Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3/21.1T8VRL.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: SEGURADORA
DEMORAS ABUSIVAS
PAGAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
EQUIDADE
Data do Acordão: 01/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I - No contexto fáctico do caso sub judice, em que a seguradora foi informada de que o funcionamento da máquina era vital para a empresa e para o cumprimento das encomendas dos clientes, é exigível que a seguradora tivesse respondido mais cedo de forma a evitar, pelo menos parcialmente, a ocorrência do dano. Tanto mais que a seguradora dispunha desde 18 de maio (ou 22 do mesmo mês, se considerarmos a data da deslocação do perito da ré às instalações da autora) de toda a informação necessária para o fazer e que teria sido simples informar, de imediato, o segurado, da cláusula de exclusão, para que este pudesse atempadamente solucionar o problema da paragem da produção.

II - De acordo com a formulação negativa da causalidade adequada, a condição só deixará de ser causa do dano se for inteiramente inadequada ou indiferente para o resultado, que só se teria produzido por força de circunstâncias anómalas ou excecionais. Assim, não se pode afirmar ser o incumprimento dos deveres acessórios da seguradora uma causa totalmente indiferente à produção do dano ou sem qualquer conexão causal com o dano.

III – Não se podendo afirmar que essa relação de causalidade adequada se verifique em relação á totalidade dos danos, mas apenas a uma parte deles, fixa-se uma indemnização de acordo com a equidade, a fim de corrigir injustiças ocasionadas pela natureza rígida das normas abstratas quando da aplicação concreta.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. INVICTA MARMORISTA UNIPESSOAL, LDA., sociedade unipessoal por quotas de responsabilidade limitada, com sede em lugar ..., ..., instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra LIBERTY SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de €31.599,00.

Alegou, para tanto e em síntese, que no exercício da sua atividade comercial, celebrou um contrato de seguro do ramo «Multirriscos Indústria», titulado pela Apólice n.º ...40, conforme condições particulares e especiais, sendo que, de acordo com as “Condições Particulares e Especiais” dessa apólice de seguro, a Ré, além de outros danos, responde civilmente pelos prejuízos decorrentes de danos em equipamento industrial e por riscos elétricos.

Alega ainda que no dia 10/05/2020, a cidade ... foi atingida por um temporal, com trovoadas fortes e que em 11/05/2020, no início da sua laboração, ao ligar a máquina de corte de pedra, marca “JMM”, constatou que a mesma não funcionava, pelo que chamou um técnico que se deslocou ao local, em 11/05/2020.

Mais alegou que depois de lhe ter sido entregue o “Relatório de Avaria” e a “Fatura Proforma”, em 18/05/2020, a Autora participou o sinistro à Ré com a anexação dos aludidos relatórios e fatura, e, por missiva datada de 24/07/2020, cerca de 2 meses depois da visita do perito da Ré, esta comunicou a recusa da responsabilidade, por entender que o sinistro em crise não se enquadra nas garantias da sua apólice, uma vez que do teor daquela missiva é lá descrito que a apólice não cobre o sinistro por a máquina em causa ter 19 anos e que de acordo com o clausulado na apólice, os danos em equipamentos com mais de 10 anos de fabrico estão excluídos.

Que do teor das “Condições particulares e Especiais” não resulta qualquer exclusão por efeito da idade das máquinas que fazem parte do acervo industrial da Autora, pois se aquando da celebração do contrato de seguro tivesse sido esclarecido à Autora que se encontravam excluídas da responsabilidade da R. as máquinas com idade superior a 10 anos, jamais a Autora outorgaria tal contrato, uma vez que todas as máquinas que fazem parte do seu acervo industrial têm idade superior a 10 anos.

Regularmente citada, a Ré defendeu-se por impugnação e por exceção, reconhecendo ter celebrado com a Autora o contrato de seguro do ramo “Multirriscos Indústria”, titulado pela Apólice n.º ...40, que inclui, entre o mais, a responsabilidade por danos ocorridos no conteúdo da Fábrica de artigos de granito e de rochas da Autora, no qual se encontram incluídas as garantias complementares de “Riscos Elétricos” e “Danos em Equipamento Industrial”, tendo cada uma das mencionadas coberturas o limite de €12.500,00 e tendo ficado convencionada, quanto à cobertura de “Riscos Elétricos” uma franquia de 10% do valor de sinistro, com o mínimo de €50,00 e o máximo de €500,00 e quanto à cobertura de “Danos em Equipamento Industrial” uma franquia de 10% do valor de sinistro, no mínimo de €250,00.

Mais alega que relativamente à cobertura de Riscos Elétricos, dispõe a Apólice de Seguro em vigor, no ponto n.º 2 da CONDIÇÃO ESPECIAL 15 - RISCOS ELÉTRICOS, sob a epígrafe “Exclusões” que “Ficam excluídos do âmbito desta garantia complementar os danos: e) Que afetem equipamentos administrativos com mais de cinco anos de fabrico; f) Que afetem equipamentos da atividade com mais de dez anos de fabrico”.

E, no que respeita à cobertura de Danos em Equipamentos da Atividade, dispõe, igualmente, a mesma Apólice de Seguro em vigor, no n.º 2 da CONDIÇÃO ESPECIAL 18 - DANOS EM EQUIPAMENTOS ADMINISTRATIVOS E EM EQUIPAMENTOS DA ATIVIDADE, sob a epígrafe “Exclusões” que “1. Para além das exclusões constantes do Artigo 4. das Condições Gerais, ficam igualmente excluídas do âmbito de cobertura desta garantia as perdas ou danos verificados: em equipamentos administrativos com mais de cinco anos de fabrico; em equipamentos da atividade com mais de dez anos de fabrico”.

Entende a Ré que, como alega a Autora, o equipamento cujos danos são reclamados, tem mais de 10 anos de idade, está in casu afastada a responsabilidade da demandada e esta mostra-se exonerada da obrigação de indemnizar.

A Autora veio a responder à matéria de exceção, alegando que nada do que a Ré alega no seu articulado está conforme o clausulado das “Condições Gerais”, ou seja, do teor das cláusulas não se encontra lá determinada a exclusão de responsabilidade em equipamentos da atividade com mais de 10 anos de fabrico, que a Ré alega em sua defesa e que, para além das “Condições Particulares”, a Ré nunca entregou à Autora as “Condições Gerais” aqui em crise e, não fazia qualquer sentido a um pater familias médio celebrar com a Ré o contrato de seguro em mérito com as exclusões alegadas pela mesma, na medida em que todas as máquinas de laboração da Autora têm mais de 10 anos de idade.

Mais alegou que a Ré em momento algum deu cumprimento às suas obrigações de informação e esclarecimento, designadamente, as previstas nos artigos 18º a 21º do DL 72/2008. 

Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador e despacho destinado à identificação do objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.


2. Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Em face do exposto, nos presentes autos de ação declarativa, sob a forma de processo comum, julga-se parcialmente procedente por provada a presente ação e em consequência decide-se:

1- Condenar a Ré LIBERTY SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, a pagar à Autora INVICTA MARMORISTA UNIPESSOAL, LDA., a quantia de 7.749,00 euros, (sete mil setecentos e quarenta e nove euros) acrescida de juros legais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento - deduzindo-se o montante atinente à franquia respetiva.

2- Absolver a Ré LIBERTY SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, do demais peticionado pela Autora”.


*****


Nos termos do artigo 527.º n.º 1, do CPC, “a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa, ou não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”

No n.º 2, do mesmo artigo “entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”

Resulta do artigo 607.º n.º 6, do CPC que, no final da Sentença, o juiz deve condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.

Assim, nos termos conjugados, pelos artigos 607.º n.º 6, 527.º n.º 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, as custas da presente ação, serão suportadas na proporção de 80% para a Ré Seguradora LIBERTY SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, e 20% para a Autora.

Registe e notifique.”

3. Inconformada, apelou a Autora da sentença, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, embora com um fundamento distinto.

4. Novamente inconformada, a autora interpõe recurso de revista normal, por entender que a fundamentação das instâncias é essencialmente diferente, formulando as seguintes conclusões:

«1 A Recorrente não se conforma com o d. acórdão em reapreciação porquanto no mesmo apresenta, com o devido respeito, inadequada aplicação das regras de direito na parte em que absolve a recorrida dos pedidos de indemnização pelas perdas e danos sofridos pela recorrente.

2 A Apelante conforma-se com a decisão na parte em que imputa a responsabilidade de indemnização pela avaria da máquina industrial à recorrida, bem como a quantia de 7.749,00 euros (sete mil setecentos e quarenta e nove euros) em que a mesma foi condenada a pagar.

3 No nosso modesto discernir da recorrente mal andou o d. acórdão, quanto à obrigação da Seguradora indemnizar por perdas e danos, ao entender que:

a) O que está em causa é a ausência de convenção sobre o dano dos chamados lucros cessantes e a aplicação do regime supletivo consagrado no artigo 130º do RJCS e não a clara violação dos deveres de não entrega das “Condições Gerais e Especiais” do contrato de seguro e comunicação e informação expressos nos arts. e do do D.L. 446/85, de 25 de Outubro.

b) A recorrida violou deveres legais acessórios de conduta, mas, apesar disso, decide absolvê-la por, no seu entendimento, a violação dos deveres acessórios que se impunham por aplicação do princípio da boa-fé e consequente indemnização se vencem, nos termos do 1, do art. 102º e 104º do RJCS, depois de decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos.


4 – No seu modesto discernir, entende a Recorrente que que ocorreu um manifesto e notório erro na apreciação da matéria de facto e de direito, impondo-se a sua reapreciação por V. Ex.ªs.



5 – Em relação à al.  a) do  ponto anterior resulta a prova dos seguintes factos:


«25 - Se aquando da celebração do contrato de seguro em mérito lhe tivesse sido esclarecido que se encontravam excluídas da responsabilidade da R. as máquinas com idade superior a 10 anos a A. jamais outorgaria tal contrato, uma vez que todas as máquinas que fazem parte do seu acervo industrial têm idade superior a 10 anos.

26 - Nunca a R., para além das “Condições Particulares e Especiais”, entregou à A. qualquer outro documento referente ao contrato de seguro.

27 - Não foi entregue à A. quaisquer exemplares, que não sejam as “Condições Particulares e Especiais”.

28 - Não foram cumpridos os deveres de comunicação e de informação, requisi-tos de validade do contrato de adesão».

6 - Ora, dos factos dados como provados e acima transcritos resulta a certeza que a não cumpriu com os deveres de comunicação e de informação impostos pelos arts. e do D.L. 446/85 sobre as condições do contrato de seguro.

7 - Em face de tal omissão e legalmente exigível, desde logo a questão que se nos levanta e que o d. acórdão em reapreciação não qualquer resposta, é a de saber como é que o tomador de seguro pode contratar a cobertura facultativa de lucros cessantes resultantes de sinistro se a Seguradora nunca o informou sobre essa obrigação de contratar?

8 Por outro lado, como é que a Recorrente poderia reclamar da ausência de tal cobertura facultativa, se a também não lhe entregou as “Condições Gerais e Especiais” do contrato de seguro?

9 Apesar de tal factualidade se encontrar assente na matéria de facto dada como provada e acima exposta, mas, apesar disso, o d. acórdão recorrido ignora-a como se esses deveres omissos pela Recorrida não tivessem, legalmente, qualquer cominação, pois, no entendimento expresso no d. acórdão em mérito, a consequência é beneficiar o infrator, parte mais forte em detrimento da parte mais débil, apesar da lei ser clara nas consequências para o infrator.

10 - Não pode haver quaisquer dúvidas que o tomador de seguro poderá contratar, subscrever ou aceitar a cobertura de responsabilidade civil facultativa, nomeadamente, a da indemnização por lucros cessantes em caso de sinistro, se o conteúdo dessa clausula for efetivamente comunicada ao mesmo.

11 O completo e efetivo conhecimento de todo o clausulado pressupõe, não apenas o dever de comunicação das cláusulas gerais dos contratos, como ainda o dever de informação ou de aclaração do conteúdo e sentido de tais cláusulas), quer seja sobre a cobertura obrigatória de responsabilidade civil, quer seja a cobertura de responsabilidade civil facultativa, prende-se com uma boa formação da vontade de contratar por parte do aderente ao contrato, sendo o corolário do exercício efectivo, eficaz, da autonomia privada e uma elementar imposição do princípio da boa-fé contratual, a impor a comunicação, na íntegra, dos projetos negociais (art. 227º do Código Civil).

12 - Pelo que e em face da manifesta violação legal dos deveres de informação e de comunicação das cláusulas de adesão obrigatórias e das clausulas de responsabilidade civil facultativas, não pode a parte violadora desses deveres legais ser beneficiada, como o é no d. acórdão em reapreciação, em detrimento da parte mais débil que nunca soube, porque nunca lhe foi informado, que teria de contratar a clausula de cobertura de responsabilidade civil facultativa de indemnização por lucros cessantes resultantes de sinistro.

13 - Pelo que e atento a matéria de facto dada como assente, parece-nos e ressalvando sempre o devido respeito por melhor entendimento, que não restava outra alternativa ao Tribunal recorrido que não fosse o de condenar a R/Seguradora pelos lucros cessantes e resultantes do sinistro, em conformidade com a factualidade dada como provada, por manifesta violação dos deveres legais de comunicação e informação das clausulas gerais obrigatórias e facultativas ao tomador do seguro por parte da Seguradora.

