significativos.

- No que respeita à alegada inimputabilidade à Recorrente da alegada impossibilidade de custeio das despesas da arbitragem, a Recorrente limitou-se a alegar na petição que os «graves problemas financeiros e económicos são fruto (também) da crise nacional e internacional e que não se deveram «a actos de má gestão ou desgoverno por parte dos seus administradores, mas é envolvente externa, nacional e internacional».

- «A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de jacto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei pelo que, para efeitos de apuramento da competência dos tribunais estaduais para o julgamento da causa, apenas pode relevar, quer em primeira instância, quer em sede de recurso, a realidade existente à data em que a acção foi intentada: logo, in casu, não é relevante a apresentação da Recorrente a PER já depois de proferida sentença.

- O simples facto de a Requerente ter requerido o PER e de este ter sido admitido não demonstra por si só a impossibilidade económica de a Recorrente suportar os encargos da arbitragem.

II A única questão que se cura no âmbito do presente recurso é a de saber se a convenção de arbitragem deixou de ser oponível à Recorrente em função da situação superveniente de insuficiência económica da mesma.

Mostra-se assente com interesse para a economia da questão solvenda, a seguinte materialidade factual:

- Na cláusula 1ª do “Contrato-quadro Para Operações Financeiras”, as partes estipularam:

“1-O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entra as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente.

2-Cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes reger-se-á pelos respectivos termos ou condições particulares, que serão estabelecidos de acordo com o que abaixo se indica.

3-Em tudo o que não resulte expressamente dos respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as partes ficarão sujeitas ao presente clausulado.

4- …o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de cada uma das operações financeiras a realizar entre as partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário.”

- Na cláusula 41ª foi acordado entre as partes:

“1-Os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância.”

- Por despacho judicial de 20 de Março de 2015, a Recorrente foi admitida a processo especial de revitalização (PER), conforme documento junto a fls 719 e 720.

1.Da competência.

A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, que tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais, cfr Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 88 e 89.

Desta definição, podemos passar para uma classificação de competência, a qual em sentido abstracto ou quantitativo, será a medida da sua jurisdição, ou seja a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída, ou, a determinação das causas que lhe cabem; em sentido concreto ou qualitativo, será a susceptibilidade de exercício pelo tribunal da sua jurisdição para a apreciação de uma certa causa, cfr Manuel de Andrade, ibidem e Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e Incompetência dos Tribunais Comuns, 7.

Assim, a incompetência será a «insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida da jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral.», cfr Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 128.

Como deflui do acordo gizado, delineado e assinado pelas partes, Recorrente e Recorrido, ambas estabeleceram que os diferendos resultantes do mesmo seriam dirimidos por um Tribunal arbitral, o que se mostra perfeitamente consentâneo com o estipulado nos artigos 1º, nº1, 2º da LAV (Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8 de Março, aqui aplicável), 95º do CPCivil e 209º, nº3 da CRP, o que vale por dizer que a resolução do presente litígio foi deferida por convenção das partes a pessoas (árbitros) que detêm poderes reconhecidos por Lei para esse efeito, cfr Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2ª edição, 33.

Entendeu-se na decisão recorrida que «(…) face ao princípio ínsito no art.21º, nº1, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) – Lei nº31/86, de 29/8, aplicável ao caso dos autos – segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem – os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação.(…)», daí se fazendo extrair a conclusão de que, face à excepção de preterição do Tribunal arbitral suscitada pelo Recorrido, nenhuma razão existia para que a mesma não fosse julgada operante.

Esta específica problemática da existência de um compromisso arbitral entre a Recorrente e o Recorrido, perfeitamente válido e operante para conhecer todos e quaisquer diferendos resultantes do contrato quadro havido entre ambos, nomeadamente os pedidos efectuados no âmbito da acção de que se cura, está definitivamente decidida ex vi da dupla conformidade formada quanto a este ponto pelo Aresto em crise, visando a Revista excepcional admitida tão somente a temática da (in)oponibilidade de tal compromisso face à alegada indisponibilidade financeira superveniente, arguida pela Recorrente, para custear as despesas decorrentes da constituição na espécie de um Tribunal arbitral.

