Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1489/09.8TBVNO-E.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: CUSTAS CÍVEIS
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
LIQUIDAÇÃO
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. O dies a quo da prescrição do crédito de custas só pode ser contado a partir do momento em que, por um lado, ele se apresenta ao devedor como passível de cumprimento imediato, e, por outro lado, se poderá hipoteticamente falar de inércia do credor.

II. Não estando liquidada a obrigação, nem tendo decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, o prazo prescricional não pode começar a correr.

II. No caso do crédito de custas, de que é titular o Estado, o início da prescrição só pode contar-se após a liquidação das custas em causa, a sua notificação, e o decurso do prazo para pagamento voluntário.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. AA instaurou contra, BB e CC, ação declarativa, então a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a condenação dos demandados no pagamento da quantia de €1.620.000,00, acrescida de juros, a qual alegadamente lhes emprestara de forma fracionada nas datas que indicou.

2. Por acórdão do Tribunal da Relação Coimbra de 29 de outubro de 2013, que revogou a decisão proferida pela 1ª Instância, foi a ação julgada improcedente e os Réus absolvidos do pedido, ficando as custas da apelação e da 1.ª Instância a cargo da Autora.

3. Interposta revista, o assim decidido foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 16 de setembro de 2014, transitado em julgado em 20 de Outubro de 2014.

4. No dia 8 de outubro de 2018 foi, pela Sr.ª funcionária contadora, elaborada a conta  ...18, na qual se apurou taxa de justiça em dívida, a cargo da demandante no valor de €32.672,40.

5. Em requerimento conjunto apresentado por Autora e Réus, em 12 de novembro de 2018, requereram a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou, quando assim não fosse entendido, a sua redução, tendo alegado expressamente que lhes era lícito formular tal pretensão pelo menos até à notificação da conta.

6. O assim requerido foi objeto de decisão em 9 de janeiro de 2019 (Ref.s ...36), nos termos da qual foi deferida uma redução de 50%, presumindo-se as partes notificadas em 14 de janeiro de 2019 (certificação de 10 de janeiro de 2019).

7. Em 9 de março de 2020 foi elaborada nova conta (nr. ...20), a qual apurou taxa de justiça em dívida a cargo da Autora, no montante de €36.077,40.

8. Notificada a Autora (certificação Citius de 10/3/2020), veio reclamar da conta, tendo invocado a prescrição do crédito do Estado, dado o decurso de prazo superior a 5 anos desde o trânsito em julgado da decisão final proferida nos autos e a data da notificação da conta.

Sem conceder, a reclamante arguiu ainda erro na elaboração da conta de custas, dado que por decisão judicial transitada fora deferida a redução do remanescente da taxa de justiça em 50%, o que não se mostra refletido na conta reclamada.

Acrescentou que, tendo a conta sido elaborada de harmonia com a nova redação do n.º 9 do art.º 14.º do RCP, e não com a versão em vigor ao tempo do trânsito em julgado da decisão, foram violados os princípios constitucionais da igualdade, equidade, legalidade, segurança e certeza jurídicas, pelo que, também com este motivo, não poderia manter-se.

9. O Digno Agente do Ministério Público teve vista no processo e pronunciou-se no sentido do prazo de prescrição se ter interrompido com a elaboração da l.ª conta, donde não se mostrar decorrido à data em que as partes foram notificadas da conta reclamada.

10. O Sr. Funcionário pronunciou-se no sentido da correção da conta reclamada.

11. Foi então proferido despacho com o seguinte teor: “A data do trânsito em julgado da sentença nos presentes autos é de 20 de outubro de 2014.

A conta foi elaborada em 08 de outubro de 2018, levando em conta o pagamento do remanescente, tendo sido a ora reclamante notificada para pagar a quantia de €32.672,40.

Por despacho proferido em 09 de janeiro de 2019, foi deferida a dispensa de pagamento de 50% do remanescente.

Foi elaborada nova conta em 9 de março de 2020, a qual, levando em conta a dispensa de pagamento de 50% do remanescente, liquidou as custas em €36.077,40. Ou seja, depois da dispensa de 50% do remanescente a conta foi liquidada ainda por valor superior.

Analisadas ambas as contas, constata-se que a conta de 08 de Outubro de 2018 não levou em consideração, além do mais, o disposto no art.º 14.º n.º 9 do RCP na altura em vigor. A conta foi, assim, incorretamente elaborada.

Ora como decorre do art.º 157.º n.º 6 do CPC “Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.”

Assim sendo, a conta de 2018, elaborada em erro é desconsiderada, como se não tivesse existido.

Temos, pois, que a conta a considerar para efeito de contagem do prazo de prescrição é a conta elaborada em 09 de março de 2020, quando o trânsito em julgado foi, como se disse, em 20 de Outubro de 2014, pelo que se encontra decorrido o prazo de prescrição, o que se determina.

Temos em que se considera procedente a reclamação apresentada.

Sem custas

Notifique.”

12. Inconformado, apelou o Digno Agente do Ministério, tendo a Relação, conhecendo do recurso interposto, proferido acórdão, em cujo dispositivo consignou: “Acordam os juízes da ... secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

13. Novamente irresignado, o Digno Agente do Ministério interpôs recurso de revista ao abrigo do disposto no art.º 629º n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, invocando como acórdão fundamento o Acórdão da Relação de Évora, proferido em 16 de novembro de 2010, no âmbito do Processo n.º 84/98.0GTSTB.E1, aduzindo as seguintes conclusões:

“1.ª- Independentemente da dupla conformidade das decisões de 1.ª instância e desta Relação, o presente recurso é admissível porque interposto nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, estando verificados os pressupostos legalmente exigidos para a sua admissibilidade, pois é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, como realmente, sucede no caso, por imposição do artigo 31.º, n.º 6, do Regulamento das Custas processuais (RCP).

