Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2/21.3YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: RECLAMAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AÇÃO ADMINISTRATIVA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I - Só existe o dever de o juiz conhecer e decidir questões; tendo sido decididas todas as questões, não existe omissão de pronúncia.
II - Do acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso que confirma a decisão singular de indeferimento da ampliação do pedido e de dispensa de audiência prévia cabe reclamação para o mesmo Pleno da Secção de Contencioso para o efeito da arguição de nulidades, mas não para o efeito da reformulação ou defesa do pedido.
Decisão Texto Integral:




PROC. N.º 2/21.3YFLSB




ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



Reclamante:     AA
Reclamado:     Conselho Superior da Magistratura


1. Notificado do Acórdão proferido por esta Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em 14.07.2021, que indeferiu a reclamação por si apresentada e confirmou o despacho reclamado, vem agora o reclamante, AA, apresentar nova reclamação, dirigida aos Exmos. Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso.
Formula as seguintes conclusões:
I. O Reclamante foi notificado do teor da douta decisão que ora coloca em crise no passado dia 19 de julho e, por conseguinte, durante as mais recentes férias judiciais.
II. Sendo, como é, hoje o primeiro dia útil após o prazo geral de 10 (dez) dias, assiste-lhe o direito de praticar este ato, desde que proceda ao pagamento da multa devida, o que já fez.
III. Deverá, portanto, a presente reclamação ser considerada tempestivamente apresentada.
IV. As decisões judiciais que não sejam de mero expediente deverão ser fundamentadas.
V. Tal não sucedeu minimamente em relação à pelo Reclamante invocada violação de disposições da CRP e da CEDH.
VI. Apresenta-se de facto como inegável a falta de apreciação sobre se havia ou não sido respeitado o inquestionável direito do Autor a um processo equitativo e a uma audiência pública.
VII. É, sem dúvida, totalmente omitida (com o inerente vício de omissão de pronúncia) uma análise do caso em apreço à luz dos preceitos contidos na CRP e na CEDH, os quais, aliás, salvo o devido respeito e melhor opinião, voltaram a ser violados.
VIII. E também desrespeitados se mostram diversos normativos do CPTA.
IX. Começando por este último, dir-se-á antes de mais quer o despacho reclamado quer o acórdão ora colocado em crise se alicerçam em grande parte no respetivo artigo 175.º quando é certo que tais decisões deveriam, sim, ter sido proferidas à luz do artigo 162.º.
X. Na verdade, como esse Supremo Tribunal bem saberá, o artigo 175.º está inserido num capítulo que versa sobre a execução de sentenças de anulação de atos administrativos e é dessa fase dos processos que trata.
XI. Sucede que in casu estamos ainda na fase declarativa do processo e foi a respeito desta, mais concretamente a respeito da douta decisão que será proferida no final desta, que o Autor requereu que venha ser por esse Supremo Tribunal fixado ao Réu um prazo inferior a 90 dias.
XII. Logo, a norma aplicável é o artigo 162.º, n.º 1, do CPTA, nos termos do qual “Se outro prazo não for por elas próprias fixado, as sentenças dos tribunais (…) que condenem a Administração à prestação de factos (…) devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução”.
XIII. Conforme assinalam Mário Aroso de Almeida e Carlos Aberto Cadilha, “Em bom rigor, este artigo ainda não regula o processo de execução para prestação de factos ou de coisas, que só tem início com a eventual apresentação da petição de execução, nos termos previstos no artigo 164.º” e “o n.º 1 do presente artigo tem por função estabelecer o prazo – supletivo, na medida em que outro diferente pode resultar do próprio título (sublinhado do Autor) – dentro do qual as entidades públicas devem dar cumprimento aos seus deveres de prestação de factos ou de entrega de coisas. Do decurso deste prazo – ou daquele que resulte do próprio título – depende, nos termos do artigo 164.º, da possibilidade de ser desencadeado o processo executivo, o que pressupõe, portanto, o incumprimento da obrigação dentro do prazo que para o efeito foi estabelecido”.
XIV. Logo, salvo o devido respeito, não pode esse Supremo Tribunal afirmar validamente que o pedido formulado pelo Autor “é inadmissível, porque, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 175.º do CPTA, “o dever de executar deve ser integralmente cumprido, no máximo, no prazo procedimental de 90dias”” e que “o autor pretende que o tribunal decrete algo que contraria expressamente a lei processual”.
XV. O Autor pretende é que esse Supremo Tribunal aplique as normas verdadeiramente aplicáveis, sendo que uma delas é a contida no artigo 162.º, n.º 1, do CPTA, este artigo, sim, o aplicável à fase em que o processo se encontra, dado que está na fase declarativa e não foi ainda apresentada qualquer petição de execução, o que só será feito mais tarde, se o Réu não acatar a douta decisão final através da qual irá seguramente ser reconhecido o óbvio (desde logo, que o Autor não cometeu qualquer infração em relação à qual o processo disciplinar seja imprescritível ou praticamente imprescritível, mas também que o douto Parecer n.º 160/2003 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República tem plena aplicação no caso destes autos e que até a nova versão do Estatuto dos Magistrados Judiciais veio deixar absolutamente claro que tem de haver um limite temporal para a pendência da impugnação de um processo disciplinar em juízo, limite que passou a estar expressamente previsto para os casos em que tenham sido cometidos crimes, não sendo tolerável a aplicação de um regime mais gravoso para os casos em que não foi sequer cometido crime algum, situação sub judice).
XVI. E, uma vez que, nas palavras do próprio douto Acórdão ora impugnado, “Aquilo que sucedeu foi, simplesmente, que se concluiu que o prazo era contrário à lei” e que “sendo o prazo um elemento comum a todos os “pedidos” (o prazo em que os pedidos seriam executados se fosse caso disso”, necessariamente todos os “pedidos” decaíam” e que esse Supremo Tribunal laborou neste raciocínio com base no artigo175.º do CPTA, normativo que, repete-se, não é aplicável a estes autos, nos quais não foi ainda apresentada qualquer petição de execução, urge concluir que foi por esse Supremo Tribunal aplicada uma disposição legal que não era verdadeiramente aplicável.
XVII. Repete-se: salvo o devido respeito e melhor opinião, na decisão ora impugnada esse Supremo Tribunal laborou num equívoco: na pretensa aplicação do artigo 175.º, n.º 1, quando na realidade o normativo aplicável à situação é o citado artigo 162.º, n.º 1, do CPTA, artigo que claramente possibilita que numa sentença ou num acórdão seja fixado à Administração (que é o que o Réu é in casu) um prazo inferior a 90 (noventa) dias.
XVIII. Cai assim por terra o argumento do pretenso prazo imperativo que teria obstado ao integral deferimento da ampliação do pedido oportunamente peticionada pelo Autor, pelo que tal deferimento integral pode e deve ainda ter lugar.
XIX. E nem procure sustentar-se que o facto de o Réu assumir claramente na contestação que se o respetivo ato administrativo for anulado voltará a praticar um ato idêntico não justifica que possa ser requerido pelo Autor que seja então fixado um prazo mais curto ao Réu para agir e praticar atos, para também mais rapidamente o Autor os impugnar e fazer assim valer o seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva e não possibilita que o Tribunal aceite uma ampliação do pedido feita em tal contexto, que é o destes autos, pois um tal entendimento viola frontalmente o direito do Autor a um processo equitativo e, por conseguinte, as normas das quais se extrai que este direito deveria ter sido respeitado in casu (cfr. os artigos 7.º, 7.º-A e 8.º do CPTA, 20.º da CRP, 6.º da CEDH e 47.º e 48.º da CDFUE).
XX. Não é necessário qualquer novo ato administrativo para que se requeira uma ampliação dos pedidos formulados numa petição inicial.
XXI. Uma posição distinta a este respeito mostra-se desde logo absolutamente incompatível com o princípio contido no artigo 7.º do CPTA, que importa que esse Supremo Tribunal tenha sempre bem presente.
XXII. E o mesmo se afirma a respeito do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, segundo o qual o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais adequadas.
XXIII. Mas, de novo salvo o devido respeito e melhor opinião, não foi isto que sucedeu quando foi proferia a douta decisão ora colocada em crise.
XXIV. Repare-se que à luz de tal decisão é de rejeitar a ampliação do pedido formulada por um Autor quando o Réu está já a anunciar que tenciona decidir da mesma forma mesmo que venha a observar devidamente o direito do Autor à respetiva audiência prévia e mesmo que venham a ser realizadas diligências probatórias com um resultado favorável ao pedido de reabilitação apresentado pelo Autor, ampliação essa em relação à qual houve até já contraditório, mas depois deverá o Tribunal, oficiosamente e sem qualquer contraditório tomar posição sobre “as demais operações materiais e actos jurídicos visados no requerimento de ampliação do pedido formulado pelo reclamante”.
XXV. Reitera-se que um tal entendimento (rejeitar liminarmente uma possível concretização dos deveres a impor à Administração depois de esta ter já exercido o contraditório, dando prevalência à opção de o Tribunal os fixar depois mas sem qualquer contraditório) é totalmente incompatível com o princípio “pro actione” previsto no artigo 7.º do CPTA e com as demais disposições (da CRP, da CEDH e da CDFUE) que conferemaoAutorodireitoaumprocessoequitativoeaumatutelajurisdicionalefetiva.
XXVI. Urge que este princípio passe a nortear todas as decisões proferidas por essa secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça.
XXVII. E, caso transite em julgado o douto Acórdão ora impugnado, outros preceitos se mostram também desrespeitados.
XXVIII. O juiz, quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, deve facultar às partes a discussão de facto e de direito em sede de audiência prévia (cfr. o artigo 87.º-A, n.º 1, alínea b), do CPTA).
XXIX. Significa isto que, mesmo quando já for possível conhecer logo do mérito da causa o juiz deve facultar às partes a discussão de facto e de direito a esse respeito.
XXX. Conforme referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, “a convocação da audiência prévia apenas é vinculativa em certas situações específicas”, mas uma delas verifica-se “quando o juiz pretenda imediatamente conhecer do fundo da causa, caso em que é necessário ouvir as partes sobre a decisão a proferir”, sendo que, conforme ensinam os mesmos Autores, um dos quais antigo Juiz Conselheiro nesse Supremo Tribunal e no Tribunal Constitucional, “Está fora de dúvida que a falta de audição das partes sobre a decisão da questão, de facto ou de direito, mesmo de conhecimento oficioso, implica a violação do princípio do contraditório e constitui uma nulidade processual. Essa nulidade processual pode ocorrer em duas situações: quando o juiz não faculta às partes a discussão de facto e de direito sobre o mérito da causa ou sobre o objeto do litígio e os temas da prova, por não ter incluído a discussão sobre qualquer destas questões no objeto da audiência, e profere depois despacho saneador em que conhece da matéria de fundo”, acrescentando os mesmos Autores que “Se (…) o despacho saneador se destinar a conhecer, total ou parcialmente, do mérito da causa, o tribunal terá forçosamente de convocar a audiência para facultar às partes o debate sobre a matéria de facto e de direito relevante para o efeito, ficando excluído o uso da faculdade prevista no n.º 2 deste artigo [87.º-B]”.
XXXI. Ora, é precisamente isso (conhecer do mérito da causa) que esse Supremo Tribunal se inclina para fazer, com o que não pode, pelas razões acabadas de expor, o Autor conformar-se.
XXXII. Refira-se, aliás, que a dispensa da audiência prévia obstará a que o Autor volte a debater a matéria de facto e de direito relevante e que a sua dispensa pressupõe até que em matéria administrativa não é possível as partes chegarem a acordo, o que não é correto e representa uma conceção há muito ultrapassada.
XXXIII. Desde logo, tal dispensa pressupõe que em matéria administrativa não é possível as partes chegarem a acordo, o que não é correto e representa uma conceção há muito ultrapassada.
XXXIV. Basta pensar num singelo exemplo que é usual ser dado por académicos: se o processo administrativo evidencia que não foi respeitado o direito de audiência prévia e se esta não podia ter sido omitida, não pode a Administração reconhecer isso mesmo e que por isso praticou um ato ilegal?
XXXV. Pode e deve, até por estar obrigada a respeitar os direitos dos particulares e a colaborar com estes e por dever rejeitar soluções manifestamente irrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito (cfr. v.g. os artigos 5.º, n.ºs 1 e 2, e 7.º a 11.º do Código do Procedimento Administrativo).
XXXVI. E por isso mesmo está previsto que a instância administrativa possa ser julgada extinta por transação (cfr. o artigo 27.º, n.º 1, e), do CPTA).
XXXVII. No caso sub judice pode e dever, pois, ter lugar uma audiência prévia, cuja realização ora volta a requerer-se.
XXXVIII. Mas caso a mesma não tenha lugar deverá então o Autor ser notificado para apresentar alegações escritas, o que também requer expressamente, desde já se arguindo a correspondente nulidade se não lhe for reconhecido o direito a produzi-las, direito esse que pretende, pois, vir a exercer.
XXXIX. A este respeito, com muito interesse, atente-se por exemplo na seguinte elucidativa passagem do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13 de Fevereiro de 2020: “Deverá entender-se ser “de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspectos materiais do litigio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa (…) está em jogo o respeito pelo principio do contraditório, garantindo às partes pronúncia sobre questões que o juiz decidirá na fase intermédia do processo, de modo a evitar decisões-surpresa” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, anotação ao artigo 591, página 687)”.
XL. Acresce que no caso destes autos não foi ainda proferida a decisão final e que esse Supremo Tribunal julgará o mérito da causa em primeira e única instância.
XLI. Importa, pois, que o Autor invoque tal nulidade antes de ser proferida a decisão final o que ora faz, em tempo, face ao não reconhecimento da invalidade do douto despacho proferido pela Exma. Senhora Juíza Conselheira Relatora.
XLII.E desde já se invoca tal nulidade para todos os efeitos legais, nomeadamente para que, caso se mantenha a decisão de não realização de uma audiência prévia, seja então, no mínimo, facultada às partes a possibilidade de alegarem por escrito e com isso lograrem proceder à discussão de facto e de direito, à qual teriam direito se aquela diligência fosse realizada (cfr. de novo o artigo 87.º-A, n.º 1, alínea b), do CPTA).
XLIII. Mais se requer que, para tanto, seja concedido um prazo não inferior a 15 (quinze) dias.
XLIV. Caso se entenda que o Autor pode e deve alegar já nesta peça processual, com o que não se concorda, ainda assim, para essa eventualidade, dá-se então aqui por integralmente reproduzido tudo quanto foi afirmado na petição inicial e na réplica, inclusive na parte não admitida, ao que se acrescenta que seria inegavelmente absurdo e por isso até afrontador das regras da interpretação de leis (cfr., maxime, o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), assim como dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proporcionalidade constitucionalmente consagrados (cfr. os artigos 1.º, 2.º 13.º e 18.º da CRP), uma qualquer norma ou uma qualquer interpretação normativa (como a que foi acolhida no ato administrativo praticado pelo Réu) da qual pudesse vir a concluir-se não haver qualquer prazo-limite para a pendência em tribunal de uma impugnação de um ato administrativo sancionatório quando o magistrado judicial não tenha cometido qualquer ilícito criminal, como foi o caso do ora Autor (sendo certo que tal prazo-limite existe para os casos de cometimento de crimes – cfr. o Parecer n.º 160/2003 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e cfr. também o Estatuto dos Magistrados Judiciais, em particular as disposições conjugadas dos artigos 83.º-B, n.º 3, e 83.º-C, n.º 3, na redação introduzida pela Lei n.º 67/2019, de 27 de agosto).
XLV. Por fim, invoca-se ainda a invalidade decorrente de ainda não ter tido lugar qualquer apensação entre os presentes autos e os autos n.º 9/20.8YFLSB, apensação essa que ora se requer, sendo certo que uns e outros autos estão, até, na mesma fase processual, inexistindo qualquer razão que “torne especialmente inconveniente a apensação” (cfr. o artigo 28.º, n.º 1, do CPTA)”.

2. O reclamado, Conselho Superior da Magistratura, respondeu, pronunciando-se pela inadmissibilidade de recurso ou reclamação para o Pleno das Secções do Supremo Tribunal de Justiça e, subsidiariamente, sustentando a manifesta improcedência da reclamação.

*
Cumpre apreciar e decidir.

*
Das suas (longas) conclusões resulta, em síntese, que o reclamante pretende, entre outras coisas, arguir a nulidade do Acórdão proferido em 14.07.2021.
Segundo o reclamante, este Acórdão padeceria do vício de omissão de pronúncia pelo (alegado) facto de não ter havido apreciação sobre a “invocada violação de disposições da CRP e da CEDH” ou “sobre se havia ou não sido respeitado o inquestionável direito do Autor a um processo equitativo e a uma audiência pública (cfr., sobretudo, conclusões IV, V, VI e VII).
De acordo com os artigos 613.º a 617.º do CPC (aplicáveis ao presente caso ex vi dos artigos 666.º e 685.º também do CPC), uma vez proferida a decisão fica esgotado o poder jurisdicional do tribunal mas é ainda admissível a arguição de nulidades, por alguma ou algumas das causas (taxativamente) enunciadas no artigo 615.º do CPC.
Esclarecido este ponto e voltando à arguição de nulidade do Acórdão pretendida pelo reclamante, logo se verifica que não lhe assiste razão.
A nulidade por omissão de pronúncia é referida na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Segundo este preceito, a decisão é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta nulidade resulta da violação do dever imposto na norma do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, nos termos da qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).
A consequência da nulidade é plenamente justificada, dado que a violação do dever se traduz, em rigor, em denegação de justiça.
Mas, desde logo, e como tem sido reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal, há que distinguir bem “questões” e “argumentos”, sendo incontroverso que o dever de pronúncia do tribunal se circunscreve às primeiras.
Como explica José Alberto dos Reis, “são, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão[1].
De qualquer forma, deve dizer-se que a “invocada violação de disposições da CRP e da CEDH” e a dúvida “sobre se havia ou não sido respeitado o inquestionável direito do Autor a um processo equitativo e a uma audiência pública” foram consideradas e até expressamente refutadas no Acórdão de 14.07.2021, ora impugnado.
Ante a invocação, já relativamente ao despacho, de nulidade por omissão de pronúncia e de falta de especificação dos fundamentos justificativos da decisão bem como de desrespeito da Constituição e da Convenção Europeia dos Direito do Homem e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, afirmou-se no ponto I daquele Acórdão:
Improcede, pois, claramente, a alegações de violação da lei (artigos 265.º, n.º 1, do CPC, e 7.º, 95.º, n.º 4, e 175, n.º 1, do CPTA) e da Constituição (artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 268.º, n.º 4, da CRP) bem como de ofensa a disposições da Convenção Europeia de Direitos do Homem e da Carta de Direitos Fundamentais (artigo 6.º da CEDH e 47.º da CDFUE)”.
Perante isto, não pode conceder-se procedência à arguição de nulidade do Acórdão.
*
Quanto à parte restante da sua, verifica-se que o reclamante se limita aí a expender / reiterar as razões em que sustenta os seus pedidos e pelas quais, no seu entender, não deviam ter sido proferidas a decisão de indeferimento da ampliação do pedido e a decisão de dispensa da audiência prévia.
Ora, estas pedidos foram já apreciados no Acórdão de 14.07.2021 e, como é evidente, não faz qualquer sentido reapreciá-los aqui. Acima de tudo, a sua (re)formulação exorbita daquilo que é possível invocar nesta reclamação e nas reclamações do mesmo tipo.
Sendo a presente reclamação admitida nos termos dos artigos 613.º a 617.º do CPC, ou seja, enquanto via para a arguição de nulidades – e última via à disposição do reclamante para impugnação do Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso –, nunca ela seria o meio jurisdicional adequado.
Coisa idêntica se afirma, mutatis mutandis, no Acórdão desta Secção de Contencioso de 23.09.2020, Proc. 52/19.0YFLSB, em cujo sumário pode ler-se: “A reiteração em sede arguição de nulidades dos fundamentos que suportaram a ação extravasa o âmbito das reclamações e requerimentos de nulidade”.
Tudo visto, não se toma conhecimento desta parte da reclamação.

*
Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação e confirma-se o Acórdão reclamado.


*

Custas a cargo do reclamante (3 UC), sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficie.



Lisboa, 28 de Outubro de 2021

*

Catarina Serra (Relatora)

Conceição Gomes

Leonor Cruz Rodrigues

Maria Olinda Garcia

Fernando Samões

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Presidente da Secção)

____________________________________________________


[1] Cfr. José Alberto dos Reis (Código de Processo Civil, Anotado, volume V, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 143 (sublinhados do autor).