Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
632/2001.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANO PATRIMONIAL FUTURO
INDEMNIZAÇÃO POR INCAPACIDADE GERAL PERMANENTE
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Data do Acordão: 10/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES/ OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 564.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 4/12/2007, PROCESSO N.º07A3836;
-DE 28/2/2008, PROCESSO N.º08B388;
-DE 23/10/2008, PROCESSO N.º 08B2318;
-DE 25/6/2009, PROCESSO N.º 08B3234;
-DE 11/11/2010, PROCESSO N.º 270/04.5TBOFR.C1.S1;
-DE 7/10/2012, PROCESSO N.º 839/07.6TBPFR.P1.S1.
Sumário :
1.Ao arbitrar-se indemnização pelo dano patrimonial futuro deve ter-se em consideração, não apenas a parcela dos rendimentos salariais auferidos à data do acidente directa e imediatamente perdidos em função do nível de incapacidade laboral do lesado, calculados através das tabelas financeiras correntemente utilizadas, mas também o dano biológico sofrido por lesado jovem, (consubstanciado em IGP de 17,06 %, sujeita a evolução desfavorável, convergindo para o valor de 22%), com relevantes limitações funcionais, redutoras das possibilidades de exercício ou reconversão profissional futura, implicando um esforço acrescido no exercício das actividades profissionais e pessoais.

2. Não é excessiva uma indemnização de €45.000, arbitrada como compensação de danos não patrimoniais, decorrentes de lesões ortopédicas dolorosas , que implicaram várias intervenções cirúrgicas, internamento por tempo considerável , dano estético e ditaram sequelas negativas para o padrão e a qualidade de vida do lesado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de justiça:

1. Invocando as lesões sofridas em acidente de viação imputável ao condutor da viatura segurada na R., AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH intentaram acção de condenação contra a II, S.A.;  a pedido da Ré, com fundamento em serem, também, lesados pelo mesmo acidente de viação, foram admitidos, como intervenientes principais, associados aos autores, JJ, KK, LL , MM e o Hospital de S.Marcos,; ainda a requerimento da R./seguradora e com fundamento em o condutor do veículo segurado o conduzir sem habilitação legal, tendo, por conseguinte, sobre ele acção de regresso, foi admitida a intervenção acessória de NN; todos estes sujeitos intervieram efectivamente na acção, mediante a apresentação de articulados próprios, ampliando alguns deles os pedidos inicialmente deduzidos.

Os autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH haviam pedido a condenação da Ré a pagar-lhes a indemnização total de 21.275.000$00 (€ 106.119,25), acrescida de juros de mora, desde a data da citação até integral pagamento, alegando, para o efeito e em síntese, a ocorrência, em 23-07-2000, de um acidente de viação, imputável ao proprietário e condutor do veículo segurado na Ré, de que resultou o atropelamento e o subsequente falecimento do seu irmão, OO, solteiro, sem ascendentes ou descendentes, sem testamento ou disposição de última vontade, sendo, pois, os únicos e universais herdeiros dele, pretendendo, como compensação pela perda da vida dele, a quantia de 7.500.000$00 (€ 37.409,84), pelas dores, sofrimento, angústia, pânico e medo de morrer tidos pelo seu referido irmão durante os oito dias seguintes ao acidente e antecedentes da sua morte, a quantia de 1.500.000$00 (€7.481,97), pelo sofrimento e dor a si causados pelo falecimento daquele irmão, a quantia de 1.500.000$00 (€7.481,97) a cada um dos Autores, no sub-total de 12.000.000$00 (€ 59.855,75), e a quantia de 275.000,00 (€ 1.371,69), a título de reembolso das despesas tidas pelos sete primeiros Autores com o funeral do seu referido irmão.

O Hospital de S. Marcos, na sequência do seu chamamento como interveniente principal, a título de despesas tidas com a assistência hospitalar por ele prestada à sinistrada MM, havia pedido o pagamento de 3.106,77€, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação deste pedido até efectivo e integral pagamento.

