Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4156/10.6TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: TAP
AÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA
ACÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
ACORDO DE EMPRESA
CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO
RETRIBUIÇÃO ESPECIAL PNC
RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
TRIPULANTE DE CABINE
Data do Acordão: 10/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 212, 29.10.2015, P. 9322 - 9335
BTE, 41, 08.11.2015, P. 3111 - 3124
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO LABORAL /DIREITO COLECTIVO / INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA /ACORDO DE EMPRESA / DIREITO CIVIL / INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS
Doutrina: MARTINEZ, Pedro Romano ; FERNANDES, Monteiro ; MACHADO, Baptista; FERRARA, Francisco
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO 2003;
CÓDIGO DO TRABALHO 2009;
ACORDO DE EMPRESA (BTE 1.ª SÉRIE, N.º 8, DE 28 DE FEVEREIRO);
ARTS. 9.º E 10.º DO CÓDIGO CIVIL, ARTS. 183.º A 186.º DO CPT
Sumário :
«No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo, a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses».
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1. O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil intentou, no 3.º Juízo, 1.ª Secção, do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente ação de interpretação de cláusulas de convenção coletiva de trabalho, sob a forma do Processo Especial, contra a «TAP Air Portugal, S.A.», pedindo que o Tribunal atribua às cláusulas 3.ª, n.º 1, 11.ª, n.º 1, e 12.ª do Acordo de Empresa celebrado entre as partes, e publicado no BTE 1.ª Série n.º 8, de 28 de fevereiro de 2006, a seguinte interpretação:


(i) Cláusula 3ª, nº1:
«A retribuição mensal dos Tripulantes de Cabine é constituída pelo vencimento fixo, pela ajuda de custo complementar e/ou pelo subsídio de disponibilidade, pelo vencimento de senioridade, conforme a tabela, em cada momento, em vigor».
(ii) Cláusula 11ª, nº 1:
«O tripulante tem direito, anualmente, a um subsídio de montante igual a um mês de retribuição mensal, a que se refere o número 1 da Cláusula 3ª (retribuição mensal), a qual inclui a média dos montantes pagos a título de ajuda de custo complementar e/ou subsídio de disponibilidade, a pagar até 15 de dezembro».
(iii) Cláusula 12ª:
«1. Durante o período de férias, o tripulante tem direito à retribuição a que se refere o número 1 da cláusula 3.ª (Retribuição mensal), a qual inclui a média dos montantes pagos a título de ajuda de custo complementar e/ou subsídio de disponibilidade.
2. Além da retribuição mencionada no número anterior, os tripulantes de cabine têm direito a um subsídio de férias de montante equivalente a um mês de retribuição prevista no número 1, da cláusula 3ª (retribuição mensal), a qual inclui a média dos montantes pagos a título de ajuda de custo complementar e/ou subsídio de disponibilidade».

Alegou, para tanto, em síntese, que, pelas suas características, a ajuda de custo complementar e o subsídio de disponibilidade a que se reporta devem ser qualificados como retribuição, e que, por se tratar de prestações pecuniárias regulares e contínuas, devem integrar o cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias, e do subsídio de Natal.

2. Regularmente citada, a Ré contestou alegando, em síntese, que a ajuda de custo complementar não tem natureza de retribuição porque visa assegurar a cobertura de todas as despesas dos tripulantes na escala do destino, onde as tripulações aguardam o voo de regresso, com exceção das de alimentação, e que o subsídio de disponibilidade foi extinto em 2001 e integrado na retribuição de base, com efeitos retroativos a 01/12/2000. Mais sustenta que tais prestações não têm carácter retributivo, nem se revestem de natureza regular e periódica, pelo que não devem integrar o cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias, e do subsídio de Natal.

3. O mérito da ação foi conhecido em sede de despacho saneador tendo sido proferida decisão a julgar a «ação parcialmente procedente e, em consequência:
1. Estabelecer que as cláusulas 3ª e 12ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, anexo ao acordo de empresa celebrado entre Autor e Ré e publicado no BTE 1ª série, nº 8, de 28/02/2006, devem ser interpretadas nos seguintes termos:
a. A prestação retributiva especial a que alude a clª 5ª constitui retribuição nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 249º, nºs 1, 2 e 4 do CT2003 e 258º, nºs 1, 2 e 4 do CT2009.
b. No cálculo das retribuições de férias e subsídio de férias do tripulante de cabine deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo a título de prestação retributiva especial a que alude a clª 5ª nos doze meses que antecederam aquele em que as férias devem ser gozadas, desde que, nesse período o tripulante de cabine tenha auferido tal prestação em pelo menos seis meses.
2. Absolver a ré do demais peticionado».

4. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, sendo que o Tribunal da Relação veio a julgar o recurso parcialmente procedente e, em conformidade, decidiu alterar a sentença recorrida quanto à interpretação da cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE/2006, publicado no BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2006, fixando-a nos seguintes termos:
«No cálculo das retribuições de férias e subsídio de férias do tripulante de cabine deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo a título de prestação especial a que alude a Clª 5.ª nos doze meses que antecederam aquele em que as férias devem ser gozadas, desde que, nesse período o tripulante de cabine tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses».

5. É contra esta decisão que se insurge, novamente, a Ré, no Recurso de Revista que interpôs para este Supremo Tribunal de Justiça, alinhando, para o efeito, as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa que julgando parcialmente procedente o recurso interposto pela Recorrente, ainda assim, veio a considerar, que a interpretação da Cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais (adiante só "Regulamento"), anexo ao Acordo de Empresa celebrado entre a TAP, S.A. e o SNPVAC, aqui Recorrente e Recorrido, respetivamente, publicado no BTE, n.º 8, de 28-02-2006, adiante só "AE", deve ser a seguinte:
No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina, deve atender-‑se à média das quantias auferidas pelo mesmo a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecederam aquele em que as férias devem ser gozadas, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses.
2. Para fundamentar tal decisão, o tribunal “a quo” entendeu que (i) por força da Cl.ª 40.ª do AE devem ser aplicadas as regras legais previstas no Código do Trabalho, adiante só "CT” (art.º 264.º do CT2009), devendo ter-se em conta "na retribuição de férias e no respetivo subsídio dos tripulantes de cabina o todo retributivo, ou seja, tudo quanto a lei considera retribuição" e não o regime instituído quanto a esta matéria nas Clªs 3.ª e 12.ª do Regulamento, e (ii) a Prestação Retributiva Especial PNC, prevista na Cl.ª 5.ª do Regulamento constitui retribuição nos termos e para os efeitos previstos no art.º 258º, nºs. 1, 2 e 4 do CT2009.
3. O presente recurso é limitado à decisão supra referida, relativamente à «Retribuição Especial PNC», pois quanto ao mais andou bem o Tribunal "a quo".
4. A decisão ora em crise aplicou automaticamente a Cl.ª 40.ª do AE, sem fazer uma interpretação mais profunda sobre os regimes em causa (legal e convencional) e a sua compatibilização, bem como uma análise concreta sobre se as partes na Cl.ª 12.ª do Regulamento não quiseram efetivamente consagrar um regime diferente do da lei geral, e em concreto mais favorável.
5. A regulamentação coletiva de trabalho visa a auto-regulação pelas partes interessadas do regime que lhes é aplicável e na interpretação dos IRCTs, atenta a sua natureza híbrida, deve ter-se em conta não só a sua vertente normativa mas também os aspetos obrigacionais, sendo aplicáveis os princípios resultantes das regras da interpretação da lei (art. 9.º do Código Civil) bem como os princípios que resultam das regras da interpretação dos negócios jurídicos (arts. 236.º a 238.º do Código Civil).
6. Na interpretação dos IRCTs deve presumir-se que as partes expressaram de forma clara a sua vontade, criando um regime convencional sistematicamente coerente, resultante de uma negociação com cedências de parte a parte, e um conjunto de regras que não se limitam à reprodução da lei ou à consagração de regimes que em geral sejam menos favoráveis do que os legais.
7. A compatibilização dos regimes legais e convencionais, e as limitações ao grau de intervenção dos IRCTs, consta hoje do art. 3.º do CT, em particular, e para o que interessa à matéria em apreço, nos nºs. 1 e 3, alínea j), nos termos do qual, as normas legais que regem o contrato de trabalho só podem ser afastadas por IRCTs desde que estes, sem oposição daquelas normas, disponham em sentido mais favorável aos trabalhadores e as normas legais não sejam imperativas.
8. No caso em apreço nos presentes autos, a questão coloca-se numa perspetiva inversa à habitual, uma vez que é o AE quem estabelece ser aplicável o regime legal, sempre que este "disponha de condições mais favoráveis às que ficam estabelecidas no presente" acordo (Cl.ª 40.ª), sendo necessário determinar não só quando é que o regime legal será mais favorável do que o convencional, mas também quando é que este regime, pela sua natureza e especificidade, não estabeleceu regras precisas (imperativas), que não podem ser afastadas.
9. O acórdão sob censura decidiu, erroneamente, salvo o devido respeito, que não considerando a CL.ª 12.ª do Regulamento, em sede de determinação da retribuição de férias e do respetivo subsídio, "o todo retributivo" nos termos definidos na lei, o regime legal será mais favorável, devendo ser o aplicável.
10. O Regulamento em causa estabelece um conceito de retribuição (CLª 1ª) que reproduz no essencial os requisitos legais de obrigatoriedade, regularidade, periodicidade e contrapartida do trabalho, para que determinada prestação seja considerada retribuição, bem como um conjunto de abonos diversos (Cl.ª 2.ª), ajuda de custo complementar (Cl. ª 4.ª) e uma prestação retributiva especial (Cl.ª 5.ª).
11. Aquele Regulamento estabelece ainda, na Cl.ª 3.ª, n. º 1, que "A retribuição fixa mensal dos Tripulantes de Cabine é constituída pelo vencimento fixo e pelo vencimento de senioridade conforme a tabela em cada momento em vigor" e na Cl.ª 12.ª, n. 2, que para "Além da retribuição mencionada no número anterior, os Tripulantes de Cabine têm direito a um subsídio de férias de montante equivalente a um mês da retribuição prevista no número 1 da cláusula 3.ª (Retribuição mensal), acrescido do valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).
12. Face a este regime, as partes outorgantes do AE quiseram criar um sistema de remunerações, abonos e complementos, completo e coerente, quer no seu regime normativo quer nas vertentes económicas de proveitos e custos.
13. Assim, na análise das "condições mais favoráveis" nos termos e para os efeitos previstos na Cl.ª 40.ª do AE, não pode atender o intérprete, relativamente a cada matéria (neste caso, a determinação do montante da retribuição de férias e do subsídio de férias), e a cada concreto normativo (neste caso, a Cl.ª 12.ª, nºs. 1 e 2 do Regulamento), a cada um dos preceitos, de forma isolada e fora de todo o restante quadro convencional.
14. Alterar através de uma interpretação como a acolhida pela decisão ora em crise, os pressupostos e o equilíbrio económico de todo o quadro remuneratório estabelecido no AE, é não atender, e nessa medida, não respeitar, o elemento sistemático.
15. As partes quiseram estabelecer um regime específico e muito concreto para a determinação do montante do subsídio de férias (Cl.ª 12.ª, n. 2), a saber, um conceito inequívoco de retribuição (vencimento fixo e de senioridade), acrescido de uma quantia perfeitamente determinada (€ 350,00).
16. Qualquer interpretação que se afaste daquele regime, estará sempre a afastar-se do elemento literal, nesta sede absolutamente essencial.
17. O Acórdão em crise não cuidou de apurar se as partes não quiseram com o regime previsto na Cl.ª 12.ª, n.ª 2, do Regulamento, estabelecer um regime em concreto mais favorável do que o regime legal.
18. A Prestação Retributiva Especial PNC pode pura e simplesmente não existir, se o Tripulante for afeto a serviços de voo ("voar") num mínimo de 15 dias por mês, nada receberá a este título e, portanto, nada haverá a imputar no subsídio de férias.
19. A substituição no cálculo das retribuições em causa de uma componente extremamente variável e incerta, quer quanto à verificação quer quanto ao montante, e que pode pura e simplesmente não existir, por um montante certo e de valor significativo, traduz-se num regime mais favorável do que aquele que resulta da aplicação da lei.
20. Para concluir como concluiu a decisão em crise, sempre seria necessário demonstrar que, em concreto, e para a generalidade dos tripulantes, os mesmos receberiam mais com a média dos montantes recebidos nos últimos doze meses de Prestação Retributiva Especial PNC, do que recebem com o montante fixo de € 350,00, não é mais favorável do que o regime legal, o que a decisão em crise também não ponderou.
21. A este propósito e tendo em conta as várias categorias profissionais em causa, o Regime de Composição de Tripulações, a relação entre Comissários 1 Assistentes de Bordo (CAB), por um lado, e Chefes de Cabina 1 Supervisores, por outro, bem como os valores a considerar para a Prestação Retributiva Especial para cada grau salarial e categoria, segundo a tabela salarial em vigor em 2005/2006, bem como a forma de cálculo prevista na Cl.ª 5.ª do Regulamento, para cada dia de não ocupação, até ao limite de 15 dias, facilmente se pode concluir que para a generalidade dos tripulantes, e atenta a sua ocupação média, o regime instituído e querido pelas partes na Cl.ª 12.ª, é mais favorável que o regime legal (ou seja, considerando "o todo retributivo").
22. Também tendo em conta o conceito de retribuição (cfr. art. 249.º do Código do Trabalho, segundo o qual só se considera «retribuição», tudo o que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho), e a natureza, características e Regime da Prestação Retributiva especial PNC, não pode o presente recurso deixar de proceder.
23. O conceito legal de retribuição tem sido acolhido no universo jurídico da Recorrente ("Só se considera retribuição aquilo que, nos termos deste AE, o Tripulante tem direito, regular e periodicamente, como contrapartida do trabalho" - Cl.ª 1.ª do Regulamento).
24. No conjunto do Pessoal Navegante Comercial (PNC), cada categoria profissional tem a sua retribuição prevista nas tabelas salariais do AE aplicável, sendo esta a verdadeira contrapartida da disponibilidade de cada tripulante para a prestação do trabalho contratado.
25. O regime da "retribuição" nas suas diversas facetas, modalidades, pressupostos, tempos de atribuição e de correspetividade, é confiado pela própria lei [art. 3.º do CT) à contratação coletiva, com plena autonomia, e em estrita observância de princípios constitucionalmente consagrados, nomeadamente no art. 56.º da Constituição da República Portuguesa.
26. O conceito de «retribuição» impõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos essenciais, sem o que essa natureza terá que ser afastada:

a) Corresponder a prestação a um direito do trabalhador e a um dever do empregador;

b) Decorrer do próprio contrato ou das normas que o regem ou dos usos;
c) Ser contrapartida da atividade ou da disponibilidade da força de trabalho que, em execução do contrato, o trabalhador se obrigou a pôr ao serviço do empregador;
d) Ser regular e periódica, só e na medida em que se possa configurar como contrapartida da atividade contratada;

e) Ter natureza patrimonial (ser avaliável em dinheiro).
27. A decisão recorrida, porém, na interpretação que faz da Cl.ª 12.ª do Regulamento, deu injustificadamente especial ênfase ao requisito da regularidade e periodicidade, em detrimento dos restantes.
28. A integração de qualquer atribuição patrimonial no conceito de «retribuição» (agora nos termos (…) definidos no art. 258.º do CT), pressupõe a existência de uma correspetividade entre a atribuição patrimonial do empregador e a situação da atividade ou disponibilidade da força de trabalho oferecida pelo trabalhador.
29. Quando a lei presume que, até prova em contrário, constitui «retribuição» toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador, a prova em contrário descaracterizadora da prestação, vai no sentido da atribuição patrimonial ter causa específica e individualizável diversa da contrapartida da disponibilidade para a execução do trabalho contratado.
30. A «Prestação Retributiva Especial PNC» tem causa própria, específica e individualizável, não enquadrável na estrutura sinalagmática do contrato de trabalho, não sendo qualificada como contrapartida do trabalho prestado.
31. A prestação ora em causa tem uma natureza reparadora, e é devida no montante igual a 3,5% do vencimento fixo (VF) por cada dia de não escalamento nem utilização do tripulante que esteja disponível, até ao limite de 15 dias, em condições de igualdade com outros tripulantes (cfr. Cl.ª 5.ª do Regulamento e Cl.ª 9.ª n.º 4 - Escalas de Serviço - do Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho), constituindo uma verdadeira indemnização pela não ocupação do tripulante que estava disponível para o serviço de voo (Cl.ª 5.ª do Regulamento).
32. As consequências do não escalonamento para os tripulantes de cabina, não se verificam só ao nível dos vários abonos percebidos quando voam, assumindo uma enorme relevância em termos de promoção e progressão técnica, pois a sua proficiência pode ser afetada se não voarem um determinado número de horas (v.g o regime da Cl.ª 17.ª nº 1 do AE ou as CIsª. 5.ª n.º 3º e 11.ª do Regulamento de Carreira Profissional do Tripulante de Cabine).
33. A prestação em causa destina-se a estimular a empresa no sentido de organização de escalas de serviço equitativas, de modo a tratar todos os trabalhadores em condições de igualdade e, em consequência, aproximar o mais possível as condições de trabalho e até de promoção e progressão de todos os tripulantes (abrangendo até situações em que o tripulante não está de facto disponível para o voo).
33. O dano do tripulante é o que decorre da discriminação/não tratamento em condições de igualdade (ou de condições objetivas que não lhe permitem voar), com todas as consequências que tal acarreta, não correspondendo as quantias auferidas a esse título contraprestação do trabalho prestado (se voar 15 dias no mínimo, não terá direito a esta prestação), mas uma verdadeira sanção assumida pela empresa, pela eventual violação do regime previsto no n.º 4 da Cl.ª 9.ª do Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho.
34. Dada a sua natureza essencialmente sancionatória, não é manifestamente contrapartida do trabalho prestado ou da disponibilidade para o prestar pelo pessoal navegante comercial (PNC), tal como não o é nas outras situações objetivas que constituem o conceito de "disponibilidade" (Cl. ª 6. ª do Regulamento), mas antes (..) uma sanção pré-determinada.
35. Sem prejuízo de tal como em qualquer outro período, serem respeitadas as folgas e os períodos de descanso, o tripulante está disponível para voar durante todo o mês, e é para remunerar tal disponibilidade que lhe é pago o seu vencimento base, voe ou não voe, 5, 10 ou 20 dias,
36. Como mera penalização que é, esta prestação só episodicamente pode ocorrer, o que faz com que o tripulante só excecionalmente a venha a receber, pelo que também não pode gerar expetativas de recebimento, o que reforça a ideia de se estar perante uma atribuição caracterizada não só pela ausência do elemento essencial da contrapartida do trabalho prestado, mas também pela imprevisibilidade, aleatoriedade e variabilidade daquilo a que na gíria da empresa se chama "multa', manifestamente incompatíveis com a formação de expetativas consistentes de ganho, impedindo, assim, a sua qualificação como prestação pecuniária "fixa, regular e periódica".
37. A noção de disponibilidade para voar acolhida pelo tribunal "a quo" (págs. 17 e 18 do Acórdão), é incompatível com a noção subjacente à produção dos efeitos previstos na Cl.ª 5ª do Regulamento.
38. Nos termos da Cl.ª 6.ª do Regulamento, as situações que também vieram a ser consideradas como "disponibilidade" para efeitos de aplicação da Cl.ª 5.ª e portanto suscetíveis de atribuir o direito ao pagamento da prestação em causa ao tripulante que nelas se encontre, abrangem situações de facto em que o tripulante pode efetivamente prestar a sua atividade (voar) e só o não faz porque a empresa o não utiliza para o voo [v.g. as situações de assistência, reserva, reserva 24H, serviço on cal - alíneas f) a i)], como situações em que o Regulamento considera existir disponibilidade, mas que manifestamente o tripulante não poderá, de facto, prestar a sua atividade [maxime, a baixa médica por motivo de acidente de trabalho, a doença ou o internamento hospitalar - alíneas a), b) e e)].
39. A causa da Prestação Retributiva Especial PNC é bem outra, e tem uma causa específica e individualizável diversa da disponibilidade do tripulante para prestar a sua atividade, ao invés do que entendeu o tribunal "a quo",
40. Ao apreciar se uma determinada parcela patrimonial constitui «retribuição», dever-se-ão tomar em consideração todos os requisitos supra enunciados, e só se se puder concluir pela verificação de todos eles, se poderá decidir pelo carácter retributivo da mesma, com as legais consequências.
41. Não parece razoável argumentar-se, atenta a concreta natureza, o regime e finalidades da Prestação Retributiva Especial PNC prevista na Cl. 5.ª do Regulamento, que a mesma seja considerada «retribuição» nos anos em que for auferida em pelo menos onze meses, mas já assim se não considere nos anos em que for recebida com menor periodicidade.
42. Não é possível estabelecer a conexão entre a atividade desempenhada pelo trabalhador ou a sua disponibilidade para a prestar, e o recebimento desta prestação, pelo que fica afastada a «Prestação Retributiva Especial PNC» do conceito de retribuição.
43. Em suma, a prestação em causa não tem natureza retributiva (i) por não constitui(r) contrapartida da prestação do trabalho nem da disponibilidade para essa prestação, (ii) por não se coadunar com a ideia de prestação mensal, fixa, regular e periódica, atenta a incerteza que rodeia, quer na sua atribuição quer no seu montante, (iii) porque sempre dependerá da Recorrente criar as condições de utilização dos tripulantes de modo a não gerar a referida prestação, sem que com isso esteja a violar alguma norma legal ou convencional.
44. A interpretação a fixar da Cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, anexa ao AE de 2006, deve ser a de que a «Prestação Retributiva Especial PNC» não integra o conceito da retribuição do trabalhador, não devendo a média anual dessas prestações ser considerada nas retribuições de férias e de subsídio de férias dos tripulantes de cabina, antes as mesmas devem corresponder ao montante da retribuição fixa mensal tal como definida na Cl.ª 3.ª, n.º 1, do mesmo Regulamento.
45. Ainda que assim não se entenda, deverá a interpretação consagrada na redação final prever que a média das quantias a ter em conta naquelas retribuições ser calculada por referência os últimos doze meses que antecederam aquele em que o subsídio de férias deva ser pago, nos termos do n.º 3 da Cl.ª 12.ª do Regulamento (e não de forma genérica, como consagrado na decisão em crise, "nos doze meses que antecederam aquele em que as férias devem ser gozadas ...").
46. Ao decidir em sentido diverso, o tribunal "a quo" violou o disposto nos arts. 258.º e 264.º do Código do Trabalho, bem como o disposto nas Cls.ª 1.ª, 3.ª, n.º 1, 5.ª e 12.ª do Regulamento de Retribuições e Reformas e Garantias Sociais, anexo ao AE 2006».

Conclui no sentido de dever ser dado «provimento ao presente recurso, decretando-se a interpretação da Cl.ª 12.ª do Regulamento em apreço, revogando-se, em consequência, o douto Acórdão recorrido».

6. O Autor contra-alegou, alinhando, a final, as seguintes conclusões:


«1ª Com vénia, são de improceder as conclusões enunciadas pela Ré Recorrente nas suas alegações, pois, a interpretação definida pela Veneranda Relação de Lisboa para a aludida CI. 12ª do RRRGS (Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais) do AE /PNC publicado no BTE, 1ª série, nº 8 de 28/02/2006, não merece qualquer reparo, por não violar qualquer preceito legal ou convencional, maxime, os artºs 258º e 264º do Código do Trabalho e as Cláusulas 1.ª, 3.ª, n.º 1, 5.ª e 12.ª do aludido RRRGS - antes respeitando as regras de interpretação insertas no art. 9º e nos arts. 236º a 238º do Código Civil.
Donde, dever ser acolhida na sua totalidade, fixando-se que:
“No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina, deve atender-‑se à média das quantias auferidas pelo mesmo a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5º do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecederam aquele em que as férias devem ser gozadas desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses”.
2ª O Julgador, na sua tarefa de intérprete terá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da atividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento das partes outorgantes da convenção; tem ainda que ter em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e o seu enquadramento com a demais legislação vigente e aplicável à matéria em apreço. Ora,
3ª Valendo aqui tais regras de interpretação, importa sublinhar que, em momento algum dos autos ficou provado, confessado ou assente que o estabelecido in fine do nº 2 da Cl. 12ª do RRRGS, tenha correspondido à vontade das partes outorgantes do AE de afastar do conceito de retribuição as atribuições patrimoniais definidas na lei como tal, ou que quisessem por esse modo criar um sistema de remunerações, abonos e complementos que não tenha qualquer correspondência com o sistema estabelecido no Código do Trabalho.
4ª Aliás, mal se compreenderia que o AE, cujo objetivo primordial é estabelecer condições mais favoráveis do que as que vêm estabelecidas no regime geral, viesse restringir o conceito de retribuição definido no Código do Trabalho.
O que aliás, também colidiria com o disposto na Cl.40.ª do mesmo AE onde se estabelece a garantia de que "caso a lei venha a dispor, em qualquer sede, de condições mais favoráveis aos Tripulantes de Cabine, devem as mesmas prevalecer sobre o acordado à data de 2006”.
Bem andou assim a Veneranda Relação ao decidir como decidiu, aplicando automaticamente a Cl. 40ª do AE SNPVAC/TAP para se socorrer do regime estabelecido no art. 264º do CT de 2009.
5ª Acresce que o conceito de retribuição estabelecido pelas partes na Cl. 1ª do RRRGS é consonante com os princípios gerais sobre a retribuição estabelecidos no art. 258º do Código do Trabalho e a qualificação da prestação Retributiva Especial como retribuição harmoniza-se com o teor dos dois normativos.
Na verdade, trata-se (de) uma prestação que corresponde a 3,5% do vencimento fixo (VF) por cada dia de não escalamento nem utilização do Tripulante de Cabine, até ao limite de 15 dias. Ou seja, quando, nos termos da Cl. 6ª do RRRGS/AE, o tripulante disponível não for ocupado em escalamento mensal para o serviço de voo, no mínimo 15 dias, a empresa fica adstrita à obrigação de o compensar mediante o pagamento de 3,5% por cada dia de não escalamento nem utilização até ao limite de 15 dias.
Ora, a utilização ou não dos Tripulantes depende da Empresa e do modo como esta organiza a sua atividade, criando na expetativa dos mesmos o recebimento mensal daquela prestação, com regularidade e periodicidade, pelo que deve ser considerada como integrante do conceito de retribuição e ser contabilizada nas médias para efeitos de pagamento de férias e subsídio de férias, na medida em que, tal como tudo se passa como se o Tripulante estivesse a prestar efetivamente a sua atividade.
6ª Trata-se, por conseguinte, de uma prestação variável dependente do número de voos que o Tripulante realiza naquele mês, mas existe, pelo menos um mínimo garantido a auferir, pela sua disponibilidade para prestar trabalho, pelo que somos forçados a concluir que a retribuição sub judice integra o sentido técnico-jurídico de retribuição, correspondendo a um direito do trabalhador como contrapartida regular e periódica do trabalho prestado ou da disponibilidade para o prestar (sem que a Empresa o faça), com expressão patrimonial e consignada no AE.
7ª Esta questão, que não é inédita para o STJ, já foi aliás, objecto de tratamento e julgamento, entre outros, nos doutos Acórdãos, disponíveis em WWW.DGS/.PT:

    • De 23/11/2005, PROCESSO N.º 4624/04. TTLSB.L1.S1
    • De 23/6/2010, PROCESSO N.º 607/07.5TTLSB.L1.S1
    • De 18/1/2012, PROCESSO N.º 1947/08.1TTLSB.L1.S 1
    • De 05/06/ 2012, PROCESSO N.º2131/08.0TTLSB.L1.S1
    • De 25/09/2013, PROCESSO N.º 2130/08.1TTLSB.L1.S1
onde se reconheceu que quando tais atribuições patrimoniais (Retribuição especial PNC) ocorram em todos os meses de atividade (onze meses) revestem a natureza de retribuição, para efeitos de cálculo de férias e de subsídio de férias.
8ª Deparámo-nos também, recentemente, com jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia relativamente aos montantes que, nos termos da regulamentação europeia, devem ser incluídos no pagamento das férias dos trabalhadores, recaindo um dos casos, o Acórdão de 15-09-‑2011, proferido no processo n.º C-155/10, disponível em http://curia.europa.eu/iuris/documentldocument, em particular sobre a situação dos trabalhadores da aviação (são aí interessados os pilotos da British Airways).
Aí se refere que:
(…) Qualquer perturbação intrinsecamente relacionada com a execução das tarefas que incumbem ao trabalhador nos termos do seu contrato de trabalho e compensada por um montante pecuniário que entre no cálculo da remuneração global do trabalhador, como, no caso dos pilotos de linha, o tempo passado em voo, deve necessariamente fazer parte do montante ao qual o trabalhador tem direito durante as suas férias anuais.
"( ... ) um piloto de linha tem o direito, durante as suas férias anuais, não apenas de manter o seu vencimento de base mas também, por um lado, a todos os elementos relacionados intrinsecamente com a execução das tarefas que lhe incumbem nos termos do seu contrato de trabalho e que são compensados por um montante pecuniário que entra no cálculo da com o estatuto pessoal e profissional (...)”[sic]
8ª Doutro passo, é o próprio Professor Monteiro Fernandes (cujo Parecer/ Consulta vem junto às Alegações da Recorrente para sustentar a sua tese) que, in Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina 2006, pag. 4581, defende:
"a repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente paute o seu padrão de consumo por tal expetativa - uma expetativa que é justamente protegida.”
10ª Por último, refere-se que o SNPVAC, aqui Recorrente, é uma Associação Sindical, com Estatutos publicados no BTE nº 29, 1.ª Série, de 08/08/2013, ou seja, é uma pessoa coletiva privada, sem fins lucrativos que está isenta do pagamento de custas nos termos do nº do art. 4º do Regulamento de Custas Processuais, pois que o presente recurso emerge do exercício das suas especiais atribuições que lhe estão conferidas pelo respetivo estatuto, no âmbito do exercício da atividade sindical, nomeadamente na defesa dos interesses dos seus Associados (art. 4º, al. k) dos Estatutos)».

Conclui no sentido de «deve[r] ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, confirmando-se a bondade do douto acórdão recorrido».

7. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal formulou Parecer, conforme fls. 1176-‑1185, pronunciando-se no sentido de ser negada a revista, sendo de manter, integralmente, a decisão recorrida.

8. A este Parecer apenas a Ré ofereceu resposta, mantendo a posição sustentada na revista.

9. Delimitação objetiva do recurso.

Como resulta das conclusões da alegação do recurso, por onde se afere e delimita o seu objeto e âmbito, inexistindo temáticas de conhecimento oficioso que cumpra conhecer, a questão em apreço na revista traduz-se em saber se a «prestação retributiva especial» prevista na Cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE/2006, publicado no BTE n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2006, integra o conceito de retribuição e se, por isso, deve a média auferida a esse título pelos tripulantes de cabina, ser atendida nas retribuições de férias e subsídios de férias, conquanto, nos doze meses que antecederam o gozo das férias, essa prestação haja sido paga, pelo menos, 11 meses, devendo, em função da conclusão a que se chegar, ser fixada a interpretação a conferir à Cláusula 12.ª daquele Regulamento

10. Preparada a deliberação, mediante a entrega de cópia do projeto de acórdão aos Ex.mos Juízes da Secção Social, por força do preceituado no artigo 687.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, por via do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, uma vez que nos termos do artigo 186.º deste Código, o presente acórdão tem o valor do proferido em julgamento ampliado da revista, em processo civil, cumpre apreciar e decidir.

II. CONHECENDO

1. Na interpretação das cláusulas das convenções coletivas de trabalho de conteúdo normativo ou regulativo – como é o caso, uma vez que estamos perante cláusulas cuja finalidade é a de regular as relações individuais de trabalho estabelecidas entre os trabalhadores e o empregador ([1]) - há que ponderar, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas – de aplicação direta aos contratos de trabalho em vigor – e, por outro lado, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados.

Tem este Supremo Tribunal entendido, de forma dominante, que na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as regras atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º, do Código Civil ([2]), visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros. ([3])

Seguindo a jurisprudência contida no Acórdão deste STJ de 14 de Fevereiro de 2007, ([4])
«[a] interpretação jurídica tem por objeto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo.
A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma “tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal” (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).
Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto direta e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.
A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis.
A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de BAPTISTA MACHADO (ob. cit., pp. 185-186), quando “o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não diretamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei”.
Na interpretação restritiva, pelo contrário, “o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva” (cf. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., p. 186).
Por sua vez, a interpretação revogatória terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável e, finalmente, a interpretação enunciativa é aquela pela qual o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela está virtualmente contido, utilizando, para tanto, certas inferências lógico-jurídicas alicerçadas nos seguintes tipos de argumentos: (i) argumento a maiori ad minus, a lei que permite o mais, também permite o menos; (ii) argumento a minori ad maius, a lei que proíbe o menos, também proíbe o mais; (iii) argumento a contrario, que deve ser usado com muita prudência, em que, a partir de uma norma excepcional, se deduz que os casos que ela não contempla seguem um regime oposto, que será o regime--regra (cf. BAPTISTA MACHADO, obra citada, pp. 186-187).
Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2); além disso, “[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3)”».(fim de transcrição)

2. Para a apreciação da questão sub iudicio são convocáveis o Código do Trabalho de 2003, o Código do Trabalho de 2009, bem como, naturalmente, o AE TAP/SNPVAC, publicado no BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2006.

O direito a férias periódicas pagas tem consagração constitucional na alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, constando o seu atual regime jurídico, bem como a disciplina da retribuição do período de férias e do respetivo subsídio de férias, dos artigos 237.º a 247.º e 264.º ([5]) do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em vigor desde 18 de fevereiro de 2009.

A Lei n.º 7/2009 contém normas transitórias que delimitam a sua vigência, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.

No que, ora, releva, estipula o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, que «[s]em prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados ou adotados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto a condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

Destarte, temos por certo que o Código do Trabalho de 2009 não se aplica às retribuições de férias e subsídios de férias vencidos antes da sua entrada em vigor, sendo que, atento o objeto da presente causa, são, a essas retribuições, aplicáveis as normas constantes do Código do Trabalho de 2003, mormente as constantes dos artigos 211.º a 223.º e 255.º.

Por seu turno, o AE TAP/SNPVAC, de ora em diante denominado AE 2006, regula as retribuições de férias e subsídio de férias na cláusula 12.ª, do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais.

No que concerne à relação hierárquica de normas, o Código de Trabalho de 2003, por referência ao regime jurídico que o precedeu, inovou ao estabelecer, no n.º 1 do artigo 4.º, que as suas normas «podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, [...], salvo quando delas resultar o contrário», mantendo, no artigo 533.º, n.º 1, alínea a), a diretriz proibitiva do direito anterior, segundo a qual os instrumentos de regulamentação coletiva não podem contrariar normas imperativas, mas omitindo qualquer referência à proibição de naqueles instrumentos serem incluídas disposições das quais decorra para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei.

Todavia, atendendo àquele que é o objeto da presente ação, o certo é que o AE/2006, no qual se insere a cláusula cuja interpretação é pedida, estabelece, expressamente, na cláusula 40.ª que «[s]empre que a lei disponha de condições mais favoráveis às que ficam estabelecidas no presente, será esse o regime aplicado aos tripulantes de cabine», razão pela qual, em caso de conflito de normas – as da lei e as da contratação coletiva – prevalecerão as da lei, caso esta disponha de condições mais favoráveis ao trabalhador.

Aqui chegados, vejamos, pois o regime jurídico pertinente.

3. O Código do Trabalho de 2003 estatuía, relativamente à retribuição, no seu artigo 249.º, que se considerava retribuição «aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), incluindo-‑se na contrapartida do trabalho «a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), sendo que «[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (n.º 3).

No que respeita à retribuição do período de férias, o Código do Trabalho previa no, artigo 255.º, que «a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo» (n.º 1), e, relativamente ao subsídio de férias, o n.º 2 do mesmo artigo dispunha que «o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução de trabalho».

O Código do Trabalho de 2009 não trouxe, neste particular, alteração de relevo, conforme se colhe dos artigos 258.º e 264.º.

Por seu turno, o Regulamento anexo ao AE de 2006 estabelece, na sua cláusula 1.ª, que:

«1 – Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos deste AE, o tripulante tem direito, regular e periodicamente, como contrapartida do trabalho».

Prossegue o n.º 2, da mesma cláusula que «[a] retribuição compreende o vencimento fixo mensal e todas as prestações mensais fixas, regulares e periódicas, previstas neste AE, feitas diretamente em dinheiro».

Finalmente, no que ora releva, o n.º 3 da mesma cláusula diz-nos que «até prova em contrário, constitui retribuição toda e qualquer prestação da empresa ao tripulante, exceto as constantes da cláusula seguinte».

No que de específico se refere aos tripulantes de cabine, estabelece a cláusula 3.ª do Regulamento, no seu n.º 1, que «[a] retribuição fixa mensal dos tripulantes de cabine é constituída pelo vencimento fixo e pelo vencimento de senioridade conforme a tabela, em cada momento, em vigor».

Por seu turno, a cláusula 12.ª do regulamento dispõe que: «1 – Durante o período de férias o tripulante tem direito à retribuição a que se refere o n.º 1 da cláusula 3.ª, “Retribuição mensal”», acrescentando-se no n.º 2, da mesma cláusula, que «[a]lém da retribuição mencionada no número anterior, os tripulantes de cabine têm direito a um subsídio de férias de montante equivalente a um mês da retribuição prevista no n.º 1 da cláusula 3.ª, “Retribuição mensal”, acrescido do valor de € 350».

Do confronto entre as normas constantes do Código do Trabalho e as normas do regulamento, entendeu-se, no acórdão recorrido, pela prevalência da lei geral sobre a contratação coletiva por conter regime jurídico mais favorável, louvando-se a decisão recorrida no disposto na cláusula 40.ª do AE/2006.  

A recorrente insurge-se contra este concreto segmento decisório, defendendo que «a decisão ora em crise aplicou automaticamente a Cl.ª 40.ª do AE, sem fazer uma interpretação mais profunda sobre os regimes em causa (legal e convencional) e a sua compatibilização, bem como uma análise concreta sobre se as partes na Cl.ª 12.ª do Regulamento não quiseram efetivamente consagrar um regime diferente do da lei geral, e em concreto mais favorável». Mais aduz que a «regulamentação coletiva de trabalho visa a auto-regulação pelas partes interessadas do regime que lhes é aplicável e na interpretação dos IRCTs, atenta a sua natureza híbrida, deve ter-se em conta não só a sua vertente normativa mas também os aspetos obrigacionais, sendo aplicáveis os princípios resultantes das regras da interpretação da lei (art. 9.º do Código Civil) bem como os princípios que resultam das regras da interpretação dos negócios jurídicos (art. 236.º a 238.º do Código Civil)». Defende, assim, que, na «interpretação dos IRCTs deve presumir-se que as partes expressaram de forma clara a sua vontade, criando um regime convencional sistematicamente coerente, resultante de uma negociação com cedências de parte a parte, e um conjunto de regras que não se limitam à reprodução da lei ou à consagração de regimes que em geral sejam menos favoráveis do que os legais», sendo que a «compatibilização dos regimes legais e convencionais, e as limitações ao grau de intervenção dos IRCTs, consta hoje do art. 3.º do CT, em particular, e para o que interessa à matéria em apreço, nos nºs. 1 e 3, alínea j), nos termos do qual, as normas legais que regem o contrato de trabalho só podem ser afastadas por IRCTs desde que estes, sem oposição daquelas normas, disponham em sentido mais favorável aos trabalhadores e as normas legais não sejam imperativas». Refere, ainda, que, no caso, «a questão coloca-se numa perspetiva inversa à habitual, uma vez que é o AE quem estabelece ser aplicável o regime legal, sempre que este "disponha de condições mais favoráveis às que ficam estabelecidas no presente" acordo (Cl.ª 40.ª), sendo necessário determinar não só quando é que o regime legal será mais favorável do que o convencional, mas também quando é que este regime, pela sua natureza e especificidade, não estabeleceu regras precisas (imperativas), que não podem ser afastadas».

Mais refere que o «acórdão sob censura decidiu, erroneamente, salvo o devido respeito, que não considerando a Cl.ª 12.ª do Regulamento, em sede de determinação da retribuição de férias e do respetivo subsídio, "o todo retributivo" nos termos definidos na lei, o regime legal será mais favorável, devendo ser o aplicável», sendo que o «Regulamento estabelece ainda, na Cl.ª 3. ª n. º 1, que "A retribuição fixa mensal dos Tripulantes de Cabine é constituída pelo vencimento fixo e pelo vencimento de senioridade conforme a tabela em cada momento em vigor" e na Cl.ª 12.ª, n. 2, que para "Além da retribuição mencionada no número anterior, os Tripulantes de Cabine têm direito a um subsídio de férias de montante equivalente a um mês da retribuição prevista no nº 1 da cláusula 3.ª (Retribuição mensal), acrescido do valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros)», o que determina que se conclua que «as partes outorgantes do AE quiseram criar um sistema de remunerações, abonos e complementos, completo e coerente, quer no seu regime normativo quer nas vertentes económicas de proveitos e custos» e que, assim, «na análise das "condições mais favoráveis" nos termos e para os efeitos previstos na Cl.ª 40.ª do AE, não pode atender o intérprete, relativamente a cada matéria (neste caso, a determinação do montante da retribuição de férias e do subsídio de férias), e a cada concreto normativo (neste caso, a Cl.ª 12.ª ns. 1 e 2 do Regulamento), a cada um dos preceitos, de forma isolada e fora de todo o restante quadro convencional», pois que «alterar através de uma interpretação como a acolhida pela decisão ora em crise, os pressupostos e o equilíbrio económico de todo o quadro remuneratório estabelecido no AE, é não atender, e nessa medida, não respeitar, o elemento sistemático».

Conclui argumentado no sentido de as partes terem querido «estabelecer um regime específico e muito concreto para a determinação do montante do subsídio de férias (Cl.ª 12.ª n. 2), a saber, um conceito inequívoco de retribuição (vencimento fixo e de senioridade), acrescido de uma quantia perfeitamente determinada (€ 350,00)» e que «qualquer interpretação que se afaste daquele regime, estará sempre a afastar-se do elemento literal», sendo que o acórdão recorrido «não cuidou de apurar se as partes não quiseram com o regime previsto na Cl.ª 12.ª n.ª 2 do Regulamento, estabelecer um regime em concreto mais favorável do que o regime legal».

Deixou-se já dito, a propósito da relação hierárquica de normas, que o Código de Trabalho de 2003, por referência ao regime jurídico que o precedeu, inovou ao estabelecer que as suas normas poderiam ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultasse o contrário, mas mantendo, no artigo 533.º, n.º 1, alínea a), a diretriz proibitiva do direito anterior, segundo a qual os instrumentos de regulamentação coletiva não podiam contrariar normas imperativas, mas omitindo qualquer referência à proibição de naqueles instrumentos serem incluídas disposições das quais decorresse para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei. Nesta conformidade, e por se ter atribuído às normas que previam a retribuição de férias e subsídio de férias natureza meramente supletiva, entendeu-se que, após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, os instrumentos de regulamentação coletiva poderiam, neste âmbito, prever tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei. Nesta sequência, aliás, em vários arestos desta Secção, nos quais era parte a ora Ré, negou-se, no período que mediou entre a entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003 e o AE/2006, qualquer direito dos trabalhadores a verem repercutidas nas retribuições de férias e subsídio de férias as médias das atribuições patrimoniais que auferiam e às quais era reconhecida natureza retributiva.

Foi justamente com a entrada em vigor do AE/2006 e por força da sua cláusula 40.ª – que estabelece que «[s]empre que a lei disponha de condições mais favoráveis às que ficam estabelecidas no presente, será esse o regime aplicado aos tripulantes de cabine» – que se veio a firmar o entendimento de que, a partir de então e em casos como o presente, prevaleceria a lei sobre a contratação coletiva, justamente por prever regime mais favorável.

Ora, as partes, ao preverem, como previram, na cláusula 40.ª do AE, a prevalência da lei sobre o instrumento de regulamentação coletiva que negociaram não podiam ignorar as consequências dessa negociação, maxime, no âmbito de matérias tão sensíveis como são as atinentes à retribuição, suas componentes, garantias e repercussão noutras prestações retributivas.

Por outro lado, num regime tão complexo como é o que vigora entre a Ré e os seus trabalhadores em matéria de retribuição, introduzir critérios casuísticos como sejam os que decorrem da argumentação expendida pela recorrente – seja, v.g., a quantia de € 350,00 que acresce ao subsídio de férias (que já não à retribuição de férias) – conduziria a que na interpretação das normas – que, no caso vertente se quer geral e abstrata – relevassem elementos aleatórios e variáveis a cada passo ou momento temporal de referência, situação que é incompatível com os princípios da estabilidade e segurança jurídicas.

A interpretação acolhida pela decisão recorrida não alterou os pressupostos e o equilíbrio económico constante do quadro remuneratório estabelecido no AE nem desrespeitou a sistemática que lhe é inerente, limitando-se, ao invés, e em respeito do comando constante da cláusula 40.ª, a aplicá-lo ao concreto dos autos, não se vislumbrando, nem justificando a recorrente, que uma tal aplicação implique qualquer desequilíbrio na economia das relações entre a TAP e os seus trabalhadores tripulantes de cabine.

Em síntese, e acolhendo, nesta parte, o decidido pelo Tribunal da Relação, entende-se, também, que do confronto entre as normas do Código de Trabalho e as normas do regulamento – maxime, a norma que dispõe acerca das componentes da retribuição dos tripulantes de cabine e o seu relevo no âmbito das retribuições de férias e subsídio de férias – parece-nos claro que, caso se conclua pela natureza retributiva da prestação prevista na cláusula 5.ª, deverá prevalecer a aplicação da lei geral do trabalho que, não restringindo os montantes que integram as retribuições de férias e o respetivo subsídio – ao contrário do que sucede com o disposto na cláusula 12.ª do regulamento –, estabelece regime jurídico mais favorável e, no caso, convocável, por força da já citada cláusula 40.ª do AE/2006.

Improcedem, assim, as conclusões 4.ª a 17.ª, da alegação da revista.

4. Atendendo à circunstância de o regulamento não ser inequívoco no que se refere à qualificação, como retribuição ou não, da prestação prevista na sua cláusula 5.ª, há de ser, pois, no respetivo regime jurídico, a par das especificidades que caracterizam a noção de retribuição, que há de ser encontrada a solução quanto à sua natureza e, posteriormente, quanto à sua relevância em sede de retribuição de férias e subsídio de férias.

Há muito que, neste Supremo Tribunal de Justiça, se firmou jurisprudência consolidada quanto ao conceito de retribuição e garantias que lhe estão associadas. O particular desenvolvimento que a esse conceito foi conferido – e muitas vezes demandado justamente em situações de qualificação de prestações patrimoniais pagas pela aqui Ré aos seus trabalhadores – justificou-‑se pela sua relevância e importância no âmbito da relação laboral: a retribuição, enquanto contrapartida específica da prestação laboral e sinalagma principal na economia do contrato, impunha um tratamento rigoroso por parte da jurisprudência.

Assim, e de forma reiterada, tem-se entendido ([6]) que:
a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida, aqui avultando o elemento da contrapartida, elemento esse de grande relevo na medida em que evidencia o carácter sinalagmático do contrato de trabalho, permitindo, assim, excluir do âmbito do conceito de retribuição as prestações patrimoniais do empregador que não decorram do trabalho prestado, mas que, ao invés, prossigam objetivos com justificação distinta – como sejam, ex.g., os subsídios pelo risco, pela maior penosidade da atividade desenvolvida pelo trabalhador ou destinados a compensar despesas decorrentes do contrato de trabalho.
Enformando e integrando o conceito de retribuição, surgem, também, as acima enunciadas características da periodicidade e da regularidade que, por um lado, apoiam a presunção da existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente prevista), e, por outro, assinalam a medida das expetativas de ganho do trabalhador, conferindo assim relevância ao nexo existente entre a retribuição e as suas necessidades pessoais e familiares.
A regularidade da retribuição está associada à sua constância, a qual se opõe à arbitrariedade; a periodicidade significa que a retribuição é satisfeita em períodos certos ou aproximadamente certos no tempo. A regularidade e periodicidade do pagamento, podendo, em certos casos, não significar que as prestações hajam de ser pagas mensalmente ou com ritmo temporal certo, são, em regra, aferidas por essas características, que constituem, por contraposição à ocasionalidade, elementos importantes para atribuir à prestação natureza retributiva.
Com efeito, tais características têm como pressuposto o protelamento, no tempo, da atividade, o que se compreende considerando que a retribuição constitui a fonte de rendimento do trabalhador e, daí, a exigência habitualmente apontada no sentido do seu pagamento ser suscetível de criar no trabalhador a expetativa do seu recebimento, associada à previsibilidade de rendimentos a que se refere Pedro Romano Martinez. (Direito do Trabalho, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 575)
Como observa Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 458), “a repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa – uma expectativa que é justamente protegida.”
Também na Jurisprudência se acentuam as características da regularidade e continuidade periódica das prestações que devam assumir natureza retributiva. Assim, e entre outros, o Acórdão deste Supremo de 8 de Maio 1996 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do STJ, Ano IV, Tomo II, págs. 251), no qual se refere que se integram no domínio da retribuição todos os benefícios outorgados pela entidade patronal e que se destinem a integrar o orçamento normal do trabalhador, conferindo-lhe justa expetativa da sua regularidade e continuidade periódica (No mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos deste tribunal de 17 de Janeiro de 2007, já citado, e de 18 de Abril de 2007 (Documento n.º SJ200704180045574)).
Deste modo, pode dizer-se que a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é, num primeiro momento, determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global – no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os enunciados requisitos da regularidade e da periodicidade.
Assim, constituindo critério legal da determinação da retribuição a obrigatoriedade do pagamento da prestação pelo empregador, dela apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da atividade pelo trabalhador – nela se compreendendo a disponibilidade inerente à obrigação assumida de, num quadro temporal e logístico determinado no contrato, prestar o trabalho –, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho.
Os apontados elementos caracterizadores ou enformadores do conceito de retribuição têm que, cumulativamente e em concreto, verificar-se em qualquer prestação remuneratória que ao trabalhador seja satisfeita pela entidade empregadora; o mesmo é dizer que a ausência de qualquer um desses elementos impede se considere como retribuição a prestação remuneratória que haja sido paga.
Não fora a presunção estabelecida quer no artigo 82.º., n.º 3, da LCT, quer no artigo 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho ([7]), caberia ao trabalhador, em matéria de retribuição, a alegação e prova dos factos tendentes a demonstrar que auferira – ou tinha direito a auferir – determinadas prestações e que tais prestações integravam o conceito de retribuição (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Estatuindo as referidas disposições da lei laboral que qualquer atribuição patrimonial efetuada pelo empregador em benefício do trabalhador constitui, salvo prova em contrário, parcela da retribuição, ao trabalhador apenas incumbe alegar e provar a satisfação, pelo empregador, de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respetiva cadência, cabendo depois, ao empregador, a demonstração de que a mesma se não caracteriza por todos ou por alguns dos elementos a que antes se aludiu para afastar a sua natureza retributiva (artigos 344.º, n.º 1 e 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Ora, não obstante estes critérios definidores e interpretativos e, bem assim, o apelo efetuado às regras do ónus da prova em matéria de retribuição, o certo é que o intérprete deve ter sempre presente a específica razão de ser ou função de cada particular regime jurídico ao fixar não apenas o que deva entender-se por retribuição como, também, os componentes ou elementos que nesse conceito imputa, designadamente para efeitos de cálculo de retribuição de férias, subsídio de férias (…), na medida em que colocadas na dependência de tal conceito

No mesmo aresto reza, ainda, a seguinte transcrição retirada do Ac. do STJ de 17.01.2007 (Documento nº SJ200701170021884, em www.dgsi.pt):


«Quando se mostra necessário encontrar um valor que constitui a base de cálculo para atribuições patrimoniais (retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal) colocadas na dependência da retribuição, a determinação de tal valor faz-se “a posteriori” – operando sobre a massa das atribuições patrimoniais consumadas pelo empregador em certo período de tempo –, devendo o intérprete ter presente o fim prosseguido com a respetiva norma.
Alcança-se assim a chamada “retribuição modular” (vide Monteiro Fernandes in ob. cit. [Direito do Trabalho, 13.ª edição] p. 463), no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando, em referência à unidade de tempo, a diversidade inorgânica das atribuições patrimoniais realizadas ou devidas.
O problema que aí se suscita e de que nos dá nota D'Antona (*), referindo a evolução da jurisprudência italiana, é pois a de colocar cada prestação em confronto com um critério que permita dar conta da totalidade das características da retribuição como elemento essencial do contrato de trabalho (cfr. o art. 1.º da L.C.T.), isto é, um critério que sirva uma conceção ampla de “correspetividade”, ultrapassando mesmo o nexo comutativo retribuição/prestação de trabalho, para conferir relevância ao complexo circunstancial por que se exprime o envolvimento do trabalhador na relação de trabalho.
O critério legal dos artigos 82.º e segs. da L.C.T. constitui um instrumento de resposta ao problema da determinação “a posteriori” da retribuição modular. Todavia, tal critério não é suficiente, nem se pode aplicar com excessiva linearidade, devendo o intérprete ter sempre presente a específica razão de ser ou função de cada particular regime jurídico ao fixar os componentes ou elementos que imputa na retribuição modular ou "padrão retributivo".
Como escreve Jorge Leite […], para se saber quais as prestações que se integram nesse conjunto e quais as que dele se excluem, torna-se necessário saber qual o fim prosseguido com a respetiva norma.
Cada norma legal ou cláusula que institui ou regula cada prestação requer, assim, uma tarefa interpretativa a fim de lhe fixar o sentido com que deve valer, o que significa que uma atribuição patrimonial pode ter que qualificar-se como elemento da retribuição (face ao art. 82.º) e, não obstante isso, merecer o reconhecimento de uma pendularidade diversa da que caracteriza os restantes elementos, nomeadamente a retribuição-base.
De acordo com Monteiro Fernandes, a aplicação do art. 82.º como um regime “homogéneo” da retribuição para todos os efeitos, seria insuportavelmente absurda conduzindo desde logo a um “emaranhado de cálculos viciosos no conjunto dos processos de cálculo das prestações devidas derivadas da retribuição (que, por um lado, seriam determinadas com base nela, mas, por outro, seriam nela integradas) ”.
Conclui este autor que deve assentar-se no seguinte:
“a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido pelo art. 82.º da L.C. Trabalho não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado da retribuição.
O ciclo vital de cada elemento da retribuição depende do seu próprio regime jurídico, cuja interpretação há-de pautar-se pela específica razão de ser ou função desse elemento na fisiologia da relação de trabalho”.»

5. Tendo por base as considerações expostas e o regime jurídico que lhes subjaz, é tempo de, refletindo sobre o teor da atribuição patrimonial prevista na cláusula 5.ª do regulamento, aferir da sua relevância em termos retributivos e da sua repercussão em sede de férias e subsídio de férias.

 

Diz-nos a cláusula 5.ª, sob a epígrafe «Garantia mínima» que:
«1 – Sempre que contra o disposto no n.º 4 da cláusula 9.ª, «Escalas de serviço», do regulamento de utilização e prestação de trabalho, um tripulante com disponibilidade para o efeito não seja escalado em planeamento mensal para serviços de voo que o ocupem, no mínimo, em 15 dias em cada mês terá direito a uma prestação retributiva especial de montante igual a 3,5% do VF respetivo, por cada dia de não escalamento nem utilização, até ao referido limite de 15 dias.
2 – A mesma prestação retributiva será devida se a não ocupação mínima, com serviços de voo, em 15 dias de cada mês, for causada pelo Serviço de Planeamento e Escalas, salvo se tal for devido a iniciativa do tripulante.
3 – Nas situações de indisponibilidade do tripulante, o mínimo de 15 dias previsto no n.º 1 é reduzido proporcionalmente, sendo para o efeito considerado o período de referência de 30 dias correspondente a qualquer mês de calendário».   

Ambas as instâncias concluíram pela natureza retributiva da prestação em causa e, consequentemente, pela interpretação da cláusula 12.ª do regulamento no sentido de a mesma dever integrar a retribuição de férias e subsídio de férias. Apenas dissentiram as instâncias no que se refere ao tempo relevante para o efeito: ao passo que a 1.ª instância entendeu ser suficiente que, nos doze meses que antecederam o gozo das férias, os tripulantes houvessem auferido a prestação prevista na cláusula 5.ª em, pelo menos, seis desses meses, já o Tribunal da Relação entendeu que, nesse mesmo período de doze meses, os tripulantes deveriam ter auferido essa prestação durante onze meses.

A recorrente dissente de ambos os juízos decisórios, maxime o relevado pelo Tribunal da Relação, invocando, como fundamento da sua razão, a impossibilidade de qualificar como retributiva a prestação prevista na cláusula 5.ª do regulamento, seja por a mesma não representar qualquer contrapartida específica da prestação do trabalho ou da disponibilidade do trabalhador para o efeito, seja por a mesma não gerar na esfera jurídica do trabalhador qualquer expetativa legítima de recebimento, tal a sua aleatoriedade, imprevisibilidade e variabilidade.

Com efeito, aduz a recorrente que a «prestação ora em causa tem uma natureza reparadora, e é devida no montante igual a 3,5% do vencimento fixo (VF) por cada dia de não escalamento nem utilização do tripulante que esteja disponível, até ao limite de 15 dias, em condições de igualdade com outros tripulantes (cfr. Cl.ª 5.ª do Regulamento e Cl.ª 9.ª n.º 4 - Escalas de Serviço - do Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho), constituindo uma verdadeira indemnização pela não ocupação do tripulante que estava disponível para o serviço de voo (Cl.ª 5.ª do Regulamento)» assumindo, assim, uma «natureza essencialmente sancionatória» logo, insuscetível de ser caracterizada como uma «contrapartida do trabalho prestado ou da disponibilidade para o prestar pelo pessoal navegante comercial (PNC)». Prossegue referindo que, como «mera penalização que é, esta prestação só episodicamente pode ocorrer, o que faz com que o tripulante só excecionalmente a venha a receber, pelo que também não pode gerar expetativas de recebimento, o que reforça a ideia de se estar perante uma atribuição caracterizada não só pela ausência do elemento essencial da contrapartida do trabalho prestado, mas também pela imprevisibilidade, aleatoriedade e variabilidade daquilo a que na gíria da empresa se chama "multa', manifestamente incompatíveis com a formação de expetativas consistentes de ganho, impedindo, assim, a sua qualificação como prestação pecuniária "fixa, regular e periódica"».

6. Este Supremo Tribunal foi já chamado, por várias ocasiões, ([8]) a pronunciar-se acerca da natureza da prestação prevista na cláusula 5.ª do regulamento, embora em ações com conteúdo e objeto diversos, já que nestas se aferia se, a determinado trabalhador, eram, ou não, devidos, no período de férias, a retribuição de férias e o respetivo subsídio com o cômputo, no seu valor, das importâncias auferidas àquele título, ao passo que nesta ação – atenta a sua natureza – é pedido ao tribunal que interprete determinada cláusula do AE/2006 e seu regulamento em determinado sentido, com repercussões inequívocas em todos os contratos de trabalho, atenta a natureza genérica e abstrata do juízo que, necessariamente, será emitido.

Em todos os aludidos arestos se entendeu que a citada prestação deveria integrar as retribuições de férias e subsídio de férias desde que, nos doze meses que antecedessem o gozo das férias, os tripulantes a houvessem auferido onze vezes.

Ante o exposto, no que ora releva, não deve olvidar-se que, na aplicação do direito, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil).

No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido na Revista n.º 2131/08.0TTLSB.L1.S1, ([9]) em ordem a firmar-se o acima referido juízo – relativo à natureza retributiva da prestação prevista na cláusula 5.ª do regulamento – ponderou-se como segue:


«Trata-se de um abono (…) que [f]oi introduzido pelo AE de 1997, sob a designação “prestação retributiva complementar” – cls. 58.ª, n.º 5.
É uma prestação que corresponde a 3,5% do vencimento fixo (VF) por cada dia de não escalamento nem utilização do tripulante, até ao limite de 15 dias. Ou seja, quando, nos termos da cls. 29.ª do AE, o tripulante disponível que não for ocupado em escalamento mensal para o serviço de voo, no mínimo 15 dias, a empresa obriga-se a compensá-lo mediante o pagamento de 3,5% por cada dia de não escalamento nem utilização até ao limite de 15 dias.
É de facto uma penalidade que a empresa sofre pela não utilização do trabalhador disponível, mas do ponto de vista do trabalhador essa prestação corresponde a uma compensação pela sua disponibilidade para prestar a atividade à empresa, pelo que se trata de uma prestação de natureza retributiva, constituindo verdadeira contrapartida pela disponibilidade do trabalhador para prestar serviço à empresa».

Não vislumbramos razão para alterar o sobredito juízo decisório que, como se disse, tem vindo a ser, sucessivamente, afirmado por esta Secção.

Na verdade, para a qualificação de uma determinada prestação satisfeita pelo empregador ao trabalhador o que, efetivamente, avulta, como critério decisório, é que a mesma se destine a retribuir seja a efetiva prestação de trabalho pelo trabalhador – sendo aqui evidenciado o carácter sinalagmático direto a que se obriga o trabalhador – como a sua disponibilidade para o efeito, suportando o empregador o risco de, caso o não ocupe, então ter que cumprir, ainda assim, com o seu sinalagma. Se, no caso concreto, a recorrente antevê, na prestação prevista na cláusula 5.ª do regulamento, uma mera penalidade pela não utilização do trabalhador, nem por isso o Tribunal deve deixar de dar o correto enquadramento jurídico à prestação ali prevista e à objetiva natureza que a mesma assume: destina-se a retribuir o trabalhador pela sua eventual inatividade mas num concreto lapso temporal em que apenas está inativo por ação da sua empregadora, pois, do ponto de vista do trabalhador, está ele disponível para trabalhar. Ora, se a retribuição corresponde à contrapartida devida pelo empregador nas situações seja de efetiva prestação do trabalho seja de disponibilidade para o efeito – o que corresponde a situações em que o trabalhador subsiste sujeito ao poder conformativo da sua prestação por banda do empregador – e destinando-se a prestação prevista na cláusula 5.ª a retribuir esta disponibilidade, não antevemos, repete-se, razão válida para que se lhe não reconheça a natureza de retribuição.

Não se olvide, outrossim, que as consequências do não escalonamento para os tripulantes de cabina se repercutem no nível dos vários abonos percebidos quando voam e assumem, doutra parte, «uma enorme relevância em termos de promoção e progressão técnica», tal como reconhece a própria Recorrente (Conclusão 32ª), com o que sai reforçado o entendimento acolhido no sentido da natureza do suplemento remuneratório em causa como contrapartida do modo específico da execução do trabalho, com relevância em sede de atribuição do subsídio de férias (artigo 264.º, n.º 2, do Código do Trabalho atual).

No que respeita à invocada aleatoriedade, imprevisibilidade e variabilidade da prestação – o que, no ver da recorrente, afastaria a sua natureza retributiva – acompanhamos, com as devidas adaptações – já que, no caso presente, apenas estão em causa as retribuições de férias e subsídio de férias –, as considerações tecidas no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2010, Processo n.º 607/07.5TTLSB.L1.S1, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt., cuja orientação foi, entretanto, reafirmada no acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Setembro de 2010, Processo n.º 469/09.4, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. Com efeito, e conforme aí se ponderou, «diremos que o que se afigura ser de relevar, neste âmbito, é a possibilidade de, por referência à prestação em causa, ser possível dela extrair um padrão definidor de um critério de regularidade e periodicidade, pois que se sabe, exatamente, quais são essas situações e, independentemente da maior ou menor frequência com que cada uma ocorra, não se pode afirmar a inexistência de uma certa homogeneidade do circunstancialismo que impõe o pagamento das mesmas atribuições patrimoniais.

Ainda no que se refere às características da regularidade e da periodicidade e da repercussão que as mesmas importam na expetativa de ganho do trabalhador, afigura-se-nos ser incontornável que, efetivamente, uma atribuição patrimonial que não permita que se infira uma certa cadência no seu pagamento e que não tenha a virtualidade de, precisamente e por essa via, originar na esfera jurídica do trabalhador aquela expetativa não pode ser qualificada como retribuição, para os efeitos a que agora importa atender.

É, por isso, fundamental estabelecer um critério orientador que permita aferir o que é e o que não é regular e periódico, sendo certo que a lei o não concretiza.

Estando em causa determinar o valor de atribuições patrimoniais devidas anualmente correspondentes a um mês de retribuição, como são a retribuição de férias, o respetivo subsídio e o subsídio de Natal, afigura-se que o critério seguro para sustentar a aludida expetativa, baseada na regularidade e periodicidade, há-de ter por referência a cadência mensal, independentemente da variação dos valores recebidos, o que, de algum modo, tem correspondência com o critério estabelecido na lei para efeito de cálculo da retribuição variável [artigos 84.º, n.º 2, da LCT e 252.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003 ([10])], e, assim, considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos em causa, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorre todos os meses de atividade do ano.»

Desta arte, e em face das expostas considerações, as apontadas características da aleatoriedade, imprevisibilidade e variabilidade da prestação em causa – cujo condicionalismo que importa o seu pagamento é sempre o mesmo – ficam perfeitamente acauteladas perante o eleito critério: de a média dos valores pagos por força da cláusula 5.ª do regulamento ao tripulante de cabina só ser devido nas retribuições de férias e subsídio de férias se o seu pagamento tiver ocorrido em todos os meses de atividade do ano, isto é, se, no período de doze meses que antecede o gozo das férias, o tripulante de cabina tiver auferido essa prestação em onze desses doze meses.

Será, assim, de sufragar, na íntegra o Acórdão recorrido, improcedendo as conclusões 18ª a 45ª, da alegação da Revista, assistindo, contudo, razão ao recorrente quanto ao momento temporalmente relevante para efeitos de cálculo das retribuições de férias e subsídio de férias que, efetivamente, deverá observar o regime instituído na cláusula 12.ª, n.ºs 1 e 3, do regulamento, procedendo, pois, nesta parte, a conclusão 45.ª, da alegação do recurso.

Assim sendo, a Cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE/2006, publicado no BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2006, deverá ser interpretada do seguinte modo:
«No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo, a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses».

III- DELIBERAÇÃO

Por tudo quanto se deixa exposto, concede-se parcialmente a revista e, em consequência, fixa-‑se à cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE entre a TAP – Air Portugal, S.A. e o SNPVAC – Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, publicado no BTE 1.ª Série n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2006, a seguinte interpretação:


«No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo, a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses».

Custas pela recorrente.

Transitado em julgado, publique-se no Diário da República e no Boletim do Trabalho e Emprego, nos termos do artigo 186.º do Código de Processo do Trabalho.

          

Supremo Tribunal de Justiça, 1 de outubro de 2015

- Melo Lima (Relator)

- Mário Belo Morgado

- Ana Luísa Geraldes

- Pinto Hespanhol

- Fernandes da Silva

- Gonçalves Rocha

- Leones Dantas

- Henriques Gaspar (Presidente)

      

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[1] Cfr., quanto ao objeto das cláusulas de conteúdo regulativo ou normativo, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, 2006, pág. 1106 e 1107.

[2] Neste sentido, os Acs. do STJ de 10 de Novembro de 1993, CJ, Acórdãos do STJ, Ano I, Tomo III, pág. 291; de 9 de Novembro de 1994, CJ, Acórdãos do STJ, Ano II, Tomo III, pág. 284, de 10 de Maio de 2001, proferido na Revista n.º 300/99, acessível em www.dgsi.pt; de 14 de Fevereiro de 2007, proferido na Revista n.º 3411/06, acessível em www.dgsi.pt; e, mais recentemente, de 9 de Junho de 2010, proferido na Revista n.º 3976/06.0TTLSB.L1.S1, também acessível em www.dgsi.pt, e de 5 de Abril de 2011, proferido na Revista n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1, acessível na referida base de dados.

[3] Cfr., neste sentido, Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 1109; cfr., igualmente, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, 2005, pág, 111.

[4] Já mencionado na nota 2.
[5] Preceito este alterado, embora sem relevância in casu, pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho.
[6] Cfr., o Acórdão desta secção de 23 de Junho de 2010, proferido na Revista n.º 607/07.5TTLSB.L1.S1 (Relator: Vasques Dinis) cujas considerações, não obstante a evolução jurisprudencial e legal ocorrida, mantêm plena relevância.
[7] Presunção que se mantém, no Código do Trabalho de 2009, no artigo 258.º, n.º 3.
[8] Cfr., os Acórdãos proferidos nas Revistas ns. 2131/08.0TTLSB.L1.S1, 2132/08.8TTLSB.L1.S1 e 2130/08.1TTLSB.L1.S1, de, respetivamente, 5 de junho de 2012, 15 de novembro de 2012 e 25 de setembro de 2013, com sumários acessíveis em www.stj.pt. 
[9] Este aresto está disponível, em texto integral, em www.dgsi.pt.
[10] Artigo 261.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2009.