2.ª- O acórdão único que se apresenta como acórdão–fundamento é o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16–11–2010, no processo n.º 84/98.0GTSTB.E1, disponível em www.dgsi.pt, já transitado em julgado, o qual, relativamente à mesma questão fundamental de Direito que motiva a apresentação desta revista especial, decidiu de forma contrária, sustentando–se nele os requisitos exigidos pelo artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, pois enquanto acórdão–fundamento:

(i) Incide sobre a mesma questão fundamental de Direito apreciada pelo acórdão recorrido, i.e., a questão de saber desde quando se computa o prazo de prescrição do crédito de custas, fixado em cinco anos pelo artigo 37.º, n.º 1, do RCP; questão à qual o acórdão ora recorrido, ao abrigo do n.º 4, do artigo 306.º, do Código Civil, respondeu ser o momento em que o credor Estado pode promover a sua liquidação, portanto, o trânsito em julgado da decisão condenatória.

(ii) Há contradição entre as respostas dadas a essa questão, pois o mencionado acórdão–fundamento, da mesma Relação, proferido em 16-11-2010, no âmbito do processo 84/98.0GTSTB.E1, relativamente à mesma questão fundamental de direito, condensou a sua interpretação na seguinte síntese conclusiva: “1 – O prazo de prescrição de um crédito só pode ser contado a partir do momento em que por um lado ele se apresenta ao devedor como passível de cumprimento imediato e por outro lado se poderá hipoteticamente falar de inércia do credor. 2 - Não estando liquidada a obrigação, nem tendo decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, o prazo prescricional não pode começar a correr. 3 – No caso do crédito de custas, de que é titular o Estado, o início da prescrição só pode contar-se após a liquidação das custas em causa, a sua notificação, e o decurso do prazo para pagamento voluntário, e não a partir do momento da condenação ou do trânsito desta.”.

(iii) O acórdão–fundamento está transitado em julgado.

(iv) A oposição entre os acórdãos é frontal na parte decisória.

(v) O acórdão ora recorrido não admite recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, dado o que estabelece o artigo 31.º, n.º 6, do RCP.

(vi) A questão de Direito em destaque é essencial, num e noutro acórdão.

(vii) O quadro normativo dessa resposta contraditória é o mesmo, pois ocorreu no âmbito de enquadramentos normativos substancial e essencialmente idênticos, já que tanto o acórdão ora recorrido, como o precedente acórdão de 16-11-2010, confluíram na constatação de que o artigo. 37.º, n.º 1, do RCP e o precedente artigo 123.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, não estabeleciam o aqui questionado momento a partir do qual deve contar-se o prazo de 5 anos de prescrição fixado, apontando ambas as decisões para que tal problema seja solucionado com o recurso às regras gerais da prescrição previstas no Código Civil; porém, divergindo na concreta norma que ao caso seria convocável:

a) O acórdão recorrido fez apelo à primeira parte do n.º 4, do artigo 306.º do Código Civil,

b) Enquanto o acórdão fundamento considerou adequado estribar-se no n.º 1 do mesmo artigo.

(viii) Inexiste acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão essencial em debate.

(ix) A junção de cópia do acórdão–fundamento e respetiva nota de trânsito em julgado preenche, por fim, o requisito específico de ordem formal à admissão do presente recurso de revista especial.

3.ª- Transitada em julgado, em 20–10–2014, a decisão que julgou improcedente a ação intentada pela A, com custas a cargo desta, foi elaborada conta em 8–10–2018, na qual se apurou taxa de justiça em dívida a cargo da demandante no valor de €32 672,40. Conjuntamente por A e RR foi requerida, em 12–11–2018, a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tendo em 9–1–2019 sido proferida decisão que deferiu apenas a redução desse remanescente em 50%, decisão de que foram as partes notificadas em 14–1–2019.

4.ª- Elaborada nova conta em 9–3–2020, dela reclamou a A invocando a prescrição do crédito de custas do Estado, a que o Ministério Público se opôs, por entender ter sido interrompida essa prescrição com a elaboração da 1.ª conta, a que se segui a decisão de 1.º instância, de que o Ministério Público apelou, e na qual se declarou verificada a prescrição do crédito de custas do Estado.

5.ª- Nesta Relação foi proferido acórdão, de que se recorre nos termos suprarreferidos, no qual se decidiu, porque o recorrente–Ministério Público não invocou facto interruptivo da prescrição, confirmar a decisão de 1.ª instância, com o fundamento de que o crédito de custas titulado pelo Estado pode ser exercido desde o trânsito em julgado da decisão final condenatória, momento que marca o início da contagem do prazo prescricional de 5 anos consagrado no art.º 37.º do RCP, atento o que dispõe o art.º 306.º n.º 4 do Código Civil, pelo que, não o tendo feito, o crédito de custas estava prescrito.

Fundamentação do recurso)

(Nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos e a decisão)

6.ª- Assume o acórdão recorrido que apesar de sobre a questão de saber qual o momento a partir do qual se inicia o prazo prescricional do crédito de custas não haver unanimidade na jurisprudência, à prescrição pode sempre ser oposta a contra–exceção da interrupção, designadamente nos termos do artigo 325.º do Código Civil, que o acórdão recorrido, no respetivo Relatório, reconheceu ter sido invocada pelo Ministério Público (cf. página 2) e que deveria não só ter sido conhecida na decisão de 1.ª instância, como o deveria ter sido no acórdão recorrido (artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).