Os intervenientes principais JJ, KK, LL e MM, na sequência do seu chamamento, haviam pedido a condenação solidária dos réus II, S.A. e NN, - justificando o pedido contra este nos factos de ser o condutor do veículo seguro na Ré e de os montantes das indemnizações pedidas ultrapassarem o capital mínimo obrigatório do seguro - a pagarem a JJ, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia total de € 39.652,14, acrescida de juros de mora até efectivo e integral pagamento, e a pagarem a KK , a LL e a MM, respectivamente, as quantias de € 66.658,82, de € 66.665,11 e de 80.184,13€, acrescidas de juros de mora até efectivo e integral pagamento, valores estes relativos aos danos patrimoniais e não patrimoniais por elas sofridos desde a data do acidente até ao momento da dedução do pedido (28-02-2003), peticionando estas ainda uma indemnização, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, que continuem a sofrer para além daquela data, a liquidar em execução de sentença, e tendo em conta o grau de incapacidade (I.P.P.), de que vierem a ficar afectadas, pedidos que estas, posteriormente, ampliaram.

Assim, as intervenientes principais KK, LL e MM, em 01-10-2009, ampliaram e liquidaram os seus pedidos iniciais, o que foi admitido, pedindo a condenação solidária dos réus II, S.A. e NN a pagar-lhes, respectivamente, as quantias de € 291.189,30, de € 284.090,61 e de € 209.189,58, a título de ressarcimento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais por elas sofridos em consequência do acidente de viação em litígio, acrescidas de juros de mora, a contar da citação dos pedidos iniciais e quanto aos valores aí peticionados, e sobre os valores peticionados na ampliação, a contar da notificação desta aos Réus.

Foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, decidindo nos seguintes termos:

1. Condenar a ré Il, S.A:

a) - A pagar a cada um dos autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, a quantia de 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros), no total de 100.000,00€ (cem mil euros), a título de danos não patrimoniais pelo falecimento do irmão OO, acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento;

b) - A pagar ao interveniente JJ a quantia de 660,45€ (seiscentos e sessenta euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e a quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais e de perda da capacidade de ganho, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento;

c) - A pagar à interveniente KK, a título de danos patrimoniais, a quantia de 2.031,37€ (dois mil e trinta e um euros e trinta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da ampliação do pedido até efectivo e integral pagamento, e a quantia de 140.000,00€ (cento e quarenta mil euros), a título de danos não patrimoniais e de perda da capacidade de ganho, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento; quantias estas a que deverão ser imputados os montantes que lhe foram pagos pela ré Companhia de Seguros no âmbito da transacção firmada no procedimento cautelar apenso;

d) - A pagar à interveniente LL, a título de danos patrimoniais, a quantia de 2.463,26€ (dois mil, quatrocentos e sessenta e três euros e vinte e seis cêntimos), e de 674,94€ (seiscentos e setenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e a quantia de 663,12€ (seiscentos e sessenta e três euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da ampliação do pedido até efectivo e integral pagamento, e a quantia de 165.000,00€ (cento e sessenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais e de perda da capacidade de ganho, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento;

e) - A pagar à interveniente MM, a título de danos patrimoniais, a quantia de 965,27€ (novecentos e sessenta e cinco euros e vinte e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e as quantias de 112,34€ (cento e doze euros e trinta e quatro cêntimos) e de 25.730,59€ (vinte e cinco mil, setecentos e trinta euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da ampliação do pedido até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de 85.000,00€ (oitenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais e de perda da capacidade de ganho, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento; quantias estas a que deverão ser imputados os montantes que lhe foram pagos pela ré Companhia de Seguros no âmbito da transacção firmada no procedimento cautelar apenso;

f) - A pagar ao interveniente Hospital de S. Marcos a quantia de 3.106,77€ (três mil, cento e seis euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;

2. Absolver o réu NN do pedido formulado pelos intervenientes JJ, KK, LL e MM;

3. Condenar o réu NN, como litigante de má-fé, a pagar a multa de 2UC;

4. Condenar os Autores, os Intervenientes e a ré Companhia de Seguros nas custas da acção, na proporção da respectiva sucumbência, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem (art.º 446.º/1/2 do C.P.C.);

5. Condenar o réu NN nas custas do incidente de litigância de má-fé, com a taxa de justiça de 1UC, nos termos do art.º 16.º do CCJ.