É a afirmação do princípio da «competência da competência do Tribunal arbitral», igualmente designado por kompetenz-kompetenz ou competence-competence ou ainda compétence-compétence, que pressupõe na sua análise um efeito positivo, o qual consiste em habilitar este órgão a decidir da sua própria competência e um efeito negativo, que se traduz em atribuir aos árbitros o poder de serem não os únicos juízes, mas antes os primeiros juízes da sua competência, incumbindo apenas ao tribunal estadual apreciar a competência do tribunal arbitral depois de este se ter pronunciado sobre a mesma, quer através da impugnação da decisão interlocutória sobre a questão da competência quer em sede de oposição a execução da sentença proferida, cfr António Sampaio Caramelo, A autonomia da cláusula compromissória e a competência da competência do tribunal arbitral, in Estudos de Homenagem ao professor Galvão Telles, Faculdade de Direito de Lisboa, 2007, 105/128; Carlos Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem: Conteúdo e Efeitos, in Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa. Intervenções, 2009, 93; João Luís Lopes dos Reis, A excepção do Tribunal Arbitral (voluntário), in ROA, Ano 58, 117/118; Joaquim Shearman de Macedo, Sobre A Qualificação Civil Da Incapacidade De Suportar Os Custos Do processo Arbitral Por Uma Das Partes, in Themis, Ano IX, nº16, 2009, 225/244; Lei da Arbitragem Voluntária Comentada Coordenação Mário Esteves de Oliveira, 97/104.

Sendo ponto assente que o Tribunal arbitral seria o competente, em princípio, para conhecer dos pedidos formulados bem como da sua própria competência, vejamos então se a cláusula compromissória poderá ser julgada inoponível à Recorrente, nos termos expostos por esta.

2.Da (in)oponibilidade da cláusula compromissória.

 

Insurge-se a Recorrente contra o Aresto impugnado uma vez que já depois de celebrar a convenção de arbitragem, viu-se a braços com uma degradação da sua situação económica, que não lhe é imputável, e que a impossibilita de custear as despesas de arbitragem, sendo que tal situação veio-se a agravar de tal forma que, posteriormente à instauração da presente acção, foi admitida a PER o que determinou uma alteração ope legis do seu estatuto jurídico, garantindo-lhe, para além do mais, de forma imediata e directa, a isenção total de custas judiciais no acesso aos tribunais (artigo do 4.º, n.º l, alínea u), do RCP), situação de que já tirou proveito no recurso que interpôs para a Relação de Lisboa mas que, obviamente, não a poderá beneficiar na instância arbitral que, reconhecidamente e sem necessidade de comprovação adicional, será mais dispendiosa neste caso.

Na tese da Recorrente, o facto de o foro arbitral poder ser o único competente, por força da cláusula contratual nesse sentido, deixaria de ser eficaz face à subsequente carência económica que a atingiu, o que provocaria uma alteração das circunstâncias em que contratou, por forma a permitir-lhe socorrer-se dos Tribunais comuns, onde poderá gozar de isenção de custos judiciais o que lhe permitirá exercer o seu direito constitucionalmente consagrado de acesso ao direito e aos Tribunais, aludido no artigo 20º da CRP.

Ao arrimar-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2000 (Relator Aragão Seia), in www.dgsi.pt, a Recorrente pretende fazer valer a seu favor a qualificação da parca situação financeira em que encontra, como constituindo uma impossibilidade de cumprimento, chamando à colação o disposto no artigo 790º, nº1 do CCivil, o que lhe permitiria eximir-se à vinculação da jurisdição arbitral.

