Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA IMÓVEL DESTINADO A LONGA DURAÇÃO DEFEITOS VENDEDOR EMPREITEIRO REGIME APLICÁVEL | ||
Data do Acordão: | 10/13/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
Sumário : | I. O regime jurídico do contrato de empreitada comporta uma disciplina de denúncia e reparação ou eliminação de defeitos e vícios construtivos (enquanto perturbações defeituosas da prestação originária do empreiteiro: arts. 1208º e 1218º do CCiv.) que, para os imóveis destinados a longa duração (art. 1225º do CCiv., em articulação com os arts. 1220º, 1221º e 1223º), determina a responsabilidade contratual do empreiteiro pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente. Para este efeito, é equiparado a empreiteiro o «vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado». II. Essa responsabilidade concretiza o direito de pedir a eliminação dos defeitos e vícios do construído e, no caso de não poderem sem eliminados ou sanados, o de exigir uma «nova construção», tudo sem prejuízo do direito à respectiva indemnização pelos prejuízos sofridos. Trata-se de uma nova obrigação de prestação de facto, ex lege, que surge como consequência de o empreiteiro não ter executado a obra nas condições convencionadas e supõe uma condenação prévia do empreiteiro, na sequência do qual o dono pode exigir a eliminação do defeito ou a nova construção por terceiro, à custa do devedor empreiteiro, ou a indemnização pelos danos sofridos. III. Essa condenação impõe-se quanto a patologias construtivas e à ausência de equipamentos respeitantes à aptidão da obra para o seu uso ordinário que se provem não terem sido eliminadas/colocadas uma vez denunciadas tempestivamente pelo condomínio do edifício a que respeita a obra. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 5281/16.5T8MTS.P1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, 3.ª Secção Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. Condomínio do Edifício sito na Rua ..., n.º 00, 000 e 000, em ..., ..., representado pelo administrador AA, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra «Manuel Silva & José Soares, Lda.», pedindo que seja esta condenada a proceder à reparação dos defeitos construtivos identificados para as partes comuns do prédio, identificados nos artigos 8.º, 9.º, 22.º e 23.º da petição inicial, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença ou, subsidiariamente, no pagamento de uma indemnização em montante suficiente para que o condomínio Autor pudesse encomendar as obras a entidade terceira, a liquidar em sede de execução de sentença. Mais peticionou a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização de valor não inferior a 10.000,00 euros, a título de danos morais. Para tanto, alegou que a Ré foi a empresa construtora do prédio autor, e que procedeu à venda das fracções, referindo que nas partes comuns do prédio têm surgido vícios de construção, cuja reparação é da responsabilidade da Ré, que foram denunciados. A Ré, reconhecendo os defeitos através do seu sócio maioritário, BB, fez uma intervenção pontual no prédio, não resolvendo os problemas. Acrescentou o Autor que os condóminos têm-se visto impedidos de gozar o prédio em toda a sua extensão, sendo obrigados a conviver com os defeitos no seu dia-a-dia, com os inerentes incómodos. A Ré apresentou Contestação. Por excepção, invocou a caducidade do direito invocado pelo Autor, por já ter decorrido o prazo de cinco anos de garantia do prédio, bem como o prazo de um ano previsto para a propositura da acção, além da excepção de ilegitimidade para o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, por entender que o condomínio não representa os condóminos para além das questões referentes às partes comuns. Por impugnação, negou a existência dos vícios e defeitos elencados na petição inicia ou, a existirem, alegou que não foram causados por si, mas por força do decurso do tempo, não constituindo por isso vícios de construção. Referiu ainda a Ré que o seu sócio, BB para além de não vincular a ré, nunca reconheceu a existência de quaisquer defeitos. Termina pedindo a sua absolvição, quer por força das excepções deduzidas (“peremptória da caducidade do direito à reparação de alegados vícios/indemnização”; “peremptória da ilegitimidade substantiva do A. condomínio quanto ao pedido de indemnização por danos morais”, quer por força da improcedência do pedido. O Autor apresentou articulado de resposta, respondendo à matéria das excepções, pugnando pela sua improcedência. 4. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto (TRP), visando a revogação da decisão de 1.ª instância e o julgamento da acção como procedente. Identificadas as questões recursivas – “se ocorreu erro na apreciação da prova; excepção da caducidade do direito de acção” –, prolatou-se acórdão em 27/6/2019 (fls. 151 e ss), que, para além de não se ter encontrado fundamento para alterar a decisão relativa à matéria de facto, improcedendo nesse segmento o recurso, julgou improcedente no mais o recurso, confirmando-se a sentença recorrida, “ainda que com distintos fundamentos”: “improceder a excepção de caducidade do direito de acção invocado pela Ré”; “é certo que no prédio não foram detectadas patologias na área de intervenção da Ré, que, no indicado período, efectuou reposição de revestimento na fachada norte, sobre a entrada 126, pelo que não haveria que proceder à eliminação das mesmas”. No âmbito e no exercício da previsão do art. 639º, 3, e 652º, 1, a), do CPC, foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento ao Recorrente (fls. 168), “para, no prazo de cinco dias, aperfeiçoar e sanar as irregularidades descritas e apresentar novas Conclusões, devidamente completadas, corrigidas e esclarecidas, e sem ampliação do seu âmbito, sob pena de rejeição do recurso”. Da resposta atravessada nos autos, resulta que as Conclusões da revista são: “1. Pelas razões descritas no corpo das alegações, o Tribunal da Relação do Porto efectuou uma errada aplicação do direito aos factos, ignorando o ponto 13 dos factos provados ou dele fazendo uma interpretação enviesada.
2. Com efeito, o ponto 13 dos factos provados reza que “E, nessa assembleia, perante os restantes condóminos, [o sócio da ré BB] reconheceu a existência de patologias e a necessidade de intervenção para a sua correcção, a realizar pela ré, mal o tempo o permitisse.”
4. Verificada uma causa impeditiva da caducidade, nos termos do artigo 331.º do Código Civil, o prazo de caducidade passará a ser o prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309.º do Código Civil, que é de 20 anos.
10.Os condóminos são leigos em matéria jurídica, dando por boas as declarações supostamente deboa-fé feitas por alguémque sempre seapresentou comotendopoderes de representação da Ré/Recorrida.
12.Note-se que as patologias que se encontram provadas sob os pontos 8. e 9. já haviam sido incluídas na descrição constante na carta descrita sob os pontos 6. e 7.
13.Logo, ao contrário do que (mal) decidiu o Tribunal da Relação do Porto, o reconhecimento pela Ré/Recorrida da existência de patologias ocorreu na assembleia de condóminos descrita nos pontos 12. e 13. da matéria de facto, e não com a realização de obras nos termos descritos no ponto 14. da matéria de facto.
6. A Ré e Recorrida apresentou contra-alegações, voltando a sustentar a caducidade do direito de acção e a inexistência de defeitos a eliminar, batendo-se pela manutenção do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO
1. Objecto do recurso Vistas as Conclusões do Recorrente, que delimitam o conhecimento nesta sede do objecto recursivo (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), verifica-se que não é de atender às Conclusões 4. e 16., 1ª parte, enquanto se invoca a improcedência da excepção da caducidade do direito de acção do Autor: o Recorrente obteve vencimento nesta pretensão em relação ao decidido pela 1.ª instância no acórdão recorrido e, em tal medida, falece a sua legitimidade para recorrer dessa questão (art. 631º, 1, CPC)[1]. Assim, analisadas as restantes Conclusões, identifica-se como questão a decidir a correcta interpretação e aplicação do regime do contrato de empreitada, no que respeita à responsabilidade pela eliminação e superação dos defeitos e vícios de construção a cargo do construtor-empreiteiro que vende o edifício/fracções autónomas em relação às partes comuns do edifício-prédio em propriedade horizontal, tendo em conta a garantia de 5 anos, prevista no regime do art. 1225º do CCiv., no confronto com a matéria de facto provada (e não provada, se pertinente) nos autos. Exclui-se, portanto, a apreciação do pedido de responsabilidade civil extra- -contratual por danos não patrimoniais: a al. c) do petitório constante da petição inicial do Autor não se integra na Conclusão 16., 2.ª parte, do recurso (art. 635º, 4, CPC).