7.ª- Tendo a interrupção da prescrição do crédito de custas sido invocada pelo Ministério Público, não poderia o acórdão recorrido ter contraditoriamente assumido que, apesar da alegação efetuada pelo Ministério Público, essa alegação não fora oportuna e efetivamente efetuada para valer como facto impeditivo da prescrição, por não ter sido alegado, quando na verdade o foi.

8.ª- Existe manifesta incompatibilidade entre os fundamentos de facto que o acórdão recorrido deu por assentes, designadamente a invocação pelo Ministério Público da interrupção do prazo prescricional do crédito de custas, e a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, ao dizer não ter sido invocada essa interrupção, o que redunda numa contradição entre os fundamentos e a decisão, violando o elementar silogismo judiciário pois as premissas de facto não condizem com a decisão de mérito e essa decisão seria ou deveria ser flagrantemente contrária à proferida, impondo solução diferente da ditada.

9.ª- O Tribunal da Relação de Évora não poderia ter ignorado a contra–exceção alegada, pois não era nem questão nova, nem esteve ausente das alegações de recurso, como o mesmo tribunal contraditoriamente havia dito que fora alegada e objeto de alegação; razões suficientes para concluir que a decisão recorrida, estando em oposição com os fundamentos de que parte, impõe o reconhecimento de que o acórdão padece da nulidade que resulta dos artigos 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 4, 2.ª parte, artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil), sindicável por via de recurso de revista, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea c), e 615.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

(A contradição de julgados)

10.ª- O acórdão recorrido decidiu declarar prescrito o crédito de custas do Estado por aplicação do disposto nos artigos 37.º do RCP e 306.º, n.º 4, do Código Civil, tendo por referência do início do prazo prescricional o trânsito em julgado da decisão final condenatória, estando por isso em oposição com o acórdão proferido pela mesma Relação, de 16–11–2010, no processo n.º 84/98.0GTSTB.E1, disponível em www.dgsi.pt, já transitado em julgado, no qual, em sentido oposto, se decidiu que “1 –O prazo de prescrição de um crédito só pode ser contado a partir do momento em que por um lado ele se apresenta ao devedor como passível de cumprimento imediato e por outro lado se poderá hipoteticamente falar de inércia do credor. 2 - Não estando liquidada a obrigação, nem tendo decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, o prazo prescricional não pode começar a correr. 3 – No caso do crédito de custas, de que é titular o Estado, o início da prescrição só pode contar-se após a liquidação das custas em causa, a sua notificação, e o decurso do prazo para pagamento voluntário, e não a partir do momento da condenação ou do trânsito desta.”, estando verificados todos os requisitos exigidos pelo artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, como acima se demonstrou.

11.ª- Discorda–se dos fundamentos aduzidos no acórdão recorrido o qual, além da nulidade de que padece, não tem razão na decisão de mérito e nos fundamentos que a sustentam pois, ainda que o prazo de 5 anos seja efetivamente o prazo de prescrição do crédito de custas, em conformidade com o artigo 37.º, n.º 1 do RCP, não há disposição expressa que dite o início da contagem desse prazo, designadamente que seja – como o acórdão recorrido entendeu – o trânsito em julgado da decisão condenatória de custas, como sustentou, por apelo ao disposto no artigo 306.º, n.º 4, do Código Civil.

12.ª- Ora, o artigo 306.º do Código Civil, no seu n.º 1, dita que essa contagem se inicia “quando o direito puder ser exercido”, pelo que, não sendo prazo que esteja no arbítrio das partes definir, não nos parece haver dúvidas que só com a elaboração da conta e depois de decorrido o prazo legal de pagamento voluntário é que o direito de crédito do Estado às custas pode ser exercido (artigos 29.º, 30.º, 31.º e ss., do RCP), pois só depois de notificado da conta pode o Ministério Público (e as partes) reclamar, pedir a reforma ou efetuar o pagamento, de uma só vez ou faseado, e uma vez verificado que este não foi efetuado, só então pode o Estado avançar com a cobrança coerciva das custas fixadas em processo judicial (artigo 35.º, do RCP).

13.ª- Foi esse o sentido da decisão do acórdão–fundamento, que deve ser o acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça, pois só pode contar–se o prazo prescricional após a notificação da conta de custas, quer ao Ministério Público, quer às partes, pois de outro modo como poderia a parte pagar ou o Estado executar a quantia devida a título de custas não pagas que fosse, se do seu montante não tem o devido conhecimento, até para ponderar se deve requerer (no caso do devedor) o pagamento faseado ou (no caso do Estado) se vale a pena a execução ou não.

14.ª- Ao afastar–se desse entendimento, que se têm por correto, o acórdão recorrido apela ao n.º 4 do artigo 306.º, do Código Civil, mas desatende ao facto de a norma em questão estabelecer dois prazos de prescrição, um para a liquidação da dívida, outro para o resultado liquidado, sendo independente um prazo do outro.

15.ª- Ora, no caso concreto decidido pelo acórdão recorrido, tendo a decisão transitado em julgado em 20–10–2014, a ter–se por ilíquida a quantia devida a título de custas, começaria desde aí – segundo a tese do acórdão recorrido – a correr o prazo de 5 anos para a prescrição do crédito de custas, o que terminaria em 20–10–2019.