Contudo ao analisarmos esta vexata quaestio, não podemos ignorar que a Recorrente é uma sociedade comercial, cujo escopo primário é a obtenção de lucros com a respectiva actividade, bem como que a Lei 47/2007, de 28 de Agosto no seu artigo 7º veio consagrar o princípio da inaplicabilidade do instituto do apoio judiciário às pessoas colectivas com fins lucrativos, que o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar consentâneo com o preceituado no artigo 20º da CRP, brevitatis causa porque entende que as pessoas colectivas que tenham sido instituídas por particulares para a realização de actividades económicas geradoras de lucros, devem, pela sua própria natureza, encontrar-se dotadas de uma organização financeira que lhes permita fazer face aos custos da sua própria actividade, incluindo aqueles que possam eventualmente resultar de uma litigância causada pelo seu giro comercial, cfr inter alia os Ac Tribunal Constitucional de 22 de Junho de 2009 (Relator Carlos Cadilha) e de 1 de Junho de 2010 do Plenário (Relator Carlos Pamplona de Oliveira), in www.dgsi.pt.

Se tais entidades carecem de meios económicos e sendo a sua actividade destinada a gerar lucros, tal significa, prima facie, que não poderão continuar a exercê-la, devendo apresentar-se à insolvência, cfr neste sentido inter alia, Joaquim Shearman de Macedo, l.c.; Pedro Metello de Nápoles, Efeitos Da Insolvência Na Convenção De Arbitragem. Insuficiência Económica Das Partes Em Processo Arbitral, V Congresso Do Centro De Arbitragem Da Câmara De Comércio E Indústria Portuguesa (Centro De Arbitragem Comercial) Intervenções, 139/158.

Não esquecendo que aquele supra citado Aresto foi produzido antes da entrada em vigor da Lei 47/2007, poderemos tirar a seguinte asserção: se a insuficiência económica de uma sociedade comercial não justifica que o Estado lhe assegure o acesso à justiça, então aquela também não poderá arvorar em seu beneficio, com o mesmo fundamento, a ineficácia da convenção de arbitragem, quer através do instituto da impossibilidade de cumprimento, quer através da alteração das circunstâncias aludida no artigo 437º do CCivil.´

Todavia este postulado deixa-nos a seguinte perplexidade: se a lei veda a atribuição à Recorrente do instituto do apoio judiciário, uma vez que se trata de uma sociedade comercial, e esta sustenta a sua impossibilidade económica de recorrer à arbitragem, nos termos acordados, quid inde se a mesma pretende instaurar uma acção com vista a ser ressarcida pecuniariamente e assim ver aumentada a sua massa patrimonial?

Ao negarmos a pretensão plasmada não estaremos a denegar justiça e a violar frontalmente o preceituado no artigo 20º da CRP?

Analisemos.

Não podemos ignorar que a jurisprudência em que a Recorrente faz assenta a sua pretensão, supra citado Acórdão do STJ de 18 de Janeiro de 2000, foi produzido muito antes das alterações introduzidas à Lei do Apoio Judiciário e numa altura em que ainda se admitia a sua possível concessão às pessoas colectivas com fins lucrativos, o que veio alterar os termos da problemática aqui exposta.

E também é certo que no caso em análise, a Recorrente se apresentou a PER, importando assim analisar em que medida este procedimento poderá interferir na convenção de arbitragem.

O artigo 4º, nº1, alínea u) do RCP dispõe que estão isentas de custas as sociedades comerciais que estejam em processo de recuperação de empresa, contudo esta isenção sempre dependerá do resultado do processo, isto é do seu vencimento como deflui do nº4, de outra banda o facto de a Lei conceder a aludida isenção, não significa a se que a empresa esteja totalmente carecida de meios, sendo uma isenção motivada por critérios de oportunidade e de racionalidade processual, tendo em atenção nomeadamente o escopo deste específico procedimento, que pressupõe e impõe que o devedor tenha uma condição económica que não indicie um passivo superior ao activo nem esteja numa situação que já não lhe seja permitido satisfazer quaisquer dos seus compromissos, cfr Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado E Comentado, 4ª edição, 205; Carvalho Fernandes, João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, anotação ao artigo 17º-A, 140/144.

Daqui resulta que a Recorrente, enquanto sujeita ao PER e se este procedimento for deferido, está e estará isenta de custas nas acções judiciais que intentar, desde que as mesmas não sejam do foro laboral nos termos do supra citado artigo.