Inconformados, apelaram os AA. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, KK, LL e MM

A Relação julgou parcialmente procedente a apelação interposta pela recorrente MM, no que se refere ao preciso momento de surgimento do débito acessório de juros moratórios, confirmando, porém, o decidido quanto aos montantes indemnizatórios arbitrados em 1ª instância, condenando a ré Il, S.A:

A pagar à interveniente MM, a título de danos patrimoniais, a quantia de 965,27€ (novecentos e sessenta e cinco euros e vinte e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e as quantias de 112,34€ (cento e doze euros e trinta e quatro cêntimos) e de 2.337,59€ (dois mil, trezentos e trinta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da ampliação do pedido até efectivo e integral pagamento, e a quantia de € 23.393,00 (vinte e três mil, trezentos e noventa e três euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação à Ré da petição de intervenção principal até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de 85.000,00€ (oitenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais e de perda da capacidade de ganho, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento; quantias estas a que deverão ser imputados os montantes que lhe foram pagos pela ré Companhia de Seguros no âmbito da transacção firmada no procedimento cautelar apenso;

Considerou, para tal, que os juros de mora, sobre o montante de € 23.393,00 da parcela indemnizatória de € 25.730,59, arbitrada pela sentença recorrida à apelante MM, são devidos desde a notificação à parte contrária do seu articulado de intervenção, e não apenas desde a notificação da ampliação do pedido, como vem decidido, salvo quanto à diferença de € 2.337,59, cujos juros moratórios são devidos, a contar da notificação da ampliação do pedido, .Relativamente à impugnação dirigida ao montante das indemnizações de 35.000,00€ e de 50.000,00€, que lhe foram arbitrados pela sentença recorrida, respectivamente, a título de danos não patrimoniais e a título de ressarcimento do dano patrimonial de perda da capacidade de ganho, emergente da IPG de 23,06% de que ficou afectada - pretendendo que, a tais títulos, lhe fossem arbitradas as indemnizações de 65.000.00€ e de 80.000,00€ respectivamente -  considerou o acórdão recorrido:

 Para o efeito, invocou os provados danos não patrimoniais por ela sofridos e que, no cálculo da indemnização pela perda da capacidade de ganho, atentos os factores em que a sentença recorrida se baseou, há o lapso da sua vida activa futura ser superior a 50 anos e não de 46 anos, pelo que, feitas as contas, em vez dos achados € 70.370,80, o valor da indemnização é de € 76.490,00; o cálculo da indemnização deveria basear-se, ainda, em rendimento mensal superior ao comprovado de € 473,00, próximo do montante do salário mínimo nacional, por haverem decorrido 10 anos sobre a perda da capacidade de trabalho da Apelante, por esta ser empregada de limpeza e aquele rendimento estar desactualizado, atenta a remuneração actual das empregadas de limpeza de cerca de cinco euros por hora de trabalho e por não correrem o risco de desemprego.

Vejamos.

Os danos não patrimoniais sofridos pela apelante MM, nascida em 06-08-1980, por conseguinte com quase 20 anos de idade, em consequência do acidente de viação em litígio, foram os constantes dos itens 77 a 85, 87, 89, alíneas a) a m), 91 e 92, aqui dados por reproduzidos, pelo que o montante compensatório que lhe foi arbitrado pela 1.ª Instância, atendendo, para o efeito, ao disposto nos art.ºs 494.º e 496.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil, aos valores compensatórios arbitrados pela jurisprudência por ela citada, à data do acidente, à idade da Apelante, à gravidade e multiplicidade dos danos por ela sofridos, afigura-se-nos ajustada compensação e, porque actualizada à data da prolação da sentença recorrida, é devido o acréscimo de juros legais apenas a contar da data da sentença recorrida, como vem decidido, pelos fundamentos jurídico e jurisprudencial já expostos.

Quanto ao arbitramento da indemnização de € 50.000,00 pela perda da capacidade de ganho da Apelante, a sentença recorrida não contém o invocado lapso da duração previsível da vida activa da Apelante, porquanto, para o seu cálculo, foram utilizados os factores da data do seu nascimento (06-08-1980), da data do termo da sua incapacidade absoluta para o trabalho (06-01-2005) e de 70 anos de expectativa da sua vida activa, factores que a Apelante aceita, pelo que a sua vida activa futura é de 46 anos e não de mais de 50, como afirma, nem a invocada omissão de ponderação de aumentos salariais ao longo do período considerado, porquanto dela consta, expressamente, o atendimento dessa variável.