2. Factualidade
Foram considerados provados nas instâncias os seguintes factos:
1. O autor é um condomínio de um prédio sito na Rua ..., n.os 00, 000 e 000, em ..., concelho de ..., constituído em propriedade horizontal, conforme documento das fls. 9 a 21, cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido.
2. E encontra-se representado pelo seu administrador, AA, eleito em Dezembro de 2012, tendo a mais recente reeleição ocorrido em assembleia de condóminos de 26/01/206, conforme documento das fls. 21v e 22, cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido.
3. Em assembleia de condóminos foram conferidos poderes ao administrador para apresentação da presente acção em Tribunal, conforme documento já referido das fls. 21v e 22. 4. A ré é uma sociedade comercial que tem por objecto a atividade de construção civil, loteamentos e urbanizações, compra e venda de prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, conforme melhor resulta da respectiva certidão permanente, constante das fls. 23v a 26, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
5. No exercício da sua actividade, a ré foi a construtora do prédio em causa e vendeu as fracções que o compõem.
6. O autor, através da sua administração, enviou uma carta à ré a dar conta da existência de defeitos nas partes comuns do prédio, por carta registada com aviso de recepção datada de 2 de Maio de 2013, remetida a 3 de Maio e recepcionada pela ré a 6 de Maio de 2013, conforme documentos das fls. 26v, 27 e 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Nessa carta, são descritas as seguintes deficiências nas partes comuns, que o autor entende serem motivadas pelos defeitos construtivos do edifício:
8. O prédio apresenta as seguintes patologias:
a) fissuras na fachada oeste, na zona das juntas do revestimento, que permitem a entrada de água/humidade no interior do prédio;
b) ausência de conclusão das obras na sala do condomínio.
9. O prédio não dispõe de detector de gases na garagem.
10. À data da carta referida em 6 e 7, a ré era a dona das fracções F, L e N, as quais se mostravam descritas na Conservatória do Registo Predial a seu favor.
11. Sendo que o sócio da ré, BB, e a sua mulher, gerente da ré, residiam à data na fracção F, correspondente ao 1.º andar direito.
12. O sócio da ré BB compareceu na assembleia de condóminos que teve lugar no dia 24 de Janeiro de 2014 em representação das referidas fracções, conforme comunicação da fl. 31, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
13. E, nessa assembleia, perante os restantes condóminos, reconheceu a existência de patologias e a necessidade de intervenção para a sua correcção, a realizar pela ré, mal o tempo o permitisse.
14. Em data não apurada, mas situada entre Maio e Julho de 2015, a ré procedeu a alguma reposição de revestimento na fachada norte, sobre a entrada 126.
15. Por carta registada com aviso de recepção datada de 7 de Julho de 2015, subscrita pelo seu advogado, o condomínio voltou a interpelar a ré para a eliminação de vícios, conforme documentos das fls. 32 e 33, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
16. O autor aproveitou essa carta para reclamar igualmente os defeitos entretanto surgidos, que no entender do autor consistiam em:
- aluimento de terras junto da entrada 126; - as colunas de suporte do prédio (as duas colunas da entrada 126 já exibem o ferro à mostra); - infiltrações em todas as fachadas (neste caso acarretando inclusivamente a queda de parte do revestimento da fachada junto da entrada 126), tudo conforme carta já referida.
17. Após o referido em 14., a ré não efectuou nenhumas reparações no prédio em causa.
18. Os condóminos têm vindo a conviver com os vícios detectados, com os inerentes incómodos.
19. A aquisição das fracções implicou esforço financeiro dos compradores/condóminos.
20. A propriedade horizontal do edifício autor foi registada na Conservatória do Registo Predial em 28/04/2008.
21. A partir dessa data ocorreu a venda das fracções aos compradores/condóminos.
22. A reparação da sala de condomínio ocorreu em data não concretamente apurada, mas anterior a 02 de Maio de 2013.
23. Relativamente ao aluimento de terras no passeio da via pública, a ré contactou a empresa Indaqua, responsável pelo sistema de águas e infraestruturas do Município de ..., mas esta nada lhe reportou.
1. O prédio apresenta as seguintes patologias: a) erosão de várias áreas do chão da garagem, “fora do normal” para a idade que o prédio apresenta; b) fugas de água na cisterna e nas tubagens existentes na garagem; c) fissuras nas fachadas este, norte, sul do prédio.