Mas uma questão é a isenção de custas, em sede de processo judicial já que esta isenção não se estende como é óbvio aos processos instaurados nos Tribunais Arbitrais, e questão outra, é a eventual interferência deste procedimento na convenção de arbitragem havida entre a Recorrente e a Recorrida.

O artigo 87º, nº1 do CIRE, inserido no capítulo referente aos efeitos da declaração de insolvência, dispõe o seguinte:

«Fica suspensa a eficácia das convenções arbitrais em que o insolvente seja parte, respeitantes a litígios cujo resultado possa influenciar o valor da massa, sem prejuízo do disposto em tratados internacionais aplicáveis.».

Acrescenta o seu nº2 que «Os processos pendentes à data da declaração de insolvência prosseguirão os seus termos, sem prejuízo se for o caso, do disposto no nº3 do artigo 85º e no nº3 do artigo 128º.».

Deflui deste ínsito legal que embora o CIRE contenha uma regra especial destinada à paralisação temporária dos compromissos arbitrais quando seja declarada a insolvência de uma das partes envolvida, certo é que a aludida suspensão apenas se verifica em relação às acções que sejam intentadas após aquela declaração, porque no que tange aos processos que estiverem pendentes na data da aludida declaração, os mesmos prosseguirão os seus termos, embora o administrador judicial da massa insolvente assuma o lugar daquela e as custas finais, se as houver, serão suportadas pela massa.

Concedamos, para efeitos de raciocínio pragmático, que esta disposição poderia ser aplicável aos processos de revitalização, o que desde já se afirma que nos repugna conceder, tendo em atenção os objectivos prosseguidos com este específico procedimento e ainda fazendo apelo aos princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº43/2011, de 25 de Outubro, os quais são obrigatórios e por isso deverão ser observados pelos intervenientes aquando das negociações, como impõe o nº10 do artigo 17º-D do CIRE.

Assim, uma vez que os mesmos foram instaurados antes da propositura do PER, nunca a Recorrente poderia chamar à colação, a seu favor, o preceituado no artigo 87º, nº1 do CIRE porque o litígio se iniciou muito antes do processo de recuperação, por um lado.

Por outro lado, continuando no pressuposto da aplicação paralela do artigo 87º ao PER, uma eventual suspensão da convenção arbitral, apenas seria de admitir durante o prazo das negociações, o que significa que apenas seria por um período de três meses, prazo este correspondente ao período legal de negociação do plano de recuperação, artigo 17º-D, nº5 do CIRE, mas tão somente quanto às eventuais acções em que a Recorrente fosse Ré e não Autora, como no caso em análise, porquanto o «standstill», ali preconizado, implica uma concessão dos credores ao devedor e não um direito deste, sendo que, durante este período de suspensão, os credores não devem agir contra o devedor, intentando novas acções, devendo sustar as que se encontrem pendentes contra aquele.

De qualquer modo, podemos afirmar com segurança que a circunstância de uma sociedade comercial se encontrar em PER ou em processo de insolvência, não significa a se que não tenha meios económicos para suportar as custas com um procedimento arbitral, acrescentando-se ainda que, mesmo nos casos de insolvência, como deflui do normativo inserto no artigo 87º, nº2 do CIRE, as acções arbitrais pendentes na data da declaração de insolvência, prosseguirão os seus termos, cfr Manuel Pereira Barrocas, l.c., 237.

  

Quer dizer, a conclusão da ausência de possibilidades económicas para suportar os custos com a propositura de uma acção – judicial ou arbitral – dependerá sempre da alegação e prova dos factos consubstanciadores de tal situação, o que, adiante-se, nem sequer foi feito in casu.

Veja-se a este propósito que a Recorrente alegou na sua Petição Inicial – artigos 39º a 51º - encontrar-se numa débil situação económica e financeira que a impossibilitam de custear as despesas com a arbitragem.