   2. Inconformados com a improcedência da respectiva apelação, vieram os AA e os intervenientes activos interpor recurso de revista, tendo sido suscitada, na Relação, a questão prévia da irrecorribilidade, por algumas das impugnações se não conformarem com a regra processual segundo a qual o valor da sucumbência de cada recorrente deve necessariamente ultrapassar a metade da alçada do tribunal recorrido – apenas sendo admitido o recurso interposto pela recorrente MM, não sendo admitidos os recursos dos restantes recorrentes, por se considerar que a respectiva sucumbência era inferior a metade do valor da alçada da Relação.

   E com tal despacho se conformou o Exmo mandatário dos recorrentes, apenas apresentando alegações no recurso da referida MM, que encerra com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe delimitam o objecto:

                                               A

-  Contando a Recorrente apenas 19 anos, à data do acidente,

-  Tendo estado doente e totalmente incapaz para o trabalho durante 1.629 dias, ou seja, desde 1999 até ao final de 2005 = 6 anos,

-   Sofrendo fractura de ambas as pernas,

-   Fracturando os dentes,

-   Tendo sido submetida a três intervenções cirúrgicas às pernas,

-  Tendo andado em cadeira de rodas e de muletas,

-   Tendo tido necessidade de uma terceira pessoa para a ajudar a lavar-se, vestir-se e fazer as necessidades,

-    Tendo perdido dois dentes, ficando complexada e evitando sorrir em publico.

-    Tendo ficado com:

-    Cicatriz com 33 cm na perna direita, atingindo a face externa da coxa e 1/3superior da perna,

-   Cicatriz   distrófica   transversal   no   joelho   direito,   com   11    cm   decomprimento;

-              Cicatriz na região da crista ilíaca, com 9 cm de comprimento,

-   Cicatriz com 28 cm na face externa da perna esquerda, atingindo a coxa e o 1/3 superior da mesma perna,

-    Cicatrizes dispersas na região do joelho e 1/3 inferior da face anterior da coxa esquerda,

i}; Perdeu massa óssea no fémur direito,

-  Tendo ficado com andar/ marcha claudicante;

-  Havendo sofrido:

-   Encurtamento na perna direita em 2 cm;

-   Um quantum doloris de 5.5 numa escala de 7;

-  Um dano estético de 4/7 numa escala de 7;

-  Um prejuízo de afirmação pessoal de 2/5;

-  Ficando a padecer de uma IPG de 17.06%. com tendência para se agravar nofuturo, na evolução para a artrose, em mais 5%.

-  Tendo, no momento do acidente, nos dias que se lhe seguiram, a MM pensado que ia morrer,

-  Passando por terrível angústia e enorme sofrimento.

Forçoso é concluir

Quando, com apenas cerca de 1A da vida vivida, se sofre um acidente de viação com as consequências de que os autos dão conta, bem se justifica indemnização nunca inferior aos peticionados 65.000,00 €.

                                                                             B

Tendo em conta que:

-              Contando a Recorrente 19 anos de idade, à data do acidente,

-              Ficando a padecer de uma I.P.G. de 23%,

-              Auferindo, no ano de 1999, como empregada de limpeza, um salário mensal de 473,00 €,

-              Sofrendo o salário actualizações anuais,

-              Sendo a esperança média de vida das mulheres em Portugal de 76 anos de idade,

-              Tendo a Recorrente ficado com a perna direita mais curta 2 centímetros,

-              Tendo ficado com andar/marcha claudicante,

-              Tendo ficado curada apenas no início do ano de 2006, ou seja, cerca de 6 anos após o acidente, Tendo em conta que teria uma vida activa de mais 50 anos e não de 46 anos de -idade, como se considerou nas sentenças recorridas.

-              Hoje em dia as empregadas de limpeza:

-              Ganham à hora e cobram, actualmente, em qualquer parte do nosso país, valores na casa dos 5/6 € à hora,

-              São, hoje e cada vez mais, solicitadas para tais trabalhos, não só porque os casais passam, actualmente, o dia fora de casa, no seu trabalho e precisam de quem lhes cuide dos filhos e lhes faça as tarefas de casa.

-              São disputadas para tratar de casais de idosos, caso em que são muito bem pagas, não passando pelo flagelo do desemprego,

Tem de concluir-se que:

1 - Tendo a Recorrente mais 50 anos de vida activa, obteria durante esse tempo os seguintes rendimentos:

473,00 € x 14 meses = 6.622,00 €uros/ano 6.622,00 € x 50 anos = 331.100,00 €uros,

Valor a que teria que se descontar:

2 - Aquilo que representa o recebimento de uma só vez do capital, ou seja, o adiantamento do que seria um vencimento mensal e subsequente.