16.ª- Porém, como a conta foi elaborada em 8–10–2018, ou seja, dentro dos 5 anos da prescrição, apurando–se a taxa de justiça em dívida a cargo da demandante, e tendo esta e os RR apresentado requerimento conjunto em 12–11–2018 onde requereram dispensa ou redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que veio a ser decidido em 9–1–2019, tendo as partes sido notificadas dessa decisão em 14–1–2019, só em 14–1–2024 ou, na pior das hipóteses, em 8–10–2023, o crédito de custas estaria prescrito segundo a regra do artigo 306.º, n.º 4, 2.ª parte, do Código Civil, o que redunda num erro de Direito da decisão recorrida, mesmo aceitando a tese que sustenta, a qual não diferencia os dois prazos de prescrição normativamente previstos.

17.ª- Ou seja, desatende o acórdão recorrido a todas as consequências que deveria retirar do normativo que julga aplicável, i.e., o artigo 306.º, n.º 4 do Código Civil, pois desde que a conta de custas seja elaborada sem esgotar o prazo de prescrição - 5 anos - e sendo a mesma notificada com o apuramento do resultado líquido desse crédito, sem reclamação do devedor, ou havendo reclamação, com a decisão sobre tal reclamação, o seu início será a partir do trânsito em julgado desta decisão, o que redunda na não prescrição do crédito de custas, exatamente por aplicação do artigo 306.º, n.º 4, do Código Civil, como a decisão recorrida sustenta.

Sem prescindir,

18.ª- Voltando ao enquadramento recursivo, o acórdão recorrido faz sua a argumentação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora no processo 203/14.0T8PTG–E.E1, bem como do Supremo Tribunal de Justiça no processo com o mesmo número e no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22–10–2019, no processo 1114/06.9GBLLE–A.E1, sustentando a sua tese no disposto no artigo 306.º, n.º 4, do Código Civil, conjugadamente com o artigo 37.º, n.º 1, do RCP, apesar da nulidade em que incorreu e do erro de Direito em que naufraga.

19.ª- Em primeiro, não podia o acórdão recorrido ter considerado que a inércia dos serviços de contagem seja ónus que possa recair sobre o Estado ou sobre as partes, pois, a ter–se por relevante, não o é para o prazo prescricional do crédito de custas, já que dessa inércia as partes retiram vantagem por não lhes ser exigível o pagamento e porque têm direitos que só podem exercer depois da contagem e liquidação (como foram aqueles que a A exerceu), sendo apenas prejudicial para os interesses do Estado–comunidade, que não vê creditadas as quantias a que tem direito e não as pode destinar aos seus fins sociais, económicos, financeiros, etc., pelo que não é aplicável ao caso o disposto no artigo 306.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código Civil, como sustenta o acórdão recorrido.

20.ª- O início da prescrição só pode contar-se após a liquidação das custas em causa, a notificação dessa liquidação ao devedor, e após o decurso do prazo para pagamento voluntário que, uma vez esgotado, legitima então o Estado credor a diligenciar pelo respetivo pagamento coercivo, por força da aplicação do regime geral da prescrição, estatuído no artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil, interpretação defendida pela doutrina mais autorizada e pela jurisprudência que a segue.

21.ª- Acresce que, dispondo o artigo 29.º, n.º 1, do RCP, que “1 - A conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final, após a comunicação pelo agente de execução da verificação de facto que determine a liquidação da responsabilidade do executado, ou quando o juiz o determine, dispensando-se a sua realização sempre que (…)”, deve concluir–se que não é (só) a data do trânsito em julgado da decisão final, mas antes 10 dias depois desse trânsito, após a comunicação pelo agente de execução da verificação do facto que determine a liquidação da responsabilidade do executado, o que é bem diferente da leitura inacabada que a decisão recorrida fez dos normativos aplicáveis.

22.ª- Em suma, o prazo de prescrição inicia–se após o termo do pagamento voluntário das custas que, na sequência da liquidação, tenham sido notificadas ao devedor, pois não estando liquidada a obrigação, nem tendo decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, o prazo prescricional não pode começar a correr.

Acresce que,

23.ª- Quanto à específica questão de Direito em apreço, não é líquido que o legislador quisesse que o prazo de prescrição do crédito de custas se contasse do trânsito em julgado da decisão que identifica o devedor de custas; antes o contrário resulta dos termos em que está redigido o artigo 37.º, n.º 1, do RCP, ao conceder o prazo de 5 anos ao titular do direito à devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos para a reclamar após notificação desse direito.

24.ª- Do mesmo modo, também o Estado tem de aguardar pela realização da conta e respetiva notificação ao devedor para pagamento voluntário — só depois disso é que pode exercer o seu direito de executar a dívida de custas, pelo que só então se justifica que tenha inicio o correspondente prazo prescricional.

25.ª- Em conclusão, é este o entendimento o que deve ser extraído do disposto no artigo 37.º, n.º 1, do RCP em conjugação com o artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil e de que se fez correto e acertado eco no acórdão–fundamento, cuja decisão deve ter–se por totalmente procedente, pois ao caso é aplicável o disposto no artigo 37.º, n.º 1 do RCP na interpretação que aqui sustentámos em confronto com o disposto no artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil.