14 - Por outro lado e no caso em apreço, estamos no âmbito da celebração de um contrato de seguro de multirriscos indústria, composto por “CONDIÇÕES PARTICULARES” e por “CONDIÇÕES GERAIS e ESPECIAIS”, sendo um contrato de adesão.

15 - Do teor da cláusula 5ª, das “Condições Gerais e Especiais”, sob o título “Obrigações da Seguradora”, no art. 20º, encontra-se convencionado o seguinte:

5. OBRIGAÇÕES DA SEGURADORA E DO SEGURADO:

5.1. Obrigações da Seguradora

Artigo 20.º

1. As averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos deverão ser efectuadas pela Seguradora com prontidão e diligência, sob pena de aquela responder por perdas e danos.

16 Do acima exposto encontra-se, expressamente, convencionado nas “CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS” do contrato de seguro subscrito pela Recorrente que a seguradora responde por perdas e danos quando as averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e a avaliação dos danos não são efetuados pela seguradora com prontidão e diligência.

17 - Está aqui em causa se a Seguradora depois de tomar conhecimento do sinistro foi ou não diligente e zelosa no sentido de apurar as causas e consequente assunção ou não assunção da responsabilidade pelo sinistro.

18 - Resulta da factualidade dada como provada nos pontos de facto 14 a 24 e 29 a 40 e acima transcritos e para onde se remete a sua leitura por economia processual, quea máquina em mérito se encontrava avariada desde o dia 10/05/2020, e, consequentemente, a sociedade A. não laborava desde essa data; que a A. a fim de averiguar a avaria chamou um técnico que lhe emitiu o “Relatório da Avaria”; Que depois de estar munida do “Relatório de Avaria” efetuou a participação do sinistro à R., em 18/05/2020; que, em 22/05/2020, se deslocou à sede da A. um perito a mando da R.; que o gerente comunicou ao perito que a máquina é o instrumento fundamental para o normal funcionamento da actividade da A. e que se havia comprometido com o fornecimento de bens a clientes e que, por isso mesmo, fosse tomada uma decisão de reparação célere;

Ou seja,

19 - Entre a data da participação do sinistro à R/Seguradora, 18/05/2020 e a data da entrega da encomenda, 01/06/2020, e a data de entrega da encomenda, 10/06/2020, decorreram 15 dias e 24 dias, respetivamente, sendo que a máquina se encontrava avariada e a recorrente sem laborar, desde o dia 10/05/2020, 22 dias para a encomenda e 32 dias para a segunda encomenda, respetivamente;

20 - A tinha conhecimento que a máquina avariada era o instrumento fundamental para o normal funcionamento da actividade da A. e porque se havia comprometido no fornecimento de bens, o seu gerente comunicou ao perito da Seguradora para que fosse tomada uma decisão de reparação célere Cfr. Ponto de facto da matéria provada 22;

21 - Apesar desta advertência, apenas, em 24/07/2020, 68 dias depois da participação, é que comunica a recusa de responsabilidade do sinistro Cfr. Ponto de facto 23 da matéria dada como provada.

22 - Face à manifesta omissão de ação na resolução do sinistro por parte da R/Seguradora, e com a finalidade de evitar o seu encerramento prematuro, uma vez que se trata de uma micro-empresa que emprega 3 trabalhadores, viu-se a A/recorrente obrigada a reparar a avaria da máquina a expensas suas, o que se concretizou em 20/06/2020, depois de 47 dias consecutivos sem laborar, após a data do sinistro - Cfr. Pontos de facto 32 a 35 da factualidade dada como assente.

23 - Apesar da R/Seguradora ter conhecimento desta factualidade, só, em 24/07/2020, 68 dias depois da participação do sinistro e 76 dias depois da avaria da máquina, é que comunica a recusa de responsabilidade por entender que o sinistro em crise não se enquadra nas garantias da sua apólice.

24 - Em face do exposto e atento os termos do seguro contratado entre a A. e a R., dúvidas não podem existir de que é à Seguradora quem compete agir de forma diligente e com prontidão, para que o dano seja reparado, sendo que as implicações danosas emergentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano, que é a Seguradora Cfr. Art. 20º, da cláusula 5.1., das Condições Gerais e Especiais da apólice.

25 - Reiterada e consistentemente, a jurisprudência maioritária tem decidido que os “deveres acessórios de conduta” radicam no nosso ordenamento na existência de um “dever geral de boa-fé”, imperativamente enunciado no 2, do art. 762º do Código Civil “entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos direitos correspondentes, devem agir com honestidade, e consideração pelos interesses da outra parte princípio da concretização” - Vide Acórdão do STJ, de 29.04.2010, Proc. 982/07.1TVPRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.

Ou seja,

26 - A Seguradora/recorrida está obrigada, contratual e legalmente, ao dever de «actuar de forma diligente, equitativa e transparente no seu relacionamento com os tomadores de seguros, segurados, beneficiários e terceiros lesados» (cfr. art. 153º/1 da Lei 147/2015, de 9 de Setembro), bem como aos deveres de averiguação, confirmação e resolução dum sinistro, em prazo razoável, deveres estes que configuram verdadeiros deveres (legais) acessórios de conduta, pelo que, quando tais deveres não são cumpridos pela seguradora em prazo razoável, como é o caso sub judice, são violados tais deveres (contratuais e legais) acessórios de conduta, obrigando tal violação à indemnização pelos danos que assim hajam sido causados ao segurado/beneficiário.

Posto isto,

27 - O d. acórdão em reapreciação entende que há, de facto, a violação dos deveres acessórios de conduta por parte da R/Seguradora, apesar disso decide absolvê-la por no seu entendimento a violação dos deveres acessórios que se impunham por aplicação do princípio da boa-fé e consequente indemnização se vencem, nos termos do 1, do art. 102º e 104º do RJCS, decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos.

28 Como decorre da factualidade dada como provada, a actuou de forma atempada e diligente na averiguação do sinistro, quando manda um perito, no dia 22/05/2020, 4 dias depois da participação, averiguar aquele sinistro.

29 - O mesmo não se pode afirmar em relação à averiguação, confirmação e ao reconhecimento da sua responsabilidade contratual, o que lhe era exigido atendendo à realização atempada da vistoria pericial, por si ordenada e em face do conhecimento de que a laboração da Recorrente se encontrava parada desde o dia 10/05/2020 e que se havia comprometido no fornecimento de bens, tendo o gerente da recorrente comunicado ao perito que fosse tomada uma decisão de reparação célere.