Mais se concluindo,

Que os peticionados 80.000,00 € de modo algum seriam exagerados para ressarcir a Recorrente dos danos patrimoniais por ela sofridos.

-C           Caso assim se não entenda, o que apenas por absurdo admitimos, ao valorfixado de 50.000,00 €, sempre têm de acrescer os juros de mora peticionados, acontar da data da sua cura, ou seja, desde 06.01.2006, volvidos os 1.629 dias deincapacidade, após o acidente, devendo o cálculo da indemnização considerar-se apartir do momento em que a Recorrente ficou curada, o que ocorreu no ano de 2005,

D.

-              A sentença recorrida violou o disposto nos art°s 483°, 493°, 494°, 496°, 562°, 566°do Cód. Civil e o art° 659° do C. P. Civil.

Termos em que,

Deve conceder-se provimento ao presente recurso, delimitado às questões indemnizatórias e juros, em consequência, revogar-se a mesma, no que às alterações acima propostas/alegadas respeita, como é de JUSTIÇA.

    A R./ seguradora prescindiu da apresentação de contra-alegações.

3. No que importa ao objecto do presente recurso, as instâncias fizeram assentar a solução do pleito no seguinte quadro factual:

5 - MM nasceu no dia 6 de Agosto de 1980 (E).

7 - No dia 23 de Julho de 2000, pelas 01.15 horas, no Lugar da Fonte, em Bastuço, Santo Estevão, Barcelos, circulava o veículo automóvel de matrícula 00-00-00, pertencente a NN e por ele conduzido, no sentido Poente Nascente, de Barcelos para Braga (G).

8 - Seguia pela hemi-faixa da direita, atento o sentido de marcha que levava (H).

9 - Por via de contrato de seguro titulado pela apólice n°0000000, a R. assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com o veículo automóvel 00-00-00, até ao limite de 120.000.000$00 (I).

10 - O Hospital de S. Marcos prestou assistência e tratamentos a MM num episódio de urgência, efectuando uma ecografia abdominal superior e uma intervenção na anca e no fémur, no valor de € 3.106,77 (J).

11 - Por sentença proferida nos autos de processo comum singular, com o n.° 400/00.6GTBRG, que correu termos no 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos e em que NN, na qualidade de arguido, foi condenado pela prática de um crime de homicídio negligente, em concurso aparente com quatro crimes de ofensa à integridade física negligente, julgaram-se inteiramente procedentes os pedidos cíveis formulados contra a Companhia de Seguros Allianz, tendo esta sido condenada a pagar, em virtude da assistência às vítimas do acidente, “ao Hospital de S. João do Porto a quantia de 2.196.354; ao Hospital de Santa Maria Maior de Barcelos a quantia de 2.255.734$00 (...) quantias acrescidas de juros à taxa de 7%, contados desde a notificação do pedido até integral pagamento” (L).

12 - No dia 23 de Julho de 2000, pelas 01.15 horas, no Lugar da Fonte, em Bastuço, Santo Estevão, em Barcelos, os peões MM, LL, KK, OO e JJ, caminhavam no sentido Poente Nascente, de Barcelos para Braga (1.º).

13 - Faziam-no em fila indiana e caminhando pela berma do lado esquerdo atento o sentido de marcha que levavam (2.º e 3.º).

14 - Nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas em 12) e 13) o veículo referido em 7) circulava entre os 60 e os 80 km/h (4.º).

15 - Atrás dos peões circulava um veículo ligeiro de passageiros destinado a prestar-lhes assistência (15.º).

16 - Após descrever uma curva para a direita, atento o seu sentido de marcha, o condutor iniciou uma manobra de ultrapassagem ao veículo referido em 15) (17.º).

17 - O veículo 00 entrou em despiste e passou a circular na hemi-faixa de rodagem da esquerda, por referência àquele sentido de marcha que levava (5.º e 6.º).

18 - Atravessou a hemi-faixa da esquerda e penetrou na berma do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha (7.º).

19 - Atropelou os peões referidos em 12), apanhando-os por trás (8.º).

20 - No local do atropelamento a estrada tem uma largura de 7,50 metros e no momento do atropelamento o piso estava seco (10.º e 11.º).

77 - Em consequência do que se referiu em 12) a 19), MM sofreu fractura de ambas as pernas (95.º).