Da inconstitucionalidade material do artigo 37.º do RCP, na interpretação dada pelo acórdão recorrido, por violação do princípio da igualdade

26.ª- O acórdão recorrido aplicou o artigo 37.º, n.º 1, do RCP, conjugando–o com o artigo 306.º, n.º 4, do Código Civil, com base numa interpretação que ofende os valores constitucionais e que, por isso, fere de inconstitucionalidade esse artigo 37.º, n.º 1 do RCP, a qual assenta no sentido de que só sobre o Estado-Comunidade - enquanto entidade a quem compete assegurar a vida em sociedade, fixando as regras para obter as necessárias receitas -, recai o ónus desproporcional de arcar com as consequências da contagem do prazo de prescrição do crédito de custas após o trânsito em julgado da decisão judicial que define o encargo das custas.

27.ª- Na verdade, nem isso se pode retirar interpretativamente do disposto nesse artigo 37.º, n.º 1, do RCP, em conjugação com o artigo 306.º, n.º 4, 2.ª parte, do Código Civil, nem ao Estado–Comunidade se podem impor exclusivamente todos os encargos, designadamente os que têm que ver com a contagem das custas feita fora do prazo ordenador legalmente estabelecido, já que também as partes oneradas com as custas, antes dessa contagem, não têm que suportar qualquer desvantagens, pelo que se têm “cómodos”, também não devem estar isentos dos “incómodos”; além de que o mesmo artigo 37.º, n.º 1, do RCP, concede o prazo de 5 anos ao titular do direito à devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos para a reclamar, mas só após notificação desse direito.

28.ª- Assim definido o quadro legal aplicável aos autos, tratar de forma diferente o credor Estado–comunidade pelo seu crédito de custas e o particular pelo seu crédito de devolução de quantias depositadas - impondo ao primeiro a contagem do prazo de prescrição a partir do trânsito em julgado da sentença, enquanto se prevê para o segundo o inicio dessa contagem apenas após a notificação do direito à devolução - constituiu uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que inexistem quaisquer fundamentos razoáveis que justifiquem tal desigualdade e desrazoabilidade de tratamento.

29.ª- Tem sido jurisprudência do Tribunal Constitucional a sustentação de que o princípio da igualdade abrange, fundamentalmente, três vertentes (cfr. Acórdãos nºs 412/02, 180/99, 353/98, 188/90, 187/90, 180/90, 232/03, 129/13, 294/14, 266/15): a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (tratar igual o que é igual; tratar diferentemente o que é diferente); a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjetivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social) e, a última surge como forma de compensar as desigualdades de oportunidade.

30.ª- A interpretação e aplicação do artigo 37.º, n.º 1 do RCP (conjugando–o com o artigo 306.º, n.º 4 do Código Civil) efetuada pelo acórdão recorrido define um regime e disciplina jurídica ao instituto da prescrição do crédito de custas que diferencia pessoas e situações que merecem tratamento igual, que não encontra justificação em qualquer motivo compreensível face à ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir, o que impõe um juízo de censura constitucional, por desrazoabilidade da interpretação e aplicação do citado normativo.

31.ª- Em consequência, a norma prevista no artigo 37.º, n.º 1, do RCP, quando interpretada pelo acórdão recorrido no sentido de que o prazo de prescrição do crédito de custas do Estado–Comunidade se conta a partir do trânsito em julgado da sentença, sem atender a que regime diverso e mais favorável é conferido ao titular do direito à devolução de quantia depositada no processo, enferma de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

32.ª- Pelo que deve tal norma ser julgada inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa que incumbe ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar, julgar e decidir, revogando em conformidade a decisão recorrida e dando–se procedência ao recurso interposto pelo Ministério Público (artigos 204.º e 280.º da Constituição da República Portuguesa).

Normas jurídicas violadas e sentido com que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas

33.ª- A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, designadamente, o disposto nos artigos 13.º da Constituição da República Portuguesa, 37.º, n.º 1, 29.º, n.º 1, ambos do RCP, e o artigo 306.º, n.º 1 e 4, do Código Civil; normas que, constituindo o quadro jurídico pertinente à resolução da questão fundamental de Direito em apreciação, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de que o prazo de prescrição do crédito de custas do Estado se inicia após o termo do pagamento voluntário das custas que, na sequência da liquidação, tenham sido notificadas ao devedor, pois não estando liquidada a obrigação, nem tendo decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, o prazo prescricional não pode começar a correr.

D. PEDIDO

Pelo exposto, conforme o Direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, requerendo–se que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça:

a) Admita e julgue o presente recurso de revista especial, por estarem preenchidos os requisitos para o efeito, nos termos dos artigos 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

b) Supra as nulidades invocadas – artigo 684.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

c) Aprecie a questão da inconstitucionalidade invocada, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei.

d) Revogue o acórdão recorrido por violação das normas jurídicas acima referidas, resolvendo a questão fundamental de Direito em apreciação no sentido aqui preconizado.

e) Na sequência, seja o recurso interposto pelo Ministério Público julgado procedente, como é de inteira JUSTIÇA!

f) Tudo sem prejuízo de o Venerando Supremo Tribunal de Justiça entender ser de proceder ao julgamento ampliado da Revista - artigo 686.º do Código de Processo Civil no que se refere à matéria constante das conclusões 2.ª a 25.ª.

14. Em Conferencia, o Tribunal a quo pronunciou-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 617º do Código de Processo Civil, sobre a invocada nulidade, consignando no respetivo dispositivo:

“Termos em que se afigura não padecer o acórdão dos vícios da contradição entre os fundamentos e a decisão ou omissão de pronúncia, pelo que acordam os juízes da ... secção cível do Tribunal da Relação de Évora em desatender a arguida nulidade.”  