30 - Apesar do pedido expresso pelo gerente ao perito da Seguradora para que fosse tomada uma decisão célere, a não actuou em conformidade com os ditames da boa-fé, quando informa a A. sobre a recusa de responsabilidade decorridos 68 dias após a participação do sinistro e 76 dias após a data do sinistro.

31 Em face do supra exposto, parece que não restam quaisquer dúvidas de que a posição da A/recorrente é mais frágil em confronto com a Seguradora, pelo que se revela crucial a execução de procedimentos que respeitem a cooperação e a prontidão, com vista a uma rápida resolução do caso.

32 - Pois, os deveres de informação e de celeridade assumem especial importância no caso de avaria duma máquina da qual depende o normal funcionamento duma micro-empresa, uma vez que o pagamento do conserto da máquina avariada permitiria, à empresa tomadora/beneficiária do seguro, a sua normal laboração e cumprir com os compromissos assumidos.

33 - De salientar que os prejuízos da recorrente não foram superiores, uma vez que esta, face à omissão de resposta da recorrida em prazo razoável, consertou, a expensas suas, a máquina avariada. Pois se estivesse à espera da resposta da Seguradora presumivelmente o destino desta empresa seria o seu encerramento por manifesta falta de liquidez.

34 - A violação dos deveres acessórios, que se impunham neste caso por aplicação do princípio da boa-fé, e ao contrário do decidido no d. acórdão em reapreciação, constitui o lesante na obrigação de indemnizar o lesado pelos danos sofridos, uma vez que se verifica a existência de nexo causal entre a apontada conduta ilícita da e o dano invocado pela Autora, nos termos estabelecidos no art. 563º do CC: «obrigação de indemnização existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.»


35 - É que no caso sub judice, não estamos, pois, perante a ressarcibilidade de um dano que resulta da mora, mas da violação de deveres legais e contratuais que a seguradora não observou.

36 Depois destas conclusões e de todo o seu alcance, é lícito afirmar que o d. acórdão em reapreciação devia ter enquadrado juridicamente os factos como integrantes do direito que assiste à recorrente e, consequentemente, ter condenado a recorrida a pagar à A/recorrente a indemnização de 23.850,00 € (vinte e três mil oitocentos e cinquenta euros) por perdas e danos sofridos por manifesta violação de deveres contratuais e legais que a seguradora não observou, em conformidade com o supra exposto.

37 Assim não se tendo entendido e decidido, não se fez a melhor e mais correta interpretação e aplicação ao caso sub judice das pertinentes disposições legais, nomeadamente, o disposto nos art. 20º, da cláusula 5ª, das “Condições Gerais e Especiais”, art. 153º, 1 da Lei 147/2015, de 9 de Setembro, arts. 563º, 762º, 2 e 227º do C. Civil, e arts. 5º, e do D.L. 446/85, de 25 de Outubro.

Nestes termos e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se parcialmente o douto acórdão recorrido, substituindo-se por douto acórdão que condene a Recorrida em conformidade com o supra exposto.

Assim se ver, aplicado decidindo, mais bem resultará, a nosso o Direito e realizada

a sublime Justiça»  

5. A ré não apresentou contra-alegações.

6. O recurso foi admitido pela Relatora, por entender que a fundamentação da sentença do tribunal de 1.ª instância e a do Tribunal da Relação eram essencialmente diferentes, na medida em que a sentença entende que não tendo sido acordado no contrato de seguro a indemnização pelos lucros cessantes e pelo dano da privação do uso, tal dever de reparação da seguradora não é exigível (artigo 130.º, n.º 2 e 3 da Lei do Contrato de Seguro (LCS), enquanto o Tribunal da Relação entendeu que a seguradora violou deveres acessórios de conduta suscetível de gerar, em abstrato, a obrigação de indemnização por lucros cessantes, mas considerou que, no caso concreto, não havia nexo de causalidade entre os danos sofridos e a conduta da seguradora.

7. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, a questão a decidir é a de saber se se a seguradora tem o dever de indemnizar os lucros cessantes, por violação de deveres acessórios de conduta.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A - Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:

1- Entre a Ré e a Autora foi celebrado o contrato de seguro titulado pela Apólice n.º ...40.

2- Trata-se de um Contrato de Seguro do ramo "Multirriscos Indústria" que inclui, entre o mais, a responsabilidade por danos ocorridos no conteúdo da Fábrica de artigos de granito e de rochas da Autora, sita no Lugar ..., ..., em ....

3- O Contrato de Seguro, rege-se pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares da respetiva Apólice.

4- Resulta do teor das «Condições Gerais e Especiais», juntas aos autos pela Ré com a sua contestação na “Cláusula 15.2. EXCLUSÕES - Artigo 2.º” - que “ficam excluídos do âmbito desta garantia complementar os danos: a) causados a fusíveis, resistências de aquecimento, lâmpadas de qualquer natureza, tubos catódicos dos componentes eletrónicos; b) devidos a desgaste pelo uso ou a qualquer deficiência de funcionamento mecânico; c) que estejam abrangidos por garantias do fornecedor, fabricante ou instalador; d) causados aos quadros e transformadores de mais de 500kva e aos motores de mais de 10 H.P”.

5- Consta da página de Rosto das Condições Gerais e Especiais a seguinte referência: ...07.

6- Resulta do teor das «Condições Gerais e Especiais», juntas aos autos pela Ré em 12/11/2021 na “CONDIÇÃO ESPECIAL 15 - RISCOS ELÉTRICOS - 1. ÂMBITO DA COBERTURA que “A presente Condição Especial garante ao Segurado, em primeiro risco, até ao limite fixado nas Condições Particulares, uma indemnização pelos danos ou prejuízos causados a quaisquer máquinas elétricas, transformadores, aparelhos e instalações elétricas e aos seus acessórios, desde que incluídos no seguro, em consequência de efeitos diretos de corrente elétrica, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela eletricidade atmosférica, curto-circuito, mesmo quando não resultem de incêndio”.

7- Mais resulta do teor do seu n.º 2. EXCLUSÕES que “Ficam excluídos do âmbito desta garantia complementar os danos: a) Causados a fusíveis, resistências de aquecimento, lâmpadas de qualquer natureza, tubos catódicos dos componentes eletrónicos; b) Decorrentes do desgaste pelo normal funcionamento do equipamento ou de qualquer deficiência de funcionamento mecânico; c) Que estejam abrangidos por garantias do fornecedor, fabricante ou instalador; d) Causados aos quadros e transformadores de mais de 500 kVA e aos motores de mais de 10 HP. e) Que afetem equipamentos administrativos com mais de cinco anos de fabrico; f) Que afetem equipamentos da atividade com mais de dez anos de fabrico.”

8- Consta da página de Rosto das Condições Gerais e Especiais a seguinte referência: ...19.