Contudo, a Recorrente não alega quais os custos prováveis com a arbitragem, sendo certo que, atendendo ao valor da presente acção, de € 867.933,21, o montante da taxa de justiça aplicável é superior a € 1.500, a qual foi satisfeita, acrescendo ainda a circunstância de nada sabermos sobre o dispêndio com a constituição de advogado, não resultando do autos que a mesma tenha sido e esteja a ser efectuada «pro bono».

Queremos nós dizer que sempre se tornaria necessário valorar e comparar o «preço» da justiça, porque esta, quer nos Tribunais do Estado, como nos Tribunais Arbitrais, não é gratuita.

Mas prosseguindo com o raciocínio expendido pela Recorrente.

O direito alemão prevê que nos contratos de execução prolongada possa ocorrer a resolução da convenção de arbitragem se sobrevier uma justa causa, a qual poderá passar pela insuficiência de meios económicos, «(…) 3.3.         Em termos gerais, os Tribunais Alemães têm entendido que a parte incapaz de suportar os custos da arbitragem pode resolver a respectiva convenção, inclusivamente em casos em que a falta de meios ocorra antes da celebração da aludida convenção. O Bunáesgerichtsho fou "BGH", o Tribunal Civil de hierarquia mais elevada da Alemanha, já se debruçou por diversas vezes sobre a questão da incapacidade de uma parte fazer face aos custos com a constituição e o funcionamento do Tribunal Arbitral. Numa sua decisão datada de 14 de Setembro de 200013, considerou que um Tribunal pode conhecer oficiosamente da invalidade de uma convenção de arbitragem quando uma das partes não disponha dos meios financeiros necessários para custear o processo arbitral. Vale a pena acrescentar que o BGH nem sequer entendeu condicionar essa invocação à prévia resolução da convenção arbitral 3.2.A par deste entendimento de algum modo proteccionista, os Tribunais Alemães têm vindo a reconhecer à outra parte da convenção de arbitragem a possibilidade de manter a jurisdição determinada pela cláusula compromissória. O BGH entendeu que a parte contra quem é oposta esta incapacidade de custear o processo arbitral pode validamente oferecer-se para suportar integralmente essas despesas ou proceder ao adiantamento das mesmas em seu nome e da parte financeiramente débil, assim obstando à apreciação do litígio pelos Tribunais Comuns.3.5.O sentido da jurisprudência alemã citada é acompanhado pela doutrina que teoriza sobre a relevância jurídica do empobrecimento vis à vis a sujeição a uma convenção de arbitragem. A partir da reflexão de que a ninguém deve ser negada a efectivação dos seus direitos, reconhece à parte desfavorecida ou desprovida de meios económicos o direito de se libertar de uma convenção de arbitragem, mediante o preenchimento de determinados pressupostos. Na medida em que o direito arbitral alemão não reconhece o direito ao apoio judiciário num processo arbitral, estaria a parte incapaz de suportar os custos de um processo de arbitragem, na prática, impossibilitada de prosseguir e defender os seus direitos. Tal significaria uma inaceitável denegação de justiça(…)», apud Joaquim Shearman de Macedo, ibidem.

Em sentido divergente se orienta a jurisprudência e a doutrina inglesa, que se pautam pelo principio da irrelevância da disparidade que possa existir entre os custos da justiça nos Tribunais comuns e os custos dos processos arbitrais, salvo nos casos em que a incapacidade de suportar estes últimos tiver provindo de facto imputável à contraparte, vg, violações contratuais por parte desta, cfr Joaquim Shearman de Macedo, ibidem.

O Acórdão do Tribunal Constitucional de 30 de Maio de 2008 (Relator Joaquim de Sousa Ribeiro), proferido no processo 753/07, chegou a uma solução semelhante à inglesa, ao declarar inconstitucional, «por violação do artigo 20º, nº1 da CRP, a norma do artigo 494º, alínea j) do CPCivil, na versão pretérita, quando interpretada no sentido de a excepção de violação da convenção de arbitragem ser oponível à parte em situação superveniente de insuficiência económica, justificativa de apoio judiciário, no âmbito de um litígio que recai sobre uma conduta a que eventualmente seja de imputar a essa situação», in www.dgsi.pt.