15. Foram dispensados os vistos.

16. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pelo Recorrente/Digno Agente do Ministério Público, consistem em saber se:

(1) O acórdão recorrido padece de nulidade por decorrer do mesmo uma oposição entre a decisão e os fundamentos apresentados?

(2) Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, importando que a questão seja diversamente sentenciada, ou seja, que o prazo de prescrição do crédito de custas, fixado em cinco anos pelo art.º 37º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, deverá ser computado não a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, mas a contar após a liquidação das custas em causa, a sua notificação, e o decurso do prazo para pagamento voluntário, sendo este o dies a quo da prescrição do crédito de custas?


II. 2. Da Matéria de Facto


A matéria de facto apurada é a que consta do relatório antecedente.


II. 3. Do Direito


O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/Digno Agente do Ministério Público, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


II. 3.1 O acórdão recorrido padece de nulidade por decorrer do mesmo uma oposição entre a decisão e os fundamentos apresentados? (1)

Conforme estatui o direito adjetivo civil quanto aos vícios e reforma do acórdão, uma vez proferido o aresto, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria da causa, sendo lícito ao Tribunal, porém, retificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes no acórdão e reformá-lo, nos termos prevenidos no direito adjetivo civil (art.º 613º nºs. 1 e 2, ex vi, artºs. 666º nº. 1 e 679º, todos do Código de Processo Civil).

Percebemos da leitura da douta reclamação apresentada decorrer da mesma a invocação de uma oposição entre a decisão e os fundamentos apresentados no acórdão reclamado, porquanto, como sustenta o Recorrente/Digno Agente do Ministério Público, conquanto se tenha assumido no aresto: “embora que sobre a questão de saber qual o momento a partir do qual se inicia o prazo prescricional do crédito de custas não existe unanimidade na jurisprudência, à prescrição pode sempre ser oposta a contra-exceção da interrupção, designadamente nos termos do artigo 325.º do Código Civil”, certo é que, reconhecendo-se ter a mesma sido invocada em 1.ª Instância, deveria não só ter sido conhecida na decisão aqui proferida, como depois no acórdão recorrido (art.º 608º n.º 2 do Código de Processo Civil).

Outrossim, sustenta o Recorrente/Digno Agente do Ministério Público, surge como contraditória a afirmação de que tal alegação não fora oportuna e efetivamente efetuada para valer como facto impeditivo da prescrição, por não ter sido alegado, quando na verdade o foi, resultando no vício da contradição entre os fundamentos de facto que o acórdão recorrido deu por assentes, que é causa de nulidade.

O direito adjetivo civil enuncia no n.º 1 do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º e 679º, todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

A nulidade do acórdão, que ora nos interessa, sustentada na contradição entre os fundamentos e a decisão, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, por encerrar um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adotada, ou seja, a nulidade do aresto, sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório, ocorrerá sempre que a anunciada explicação que conduz ao resultado adotado, induz logicamente a um desfecho oposto ao reconhecido.

Atentemos se o aresto proferido padece da invocada nulidade.

Conforme decorre do enquadramento jurídico vertido no acórdão sob escrutínio, reafirmado no acórdão da Conferência que se pronunciou, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 617º do Código de Processo Civil, sobre a invocada nulidade, não distinguimos como é que o Recorrente/Digno Agente do Ministério Público pode ver reconhecida a invocada a contradição entre os fundamentos e a decisão.

Na verdade, acompanhamos a argumentação esgrimida no acórdão proferido em Conferência, que se pronunciou sobre a invocada nulidade.

Assim respigamos do mesmo, o que aqui sufragamos: “Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que o vício invocado pelo apelante é outro: em seu dizer, tendo sido oportunamente arguida em l.ª instância, conforme se reconhece no próprio acórdão, a contra excepção da interrupção, a mesma não foi, como deveria ter sido, conhecida, por ter entendido o Colectivo, erroneamente, que não fora suscitada. Ora, tal arguição reconduz-se antes, salvo melhor opinião, ao vício da omissão de pronúncia, por violação do dever que para o juiz emerge do art.º 608.º do CPC - disposição legal que o recorrente, de resto, também convocou - de conhecer todas as questões suscitadas pelas partes, entre as quais as excepções e contra excepções que forem deduzidas.

Não cremos, porém, que o acórdão padeça de qualquer um dos vícios indicados, conforme se tentará demonstrar.

Importa, antes de mais, precisar, que os poderes de cognição do Tribunal da Relação, afora as questões de conhecimento oficioso, encontram-se delimitados pelo objecto do processo e pela parte dispositiva da decisão impugnada desfavorável ao recorrente, podendo ainda ser restringido pelo próprio, quer expressamente no requerimento de interposição do recurso, quer tacitamente nas conclusões que a final vier a formular (cf. 635.º, nºs 2 e 4 do CPC).

Feita tal prévia precisão, verifica-se que, efectivamente, chamado a pronunciar-se em l.ª instância sobre a invocada excepção da prescrição, a D. Magistrado do MP ali invocou como facto interruptivo da mesma a elaboração da l.ª conta em 8 de Outubro de 2018.

Na decisão recorrida desconsiderou-se esta conta, “como se nunca tivesse existido”, determinando-se que a conta a atender para efeitos da contagem do prazo de prescrição era apenas a elaborada em Março de 2020, o que conduziu, de forma consequente, à procedência da excepção invocada pelos devedores.