9- Resulta do teor das condições gerais e especiais “Condição Especial 18” -“Danos em equipamentos Administrativos e em equipamentos da atividade 1. ÂMBITO DA COBERTURA que “A presente Condição Especial garante, em primeiro risco, os danos sofridos pelas máquinas ou equipamentos seguros, em consequência de avaria súbita e imprevista, que as impeçam de funcionar normalmente e exijam a sua reparação. 1. São considerados como máquinas e equipamentos seguros: a) As máquinas e os equipamentos da atividade; b) Os equipamentos informáticos e de escritório (equipamentos administrativos). 2. São considerados como avaria os danos causados por: a) Defeitos de projeto, de materiais, de fabrico ou montagem, que não possam ser detetados por exame exterior e que sejam desconhecidos à data da celebração do presente contrato de seguro; b) Queda, choque, colisão ou ocorrências similares, obstrução ou entrada de corpos estranhos; c) Erro de manobra, imperícia ou negligência; d) Efeitos diretos da corrente elétrica, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela eletricidade atmosférica, curto circuitos, arcos voltaicos ou outros fenómenos semelhantes, mesmo que qualquer um destes dê origem a incêndio, considerando-se, no entanto, neste caso, apenas cobertos os prejuízos no próprio equipamento que deu origem ao sinistro; e) Vibração, maus ajustamentos ou desprendimentos de peças, cargas anormais, fadiga molecular, ação centrífuga, velocidade excessiva, lubrificação defeituosa, gripagem, choque hidráulico, aquecimento excessivo, falha ou defeito dos instrumentos de proteção, medida ou regulação; f) Explosão, entendendo-se como tal a rutura ou rebentamento de caldeiras e dispositivos similares, turbinas, compressores, cilindros de motores de explosão, cilindros hidráulicos, volantes ou outras peças sujeitas à ação da força centrífuga, transformadores, comutadores ou mecanismos de comutação imersos em óleo; g) Contacto fortuito com qualquer líquido.”

10-Entre as coberturas conferidas pelo contrato incluíram-se as garantias complementares de "Riscos Elétricos" e "Danos em Equipamento Industrial", tendo cada uma das mencionadas coberturas o limite de 12.500,00 euros.

11-Quanto à cobertura de "Riscos Elétricos", ficou convencionada uma franquia de 10% do valor de sinistro, com o mínimo de 50,00€ e o máximo de 500,00€.

12-Quanto à cobertura de "Danos em Equipamento Industrial" ficou convencionada uma franquia de 10% do valor de sinistro, no mínimo de 250,00€.

13-A A. é uma sociedade constituída sob a forma comercial que, no desenvolvimento do seu objeto social, dedica-se à transformação, corte e polimento de pedras.

14-No dia 10 de maio de 2020, a cidade ... foi atingida por um temporal, com trovoadas fortes.

15-Em 11/05/2020, no início da sua laboração, a A. ao ligar a máquina de corte de pedra, marca “JMM”, constatou que a mesma não funcionava.

16-Com a finalidade de apurar a causa dos danos e a necessidade urgente de reparação da máquina, uma vez que a mesma constitui o instrumento fundamental da qual depende o normal funcionamento da A., a mesma chamou um técnico que se deslocou ao local, em 11 de maio de 2020.

17-Após a verificação dos danos, o técnico emitiu o “Relatório de Avaria”.

18-Do teor do “Relatório de Avaria” é lá descrito que a máquina, marca “JMM” não estava a funcionar pelo facto de ter o sistema de programação avariado, motivado por alterações da corrente elétrica na sequência duma trovoada.

19-Por não ser possível a reparação do sistema de programação da máquina em mérito, o técnico emitiu, ainda, uma fatura proforma, com o preço de custo do “Kit de automação para máquina de ponte”, no valor de 7.749,00€.

20-Depois de lhe ter sido entregue o “Relatório de Avaria” e a “Fatura Proforma”, em 18/05/2020, a A. participou o sinistro à R., com a anexação dos aludidos relatório e fatura.

21-Em 22/05/2020, deslocou-se à sede da A. um perito da R. a fim de averiguar a avaria da máquina “JMM”.

22-A máquina em mérito é o instrumento fundamental para o normal funcionamento da atividade da A. e porque se havia comprometido no fornecimento de bens, o gerente desta comunicou ao perito da companhia de seguros para que fosse tomada uma decisão de reparação célere.

23-Apesar da R. estar devidamente advertida da necessidade da operacionalidade da máquina em mérito, a mesma, por missiva datada de 24/07/2020, cerca de 2 meses depois da visita do perito da R., comunica à A. a recusa da responsabilidade por entender que o sinistro em crise não se enquadra nas garantias da sua apólice.

24-Do teor daquela missiva é lá descrito que a apólice não cobre o sinistro por a máquina em causa ter 19 anos e que de acordo com o clausulado na apólice, os danos em equipamentos com mais de 10 anos de fabrico estão excluídos.

25-Se aquando da celebração do contrato de seguro em mérito lhe tivesse sido esclarecido que se encontravam excluídas da responsabilidade da R. as máquinas com idade superior a 10 anos a A. jamais outorgaria tal contrato, uma vez que todas as máquinas que fazem parte do seu acervo industrial têm idade superior a 10 anos.

26-Nunca a R., para além das “Condições Particulares e Especiais”, entregou à A. qualquer outro documento referente ao contrato de seguro.

27-Não foi entregue à A. quaisquer exemplares, que não sejam as “Condições Particulares e Especiais”.

28-Não foram cumpridos os deveres de comunicação e de informação, requisitos de validade do contrato de adesão.

29-A máquina em mérito é o instrumento fundamental de laboração da A.

30-Sem o funcionamento da máquina avariada, a empresa não funciona, uma vez que se trata do instrumento que faz o corte primário da matéria-prima.

31-Que depois vai ser transformada de acordo com os pedidos e encomendas dos clientes.

32-A A., com a finalidade de minorar os seus prejuízos, viu-se obrigada a reparar, a expensas suas, a avaria da máquina “JMM”.

33-Pela reparação da máquina pagou a quantia de 7.749,00 € (sete mil e setecentos quarenta e nove euros).

34-A máquina esteve imobilizada, por efeito da avaria em crise, desde 10/05/2020 até 20/06/2020, altura em que a A. procedeu à sua reparação.

35-A máquina “JMM” e consequentemente a laboração da A., esteve parada durante 47 dias consecutivos.

36-Por esse motivo a A. não conseguiu satisfazer as encomendas que lhe haviam feito, tendo perdido dois clientes por não lhe ser possível realizar a concretização daqueles pedidos dentro dos prazos a que se havia vinculado.

37-A A. havia-se obrigado com AA a entregar a encomenda duma capela em granito, modelo novo 4x4, com ossário, no valor de 18.450,00 € (dezoito mil e quatrocentos e cinquenta euros), até ao dia 01 de junho de 2020.

38-Bem como a encomenda de guias muro granito pedras salgadas, com pingadeira, a Interior Amândio, no valor de 5.400,00 € (cinco mil e quatrocentos euros), até ao dia 10 de Junho de 2020.

39-Ambos os clientes desistiram das encomendas acima aludidas em virtude da A. não as poder executar dentro dos prazos acordados.

40-A não execução das encomendas acima aludidas, acarretou para a A. um prejuízo de 23 850,00 € (vinte e três mil oitocentos e cinquenta euros) (18.450,00 € + 5.400,00 € = 23.850,00 €).

B – O Direito

1. Entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de seguro, titulado pela Apólice n.º ...40, do ramo “Multirriscos Indústria” que inclui, entre o mais, a responsabilidade por danos ocorridos no conteúdo da Fábrica de artigos de granito e de rochas da Autora, sita no Lugar ..., ..., em ..., o qual se rege pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares da respetiva Apólice.

Nunca foi comunicada à autora a cláusula de exclusão da cobertura para máquinas com mais de 10 anos (facto provado n.º 28). Se a segurada (autora) soubesse dessa cláusula nunca teria celebrado o contrato de seguro, pois todas as suas máquinas tinham mais de 10 anos (facto 25).

Segundo a factualidade provada (n.ºs 14 a 17), no dia 10 de maio de 2020, a cidade ... foi atingida por um temporal, com trovoadas fortes. Em 11/05/2020, no início da sua laboração, a A. ao ligar a máquina de corte de pedra, marca “JMM”, constatou que a mesma não funcionava. Com a finalidade de apurar a causa dos danos e a necessidade urgente de reparação da máquina, uma vez que a mesma constitui o instrumento fundamental da qual depende o normal funcionamento da A., a mesma chamou um técnico que se deslocou ao local, em 11 de maio de 2020. Após a verificação dos danos, o técnico emitiu o “Relatório de Avaria”. A autora participou à seguradora o sinistro em 18-05-2020 (facto provado n.º 20). Segundo o facto 23, apesar de a ré estar advertida da necessidade de operacionalidade da máquina, por missiva de 24-07-2020, cerca de dois meses depois da visita do perito da ré, comunica a recusa da responsabilidade.

As instâncias condenaram a seguradora ao pagamento da quantia de €7.749,00, respeitante ao custo que o segurado teve com a reparação da máquina, todavia, julgaram improcedente o pedido formulado pelo Autor de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização a título de lucros cessantes.

A questão suscitada na revista é a de saber se o recorrente (segurado), tem direito a uma indemnização por lucros cessantes, decorrente de a seguradora ter demorado a responder se assumia ou não a reparação da máquina avariada, a qual esteve imobilizada entre 10 de maio de 2020 e 20 de junho de 2020 (facto provado n.º 34), com paralisação da laboração durante 47 dias consecutivos (facto provado n.º 35), tendo o autor, por esse motivo, perdido dois clientes por não lhe ter sido possível concretizar as encomendas dentro do prazo (facto n.º 36). Essas perdas foram no valor de 18.450,00 euros (facto provado 37-A) e de 5400,00 euros (facto 38), o que perfaz um valor de 23.850,00 euros (facto provado n.º 40).

Entende a Recorrente que a Ré agiu em violação de deveres acessórios de conduta, decorrentes da boa fé (artigo 762.º do Código Civil) e da cláusula 5. OBRIGAÇÕES DA SEGURADORA E DO SEGURADORA: 5.1. Obrigações da Segurador, Artigo 20.º, segundo o qual «1. As averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos deverão ser efectuadas pela Seguradora com prontidão e diligência, sob pena de aquela responder por perdas e danos». Prossegue afirmando que, depois de ter recebido a participação de sinistro, a seguradora veio cerca de 2 meses e cinco dias depois, sem justificação adequada e violando deveres de informação, comunicar à segurada a sua não assunção de responsabilidade pelo ressarcimento do sinistro participado, mesmo sabendo que sem o funcionamento da máquina sinistrada a laboração da Recorrente estava parada, pelo que terá de responder pelos prejuízos causados, em que se incluem os lucros cessantes.

2. O acórdão recorrido entendeu que houve violação dos deveres acessórios de conduta da parte da seguradora, todavia negou a pretensão da autora ao pagamento dos lucros cessantes, por falta de nexo causal entre a conduta da seguradora e os danos sofridos:

«A violação dos deveres acessórios, que se impunham neste caso por aplicação do princípio da boa-fé, constituiria a Ré na obrigação de indemnizar pelos danos sofridos.

Porém, tal obrigação apenas decorre para os danos sofridos como consequência dessa violação de deveres acessórios, isto é, pelos danos que dessa forma hajam sido causados.

Ora, conforme referimos decorre do n.º 1 do artigo 102º do RJCS que o segurador se obriga a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências, vencendo-se tal obrigação decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos (cfr. artigo 104º).

In casu, os danos a que se refere a Autora e cujo ressarcimento peticiona ocorreram porque dois clientes desistiram das encomendas por não puderem ser executadas e entregues até aos dias 01 e 10 de junho de 2020; isto é, dentro do referido período de 30 dias, quer este se conte a partir de 18/05/2020, data em que a Autora participou o sinistro à Ré, quer de 22/05/2020, data em que o perito se deslocou à sede da Autora. Aliás, relativamente à encomenda que a Autora ficou de entregar em 01/06/2020 teriam apenas decorrido cerca de dez dias relativamente à ida do perito à sede da Autora.

Do exposto decorre não se poder dizer, no caso concreto, que os danos (lucros cessantes) que a Autora peticiona sejam consequência da violação de deveres acessórios, ou tenham sido causados por força dessa violação.

Assim, ainda que seja de concluir pela violação de deveres acessórios por parte da Ré ao comunicar a sua posição apenas no prazo de cerca de dois meses, entendemos que os prejuízos (lucros cessantes) que a Autora concretamente reclama nos presentes autos não decorrem dessa violação, pelo que não recai sobre a Ré a obrigação de indemnizar a Autora a esse título. Por conseguinte, não se mostrando a Ré constituída na obrigação de indemnizar a Autora por tais danos, com base na violação dos deveres acessórios de informação, diligência e prontidão, tais danos apenas seriam indemnizáveis se a cobertura de lucros cessantes tivesse sido contratada pela Autora no contrato de seguro que celebrou com a Ré, o que não ocorre no caso dos autos.

Em face do exposto, improcede nesta parte o recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente».