Contudo, atentemos nos pressupostos em que assentava tal Aresto: prima facie, a tese desenvolvida assentava no pressuposto – não comprovado nos autos – que o valor das custas arbitrais fossem incomportáveis, face aos custos advenientes da via judicial; secundum, partiu-se do facto, decisivo, que a insuficiência invocada fosse decorrente das questões que deram origem à acção; tertio, a decisão nele plasmada baseou-se na circunstância, entretanto alterada e sem qualquer validade para os processos vindouros, da possibilidade de atribuição de apoio judiciários às pessoas colectivas com fins lucrativos, cfr Pedro Metello de Nápoles, Efeitos Da Insolvência Na Convenção De Arbitragem. Insuficiência Económica Das Partes Em Processo Arbitral, in V Congresso De Arbitragem Da Câmara De Comércio E Indústria Portuguesa (Centro De Arbitragem Comercial) Intervenções, 139/158; José Miguel Júdice, Anotação ao Acórdão 311/08 do Tribunal Constitucional, in Revista Internacional De Arbitragem E Conciliação, Ano 2, 2009, 161/190.

As perplexidades continuam a suscitar-se entre nós, porquanto a nossa Lei não contém qualquer disposição que preveja esta específica situação, a não ser no caso especial da suspensão da convenção arbitral no caso de declaração de insolvência (artigo 87º do CIRE), nem consente que o Tribunal se exima ao deferimento da excepção dilatória de preterição do Tribunal Arbitral, oposta por uma parte à outra, sendo antes injuntiva a norma que obriga ao seu conhecimento e à imediata absolvição da instância o que decorre inequivocamente do disposto no artigo 21º, nº1 da LAV, pois é a própria Constituição ao admitir a existência de outras realidades jurisdicionais, como os Tribunais Arbitrais, no já citado artigo 209º, nº2, que afasta o monopólio estadual da administração da justiça, atribuindo a particulares a solução de um litígio, gozando a decisão por estes proferida de força executiva idêntica à das sentenças judiciais, nos termos do artigo 705º, nº2 do CPCivil.

Acresce ainda a circunstância de não ser apodítica a asserção de que os custos da arbitragem são substancialmente superiores aos custos de um processo judicial, já que decorre do artigo 49º do Regulamento De Arbitragem de 2014 da Câmara De Comércio e Industria de Lisboa e Porto, no que tange ao valor da arbitragem e cálculo dos encargos, o seguinte:

«1 – Compete ao tribunal arbitral, ouvidas as partes, definir o valor da arbitragem, tendo em conta o valor correspondente aos pedidos formulados pelas partes e eventuais pedidos de providências cautelares e ordens preliminares.

2 – Compete ao Secretariado calcular os encargos da arbitragem e o montante das provisões a prestar pelas partes, tendo em conta o valor da arbitragem definido pelo tribunal arbitral ou, se este ainda não o tiver feito, o valor da arbitragem provisoriamente estimado.», consultável em http://www.centrodearbitragem.pt/index.php?lang=pt.

Vale isto por dizer que sempre poderá o Tribunal Arbitral, em circunstâncias especiais e excepcionais, devidamente alegadas e ponderadas, de insuficiência económica do demandante, reduzir os custos a suportar pela parte atingida, de molde a que à mesma não seja coarctada e/ou dificultada, por motivos económicos, a dilucidação da situação jurídica controvertida.

E assim sendo, se se admitir, como é possível admitir, que a superveniência de uma situação de debilidade económica é susceptível de constituir uma causa legitima de incumprimento da convenção arbitral, de forma a que a parte afectada possa submeter a apreciação do litigio aos Tribunais estaduais, teremos de concluir, tendo em atenção o principio da competência da competência dos Tribunais Arbitrais, que caberá a estes aferir em sede liminar da aplicabilidade ou inaplicabilidade por motivos financeiros, da cláusula atributiva do foro e se tal decisão for definitiva, no sentido da inaplicabilidade daquela com a consequente incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da acção, podendo, então, a parte recorrer aos Tribunais judiciais para fazer valer o(s) seu(s) direito(s), cfr Manuel Pereira Barrocas, ibidem, 236/237; Luís de Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional A Determinação Do Estatuto Da Arbitragem, 133/143.