2. Ocorre falta de limpeza das varandas do prédio, junto às saídas das águas pluviais e tubos de queda, que poderão estar obstruídos.
3. É necessário que, de três em três anos pelo menos, sejam levantadas as “largetas de godo” e o isolamento térmico, para limpar a “goma” que se forma junto às saídas das águas pluviais na tela, ou seja, é necessário que o A. condomínio faça a manutenção.
4. As obras na sala de condomínio foram feitas pela ré na qualidade de administradora das partes comuns do edifício.
5. Ficaram na sala do condomínio ou no arrumo anexo, peças de tijoleira suficientes para serem colocadas no espaço em causa.
6. A causa do aluimento de terras no passeio deveu-se a uma fuga de águas camarárias.
7. As fachadas são constituídas por duas paredes duplas, com caixa de ar interior de cerca de 6 cm e isolamento térmico projectado.
8. A ré construiu, desde 1999, na urbanização, mais oito prédios para além do edifício aqui em causa, nunca ocorreram reclamações por vícios de construção, nas partes comuns de qualquer deles. 3.1. Como referido, a única questão a decidir é a de saber se é de confirmar a improcedência do pedido (responsabilidade contratual da empreiteira Ré) do Autor/Recorrente, uma vez julgada a montante pela Relação a improcedência da excepção de caducidade do direito de acção invocada pela Ré. Ou seja, saber se o acórdão recorrido fez a correcta aplicação da lei no confronto com a materialidade apurada como provada e não provada pelas instâncias. Para esse efeito, a presente demanda recursiva implica a convocação do regime de denúncia e suprimento de defeitos e vícios de construção de edifício (de longa duração), incluído na disciplina legal do contrato de empreitada – arts. 1218º e ss do CCiv. –, aplicável ao construtor-empreiteiro que vende o imóvel construído (art. 1225º, 4, CCiv.)[2]. Em primeiro lugar, o art. 1208º do CCiv. impõe: «O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.» Sendo que o art. 1218º, 1, do CCiv., determina: «O dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios.» Em especial, rege o art. 1225º do CCiv.: «1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente. 2 – A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia. 3 – Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º [1 – Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.]. O art. 1223º do CCiv. determina ainda: «O exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais.» Daqui resulta que o “adquirente” – neste caso, para o efeito de reparação específica ou efeito indemnizatório, o administrador com poderes, representativos e processualmente a título próprio, no que toca aos defeitos das partes comuns do edifício[3], de acordo com os arts. 1430º, 1, 1436º (corpo e als. f) e h); cfr. facto provado 3.) e 1437º, 1, do CCiv., e 12º, al. e), do CPC – tem o direito de pedir a eliminação dos defeitos e vícios do construído e, no caso de não poderem sem eliminados ou sanados, o de exigir uma “nova construção”, tudo sem prejuízo do direito à respectiva indemnização pelos prejuízos sofridos. Trata-se de “uma nova obrigação de prestação de facto, que surge como consequência de o empreiteiro não ter executado a obra nas condições convencionadas” (sublinhado nosso). E, para essa obrigação se constituir, a lei “supõe uma condenação prévia do empreiteiro, na sequência do qual o dono pode exigir a eliminação do defeito ou a nova construção por terceiro, à custa do devedor, ou a indemnização pelos danos sofridos”[4]. A indemnização por último referida justifica-se quando, assumindo-se a realização de actos tendentes à eliminação dos defeitos e vícios construtivos, não se encontrarem reparados todos os danos – um verdadeiro complemento colocado nas mãos do credor insatisfeito em relação aos direitos decorrentes do não cumprimento do empreiteiro[5]. Quanto às perturbações da prestação originária do empreiteiro, entre elas está, desde logo, a desconformidade da obra em relação ao que foi convencionado, revelando-se um vício que “vai implicar a apreciação negativa da obra, seja em termos de valor, seja em termos de funcionalidade normal, seja em termos de funcionalidade para o fim contratualmente previsto”[6]. Por outro lado, nessas perturbações integram-se inequivocamente os vícios que excluam ou reduzam a aptidão da obra para o seu uso ordinário – as “situações em que as características da obra não lhe permitem desempenhar os seus fins normais ou socialmente típicos”, correspondentes normalmente a um “defeito da obra, uma vez que esta deve ser poder ser apta à sua utilização comum, independentemente do fim a que a destine o dono da obra” – defeitos aparentes (“aqueles que se revelam por sinais visíveis e permanentes, podendo assim ser apercebidos por um observador que use da diligência exigível na verificação da obra”) e/ou ocultos (“aqueles em relação aos quais não existem sinais visíveis ou, existindo, estes não têm carácter permanente, pelo que podem passar despercebidos ao observador”, como, por ex., “infiltrações no prédio que apenas sejam detectáveis na época das chuvas”)[7].