No recurso apresentado, como se vê da transcrição feita no acórdão das conclusões a final formuladas pelo D. recorrente, foi questionado o momento do início da contagem do prazo prescricional, defendendo-se que relevante seria, não o trânsito da decisão condenatória, mas antes “o trânsito em julgado da decisão que determinou a rectificação da condenação em custas”, concluindo-se que, no caso vertente, o prazo prescricional teve o seu início na data do termo do prazo do pagamento voluntário das custas apuradas na sequência da liquidação efectuada e sua notificação ao devedor, após prolação do despacho que determinou a retificação da conta primitiva”.

Verifica-se, pois, que não foi então invocada qualquer nulidade - por omissão de pronúncia ou qualquer outro vício - da decisão recorrida, sendo que as nulidades da sentença elencadas no art.º 615.º, n.°1, als. b) a e) não são de conhecimento oficioso (cf. n.º 4).

No acórdão agora impugnado, depois de se fazer notar que a conta inicialmente elaborada não havia sido notificada às partes, não podendo, por isso, e ao invés do sustentado pelo MP em 1.ª instância, ser-lhe atribuído valor interruptivo, indagou-se, isso sim, da relevância da reformulação da conta, mas numa outra perspectiva: saber se ao requerimento apresentado pelos obrigados ao pagamento das custas no sentido da dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça poderia ser atribuído valor interruptivo nos termos do art.º 325.e do CC, para concluir que, ainda que assim fosse entendido, ao tribunal de recurso estava vedado o conhecimento da contra exceção, rectius, deste preciso facto interruptivo, uma vez que não fora oportunamente invocado.

E tal conclusão é, afigura-se, de manter, inexistindo coincidência entre o facto interruptivo invocado pelo D. recorrente em l.ª instância - elaboração de uma conta prévia que não foi notificada às partes (constatação que eventualmente terá determinado o apelante a não incluir tal questão no recurso interposto) - e eventual reconhecimento pelos obrigados do direito de crédito do Estado.

Afastada nos termos expostos a relevância do requerimento apresentado, considerou-se no acórdão - bem ou mal, irreleva para este efeito - que o prazo prescricional iniciou a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão condenatória, pelo que à data em que os apelados foram finalmente notificados da conta elaborada na sequência do despacho que concedeu a pedida redução do remanescente da taxa de justiça - primeira e única que lhes foi notificada - já o direito do Estado a reclamar o seu crédito se encontrava prescrito.

Termos em que se afigura não padecer o acórdão dos vícios da contradição entre os fundamentos e a decisão ou omissão de pronúncia, pelo que acordam os juízes da ... secção cível do Tribunal da Relação de Évora em desatender a arguida nulidade.”

Pelo exposto, reconhecida a inteligibilidade do aresto proferido, e sendo despiciendo qualquer outro desenvolvimento, entendemos não se justificar a invocada nulidade, sublinhando que do acórdão proferido ressalta uma explicação que conduz logicamente ao resultado adotado, o que não quer dizer que se conceda a bondade da solução encontrada, conforme adiante se ponderará.

II. 3.1 Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, importando que a questão seja diversamente sentenciada, ou seja, que o prazo de prescrição do crédito de custas, fixado em cinco anos pelo art.º 37º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, deverá ser computado não a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, mas a contar após a liquidação das custas em causa, a sua notificação, e o decurso do prazo para pagamento voluntário, sendo este o dies a quo da prescrição do crédito de custas? (2)

A questão que nesta sede de recurso se coloca, decorrente das conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente/Digno Agente do Ministério Público, confunde-se com aqueloutra, entretanto colocada ao Tribunal recorrido, que veio a julgar procedente a arguida exceção perentória de prescrição, uma vez concluído que o crédito de custas, de que o Digno Agente do Ministério Público, em representação do Estado, se arroga titular, se acha prescrito.


Como sabemos, a prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante o período, para tanto fixado na lei, neste sentido, Manuel de Andrade, in, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, edição de 1974, página 445.

Nos termos do art.º 298º n.º 1 do Código Civil, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.

A prescrição assenta num facto jurídico não negocial, qual seja, o decurso do tempo.

Tem na sua base a ideia de uma situação de facto que consiste no não exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou devendo atuar para realizar um direito, se abstém de o fazer, neste sentido, Dias Marques, in, Prescrição Extintiva, Coimbra, 1953, página 4.

A extinção do direito em razão do instituto da prescrição tem como principal e específico fundamento a negligência do titular do direito em exercitá-lo, negligência que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou, pelo menos, o torna indigno de ser merecedor de proteção jurídica, embora, reconheçamos, a existência de outras razões justificativas à extinção do direito, que se prendem com a certeza e a segurança do tráfico jurídico, a proteção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova a longa distância temporal, e exercer pressão sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queiram abdicar deles.

Concretizando o brocardo latino dormientibus non succurrit jus o instituto da prescrição extintiva respeita, na sua essência, à realização de objetivos de conveniência ou oportunidade, sem prejuízo de o sustentar também uma ponderação de justiça, na medida em que a prescrição arranca do reconhecimento de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, reiteramos, o torna indigno da tutela do direito.

Considerando o fundamento da prescrição extintiva, compreende-se, com facilidade, a previsão do direito substantivo civil ao estabelecer que o termo inicial do respetivo prazo coincide com o momento a partir do qual o seu titular o pode efetivamente exercer - art.º 306º nº. 1 do Código Civil - .