Porque a arbitragem constitui «uma forma “outra” de resolver litígios e não uma mera faculdade que deixa sempre a solução judicial como a solução-norma, a que voltar se e quando surgir a mais pequena dificuldade», no dizer de José Miguel Judice, in anotação ao acórdão 311/08 do Tribunal Constitucional Publicado na “Revista Internacional de Arbitragem e Mediação”, da Associação Portuguesa de Arbitragem, Livraria Almedina, Ano 2, 2009, 161/190, caberá aos Tribunais Arbitrais aferirem, nestas precisas circunstâncias, se a cláusula arbitral é ou não de manter a sua plena eficácia, assim se cumprindo o acordado, com a sujeição da problemática ao Tribunal escolhido pelas partes e a Lei.

A não ser assim, estar-se-ia a retirar àqueles Tribunais o reconhecimento constitucional que lhes é conferido, bem como se esvaziaria o conteúdo da autonomia das partes que subjaz à convenção de arbitragem, a qual tem natureza de negócio jurídico processual, o qual, a para de qualquer outro negócio jurídico, produz efeitos juridicamente vinculantes para os sujeitos envolvidos, sendo dotada das garantias de efectividade próprias do direito, cfr Lebre de Freitas, Algumas implicações da natureza da convenção de arbitragem, in Estudos Em Homenagem À Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, volume II 625/641; Castanheira Neves, in Fontes do direito. Contributo para a resolução do seu problema, Boletim da Faculdade de Direito, Vol LVIII, 1982, 169/257.

O ordenamento jurídico disponibiliza, assim, as garantias e os meios de tutela para que se possa cumprir a vontade expressa pelas partes no acordo que firmaram, nomeadamente no que tange à escolha do foro para resolver os litígios que se viessem a instalar entre ambas, pelo que, qualquer decisão a estes relativa, que venha a ser proferida por um Tribunal diverso do eleito, constituirá uma violação ao principio do juiz natural, pois este, na sua génese e por via da autonomia privada conferida aos intervenientes negociais e processuais, foi escolhido como sendo o juiz arbitral, competindo, portanto, a competência jurisdicional para decidir desta questão, aos Tribunais Arbitrais, sendo estes os únicos que podem determinar inoperância da cláusula que lhes atribuiu a competência, se chegarem à conclusão que as razões apontadas pela aqui Recorrente são bastantes para derrogar a mesma.

O confronto entre a garantia da tutela arbitral, constitucionalmente consagrada, artigo 209º, nº2 e 3 da CRP bem como o direito da personalidade na vertente da auto-determinação das partes e a tutela do direito ao direito, prevenida no artigo 20º, nº1 daquele diploma fundamental, tem de ser ponderado e dirimido na sede própria, qual é a dos Tribunais Arbitrais, sem prejuízo de, se assim vier a ser entendido, a questão poder vir a ser tratada nos Tribunais comuns, se e quando aqueles Órgãos concluírem pela sua incompetência, com a inaplicação da cláusula compromissória.

Assim sendo, entendemos, que a verificação da execução do contrato havido entre a Recorrente e o Recorrido nos termos em que a problemática nos é suscitada por aquela, apenas pode ser objecto de decisão definitiva no seio dos Tribunais Arbitrais, em cumprimento dos princípios da liberdade contratual e da confiança, como expoentes da auto-determinação e de conformação constitucional.

Improcedem in totum, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, e embora com fundamentos algo diversos confirma-se a decisão ínsita no Acórdão sob censura.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo de eventual isenção que se venha a confirmar nos termos do artigo 4º, nº1, alínea u) do RCP.

Lisboa, 26 de Abril de 2016

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Júlio Manuel Vieira Gomes)