3.2. Ficou provado que: — no exercício da sua actividade (“construção civil, loteamentos e urbanizações, compra e venda de prédios e revenda dos adquiridos para esse fim”), a Ré construiu o edifício e vendeu as suas fracções autónomas (a partir de Abril de 2008); — relativamente às partes comuns, a administração do condomínio do edifício comunicou a existência de defeitos de construção e o pedido de eliminação de vícios em 2 de Maio de 2013 (recepção pela Ré em 6 de Maio) e em 7 de Julho de 2015; — o prédio apresenta(va) as seguintes “patologias”: (i) “fissuras na fachada oeste, na zona das juntas do revestimento, que permitem a entrada de água/humidade no interior do prédio”; (ii) “ausência de conclusão das obras na sala do condomínio” – facto provado 8.; — o prédio “não dispõe de detector de gases na garagem” – facto provado 9.; — em data anterior a 2 de Maio de 2013, foi reparada a sala de condomínio – facto provado 22.; — o sócio da Ré, ainda que sem a titularidade da respectiva gerência, BB, compareceu na assembleia de condóminos que teve lugar no dia 24 de Janeiro de 2014 em representação das fracções autónomas de que era proprietário e, perante os condóminos presentes, “reconheceu a existência de patologias e a necessidade de intervenção para a sua correcção, a realizar pela ré, mal o tempo o permitisse”; — em data situada entre Maio e Julho de 2015, a Ré “procedeu a alguma reposição de revestimento na fachada norte, sobre a entrada 126” – facto provado 14.; — após essa última data, a Ré não efectuou quaisquer outras reparações no prédio; — os condóminos “têm vindo a conviver com os vícios detectados, com os inerentes incómodos”. Não ficou provado, em especial, que: — o edifício apresentasse outras patologias, como “erosão de várias áreas do chão da garagem, ‘fora do normal’ para a idade que o prédio apresenta”, “fugas de água na cisterna e nas tubagens existentes na garagem”, “fissuras nas fachadas este, norte, sul do prédio”; — as obras na sala de condomínio tivessem sido feitas pela Ré na qualidade de administradora das partes comuns do edifício.
3.3. A sentença de 1.ª instância julgou a acção improcedente, por verificada a excepção de caducidade, invocada pela Ré, do direito de exigir a reparação e eliminação dos defeitos exercido pelo Autor, o que precludiu a apreciação desse direito, assim como do pedido de indemnização por danos de natureza não patrimonial. O acórdão da Relação julgou improcedente essa mesma excepção de caducidade do direito de acção invocada pela Ré, de modo que foi reconhecido a tempestividade (no âmbito do prazo ordinário de prescrição: 20 anos) do direito de o Autor instaurar acção judicial contra o empreiteiro para o responsabilizar por tais defeitos/vícios denunciados. A argumentação essencial para a conclusão do tribunal a quo – assente na articulação dos arts. 1225º, 2, 1220º, 2, e 331º, 2, do CCiv. – consta dos seguintes trechos: “Resulta do exposto que houve da parte do réu reconhecimento dos mencionados defeitos de construção, reconhecimento traduzido em trabalhos de reparação que não deu por concluídos e, por isso, para além de um tal reconhecimento equivaler à denúncia (artigo 1220.º/2 do Código Civil), ele tem um efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da acção destinada a exigir, após a denúncia, a eliminação dos defeitos” (com citação de vária jurisprudência de suporte do STJ; sublinhado nosso); “Também resulta demonstrado que em data não apurada, mas situada entre Maio e Julho de 2015, a ré procedeu a alguma reposição de revestimento na fachada norte, sobre a entrada 126, revelando com essa actuação reconhecimento inequívoco das patologias que reparou” (sublinhado nosso); “não se ignorando que ‘a partir desse reconhecimento, não correria novo prazo de caducidade, antes o prazo ordinário de prescrição – 20 anos (art.º 309.º do Código Civil)’” (também enfatizado nosso)[8]; com isto fazendo com que “teria, por conseguinte, de improceder a excepção de caducidade do direito de acção invocado pela Ré” (ainda sublinhado da nossa responsabilidade). * Tendo o Autor pedido a condenação da Ré na reparação de defeitos existentes nas partes comuns do prédio ou, subsidiariamente, no pagamento de uma indemnização correspondente ao custo da mesma reparação, a Relação considerou, no fundamento usado para fazer improceder a apelação, uma vez julgada improcedente a caducidade, que: Dessa forma, como se salienta expressamente na parte final da fundamentação de direito do acórdão recorrido, a Relação confirmou a improcedência da acção (com a consequente absolvição da Ré do pedido), confirmando a sentença recorrida, mas com “distintos fundamentos”.