No caso trazido a Juízo importa considerar o regime decorrente do Regulamento das Custas Judiciais que no seu art.º 37º n.º 1 textua: “O crédito por custas e o direito à devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos prescreve no prazo de cinco anos, a contar da data em que o titular foi notificado do direito a requerer a respectiva devolução, salvo se houver disposição em contrário em lei especial.”, notando-se uma evolução legislativa, pois, conquanto o Regulamento das Custas Judiciais não resolva expressamente a questão que é objeto da divergência entre o acórdão recorrido e as conclusões do recorrente, qual seja, o dies a quo da prescrição do crédito de custas, é relevante enfatizar que a norma acabada de citar do  Regulamento das Custas Judiciais em confronto com o anterior Código das Custas Judiciais contribui decisivamente para a matéria em discussão ao consignar, expressamente, que no caso do “direito à devolução de quantias depositados à ordem de quaisquer processos” o prazo respetivo será contado “da data em que o seu titular foi notificado do direito a requerer a respetiva devolução”, uma vez que não podemos perder de vista que o Regulamento das Custas Judiciais encerra uma nítida preocupação de equiparar a posição do Estado credor de custas em processos judiciais com a dos particulares credores nesses mesmos processos de quantias aí depositadas, daí que, o preceito citado encerra, a nosso ver, um claro afloramento do princípio que sempre esteve presente na posição seguida nesta matéria, designadamente, na prática judiciária e na doutrina, qual seja, a de que o prazo da prescrição só pode ser contado a partir do momento em que, por um lado, ele se apresenta ao devedor como passível de cumprimento imediato, e, por outro lado, se poderá hipoteticamente falar de inércia do credor, seja ele o Estado ou um particular.

Assim, se o litigante particular não pode requerer a devolução da quantia a que tenha direito senão a partir do ato que lhe dá a conhecer formalmente a existência desse direito, também o Estado não pode promover a execução do seu crédito de custas senão quando estas estiverem contadas ou liquidadas e tiver decorrido o prazo para o seu pagamento voluntário, na sequência da notificação do devedor para esse efeito, em consonância, aliás, do princípio acolhido na lei substantiva civil, plasmado no já citado art.º 306º n.º 1 do Código Civil, o qual tem, por epígrafe precisamente “início do curso da prescrição” e estabelece que: “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.”

Sendo reconhecido, pacificamente, que a obrigação só é exigível quando liquidada, e neste sentido vencida, importa dizer que se torna necessário, no caso do crédito de custas, não só notificar o devedor da liquidação, como também aguardar o seu pagamento voluntário (só com a elaboração da conta e depois de decorrido o prazo legal de pagamento voluntário é que o direito de crédito do Estado às custas pode ser exercido [artºs 29º, 30º, 31º e seguintes do Regulamento das Custas Processuais), pois, só depois de notificado da conta pode o Ministério Público (e as partes) reclamar, pedir a reforma ou efetuar o pagamento, de uma só vez ou faseado, e uma vez verificado que este não foi efetuado, findo o prazo para o pagamento voluntário, só então pode o Estado avançar com a cobrança coerciva das custas fixadas em processo judicial (art.º 35º do Regulamento das Custas Processuais), sendo que será a partir daqui que começará a contar o prazo prescricional de 5 anos para o restivo exercício.

Revertendo ao caso sub iudice e atendendo à facticidade adquirida processualmente, concretamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16 de setembro de 2014, transitado em julgado em 20 de Outubro de 2014; no dia 8 de outubro de 2018 foi pela Sr.ª funcionária contadora elaborada a conta  ...18; em requerimento conjunto da Autora e Réus, em 12 de novembro de 2018, foi requerida a despensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou, quando assim não fosse entendido, a sua redução; cujo objeto de decisão data de 9 de janeiro de 2019 (Ref.s ...36), nos termos da qual foi deferida uma redução de 50%, presumindo-se as partes notificadas em 14 de janeiro de 2019 (certificação de 10 de janeiro de 2019); a par de que em 9 de março de 2020 foi elaborada nova conta (nr. ...20); notificada à Autora (certificação Citius de 10/3/2020); reclamando a Autora da conta; tendo sido proferido despacho, temos por apodítico reconhecer que o crédito de custas não se encontra prescrito, pois, a conta, depois de variadas vicissitudes, foi elaborada em 9 de março de 2020, notificada no dia seguinte, sendo prerrogativa da Autora, reclamar da mesma, como efetivamente fez, invocando, nomeadamente a prescrição do crédito de custas, quando como acabamos de discretear, a obrigação só se tornará exigível quando liquidada, e neste sentido vencida, uma vez que, como já adiantamos, só com a elaboração da conta e depois de decorrido o prazo legal de pagamento voluntário é que o direito de crédito do Estado às custas pode ser exercido, só então pode o Estado avançar com a cobrança coerciva das custas fixadas em processo judicial, sendo este o dies a quo da prescrição do credito de custas.

Na procedência da argumentação esgrimida e trazida à discussão pelo Digno Agente do Ministério Público nas suas alegações de recurso, e na decorrência do consignado enquadramento jurídico normativo, temos de concluir que o aresto em escrutínio merece censura, devendo ser revogado.


III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam procedente o recurso interposto pelo Recorrente/Digno Agente do Ministério Público, concedendo a revista.

Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:

1. Em julgar procedente o recurso de revista interposto, concedendo-se a revista, impondo-se revogar a parte decisória do acórdão recorrido que julgou procedente a invocada exceção de prescrição, substituindo-a por outra que ordene que se proceda à notificação da liquidação da conta elaborada para que a Autora, querendo, pague voluntariamente as custas devidas, e subsequentes trâmites processuais.

2. Custas em todas as Instâncias pela Reclamante/AA.

Registe.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 11 de maio de 2023

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes