Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
879/17.7T8EVR.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANO
PRIVAÇÃO DO USO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DE DANOS
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 06/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Para o reconhecimento de um direito de indemnização pelo dano de privação de uso de um veículo acidentado é suficiente a prova pelo lesado que utilizava habitualmente a viatura na sua vida diária, presumindo-se que, da respetiva privação, derivem danos efetivos.

II. Os prejuízos podem ser de ordem patrimonial (acréscimo de despesas) ou de ordem não patrimonial (incómodos, sacrifícios, etc.) e, não sendo os mesmos concretamente apurados na fase declarativa, deve a respetiva indemnização ser remetida para posterior liquidação, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Em último caso, funcionará um juízo de equidade.

Decisão Texto Integral:

                                               *

I – Relatório

O Autor propôs a presente ação declarativa, com processo comum, contra a Ré, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe:

- a quantia de € 3.624,51, a título de indemnização pelo dano no veículo;

- a quantia de € 115,20, por dia - desde 24 de Julho de 2015 até à data em que o veículo danificado se encontrar em condições de circulação -, a título indemnizatório pela privação do uso do veículo;

- a quantia de € 10,00 (dez euros) por dia - desde 24 de Julho de 2015 até à data em que o veículo danificado se encontrar em condições de circulação -, acrescido de IVA, pelo parqueamento na oficina do veículo em causa;

- tudo acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável, desde a citação até integral pagamento.

Como fundamento para a dedução destes pedidos, o Autor alegou o seguinte:

- no dia …-07-2015, o veículo do qual é proprietário, quando conduzido pelo seu filho, embateu noutro veículo, daí resultando o amolgamento do para-choques frontal, tendo o seu veículo sido conduzido para uma oficina;

- o veículo sinistrado estava seguro na Ré contra danos próprios;

- a Ré recusou-se a assumir a responsabilidade pelo pagamento integral dos custos da reparação, alegando que era o filho do Autor, e não o Autor, o condutor habitual do veículo em causa;

- a demora na regularização do sinistro, imputável à Ré, privou o Autor do uso do veículo e importa o pagamento de um valor diário à oficina, pelo aparcamento do mesmo.

Após contestação da Ré e realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença, onde a ação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré foi condenada a pagar ao Autor a quantia de € 3.624,50, correspondente à indemnização pelos estragos sofridos pelo veículo acidentado, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, tendo a Ré sido absolvida do demais pedido.

O Autor interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação …, tendo a Ré deduzido, igualmente, recurso subordinado da mesma decisão.

Foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação  …, em 14.01.2021, que julgou improcedente o recurso subordinado da Ré e parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor, tendo condenado a Ré, para além do que já constava da parte decisória da sentença recorrida, a pagar ao Autor a quantia devida pelos danos decorrentes da privação do veículo e a suportar o custo do seu parqueamento, em valores que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença.

Desta decisão recorreu a Ré para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações do seguinte modo:

1.ª - O presente recurso jurisdicional vem interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …. aos 14.01.2021, que decidiu relegar para execução de sentença a liquidação de alegados danos sofridos pelo Autor;

2.ª - No caso em apreço, é admissível a interposição do presente recurso de revista, dado que não ocorre uma situação de “dupla conforme”, uma vez que o acórdão, considerado no seu todo e de forma unitária, não só não confirma a decisão do tribunal de 1.ª instância, como ainda condena a Ré no pagamento de uma quantia a liquidar em execução de sentença;

3.ª - Por outro lado, o valor da sucumbência, para efeitos de admissibilidade de recurso, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para a Recorrente, sendo que no caso concreto o valor de sucumbência do presente recurso é de €. 82.131,20, valor que expressamente se indica;

4.ª - Salvo o sempre devido respeito, o Tribunal recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do Direito relativamente aos danos decorrentes da paralisação do veículo (privação do uso e parqueamento), sendo que a solução adotada pelo Acórdão em crise, de relegar para execução de sentença a liquidação daqueles alegados danos, viola o art.º 609.º, n.º 2 do CPC;

5.ª - Verifica-se, pois, uma errada condenação da Ré no pagamento de uma quantia a liquidar em execução de sentença; Senão vejamos:

6.ª - Por um lado, sempre se dirá que o dano (a privação do uso do veículo) teria de ser um dano efetivamente sofrido pelo lesado, não procedendo a construção jurídica de acordo com a qual tal dano é considerado um dano moral indemnizável em si mesmo;

7.ª - Seguindo o entendimento de que a mera privação do uso, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, podem ver-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 12.01.2006, 16.01.2006, 05.05.2007 e de 04.10.2007; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.06.2006; da Relação de Coimbra, de 13.03.2007, da Relação do Porto de 14.06.2005 e 16.10.2006; todos disponíveis em www.dgsi.pt;

8.ª - Pelo que, a decisão recorrida é errónea e merece reparo do ponto de vista da aplicação do direito, devendo por isso ser revogada, mantendo-se o entendimento perfilhado pelo tribunal de 1.ª instância (absolvição da Ré);

9.ª - Por outro lado, igualmente se dirá que, in casu, o Autor alegou especificadamente quais os prejuízos decorrentes da paralisação do veículo (privação do uso do veículo e custo do parqueamento do mesmo) que queria ver ressarcidos, tendo quantificado os mesmos;

10.ª - A resposta a esta pretensão – privação do uso do veículo e parqueamento do veículo - foi a que consta da resposta negativa dada pelo tribunal de 1.ª instância (e bem!), conforme a motivação acima melhor explanada e para onde expressamente se remete;

11.ª - Com efeito, o Autor, ora Recorrido, não logrou apresentar qualquer documento que atestasse os alegados danos ou prejuízos decorrentes da privação do uso do veículo, bem como das despesas de parqueamento do veículo, como fossem quaisquer documentos comprovativos de pagamento, faturas e/ou recibos dessas despesas e custos, nem tais documentos constam carreados aos presentes autos;

12.ª - Pelo que, nunca poderia o Tribunal condenar no pagamento de uma indemnização por despesas ou prejuízos que se presume como não tidas, sob pena de enriquecimento sem causa do Autor;

13.ª - Por outro lado, não foi produzida prova testemunhal – de forma segura, esclarecida e cabal - quanto aos alegados danos patrimoniais, prejuízos ou despesas;

14.ª - E se outros elementos de prova não existem é porque o Autor, a quem cabia a prova dos danos, optou por não os trazer para os autos;

15.ª - Só por culpa do Autor, ora Recorrido, não foi possível apurar o exato valor daqueles alegados danos, porquanto foi o Autor quem falhou na prova da extensão dos danos sofridos, pelo que o mesmo viu esgotada a possibilidade de o fazer em sede execução, não sendo possível ao Tribunal suprir as eventuais falhas das partes;

16.ª - Entende a Recorrente que a forma pormenorizada como o Autor alegou e tentou provar os prejuízos por si sofridos (privação do uso do veículo e parqueamento do veículo) impunha, para todos eles, a impossibilidade de relegação da sua liquidação em sede de execução de sentença;

17.ª - Violando a decisão recorrida, neste particular o art.º 609.º, n.º 2 do CPC, cujo escopo não é, nem podia ser, dar uma segunda oportunidade de prova a quem falha na primeira tentativa (!);

18.ª - Motivo pelo qual, com todo o respeito, entende a Recorrente que o douto Acórdão em crise viola, pelos motivos supra expostos, o art.º 609.º, n.º 2 do CPC, devendo, nessa parte, ser alterada a decisão, com a absolvição da Recorrente do pedido, por manifesta falta de prova quanto ao mesmo;

19.ª - A douta decisão recorrida viola, entre outras normas e princípios do sistema jurídico, os artigos 483.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil, bem como o artigo 609.º do Código de Processo Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações.

                                               *

II – O objeto do recurso

Tendo em consideração as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:

- A Ré não pode ser condenada a indemnizar o dano da privação de uso do veículo acidentado, porque não foi feita prova que esse dano tenha existido?

- A Ré não pode ser condenada a indemnizar os custos do parqueamento do veículo, porque não foi feita prova que esses custos tenham existido?

                                               *

III – Os factos provados

Neste processo encontram-se provados os seguintes factos:

1 - No dia … de julho de 2015, pelas 13 horas e 30 minutos, ocorreu uma colisão entre veículos: o veículo de matrícula ...-EJ-... embateu na traseira do veículo de matrícula ..-PF-.., que circulava no mesmo sentido e na mesma fila.

2 - O veículo ...-EJ-.. era conduzido por BB e propriedade de seu pai, o ora Autor.

3 - Da colisão resultaram danos para o veículo ...-EJ-…, nomeadamente amolgamento do para-choques frontal.

4 - O veículo foi rebocado para a oficina "A........, Lda.".

5 - No dia 24 de julho de 2015 foi participada a ocorrência do sinistro à Ré que atribuiu à ocorrência o n° ……220 e ao sinistro o n° ….230.

6 - No dia 27 de julho de 2015 foi efetuada peritagem à qual foi atribuído o n° …831 e aos danos o custo estimado de reparação de € 3.624,51.

7 - No dia 7 de setembro de 2015 foi expedida, pela Ré, carta na qual se comunicava ao Autor que de acordo com os elementos de que dispunham, ainda não lhes era possível pronunciar-se quanto à respetiva responsabilidade pela produção do acidente de viação em apreço.

8 - No dia 10 de setembro de 2015 a Ré fez expedir nova carta na qual informava o Autor que "...relativamente ao processo em referência, o qual mereceu a nossa melhor atenção, informamos que assumimos a responsabilidade pela regularização dos danos no seu veículo através da cobertura "Choque, Colisão ou Capotamento".

9 - Nessa mesma carta adiantavam que "...no decorrer da instrução ao processo detetámos, através da averiguação realizada pelos nossos serviços técnicos, que foram prestadas declarações inexatas aquando da celebração do contrato de seguro, pois o condutor habitual do veículo não é aquele que nos havia sido indicado ...".

10 - No dia 23 de setembro de 2015 a Ré, por meio de carta, fez saber que tinham procedido à revisão do processo tendo chegado à conclusão que o condutor habitual do veículo danificado não era o proprietário e que, tinham apurado, que esse mesmo condutor possuía um agravamento de risco.

11 - Nesse sentido, mais informavam que esse facto tinha como consequência que o prémio atribuído não se encontrava ajustado às características indicadas, verificando-se assim uma necessidade de se proceder a uma retificação ao valor da reparação, por recurso à proporção entre o prémio até agora liquidado e o prémio que seria devido e seria atualizado a partir da data do sinistro.

12 - A Ré apenas assumiria o valor de € 1.867,95 (mil oitocentos e sessenta e sete euros e noventa e cinco cêntimos) que corresponde à contabilização sobre o valor total de € 2.946,76 (dois mil novecentos e quarenta e seis euros e setenta e seis cêntimos) de 36% (diferencial entre o valor do prémio pago e o prémio real).

13 - Nos termos da apólice em vigor, o Autor, contratou com a Ré, entre outras, a seguinte condição particular da apólice n° .....608: Danos próprios - choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros: Capital Seguro - € 7.300,00 -; Franquia - € 0,00 - Apenas CCC, com efeitos a partir de 24 de Outubro de 2014.

14 - O Autor e seu filho prestaram informações verdadeiras quanto ao interveniente na colisão ocorrida, não ludibriando de qualquer forma a Ré.

15 - À data do sinistro o condutor do veículo no momento do acidente tinha ... anos de idade e carta de condução desde 10.10.2012.

16 - Do relatório de peritagem consta como 4 (quatro) o número de dias de reparação.

17 - Em 23.10.2018 [1] A............. Lda., declarou que "...a viatura ......... matrícula ...-EJ-.., deu entrada nesta oficina no dia 24.7.2015, sendo cobrado 10,00 euros + IVA por dia pelo espaço ocupado pela viatura desde o referido dia”.

                                               *

IV – O direito aplicável

Estando apurada neste processo a responsabilidade contratual da Ré em indemnizar o Autor dos prejuízos que resultaram do acidente que envolveu o veículo segurado e tendo também já sido fixada em definitivo a indemnização a pagar pelo custo da reparação dos estragos sofridos por aquele veículo, encontra-se apenas em aberto a decisão sobre os pedidos indemnizatórios formulados pelo Autor, relativos à privação de uso do veículo acidentado durante o período que mediou entre o acidente e a sua reparação e ao custo do parqueamento do mesmo veículo na oficina que procedeu à sua reparação, durante o mesmo período.

1. Do dano da privação do uso

O Autor alegou que, devido a demora injustificada do processo de sinistro por parte da Ré seguradora, esteve privado do uso do veículo acidentado, desde a data do acidente até à data da propositura desta ação, tendo pedido que a Ré fosse condenada a pagar-lhe o valor que o Autor despenderia com o aluguer de um veículo nesse período - € 115,20 por dia.

Da matéria de facto provada apenas consta que após o acidente o veículo foi rebocado para a oficina "A...., Lda." e que a Ré, após num primeiro momento (10 de setembro de 2015) ter assumido a responsabilidade pelos custos da reparação do veículo, uns dias depois (23 de setembro de 2015) reviu esta posição, tendo declarado ao Autor que só satisfaria 64% do custo da reparação.

Da decisão sobre a matéria de facto, relativamente a esta matéria, consta apenas que não se provou que o veículo tenha permanecido imobilizado desde a data do acidente até à data da propositura da presente ação.

A sentença da 1.ª instância considerou que, não tendo o Autor provado o período de tempo durante o qual esteve privado do uso do seu veículo, nem que tenha sofrido qualquer prejuízo com essa paralisação, não é possível concluir que ele seja titular de um direito a uma indemnização.

Já o Tribunal da Relação entendeu que a simples privação do uso do veículo é suficiente para que seja atribuída uma indemnização ao lesado, pelo que, não se tendo apurado a duração do período de tempo que o veículo esteve imobilizado para reparação, condenou a Ré a pagar uma indemnização ao Autor por este dano, a liquidar posteriormente.

São conhecidas as divergências jurisprudenciais sobre a necessidade de demonstração de terem ocorrido prejuízos concretos para o lesado, resultantes da impossibilidade de uso e fruição de uma viatura sinistrada, para que o denominado dano de privação de uso seja indemnizável.

Como refere Maria da Graça Trigo [2], em paralelo com o aprofundamento do problema surgiu uma posição intermédia que parte da exclusão da reparação do dano em abstrato mas que, num segundo nível, admite como suficiente a prova da ocorrência de danos concretos com base numa presunção. Ao lesado pede-se apenas a prova que utiliza habitualmente a viatura na sua vida diária, presumindo-se que, da respetiva privação, derivem danos efetivos. Esta posição é hoje tendencialmente maioritária na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [3].

Os prejuízos podem ser de ordem patrimonial (acréscimo de despesas) ou de ordem não patrimonial (incómodos, sacrifícios, etc.) e, não sendo os mesmos concretamente apurados na fase declarativa, deve a respetiva indemnização ser remetida para posterior liquidação, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Em último caso, funcionará um juízo de equidade.

Ora, na petição inicial, o Autor alegou que era o condutor habitual do veículo sinistrado (artigo 14.º da p.i.), não tendo este facto sido objeto de julgamento, uma vez que não se encontra o mesmo, nem na lista dos factos provados, nem na dos factos não provados.

Sendo este facto essencial, na ótica da referida posição intermédia, que aqui acolhemos, há lugar à tramitação prevista no artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, devendo o processo voltar ao tribunal recorrido para ser ampliada a matéria de facto a julgar.

Esta ampliação deve também abranger os factos complementares que, eventualmente, resultem da instrução da causa, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relativos ao período em que o veículo esteve imobilizado e aos prejuízos concretos que resultaram para o Autor dessa imobilização.

2. Das despesas com o parqueamento da viatura

O Autor alegou que a imobilização do veículo na oficina para onde foi rebocado, a aguardar a reparação, importava o pagamento do valor diário de € 10.00 diários, acrescido de IVA (artigo 30.º da p.i.).

Da matéria de facto considerada provada apenas consta que em 23.10.2018 "A.... Lda, declarou que "...a viatura ..... matrícula ...-EJ-..., deu entrada nesta oficina no dia 24.7.2015, sendo cobrado 10,00 euros + IVA por dia pelo espaço ocupado pela viatura desde o referido dia”.

Na sentença da 1.ª instância considerou-se que, não tendo o Autor feito prova de haver pago quaisquer montantes pelo parqueamento do veículo, não havia lugar ao pagamento de qualquer indemnização por este dano.

No acórdão do Tribunal da Relação entendeu-se que, do facto provado sob o n.º 17 se retirava que a permanência do veículo na oficina corresponde a um custo, pelo que, não se sabendo apenas qual a duração do período em que o veículo esteve parqueado na oficina, deveria a Ré ser condenada a pagar uma indemnização a liquidar posteriormente.

Ora, nada constando na lista dos factos não provados sobre esta matéria, e tendo-se apenas proferido julgamento sobre a autoria do documento descrito no facto provado sob o n.º 17, não se fez uma apreciação da força probatória desse documento, conjugado, eventualmente, com outros meios de prova, relativamente à existência de um custo de parqueamento, pelo que, também, relativamente a este aspeto, há lugar à tramitação prevista no artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, devendo o processo voltar ao tribunal recorrido para ser ampliada a matéria de facto a julgar.

Esta ampliação deve igualmente abranger os factos complementares que, eventualmente, resultem da instrução da causa, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relativos ao período em que o veículo esteve imobilizado na oficina em causa.

Pelas razões referidas justifica-se que, ao abrigo do disposto no artigo 682.º, n. º 3, do Código de Processo Civil, se determine a remessa deste processo ao tribunal recorrido, com vista à ampliação da matéria de facto a julgar, nos termos acima definidos, anulando-se o acórdão recorrido.

                                               *

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em anular o acórdão recorrido para ampliação da decisão da matéria de facto nos termos acima referidos em IV.1. e em IV.2.

                                               *

Custas segundo os critérios a definir a final.

                                               *

Notifique

                                               *

Nos termos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/20, de 1 de maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.

Lisboa, 17 junho de 2021

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Vieira e Cunha

________
[1] Foi retificada esta data constante dos factos provados de acordo com o teor do documento que fundamentou a prova deste facto.
[2] In Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 60.
[3] A título de exemplo, os Acórdãos de 23.01.2020, Proc. n.º 279/17 (Rel. Nuno Pinto Oliveira), e de 28.01.2021, Proc. n.º 14232/17 (Rel. Rosa Tching), contendo indicações jurisprudenciais e doutrinárias sobre o tema, acessíveis em www.dgsi.pt.
  No mesmo sentido, PAULO MOTA PINTO, Dano da privação do uso, Estudos de direito do consumidor, n.º 8 (2006-2007), pág. 229-273.