No entanto: Sucede que não se encontram na factualidade provada os elementos suficientes ou idóneos para chegar à conclusão final de absolvição total da Ré do pedido em discussão a final, assumida pelo acórdão recorrido. Por um lado, temos como materialidade assente a existência de “fissuras na fachada oeste, na zona das juntas do revestimento, que permitem a entrada de água/humidade no interior do prédio”; por outro lado, temos, como acto de eliminação/reparação de defeitos de construção, “alguma reposição de revestimento na fachada norte, sobre a entrada 126”, levada a cabo entre Maio a Julho de 2015 – isto é, actuação a cargo da Ré, mas noutra implantação e localização do edifício, sendo certo que, relativamente a essa localização, se encontra, nos “factos não provados”, que não se demonstrou, como patologia, “fissuras nas fachadas este, norte, sul do prédio” (v. facto não provado 1., c)). Sobre a colocação do “detector de gases na garagem” a cargo da Ré – enquanto vício/defeito respeitante à aptidão da obra para o seu uso ordinário em parte comum[9] –, uma vez provada a sua omissão, tendo como referência a denúncia constante da comunicação de Maio de 2013 (cfr. facto provado 7.)[10], nada consta igualmente da matéria de facto que prove o cumprimento exigível. De outra banda, temos o sócio da Ré, na qualidade de proprietário de fracções do edifício e condómino, em data anterior a essa intervenção de 2015, a reconhecer “patologias” e “a necessidade de intervenção para a sua correcção”. Facto corroborado pela convivência dos seus co-condóminos com “os vícios do edifício” e os seus incómodos. E conexionado com a ausência de qualquer outra intervenção nessas “patologias” após Julho de 2015 (facto provado 17.). A verdade é que a matéria de facto aponta que não existiu a eliminação/reparação e suprimento, pelo menos, das perturbações e desconformidades demonstradas nos factos provados 8., al. a), e 9. – e só estas ficaram provadas –, que, ao invés do que afirma o acórdão recorrido, ainda fazem parte da “área de intervenção” de patologias construtivas e defeitos impeditivos do uso da obra. E, assim sendo, tais factos integram ainda a responsabilidade contratual por cumprimento defeituoso do empreiteiro-vendedor do prédio[11], nos termos do regime jurídico dissecado. Consequentemente, a Ré deverá efectuar a correcção das anomalias que a matéria de facto aponta como omissões de sanação dos vícios/defeitos provados. Com o que se julga procedente, no segmento pertinente e em parte, a Conclusão 16.ª, 2.ª parte, do recurso (“sendo deferidas as alíneas a) e b) do pedido formulado na petição inicial [n]o que diz respeito aos factos provados sob os pontos 8 e 9”). Por fim, considera-se razoável e adequado, tendo em conta o período temporal já decorrido e a natureza das correcções, o prazo de 30 dias peticionado pelo condomínio Autor para o cumprimento da obrigação em que vai condenada a Ré.
III. DECISÃO * Custas pela Recorrida.
STJ/Lisboa, 13 de Outubro de 2020 Ricardo Costa (Relator) Ana Paula Boularot José Rainho
SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).
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