3.  Em relação ao dano da privação do uso, equivalente aos lucros cessantes pela não utilização da coisa segurada, a posição maioritária propugna o entendimento de que, mesmo não estando este dano coberto pela apólice de seguro facultativo, existe o dever de indemnizar, sempre que se verifique que a seguradora ao não agir com prontidão e diligência, atrasou, injustificadamente e de forma abusiva, o desfecho do processo de sinistro, causando danos ao segurado. Neste sentido, pronunciaram-se os Acórdãos de 20-02-2020 (proc. n.º 19475/17.2T8LSB.L1.S1), de 08-11-2018 (proc. n.º 1069/16.1T8PVZ.P1.S1), de 23-11-2017 (proc. n.º 4076/15.8T8BRG.G1.S2), de 23-11-2017 (proc. n.º 2884/11.8TBBCL.G1), de 11-10-2016 (proc. n.º 76/13.0EPS.G1.S1), de 14-12-2016 (proc. n.º 2604/13.2TBBCL.G1.S1).

Como se tem entendido na jurisprudência (Acórdão do Supremo Tribunal, 20-02-2020, Revista n.º 19475/17.2T8LSB.L1.S1), «Impõe-se à seguradora que actue com a possível prontidão e diligência nas averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos, de acordo com o princípio da boa-fé, pelo que o atraso injustificado da seguradora na gestão célere e eficiente dos processos de sinistro responsabiliza a seguradora no pagamento de indemnização pela privação do uso do veículo, sendo que o dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo, quando o proprietário do veículo danificado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, nos termos do art. 1305.º do CC, com violação do respectivo direito de propriedade».

Como consta do Acórdão deste Supremo Tribunal de 23-11-2017 (Revista n.º 4076/15.8T8BRG.G1.S2), «No âmbito do contrato de seguro por danos próprios, a seguradora que, na sequência do processo de averiguações relativamente ao sinistro participado e respetivas consequências, se recusa, sem qualquer explicação, a pagar ao sinistrado a quantia que lhe é devida, incorre em responsabilidade contratual respondendo pelos danos que decorrem dessa recusa de pagamento designadamente a privação de uso do veículo». (…) «A lei impõe, assim, ao segurador uma obrigação de liquidação atempada da indemnização, não lhe confere o direito a uma injustificada e inexplicável recusa de pagamento da indemnização devida que se traduziria num manifesto e intolerável abuso do direito que a lei confere à seguradora de proceder a averiguações tendo em vista apurar o sinistro e suas consequências (art. 334.º do CC)».


4. A responsabilidade civil contratual exige pressupostos para fundamentar um dever de indemnização de danos: facto ilícito e culposo, nexo de causalidade e dano.

No caso vertente, estamos perante um facto ilícito e culposo da seguradora (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil) – a violação de deveres acessórios decorrentes do princípio da boa fé – tal como foi reconhecido pelo acórdão recorrido.

Segundo as normas contidas nos artigos 562.º e 564.º, nº 1 do Código Civil, é necessário que o lesado tenha sofrido danos ou prejuízos patrimoniais. Tais prejuízos tanto se podem traduzir numa desvalorização ou diminuição real do património do cliente (danos emergentes) como numa frustração da valorização ou do incremento desse mesmo património (lucros cessantes). 

Dispõe o artigo 562.º do Código Civil que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

Nos termos do artigo 564.º, n.º 1, do Código Civil prescreve que «O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».

Em razão da natureza dos lucros cessantes, a desvantagem considerada deve tomar por referência critérios de verosimilhança ou de probabilidade (Cfr. Henrique Sousa Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, Lisboa, p. 561).

Segundo Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 580) lucros cessantes «[S]ão vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fosse o facto lesivo».

Os danos emergentes são os custos de reparação da máquina.

Os lucros cessantes são os rendimentos que o lesado deixou de auferir em virtude da lesão.

 

5. Todavia, tem de se averiguar, ainda, se houve ou não nexo de causalidade entre o facto ilícito (incumprimento dos deveres acessórios de conduta) e o dano.

O nexo de causalidade entre a violação dos deveres acessórios de conduta e o dano causado à autora (artigo 563.º do Código Civil) deve ser analisado através da demonstração, que decorra da matéria de facto, de que se tais deveres tivessem sido cumpridos, o autor não teria perdido os rendimentos elencados nos factos 37, 38 e 40, isto é, teria conseguido responder dentro do prazo às encomendas dos clientes.


O artigo 563.º do Código Civil prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, isto é, se não tivesse ocorrido o incumprimento.


Nesta disposição legal encontra-se consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

Segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal, «O juízo de causalidade, numa perspectiva meramente naturalística, insere-se no âmbito da matéria de facto e, por conseguinte, é insindicável; porém, cabe nos poderes de cognição do STJ apreciar se a condição de facto, que ficou determinada, constitui ou não causa adequada do evento lesivo» (cfr., por todos, Acórdão de 26-11-2009, Revista n.º 3178/03.8JVNF.P1.S1).

6.  No caso vertente, a seguradora violou efetivamente os deveres acessórios de conduta para com a segurada, na medida em que tendo esta, em 18 de maio,  participado o sinistro e o relatório segundo o qual a avaria tinha como causa a tempestade verificada no dia 10 de maio em ... (factos provados n.º 20 e 14), e tendo enviado ao local, no dia 22 do mesmo mês, um perito (facto provado n.º 21), apenas respondeu à segurada, recusando a prestação com base numa cláusula de exclusão não comunicada à segurada (facto n.º 24),  por carta datada de 24 de julho de 2020, ou seja cerca de dois meses depois (facto provado n.º 23). Ficou provado também que a Ré foi devidamente advertida da necessidade da operacionalidade da máquina em mérito e que esta máquina é o instrumento fundamental para o normal funcionamento da atividade da A., tendo o gerente da segurada explicado ao perito que precisava de uma resposta célere porque se havia comprometido com os clientes ao fornecimento de bens (facto provado n.º 22).


7. A segurada suportou danos por não ter podido cumprir os prazos acordados com os seus clientes, conforme decorre dos seguintes factos provados:

 

«34-A máquina esteve imobilizada, por efeito da avaria em crise, desde 10/05/2020 até 20/06/2020, altura em que a A. procedeu à sua reparação.

35-A máquina “JMM” e consequentemente a laboração da A., esteve parada durante 47 dias consecutivos.

36-Por esse motivo a A. não conseguiu satisfazer as encomendas que lhe haviam feito, tendo perdido dois clientes por não lhe ser possível realizar a concretização daqueles pedidos dentro dos prazos a que se havia vinculado.

37-A A. havia-se obrigado com AA a entregar a encomenda duma capela em granito, modelo novo 4x4, com ossário, no valor de 18.450,00 € (dezoito mil e quatrocentos e cinquenta euros), até ao dia 01 de junho de 2020.

38-Bem como a encomenda de guias muro granito pedras salgadas, com pingadeira, a Interior Amândio, no valor de 5.400,00 € (cinco mil e quatrocentos euros), até ao dia 10 de Junho de 2020.

39-Ambos os clientes desistiram das encomendas acima aludidas em virtude da A. não as poder executar dentro dos prazos acordados.

40-A não execução das encomendas acima aludidas, acarretou para a A. um prejuízo de 23 850,00 € (vinte e três mil oitocentos e cinquenta euros) (18.450,00 € + 5.400,00 € = 23.850,00 €)».


8. Todavia, o prazo conferido pela lei à seguradora para cumprir a prestação é de 30 dias após ter conhecimento do sinistro, das suas causas, circunstâncias e consequências (artigos 102º, n.º 1 e 104º do RJCS).

Consideramos que esse prazo tem o seu início no dia do conhecimento da participação (que foi acompanhado do Relatório de Avaria), que se presume ser 18 de maio, conforme facto provado n.º 20, e termina, portanto, em 18 de junho, já em data posterior à do termo do prazo das encomendas canceladas - 1 de junho e 10 de junho.

Formalmente pode, pois, questionar-se, como entendeu o acórdão recorrido, a existência de nexo causal entre a violação de deveres acessórios de conduta e os danos sofridos pela segurada com o cancelamento das encomendas pelos seus clientes.

Numa perspetiva naturalística, os factos provados n.ºs 22 a 24  e 29 a 40, indicam que a violação dos deveres acessórios de conduta pela seguradora atuou como condição apta, em abstrato, a produzir o dano.

Mas, quanto ao juízo de adequação, avaliado numa perspetiva normativa,  tem de se considerar que, tendo os prazos das encomendas terminado em 1 de junho e 10 de junho (factos 37 e 38), em data anterior ao prazo de 30 dias de que dispunha a seguradora, o dano ter-se-ia produzido ainda que a seguradora tivesse cumprido este prazo, respondendo, por exemplo, a 17 ou 18 de junho.

9. Contudo, no contexto fáctico do caso sub judice, em que a seguradora foi informada de que o funcionamento da máquina era vital para a empresa e para o cumprimento dos referidos prazos, é exigível que a seguradora tivesse respondido mais cedo de forma a evitar, pelo menos parcialmente, a ocorrência do dano. Tanto mais que a seguradora dispunha desde 18 de maio (ou 22 do mesmo mês, se considerarmos a data da deslocação do perito da ré às instalações da autora) de toda a informação necessária para o fazer e que teria sido simples informar, de imediato, o segurado, da cláusula de exclusão, para que este pudesse atempadamente solucionar o problema da paragem da produção. Assim, não se pode afirmar ser o incumprimento dos deveres da seguradora uma causa totalmente indiferente à produção do dano ou sem qualquer conexão causal com o dano.

Como também considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13-01-2009 (Proc. 08A3747), «(…) o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano».

A jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. Acórdão de 28/4/16, proc. nº 1114/11.7TBAMT.P1.S1), sustenta que «os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações que impliquem uma projecção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei a certeza quanto à sua ocorrência».

10. A ideia de probabilidade tem sido central na apreciação do nexo de causalidade enquanto questão de direito.

De acordo com a formulação negativa da causalidade adequada, a condição só deixará de ser causa do dano se for inteiramente inadequada ou indiferente para o resultado, que só se teria produzido por força de circunstâncias anómalas ou excecionais.

Ora, no caso vertente, era fácil para a seguradora responder, com celeridade, que recusava a cobertura e assim conduzir a autora a providenciar, de imediato, pela reparação da máquina, não se podendo afirmar que este incumprimento dos deveres acessórios de diligência/celeridade (acompanhado da circunstância de a cláusula de exclusão nunca ter sido comunicada à autora) fosse um ato completamente indiferente ou irrelevante para a perda de rendimentos resultante da impossibilidade de a autora executar as encomendas no prazo acordado com os clientes.

É precisamente para estes casos que a jurisprudência e a doutrina admitem a fixação de indemnizações de acordo com a equidade, a fim de corrigir injustiças ocasionadas pela natureza rígida das normas abstratas quando da aplicação concreta. Como se afirma na jurisprudência, «A noção de equidade tem, pois, essencialmente que ver com a “vertente individualizadora da justiça”, a equidade traduz um juízo de valor que significa, na determinação «equitativamente» quantificada, que os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado (cf. Ac. do STJ de 29-04-98, Proc. n.º 55/98)», in Acórdão do STJ, de 10-09-2009, procº 341/04.8GTTVD.S1.

11. Assim, entendemos, de acordo com a ideia de probabilidade inerente ao juízo de causalidade adequada, que uma parte dos danos, mas não todos, são consequência da negligência da seguradora com os interesses da segurada, pelo que condenamos a ré a pagar uma indemnização à autora de acordo com critérios de equidade, que se quantifica em 10.000,00 euros.

 

12. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I - No contexto fáctico do caso sub judice, em que a seguradora foi informada de que o funcionamento da máquina era vital para a empresa e para o cumprimento das encomendas dos clientes, é exigível que a seguradora tivesse respondido mais cedo de forma a evitar, pelo menos parcialmente, a ocorrência do dano. Tanto mais que a seguradora dispunha desde 18 de maio (ou 22 do mesmo mês, se considerarmos a data da deslocação do perito da ré às instalações da autora) de toda a informação necessária para o fazer e que teria sido simples informar, de imediato, o segurado, da cláusula de exclusão, para que este pudesse atempadamente solucionar o problema da paragem da produção.

II - De acordo com a formulação negativa da causalidade adequada, a condição só deixará de ser causa do dano se for inteiramente inadequada ou indiferente para o resultado, que só se teria produzido por força de circunstâncias anómalas ou excecionais. Assim, não se pode afirmar ser o incumprimento dos deveres acessórios da seguradora uma causa totalmente indiferente à produção do dano ou sem qualquer conexão causal com o dano.

III – Não se podendo afirmar que essa relação de causalidade adequada se verifique em relação á totalidade dos danos, mas apenas a uma parte deles, fixa-se uma indemnização de acordo com a equidade, a fim de corrigir injustiças ocasionadas pela natureza rígida das normas abstratas quando da aplicação concreta.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se conceder parcialmente a revista e condenar a seguradora a pagar uma indemnização à autora no valor de 10.000,00 euros acrescida de juros de mora desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento.

No mais, mantém-se o acórdão recorrido.

Custas da revista pela recorrente.

Lisboa, 17 de janeiro de 2022

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Tomé (2.ª Adjunta)