78 – Fracturou os dentes (99.º).

79 - Após o acidente foi conduzida para o Hospital de Barcelos e dali para o Hospital de S. Marcos, onde ficou internada durante uma semana (100.º).

80 - Foi submetida a três intervenções cirúrgicas às pernas (101.º).

81 – Andou em cadeira de rodas (103.º).

82 – Andou de muletas (104.º).

83 - Teve necessidade de uma terceira pessoa para a ajudar a lavar-se, vestir-se e fazer as necessidades (105.º).

84 - Teve consultas de ortopedia e tratamentos de recuperação (106.º).

85 - Necessitou de tomar anti-inflamatórios (107.º).

86 - Antes do acidente era empregada de limpeza e ganhava € 473,86 por mês (108.º).

87 - Em virtude da perda dos dentes sente-se complexada e evita sorrir em público (111.º).

88 - Com o acidente comprou medicamentos, fez tratamentos médicos e suportou despesas de transporte, com que gastou 965,27€ (113.º).

89 - MM ficou a padecer das seguintes sequelas definitivas:

a) Uma cicatriz com 33 cm na perna direita, atingindo a face externa da coxa e o 1/3 superior da perna.

b) Cicatriz distrófica transversal no joelho direito, com 11 cm de comprimento.

c) Cicatriz na região da crista ilíaca, com 9 cm de comprimento.

d) Uma cicatriz com 28 cm na face externa da perna esquerda, atingindo a coxa e o 1/3 superior da mesma perna.

e) Cicatrizes dispersas na região do joelho e 1/3 inferior da face anterior da coxa esquerda.

f) Perda da massa óssea no fémur direito.

g) Alguma dificuldade na marcha, que é claudicante.

h) Encurtamento na perna direita em 2 cm.

i) Quantum doloris de 5,5/7.

j) Um dano estético de 4/7.

l) Um prejuízo de afirmação pessoal de 2/5.

m) IPG de 17,06%, com tendência para se agravar no futuro, na evolução para a artrose, em mais 5% (113.º-A).

90 – A MM esteve totalmente incapaz para o trabalho durante 1.629 dias, desde 23.07.2000 até 6.01.2005, tendo sido fixada a data de consolidação médico-legal o dia 7.09.2005 (113.º-B).

91 - MM esteve internada oitenta dias nos Hospitais de São Marcos de Braga e Barcelos (113.º-C).

92 - No momento do acidente, nos dias que se lhe seguiram, a MM pensou que ia morrer, passou por terrível angústia e enorme sofrimento (113.º-E).

93 - Após o acidente MM nunca mais trabalhou (113.º-H).

94 - Para além das despesas referidas em 88), MM gastou ainda 112,34€ em medicamentos, despesas médicas e medicamentosas (113.º-J).

95 – A ré Companhia de Seguros Allianz já tinha pago às intervenientes MM e KK em 2 de Novembro de 2009, o total de 28.200,00€, em virtude do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória apenso, bem como os montantes de 11.415,64€ e de 11.166,43€ aos Hospitais de Santa Maria Maior de Barcelos e Hospital S. João do Porto (factos alegados na resposta ao pedido de ampliação e não impugnados).

96 – No procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória as intervenientes MM e KK e a ré Companhia de Seguros colocaram termo ao processo mediante transacção, obrigando-se a R. a pagar mensalmente 300€ mensais, a título de reparação provisória dos danos por si sofridos e por conta do que vier a ser a indemnização final (termo de transacção a fls. 50 do apenso A).

   4. As questões suscitadas no recurso interposto e alegado pela recorrente MM circunscrevem-se, deste modo, ao cômputo da indemnização que lhe foi arbitrada pelas instâncias como compensação dos lucros cessantes decorrentes das limitações ao exercício futuro da actividade profissional que desenvolvia à data do acidente, face ao grau de incapacidade que a passou a afectar irremediavelmente, bem como ao valor que lhe foi atribuído a título de compensação dos danos morais associados às gravosas lesões que sofreu com a acidente – considerando a recorrente claramente insuficientes tais valores indemnizatórios, confirmados pela Relação, - e sustentando que lhe deveriam ser atribuídos antes, para adequada compensação de tais danos, os valores de respectivamente,

€ 80.000 ( como compensação dos danos patrimoniais/ lucros cessantes) e € 65.000 ( como compensação dos danos morais).

    Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização, cumprindo reconhecer que tal matéria suscita problemas particularmente delicados nos casos, como o dos autos, em que o lesado se encontrava ainda numa fase inicial da sua vida profissional, seriamente afectada pelas irremediáveis sequelas das lesões físicas sofridas – envolvendo a necessidade de realizar previsões que abrangem muitíssimo longos períodos temporais, lidando com dados que – nos planos social e macro económico - são , em bom rigor, absolutamente imprevisíveis no médio e longo prazo (por ex., evolução das taxas de inflação ou da taxa de juro, alterações nas relações laborais e níveis remuneratórios, possíveis ganhos de produtividade ao longo de décadas, etc.)

   Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na
esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos): adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas , com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.

   Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos

objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita no Ac. de 4/12/07(p.07A3836), assente numa taxa de juro de3%.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização ( e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «
benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros).

Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá , em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da
margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade.

Aplicando estas considerações ao caso dos autos, verifica-se que:

-a lesada tinha 19 anos à data do acidente, tendo, pois, uma esperança

média de vida próxima de 50 anos;

- foi-lhe atribuída uma IGP actual de 17,06 %, com agravamento futuro de 5% na evolução para a artrose;

-auferia um rendimento mensal, à data do acidente, como empregada de limpeza, de € 473,86;

   Valorando adequadamente estes dados de facto, considera-se que não merece censura o decidido pelas instâncias, no que respeita à estrita e prudencial aplicação das tabelas financeiras correntes, baseadas na remuneração auferida à data do acidente e no grau de incapacidade funcional fixado à lesada, temperada com o apelo aos indispensáveis juízos de equidade.
   Saliente-se, porém, que a aplicação, mesmo corrigida, das referidas tabelas financeiras não inclui, como é evidente,
integral ponderação do dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre - e, portanto, sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

   No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pela lesada - consubstanciado em limitações funcionais relevantes e sequelas psíquicas graves - deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente
perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
   É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial
restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

   Na verdade, a
perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que

não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e evolução na profissão , eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos  lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais ; e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em lesada com 19 anos de idade, ficando as perspectivas de evolução no campo profissional plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas, físicas e psíquicas, das gravosas lesões sofridas ( de salientar que a lesada , após o acidente, ocorrido em 2000, nunca mais trabalhou, como decorre da factualidade fixada).

   E, nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer a recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal da lesada – considerando-se, em termos de equidade, que  representa compensação adequada desse dano biológico o valor de € 10.000, que acrescerá assim ao montante de €50.000 arbitrado pelas instâncias.

   No caso dos autos, o objecto do recurso passa ainda pela problemática do cômputo da indemnização compensatória dos vários
danos não patrimoniais sofridos pela lesada recorrente – assente decisivamente em juízos de equidade - envolvendo a ponderação adequada de toda a matéria de facto atrás elencada e descrita. .

   Mais do que discutir a substância do
casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis

de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma profunda e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados, ainda jovens no momento do acidente (vejam-se, por exemplo, os Acs. proferidos por este Supremo em 28/2/08 e em 25/6/09, nos ps.08B388 e 08B3234). E adere-se, por outro lado, inteiramente ao entendimento subjacente, por exemplo, ao Ac. de 23/10/08, proferido no p.08B2318, segundo o qual, em situações limite de numerosas lesões físicas, de elevada gravidade e sofrimento para o lesado, acarretando profundíssimos sofrimentos e sequelas, o valor indemnizatório arbitrado como compensação dos danos não patrimoniais não tem como limite as quantias geralmente arbitradas a título de compensação da lesão do direito à vida , podendo excedê-lo substancialmente (arbitrando-se à lesada, no verdadeiro caso limite aí debatido, indemnização no montante de €180.000); pode ainda invocar-se o recente acórdão de 7/10 ( P 839/07.6TBPFR.P1.S1.) em que se decidiu – também perante um verdadeiro caso-limite, pela extrema gravidade das sequelas das lesões sofridas pelo sinistrado, - que:

Não é excessiva uma indemnização de €150.000,00, calculada como compensação dos danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas gravosas e absolutamente incapacitantes ,envolvendo uma IPG de 80% e a incapacidade definitiva para qualquer trabalho, com absoluta dependência de terceiros para a realização das actividades diárias e necessidades de permanente
assistência clínica, envolvendo degradação plena e irremediável do padrão de vida do lesado.

Veja-se ainda o decidido no recente Ac. de 11/11/10, proferido pelo STJ no P.
270/04.5TBOFR.C1.S1.

   Os
traços fundamentais que permitem identificar o caso dos autos traduzem-se no seguinte quadro:
- acidente que originou lesões múltiplas, nomeadamente gravosas lesões ortopédicas , insuficientemente ultrapassadas, face às sequelas permanentes para a capacidade de movimentação da lesada, documentadas nos factos provados; ;
- afectação relevante e irremediável do padrão de vida de sinistrado jovem, com praticamente 20 anos de idade, associada, desde logo, ao grau de

incapacidade fixado (susceptível de, em prazo não muito dilatado, alcançar os 22%) - com repercussões negativas, não apenas ao nível da actividade profissional, mas também ao nível da vida e afirmação pessoal;
- várias cicatrizes, geradoras do consequente dano estético;

- internamentos e tratamentos médico-cirúrgicos muito prolongados, com imobilização e períodos de total incapacidade do doente e envolvendo dores e sofrimentos físicos e psicológicos muito intensos.

   Ora, perante este quadro geral, tido por relevante, entende-se que é de considerar insuficiente o montante indemnizatório de €35.000, atribuído pelas instâncias a título de compensação global do dano não patrimonial, incluindo o abalo moral que a lesada sofrerá, futura e permanentemente, com a inevitável, irreversível e relevante degradação do seu padrão e qualidade de vida : não atingindo felizmente a situação da lesada a gravidade-limite dos casos atrás referenciados, considera-se que a sua situação excede já claramente o nível ou patamar médio das sequelas mais correntes de lesões provenientes de acidentes rodoviários, tendo-se como valor mais adequado para tão relevante dano não patrimonial o montante de €45.000 –que permitirá realizar compensação que - embora, pela natureza das coisas, sempre se revele insatisfatória para plena remoção dos danos morais - possa ser mais efectiva de uma justa compensação das múltiplas e gravosas consequências da lesão dos bens da personalidade ofendidos.

   Pretende ainda a recorrente que – relativamente ao valor pecuniário decorrente da indemnização dos lucros cessantes decorrentes da perda de capacidade de ganho – se fixassem juros de mora a contar da data da cura da lesada, ou seja, 6/1/2006. Não parece, todavia, que tal pretensão tenha suporte legal: na verdade, tendo-se procedido a uma actualização de tal valor indemnizatório na decisão ora proferida, traduzida, nomeadamente, na inovatória ponderação do dano biológico sofrido pela lesada, está afastada a fixação de juros moratórios a partir de data anterior, evitando a acumulação dos benefícios a actualização do capital indemnizatório e do vencimento de juros de mora, relativamente a um período temporal coincidente.

  5. Nestes termos e pelas razões apontadas:

- concede-se parcial provimento à revista da recorrente, condenando, em consequência, a  R. Allianz a pagar à interveniente MM a quantia de € 105.000,00 a título de reparação

dos danos não patrimoniais e da perda de capacidade de ganho, incluindo o dano biológico sofrido com a perda irreversível de capacidades pessoais e profissionais, imputável às sequelas do acidente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão - que efectuou cálculo actualizado desta categoria de danos – até efectivo e integral pagamento;

- mantém-se nos seus precisos termos a condenação, constante da decisão recorrida, nos valores indemnizatórios - arbitrados a título de reparação de

danos patrimoniais sofridos pela ora recorrente - de €965,27, €112,34, €2.337,59 e de €23.393,00 – não questionada no presente recurso - bem como nos respectivos juros de mora, nos termos ali estritamente determinados,

- confirma-se o decidido, no que respeita à imputação nos valores indemnizatórios ora fixados dos montantes pagos pela R. Companhia de Seguros no âmbito da transacção firmada no procedimento cautelar apenso;

- mantém-se ainda a absolvição do R. NN, por não se vislumbrar, face aos elementos constantes dos autos, que – mesmo com o acréscimo indemnizatório ora determinado em benefício da recorrente - se mostre excedido o capital  limite do seguro de 120.000.000$00, vigente à data do acidente ( as quantias já pagas às lesadas serão imputadas nos valores indemnizatórios globais ora fixados).

   Custas por recorrente e recorrida, na proporção da respectiva sucumbência.

Lisboa, 10 de Outubro de 2012

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor