Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11337/77.0TVLSB-B.L2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
INDIVISIBILIDADE
BEM IMÓVEL
PROPRIEDADE HORIZONTAL
FRACÇÃO AUTÓNOMA
FRAÇÃO AUTÓNOMA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ILEGALIDADE
NULIDADE DA SENTENÇA
OBSCURIDADE
AMBIGUIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / COISAS / COISAS DIVISÍVEIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSOS ESPECIAIS / DIVISÃO DE COISA COMUM / PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA / EXERCÍCIO DE DIREITOS SOCIAIS / NOMEAÇÃO E DESTITUIÇÃO DE TITULARES DE ÓRGÃOS SOCIAIS.
Doutrina:
-Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, p. 201.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 209.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIOGOS 929.º E 1056.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12-12-1989, IN BMJ, N.º 392, P. 461;
-DE 18-06-2002;
-DE 23-09-2008, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 24-04-2012;
-DE 15-11-2012;
-DE 14-01-2014;
-DE 27-10-2014, PROCESSO N.° 4492/DOC/2014;
-DE 05-11- 2002, IN WWW.DGSI.PT.


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ACORDÃO DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 24-04-2012.
Sumário :

I - O critério da divisibilidade jurídica das coisas – art. 209.º do CC –, assenta sobre três factores: (i) a substância; (ii) o valor e (iii) o uso. Uma coisa corpórea é divisível se for cindível em partes, sem perder substância, sem que se reduza o seu valor e sem que o seu uso próprio seja prejudicado.
II - A (in) divisibilidade de uma coisa comum deve ainda ser aferida em função da quota-parte de cada proprietário, de forma a que os interessados sejam inteirados em espécie, aquando da divisibilidade da coisa, sem que haja lugar a tornas (art. 1056.º do anterior CPC e art. 929.º do actual CPC). Por esta razão, a adjudicação deve ser feita por acordo e, na falta deste, por sorteio.
III - É indivisível o bem imóvel que, se constituído em propriedade horizontal teria 9 fracções, com uma permilagem e um valor muito distantes do valor das quotas – diversas entre si – dos comproprietários, dando-se a impossibilidade de preencher os quinhões na proporção da quota de cada um e sem o recurso a tornas.
IV - Não há contradição de acórdãos, se o acórdão recorrido e os acórdãos do STJ invocados como acórdãos fundamento, não decidiram sobre situações idênticas.
V - Não se detecta, igualmente, nenhuma contradição de julgados com o acórdão recorrido, se o acórdão fundamento de 24-04-2012 não decidiu que a coisa era divisível, tendo apenas determinado o prosseguimento dos autos, em vista a essa decisão pela 1.ª instância; e o acórdão fundamento de 14-01-2014 conheceu de questão processual, decidindo anular o despacho da 1.ª instância que desconvocou a audiência preliminar anteriormente designada.
VI - A referência feita, por lapso, no acórdão recorrido a uma norma legal que não é aplicável não constitui, como pretende o recorrente, vício de violação de “lei administrativa”.
VII - Não deve a Relação conhecer da decisão da 1.ª instância que recaiu sobre a impugnação feita ao relatório pericial se esta não constitui objeto do recurso de apelação.
VIII - A sentença da 1.ª instância que é clara, não conduzindo a qualquer dúvida perante uma leitura menos atenta não é nula por ambiguidade ou obscuridade.
IX - Não há nulidade da sentença por omissão de pronúncia, se esta não é o local próprio para decidir a questão “omissa”, como, no caso dos autos, a que se prende com o pagamento de despesas e sanções processuais.
X - Decidindo a questão da fixação dos quinhões, embora concluindo pela sua impossibilidade, não há nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
XI - A sentença da 1.ª instância não violou nenhum princípio constitucional, nomeadamente os princípios da proteção da confiança, da legalidade e da boa fé.

Decisão Texto Integral:
              
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório
1. AA e mulher, BB, CC e mulher, DD, EE, FF e mulher, GG, HH instauraram a presente acção de divisão de coisa comum contra II, JJ, LL, MM e mulher, NN, OO, PP e marido, QQ, RR e SS.
Alegam, em síntese, que:
- Os requerentes e os requeridos são comproprietários do prédio urbano sito na R...., descrito na 4a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 219 e inscrito na respectiva matriz sob o art° 1994;
- Os requerentes não pretendem permanecer na indivisão;
- O prédio embora divisível em substância, não permite a divisão num número de frações que permita contemplar cada um dos comproprietários e teriam alguns de permanecer em compropriedade, o que os requerentes não desejam, pretendendo antes a sua adjudicação a um ou mais interessados ou a venda a terceiros.
2. Os requeridos TT e UU apresentaram contestação, alegando que o prédio é divisível.
TT e UU requereram que o prédio em causa seja constituído em propriedade horizontal, bem como TT pedido reconvencional de condenação no pagamento da quantia de €224 234, 98, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.
3. Na réplica, os Autores contestaram os pedidos reconvencionais.
4. O pedido reconvencional de condenação em quantia certa foi rejeitado.
5. Por decisão de 18.05.2010 foi declarada a divisibilidade do prédio.
6. Por Acórdão da Relação de Lisboa de 24.04.2012 foi confirmada a decisão de não admissão do pedido reconvencional de condenação em quantia certa e foi revogada a decisão que declarou a divisibilidade do prédio. Mais foi determinado que fosse proferido despacho ordenando o prosseguimento dos termos do processo ordinário.
7. Em 2.04.2013 foi proferida decisão que julgou improcedente o pedido de constituição do prédio em propriedade horizontal e foi declarada a indivisibilidade do prédio.
8. Desta decisão foi interposto recurso pelo requerido TT.
9. Em 14.01.2014 foi proferido Acórdão que julgou procedente a apelação e anulou «o despacho que desconvocou a audiência preliminar e os actos que não possam ser aproveitados, nomeadamente o saneador-sentença e o despacho que convocou a conferência de interessados.»
10. Os autos prosseguiram os seus termos, na forma comum, tendo sido organizados temas de prova e efetuada perícia e produção de prova em audiência de discussão e julgamento.
11. Por decisão de 25.01.2016 (proferida nos autos apensos de habilitação de adquirente) foi julgado habilitado VV "na posição ocupada pela comproprietária XX".
12. A 1ª instância veio a proferir a seguinte decisão: «Declarar o prédio sito na R...., descrito na 4a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n" 219 e inscrito na respectiva matriz sob o art" 1994, indivisível, sendo assim improcedente o pedido reconvencional formulado.»
- Custas pelos requeridos (art° 527 do C.P.C.).
- Valor da causa: ao abrigo do disposto no art"302 b) do C.P.C, fixo o valor em€. 1.201.038,87.»

13. Não se conformando com esta decisão, o requerido TT interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

14. A Relação de Lisboa veio a julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.

15. Inconformado com tal decisão, o Apelante TT veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:


I.I - QUANTO À DIVISIBILIDADE DO PRÉDIO

1ª. O prédio dos autos é divisível em 9 fracções autónomas - é um prédio antigo (1890) com diversas alterações ao longo dos anos, sem elevador e sendo constituído por 4 andares (Dto.s, e Esq.s), por um sótão amplo no 5° andar (parte comum), e duas Lojas (nº44-A e 44-B) que funciona presentemente como espaço de recolha de automóveis - "garagem", com 4 pisos (Piso -1, Piso 0, Piso 1, e Piso 2), possuindo duas caves para armazém, escritório, 4 casas de banho, e no Piso 2 um espaço amplo (sem acesso para automóveis), com 2 casas de banho e cozinha, tudo conforme Certidão Municipal.

2ª. Em tal espaço de "garagem" que já esteve arrendado a uma firma ("..., Lda."), durante cerca de 70 anos, e funcionou até ano de 2006 uma estação de serviço com venda de carburante, lavagens de automóveis, lubrificação, recolha de viaturas nomeadamente camionetas, oficina de automóveis, e um restaurante ("...") no Piso 2;

3ª. Tal fracção é destinada ao sector terciário e não a garagem exclusiva do prédio, atento à Certidão Municipal e à composição de tal espaço (com 4 pisos) que não é exclusivo de "garagem" - a garagem ocupa apenas cerca de 2/3 de tal espaço.

4ª. A Certificação Municipal refere que o imóvel pode ser constituído em 9 fracções autónomas; igualmente o Relatório pericial (por unanimidade) dividiu o imóvel em 9 fracções autónomas, e as fracções foram avaliadas individualmente e com base em critérios técnicos - sem ter em conta outras considerações.

5ª. Certas disposições regulamentares sobre a propriedade horizontal não se aplicam a prédios antigos, mormente quando à obrigatoriedade de parqueamento para fracções (andares), nos termos do art. 60°, n° 1 do RJUE.

6ª. O Acórdão recorrido misturou o conceito de "divisibilidade" do imóvel, com o conceito de "divisão" entre os comproprietários, e na sua fundamentação faz referência a legislação administrativa que não se aplica no caso em concreto, tanto por não se aplicar a prédios antigos, tanto por violar o "Requisito da Actualidade".

7ª. A constituição da propriedade horizontal por sentença apenas depende da verificação dos requisitos legais que seriam de exigir se acaso essa constituição fosse realizada pela via administrativa, e está em oposição com os Douto/s Acórdão/s junto aos autos, e o/s Acórdão/s do STJ indicados no presente recurso; Idem a fundamentação do Acórdão recorrido é meramente subjectiva, não se descortinando o que é entendido por "critério da razoabilidade";

8ª. Cabendo aqui perguntar se tal subjectivo "critério da razoabilidade" é inviabilizar a constituição da propriedade horizontal de pequenos proprietários, para os prédios serem adquiridos na totalidade por terceiros com poder económico, para os negociar para outros fins, com intuitos especulativos? Não está, certamente, no espírito da lei a cobertura destas situações!

9ª. A ilação de considerar a fracção "A" ("garagem") como parte comum, ou integrante de outras fracções, para a composição de quinhões apenas foi tirada pela Exma. Sra. Juiz de 1ª Instância, e não tem suporte documental nem legal, baseando-se numa mera proposta de "distribuição de quinhões", segundo sugestão dos Sr.s peritos que não vincula o Tribunal, AA., ou RR..

10ª. A Lei não faz discriminação entre comproprietários maioritários e minoritários, ambos têm os mesmos direitos e deveres, independentemente de possuírem mais ou menos percentagem/avos no imóvel; ln casu nem a composição de quinhões do prédio pode estar condicionada pelas quotas-partes dos comproprietários.


I.II - VIOLAÇÃO DE LEI E CONTRADIÇÃO DE ACÓRDÃOS

(Violação da Lei substantiva, adjectiva, e administrativa)


11ª. O Acórdão recorrido desconsiderou a Certidão Municipal e o Relatório Pericial no que concerne à divisão do prédio em 9 fracções autónomas, tirando ilações contrárias ao que aí é dito.

12ª. Os peritos extravasaram as suas competências e a Lei quando se propuseram distribuir os quinhões, a distribuição é feita na "conferência de interessados" e não antes (art. 929°, n° 1 do C.P.C.);

13ª. Os peritos só têm competência para fixar as percentagens e valor patrimonial das fracções de prédios com vista à constituição de propriedade horizontal; Aliás, os peritos dizem que a sua opinião é uma mera proposta, e a decisão final deve resultar do "acordo das partes", ou a "consubstanciar pelo Tribunal" (pág. 4/94 do relatório pericial).


I.III - CONTRADIÇÃO COM ACÓRDÃOS DO STJ

14ª. O Acórdão recorrido está em contradição/oposição com o Ac. do STJ de 15/11/2012 (Relator Abrantes Geraldes); Idem Ac. do STJ de 18/6/2002 (Relator Neves Ribeiro).

15ª. Para a resolução da questão da divisibilidade, importa que não interfira a operação situada a jusante correspondente à eventual atribuição ou distribuição de parcelas por todos ou apenas por alguns dos comproprietários.

16ª. Uma vez verificada a divisibilidade em substância do prédio, deviam ter sido fixados os quinhões e convocada a "conferência de interessados".

17ª. A constituição da propriedade horizontal por sentença apenas depende da verificação da existência dos requisitos legais que seriam de exigir se acaso essa constituição fosse realizada pela via administrativa.


I.IV - CONTRADIÇÃO COM ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DE LISBOA

18ª. O Acórdão recorrido está em contradição/oposição com o Acórdão da Relação de Lisboa, 7a Secção, de 24/04/2012, mormente na pág. 26 que diz: "E a esta questão da divisibilidade ou não do prédio não se responde com o conceito de "divisão" ou não do bem, conforme parece extrair-se das alegações dos AA. ".

19ª. Idem com o Acórdão de 14/01/2014, 7a Secção, que reforçou na sua fundamentação o conceito da "divisibilidade" do imóvel, referido no Acórdão precedente.


LV - FORÇA PROBATÓRIA E INDIVISIBILIDADE DA DECLARAÇÃO

(Violação do art. 360º do Código Civil)


20ª. O Acórdão recorrido ao desconsiderar a fundamentação dos Acórdãos da Relação de Lisboa supra referidos, violou o art. 360° do Código Civil - por aplicação analógica, e 152, n° 1 do C.P.C..

LVI - VIOLAÇÃO DA LEI ADMINISTRATIVA

21ª. As edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respetivas não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes (art. 60°, nº 1 do RJEU).

22ª. O art. 55°, alínea a) e b), do RMUEL, não tem aplicação no caso em concreto, uma vez que a fracção "A" ("garagem") não é garagem para as fracções (andares), mas sim uma fracção autónoma do prédio, de acordo com a Certificação Municipal.

23ª. Nem pode haver outra solução para tal fracção, porque a C.M.L. só autorizou a Fracção "A" ("garagem") como fracção autónoma, conforme Certidão Municipal, e Relatório Pericial, porque nas palavras dos Sr.s peritos: "tal alteração careça de pedido de licenciamento e aprovação pela Câmara Municipal de Lisboa" - Vide resposta ao Quesito 10° (perguntas aos peritos) do R. e ora recorrente a fls .. .).


II

II.I - QUANTO AO DESPACHO QUE APRECIOU AS RECLAMAÇÓES AO RELATÓRIO PERICIAL


24ª. Os Sr.s Peritos nunca afirmaram que a garagem é uma "parte comum" do imóvel, ao contrário do que é referido pela Exma. Sra. Juiz a quo no despacho com a decisão Ref. n°342371957, em que afirma que "a garagem é parte comum do prédio", sem qualquer fundamento documental ou legal; Por outro lado violou o art. 923°, n° 3 do C.P.C., ao reproduzir uma mera opinião dos peritos, porque "O Juiz não é um receptor passivo da opinião do perito, assistindo-lhe o poder/dever de valorar autonomamente tal prova" - iudex peritus peritorum.

25ª. Tal foi impugnado pelo R. e ora recorrente nas alegações do recurso de Apelação, juntas com o requerimento de interposição do recurso, nas pág.s 10 a 12 do recurso de Apelação, e nas Conclusões - Ponto 8, Ponto 78, e a final no Ponto "B")); Idem quanto ao preciso segmento decisório que se impugnou, conforme o alegado no recurso de Apelação.


II.II - QUANTO À NULIDADE DA SENTENÇA

26ª. Existe dissonância e incumprimento dos Acórdãos da Relação de Lisboa, estes têm fundamentação e são unos, nos termos do art. 360° do C.C., pelo que se deve aceitar toda a sua fundamentação e não apenas uma parte diminuta desta, omitindo o resto para fundamentar determinado raciocínio.

27ª. No que concerne à primeira decisão do Tribunal de 1ª Instância, apesar de tal sentença (a fls. 360 e seg.) ter sido revogada pelo Tribunal da Relação, na fundamentação está em contradição com a segunda sentença proferida pelo mesmo Tribunal de 1ª Instância, tendo como base os mesmos Factos e Direito, o que se afigura no mínimo estranho.


II.III - QUANTO À OMISSÃO DE PRONÚNCIA

28ª. Os RR. (JJ, LL, e António Paulo) ao recusarem-se a pagar as despesas e sanções processuais, depois da Exma. Sra. Juiz a quo ter proferido despacho para as pagarem, deviam ter sido objecto de decisão condenatória, por não terem recorrido da decisão (art. 644°, n° 3 do C.P.C.).

29ª. Quanto aos quinhões estes deviam ter sido fixados na sentença, por o imóvel ser "divisível" por natureza, conforme foi admitido na sentença pelo Tribunal de 1ª. Instância.


II.IV - QUANTO A SENTENÇA SER AMBÍGUA, OBSCURA, E INCOMPREENCÍVEL

30ª. Nos pontos "III-factos provados" e na "IV-Motivação" é dito que o prédio é divisível por natureza, no ponto "V -do Direito" conclui que o prédio é indivisível;

31ª. Porque, o que se discute, é a "divisibilidade" do prédio com vista à constituição da propriedade horizontal por via judicial, e não a "divisão" entre os comproprietários.


II.V - QUANTO A VIOLAÇÃO DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS

32ª. A Exma. Juiz de 1ª. Instância, limitou-se a reproduzir uma mera sugestão (não vinculativa) dos peritos, ademais ilegal, descartando as suas responsabilidades como Juiz (art. 927°, n° 3 do C.P.C.); No mesmo erro e na violação dos mesmos preceitos legais incorreu o Acórdão recorrido, ao ter suportado tal fundamentação da Exma. Sra. Juiz a quo.

33ª. Tal violação de preceitos constitucionais também se aplica ao despacho da Exma. Sra. Juiz a quo (decisão Ref. n° 342371957), por "incentivar" as respostas dos Sr.s Peritos, fazendo pedido de esclarecimentos cuja falta de fundamento não devia ignorar, violando, assim, o "princípio da protecção da confiança ", "princípio da legalidade" e "o princípio da boa-fé ".

34ª. A apreciação de tal questão da "divisibilidade" e a diferença entre "divisibilidade e "divisão", pelo STJ é claramente necessária para uma "melhor aplicação do Direito ", e igualmente os interesses são de "particular relevância social" por estar em causa habitações próprias do R. e ora recorrente (que aí reside há mais de 40 anos), e de outros RR. comproprietários que residem no imóvel, tendo estes gasto bastante dinheiro na manutenção do mesmo, não possuindo habitação alternativa, em caso de alienação total do prédio - porque uma coisa é ser inquilino outra coisa proprietário.

35ª. O Acórdão recorrido apresenta-se incorrecto, violando ou desconsiderando os art.s 209º, 360º, 1415º, e 1417º do Código Civil; os art.s 4º, 152º, nº1; 615º, nº1 alínea c) e d), 917º, nº3, e 929º, nº1 do Código do Processo Civil; e art.s 22º, e 266º, nº2 da Constituição da República Portuguesa; e art.s 60º, nº1, 66º, nº1 e nº2 do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação). Idem contradição/oposição de Acórdãos do Mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, e o/s Acórdão/s-fundamento do STJ, junto aos autos, pelo que se impugna toda a fundamentação do Acórdão recorrido, nos termos supra referido.

E conclui da forma seguinte:

A- SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS;

B- DECRETAR A DIVISIBILIDADE DO IMÓVEL PARA A CONSTITUIÇÃO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL POR VIA JUDICIAL, POR ESTAREM PREENCHIDOS OS REQUISITOS CIVIS, ADMINISTRATIVOS, E TIPOLÓGICOS;

C- O PRÉDIO DOS AUTOS SER DIVISÍVEL EM 9 (NOVE) FRACÇÕES AUTÓNOMAS, CONFORME CONSTA DA CERTIDÃO MUNICIPAL, E RELATÓRIO PERICIAL;

D- A QUE CORRESPONDEM 9 (NOVE) QUINHÕES, A SEREM FIXADOS PELO DOUTO TRIBUNAL;

E- ADEMAIS, TAL SENTENÇA E DESPACHO DO TRIBUNAL DE lª INSTÂNCIA SUPORTADAS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO DEVEM SER CONSIDERADOS NULOS POR VIOLAR DISPOSIÇÕES LEGAIS E CONSTITUCIONAIS”.

15. Os Recorridos AA, BB, CC, DD, HH, EE, FF e GG contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista.

16. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- divisibilidade do prédio;

- violação de lei e contradição de Acórdãos;

- contradição com Acórdãos do STJ;

- contradição com Acórdãos da Relação de Lisboa;

- violação da lei administrativa;

- as reclamações ao relatório pericial;

- a nulidade da sentença;

- a omissão de pronúncia;

- a ambiguidade, obscuridade e incompreensibilidade da sentença;

- a violação de preceitos constitucionais.

                III. Fundamentação.

1. Dos factos provados

1.1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 1195, um prédio urbano sito na Rua ..., composto por rés-do-chão, 4 andares, sótão, logradouro e garagem, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 747.

1.2. Nos autos de inventário de que este é apenso, foi descrito e partilhado o
referido imóvel, registado em nome de YY, na proporção
de 5/12 e de MM na proporção de 7/12.

1.3.A quota da inventariada YY foi adjudicada a favor de:

- 3/15 a favor de ZZ; -3/15 a favor de LL, casado com JJ , no regime de comunhão de bens;

- 3/15 a favor de II -1/15 ao interessado HH; -1/15 à interessada EE; -1/15 ao interessado FF;

-1/15 ao interessado TT; -1/15 à interessada PP; -1/15 à interessada UU;
1.4. A quota do inventariado MM foi adjudicada aos seus três filhos:
-1/3 ao interessado TT;
-1/3 à interessada PP;
-1/3 à interessada UU.
1.5. Em 30/10/92, faleceu LL, tendo deixado como herdeiros sua esposa JJ, e seus filhos LL e MM.
1.6. ZZ faleceu em 20/11/2004, no estado de viúva, tendo sido habilitados como seus herdeiros seus filhos AA e CC;
1.7. A propriedade deste imóvel encontra-se registada a favor de requerentes e requeridos, com as seguintes quotas:
- TT: 40/180;
- PP: 40/180;
- UU Oliveira: 40/180;
- Aquisição em comum e sem determinação de parte ou de direito: CC, casado com DD e AA, casado com BB, da seguinte quota: 15/180;
- XX: 15/180;
- HH: 5/180; -EE: 5/180;
- FF: 5/180;
- LL: 15/180.
Além de sua mulher, JJ, são herdeiros de LL: LL e MM, casado com NN.
1.8. Por escritura pública de 29/04/15, pela requerida II, foi declarado vender ao requerido AA, 15/180 do prédio sito na Rua ..., freguesia dos Anjos, composto por rés-do-chão, 4 andares, sótão, logradouro e garagem.
1.9. Pela Câmara Municipal de Lisboa, foi emitida certidão no âmbito do Proc. n° 4492/DOC/2014com data de 27/10/2014, certificando que o prédio reúne os requisitos para constituição da propriedade Horizontal.
1.10. O referido prédio é constituído pelas seguintes unidades: -garagem com pelos n°s 44-A e 44-B, nos pisos -1,0, 1 e 2, sendo a ligação entre os diversos pisos feita por rampas e escadas, existindo no R/C um espaço de escritório e duas instalações sanitárias e no 2° piso uma cozinha e casa de banho, com o valor de € 232.275,54;
- 1 andar no 1° Dt°, com 7 divisões, cozinha e casa de banho e terraço de cobertura, com o valor de € 125.687,30;
- 1 andar no 1° Esq. com 3 divisões, cozinha e casa de banho e terraço de cobertura, com o valor de € 94.261,57;
- 1 andar no 2° Dt°, com 7 divisões, cozinha e casa de banho, com o valor de € 173.386,17;
- 1 andar no 2° Esq. com 2 divisões, cozinha e casa de banho, com o valor de € 72.724,83;
- 1 andar no 3° Dt°, com 7 divisões, cozinha e casa de banho, com o valor de € 171.465,79;
- 1 andar no 3° Esq. com 3 divisões, cozinha e casa de banho, com o valor de 108.996,69;
- 1 andar no 4° Dt°, com 7 divisões, cozinha e casa de banho, com o valor de 134.505,75;
- 1 andar no 4° Esq. com 3 divisões, cozinha e casa de banho, 87.735,13;
- sótão no 5° andar em esconso com 6 divisões, cozinha e duas casas de banho;
1.11. Os pisos de garagem têm entrada independente pelos n°s 44 -A e 44-B.
1.12. Cada uma das habitações existentes no prédio acima referido nos pisos 1 a 4, formam unidades independentes entre si, com saídas próprias para uma parte comum (escadas de cada andar e vestíbulo de entrada principal).
1.13. O valor total do prédio referido cifra-se em 1.201.038,87 Euros (por
perícia efectuada cujo relatório consta de fls. 1572 dos autos).

1.14. No referido prédio é possível a constituição de 9 fracções autónomas:
- fracção A, garagem, com a permilagem de 317%;
- fracção B, correspondente ao 1° Dt°, com a permilagem de 114%;
- fracção C, correspondente ao 1° Esq°, com a permilagem de 67%;
- fracção D, correspondente ao 2° Dt°, com a permilagem de 108%;
- fracção E, correspondente ao 2° Esq.0, com a permilagem de 61%;
- fracção F, correspondente ao 3o Dt°, com a permilagem de 101%; -fracção G, correspondente ao 3o Esq.0, com a permilagem de 66%;
- fracção H, correspondente ao 4o Dt°, com a permilagem de 101%; -fracção I, correspondente ao 4o Esq. com a permilagem de 65%.

2. Do mérito do recurso

Na análise das questões seguir-se-á, por facilidade de exposição, a ordem pela qual foram apresentadas no recurso.
2.1. A divisibilidade do imóvel
As instâncias entenderam que o imóvel objeto destes autos de divisão de coisa comum era indivisível, por, no seu entendimento, não ser possível a formação de quinhões que contemplem todos os comproprietários de acordo com as suas quotas (foi esta a questão essencial que as instâncias colocaram e não qualquer outra).

                Os Recorrentes interpuseram recurso de revista, concluindo pela divisibilidade do imóvel.

            A ação de coisa comum tem como objetivo proceder à divisão em substância da coisa ou, quando se apure ser esta indivisível, à respetiva adjudicação a um dos consortes ou a venda a terceiros, com repartição do valor. Na possibilidade de a coisa ser divisível será feita a adjudicação, por acordo, depois de fixados os quinhões, a cada interessado ou, na falta de acordo, a sua atribuição por sorteio (cfr. artigos 1052º e 1056º do vCódigo de Processo Civil e artigos 925º e 929º do nCódigo de Processo Civil) e com fundamento em que, nos termos do disposto no nº1 do artigo 1412º do Código Civil, nenhum dos comproprietários pode ser obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa, sendo que, neste último caso, o prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco anos, podendo este prazo ser renovado uma ou mais vezes, por convenção (nº2 do citado artigo 1412º do Código Civil).

           

            Discute-se, no caso presente, se se verifica uma situação de divisibilidade da coisa, isto é, do imóvel identificado nos autos.

           

            Ora, nos termos do disposto no artigo 209º do Código Civil, são divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor, ou prejuízo para o uso a que se destinam.

            Resulta deste preceito legal que a divisibilidade ou indivisibilidade da coisa se afere em termos jurídicos e não físicos.

            “As coisas são naturalmente divisíveis até ao infinito. Mas não é essa a divisibilidade que é relevante nesta matéria. O critério da divisibilidade jurídica das coisas assenta sobre três factores: a substância, o valor e o uso. Só podem ser tidas como divisíveis juridicamente as coisas que possam ser cindidas em partes, sem que percam a sua substância, sem que se reduza o seu valor e sem que o seu uso próprio seja prejudicado. Se faltar uma destas características, a coisa é juridicamente tida como indivisível”

            - Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 2012, pág. 201 –

            Ora, do ponto de vista jurídico para que se possa concluir pela divisibilidade de uma coisa corpórea é necessário que:

            - não se altere a sua substância;

            - não haja diminuição do seu valor (detrimento);

            - não seja prejudicado o uso da coisa.

            Faltando qualquer destas circunstâncias a coisa é, para a lei civil, indivisível

- cfr. Acórdão do STJ, de 12 de dezembro de 1989, in BMJ, nº392, pág.461 –

           

Por outro lado, a divisibilidade que a lei previa no artigo 1052º do vCódigo de Processo Civil e prevê no artigo 925º do nCódigo de Processo Civil há-de ser de modo a inteirar em espécie todos os interessados, sem que haja lugar a tornas.

           - cfr. Acórdãos do STJ, de 5 de novembro de 2002, consultável  em www.dgsi.pt

            Ou, como se afirma no Acórdão de 23 de setembro de 2008, consultável em www.dgsi.pt, a indivisibilidade de um prédio não se esgota na definição constante do artigo 209º do Código Civil.

            Como vem sendo defendido na jurisprudência, com a exceção invocada pelo Recorrente, a indivisibilidade ou a divisibilidade de uma coisa comum tem ainda de ser aferida em função da quota-parte de cada proprietário, de forma a que os interessados sejam inteirados em espécie, aquando da divisibilidade da coisa, sem que haja lugar a tornas (cfr. artigo 1056º do vCódigo de Processo Civil e artigo 929º do nCódigo de Processo Civil). Daí que estas disposições legais referissem e/ou refiram que a adjudicação se efetua por acordo e na falta de acordo na adjudicação se proceda a sorteio.

            Como atrás se referiu, discute-se nestes autos a questão da indivisibilidade da coisa pertença de recorrentes e recorridos.

            A Relação, no Acórdão sob recurso, refere que a coisa é indivisível porquanto “em caso de divisibilidade do prédio seguir-se-ia a fase do sorteio (art.929º, nº1 do CPC). Antes do sorteio deveriam ser formados quinhões na proporção da quota de cada comproprietário e de acordo com critérios de razoabilidade, o que não é possível no caso concreto.”.

            Os recorrentes insurgem-se contra esta decisão, afirmando que o prédio dos autos é divisível em 9 frações autónomas, que poderão ser atribuídas a cada um dos nove comproprietários.

            Como bem refere, nesta parte, o Recorrente o imóvel poderia ser constituído em propriedade horizontal, em 9 frações, como resulta da certificação camarária (sem a qual não seria admissível a constituição da propriedade horizontal) bem como do relatório pericial que dividiu o imóvel em 9 frações.

            E o Recorrente tem razão quando refere que atenta a data da construção do imóvel não se aplicam determinadas normas do RJUE, nomeadamente as que se reportam com a obrigatoriedade de parqueamento para as frações habitacionais, pelo que nada impediria a constituição como fração autónoma aquela que se mostra apontada como fracção A, garagem, com a permilagem de 317%, com o valor de €232 275,54.

            O que no caso presente impede a que se possa considerar a divisibilidade nos termos supra referidos é a impossibilidade de se formar quinhões na proporção da quota de cada comproprietário.
Assim, verifica-se que as quotas dos comproprietários são muito diversas, como resulta dos factos provados (cfr, pontos 1.7. dos factos provados):
- TT: 40/180;
- PP: 40/180;
- UU : 40/180;
- Aquisição em comum e sem determinação de parte ou de direito: CC, casado com DD e AA, casado com BB, da seguinte quota: 15/180;
- XX: 15/180;
- HH: 5/180;
- EE: 5/180;
- FF: 5/180;
- LL: 15/180.
Além de sua mulher, JJ, são herdeiros de LL: LL e MM, casado com NN

             O imóvel, aceitando-se a constituição em propriedade horizontal (o que é questionado pelos interessados AA, BB, CC, DD, HH, FF e AAA, por não ser a pretensão de todos os condóminos, mas que para a solução do caso presente não se torna necessário analisar se basta a pretensão de um comproprietário ou se torna necessário que todos os comproprietários se mostrem de acordo quanto à constituição da propriedade horizontal), teria 9 frações, com a permilagem e os valores constantes dos pontos 1.10., 1.13., e 1.14.).

            Assim, verifica-se que as frações, quer na sua permilagem quer no seu valor, são muito afastadas das quotas de cada um dos comproprietários pelo que não seria possível preencher os quinhões sem o recurso a tornas (dar ou receber tornas).

            Ora, como se referiu, o processo de divisão de coisa comum, quando ocorre a divisão do bem em compropriedade, não possibilita o pagamento ou recebimento de tornas, porquanto se determina que a adjudicação seja feita, por acordo, em conferência de interessados e, na falta de acordo se proceda a adjudicação por sorteio, o que configura a que os lotes constituídos sejam os correspondentes às quotas de cada um dos interessados.

            Aliás, a referência a pagamento das tornas efetuada no nº5 do artigo 929º do Código de Processo Civil (ou “ao pagamento das quotas em dinheiro” que se mostrava previsto no nº3 do artigo 1056º do vCódigo de Processo Civil) reporta-se à situação em que a coisa é considerada indivisível e, havendo acordo quanto à adjudicação a algum dos interessados, se terá de preencher as quotas dos restante em dinheiro.

            Não se olvida que as regras do processo visam a concretização dos direitos das pessoas, mas as regras enunciadas não colocam em crise esses direitos.

           

            Por outro lado, não existe qualquer confusão entre divisibilidade da coisa e divisão, porquanto a divisibilidade da coisa não é material mas jurídica, como atrás se referiu.

             Deste modo, se conclui pela indivisibilidade da coisa.


2.2. A violação de lei e contradição de Acórdãos

                O Recorrente refere que o Acórdão recorrido desconsiderou a Certidão Municipal e o Relatório Pericial no que concerne à divisão do prédio em 9 frações autónomas e que os peritos extravasaram as suas competências e a lei quando se propuseram distribuir os quinhões, “a distribuição é feita na “conferência de interessados” e não antes (art.929º, nº1 do C.P.C.)”.

            Em determinada parte do seu relatório pericial, os peritos indicaM uma forma de atribuição da divisão do imóvel por todos os comproprietários, procurando que todos tivessem uma parte do imóvel.

            O Recorrente tem razão na crítica que faz no sentido de que não compete aos peritos procederem à atribuição dos lotes aos interessados, por mais louvável que seja o seu propósito. Fixados os quinhões, a adjudicação faz-se nos termos do disposto no artigo 929º, nº1, do nCódigo de Processo Civil, isto é, na conferência de interessados (como já o era no âmbito do vCódigo de Processo Civil – artigo 1056º, nº1).

            Contudo, este procedimento dos peritos nenhuma influência teve no normal procedimento dos autos, sendo antes um esforço desnecessário para se conseguir um acordo possível dos interessados.

            Quanto ao Acórdão recorrido não desconsiderou quer o relatório pericial que é somente um dos elementos para ponderação do Tribunal para fixar os factos quer da certidão camarária que só tinha relevância para a possibilidade de se poder constituir o imóvel em propriedade horizontal.

            O Acórdão recorrido considerou que o imóvel, apesar de se poder constituir em propriedade horizontal – 9 frações – não considerou que fosse divisível, por no seu entender não ser suficiente a divisão em 9 frações dado que o que está em causa é uma divisão jurídica e não física do imóvel, não estando preenchidos todos os requisitos para se considerar divisível a coisa.

            No que respeita aos Acórdãos do STJ (de 15/11/2012 e 18/06/2002) que estarão em contradição com a decisão do Tribunal da Relação objeto do presente recurso, nenhuma censura merece o Acórdão da Relação com este fundamento, porquanto a Relação não estava sujeita a seguir qualquer das posições assumidas nos referidos Acórdãos (que, aliás, não se reportam a situações idênticas).

            2.3. Contradição com Acórdãos da Relação de Lisboa

           

O Recorrente refere que o Acórdão recorrido está em “contradição/oposição” com os Acórdãos de 24/04/2012 e de 14/01/2014 que, na sua fundamentação afirmaram a divisibilidade do imóvel, pelo que o Acórdão recorrido não poderia pronunciar-se pela indivisibilidade do imóvel.

Ora, da análise dos Acórdãos proferidos nos presentes autos, verifica-se:

O Acórdão proferido em 24/04/2012 veio a considerar que os autos não continham todos os elementos necessários para que houvesse pronúncia sobre a divisibilidade do imóvel (como tinha sido declarado pela 1ª instância), tendo revogado a “sentença proferida a fls.360/ss dos autos que deve ser substituída por despacho que mande a acção seguir os termos do processo ordinário, anulando - todos os demais actos praticados a partir do despacho de não admissão do pedido reconvencional, que se mantém” (cfr. fls.940), tendo-se referido no texto que “caso os peritos se pronunciem sobre a divisibilidade do prédio, deverá o senhor Juiz de 1ª Instância convidar o Réu a juntar o certificado municipal em como o prédio dos autos reúne os requisitos para a constituição da propriedade horizontal, junção essa a efectuar em prazo a definir e com a menção de que a ausência de tal elemento determina a improcedência do pedido de constituição da propriedade horizontal por via judicial, pelo mesmo solicitada”.

Assim, verifica-se que o Acórdão citado não decidiu que a coisa era divisível mas determinou o prosseguimento dos autos no sentido de, com o contributo dos peritos e com a possível junção de documentos camarários, o Tribunal de 1ª instância poder decidir sobre a divisibilidade ou indivisibilidade da coisa.

A esta conclusão não obsta as referências que se efetuam ao longo do Acórdão sobre a questão da divisibilidade ou não do prédio e o conceito de “divisão”, pois nenhuma decisão se mostra proferida sobre a situação em concreto, tendo o Acórdão referido concluído que, nesse momento, os autos não tinham todos os elementos para se proferir decisão sobre a divisibilidade ou não do prédio.

Quanto ao Acórdão proferido a 14/01/2014:

Neste Acórdão foi decidido anular “o despacho que desconvocou a audiência preliminar e, bem assim os actos subsequentes que não possam ser aproveitados, nomeadamente o saneador-sentença e o despacho que convocou a conferência de interessados” (cfr. fls.1286).

E nesse Acórdão o objeto do recurso foi delimitado nestes termos: “cumpre resolver as seguintes questões: (i) nulidade do despacho que deu sem efeito a audiência preliminar; (ii) nulidade da sentença por omissão de pronúncia e violação do princípio do contraditório; (iii) valor probatório do documento de fls.1009 que integra um despacho de 19-10-2012, da directora da Unidade de Intervenção Territorial Centro e (iv) possibilidade de constituição do imóvel em propriedade horizontal; (v) renovação dos meios de prova.” (cfr. fls.1279)

E iniciando a apreciação da primeira questão, o Acórdão refere: “O R. (esclarece-se que se refere ao ora Recorrente TT) nas conclusões de recurso sustenta que o despacho que desconvocou a previamente agendada audiência preliminar, com as finalidades previstas nas alíneas a) a e) do artº508-A CPC, é nulo, com base nos argumentos que a seguir se sintetizam. (i) a realização da audiência preliminar é a regra em sede de processo ordinário, tanto mais que o despacho que a designa não é considerado de mero expediente, segundo a jurisprudência dominante; (ii) o apelante refere ter-lhe sido frustrada a oportunidade, não só de esclarecer assuntos relevantes, inerentes à situação actual do imóvel, como a de indicar os meios de prova em sede de audiência preliminar, designadamente, a perícia que foi determinada pelo Ac. RL de 24.04.2012 e, bem assim, uma vistoria para atestar da presente situação do imóvel; (iii) sustenta ter havido violação dos princípios de protecção da confiança e da boa-fé constitucionalmente consagrados” (cfr. fls.1281).

Assim, e perante este delimitar do recurso de apelação, se constata que a questão colocada e decidida pelo Acórdão da Relação de Lisboa de fls.1261 a 1286, em primeiro lugar, sendo certo que o conhecimento das demais questões ficou prejudicado, não é sobre a divisibilidade da coisa mas sobre uma questão processual, isto é, se o Tribunal de 1ª instância agiu corretamente, do ponto de vista processual, quando decidiu desconvocar a audiência preliminar, tendo o Tribunal da Relação decidido anular o despacho.

Desta forma, o Acórdão sob recurso também não violou qualquer decisão anteriormente proferida pelo mesmo Tribunal da Relação, não se mostrando desrespeitado o disposto no nº1 do artigo 152º do Código de Processo Civil.

2.5. A violação da lei administrativa

O Recorrente refere, ainda, que foi violada “a lei administrativa”, porquanto o disposto nas alíneas a) e b) do RJEU não tem aplicação no caso concreto.

No Acórdão recorrido expendeu-se o raciocínio da necessidade de todas as frações habitacionais terem um espaço de garagem, invocando-se a citada disposição legal, pelo que o espaço de garagem, a admitir-se a divisibilidade do imóvel, deveria ser distribuído por todas as frações habitacionais.

Como já se referiu anteriormente, trata-se de um manifesto lapso do afirmado pelo Tribunal da Relação no Acórdão recorrido, porquanto, no caso concreto, essa imposição legal não era aplicável, por força do que dispõe o nº1 do artigo 60º do RJEU, atenta a data de construção do prédio dos autos, sendo, como referem os Recorrentes, as edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respectivas não são afectadas por normas legais e regulamentares supervenientes.

Também, como afirma o Recorrente, a Câmara Municipal só considerou, para a verificação dos requisitos administrativos para a constituição do imóvel em propriedade horizontal, a garagem como fração autónoma, independente das restantes frações habitacionais que admitiu.

Contudo, esse lapso que o Acórdão contém, não conduz a resultado pretendido pelo Recorrente, como se afirmou anteriormente.

2.6. As reclamações ao relatório pericial

O Recorrente veio insurgir-se contra o despacho proferido no Tribunal de 1ª instância, com Ref. nº 342371957, mais concretamente, sobre partes dessa decisão.

No Acórdão sob recurso foi decidido não se pronunciar sobre essa impugnação por não ter sido interposto recurso dessa decisão.

Ora, o Recorrente interpôs recurso de apelação pelo requerimento de fls. 1915 e, nesse requerimento afirma expressamente que interpõe recurso da sentença proferida, “que declarou a indivisibilidade do imóvel”.

Assim, não tinha a Relação de se pronunciar sobre a referida decisão pois a mesma não havia sido impugnada pelo Recorrente.

2.7. A nulidade da sentença

O Recorrente refere que se verifica a nulidade da sentença porquanto a mesma não “aceitou” os fundamentos dos Acórdãos proferidos nestes autos, bem como está em contradição com a segunda sentença proferida pelo mesmo Tribunal, tendo por base os mesmos factos e direito e que a mesma é ambígua, obscura e incompreensível, porquanto afirma que o prédio é divisível por natureza e conclui que o prédio é indivisível e que o que se discute é a divisibilidade do prédio com vista À constituição da propriedade horizontal por via judicial e não a “divisão” entre os comproprietários.

No Acórdão sob recurso a pretensão do Recorrente não obteve acolhimento.

Prescreve a alínea c) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (aplicável aos Acórdãos por força do disposto no nº1 do artigo 666º do Código de Processo Civil).

Por outro lado, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea d) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil).

Algumas das questões que o Recorrente suscita não configuram nulidades da sentença, sendo certo, como se afirmou anteriormente que o Tribunal de 1ª instância não violou qualquer dos Acórdãos proferidos no âmbito dos presentes autos, bem como não estava vinculada a proferir idêntica decisão à anteriormente proferida quando esta foi revogada pelo Tribunal Superior.

Quanto à ambiguidade e obscuridade, não se verifica essa nulidade, porquanto a sentença é clara, não conduzindo a qualquer dúvida perante uma leitura menos atenta: a questão, como se referiu anteriormente, não é se uma coisa é divisível por natureza, mas se se verifica a denominada divisibilidade jurídica, e foi esta distinção que as decisões das instâncias fizeram.

Por outro lado, ao contrário do que refere o Recorrente, o objeto destes autos não é a divisibilidade do prédio “com vista à constituição da propriedade horizontal por via judicial” mas sim por fim à compropriedade do imóvel, procurando dividir o imóvel pelos interessados (e nesse sentido ser necessária a constituição da propriedade horizontal) ou, sendo indivisível, a adjudicação a um interessado (ou vários interessados) e o preenchimento dos quinhões dos outros em dinheiro, ou a venda a terceiros.

No que respeita à omissão de pronúncia, o Recorrente reporta-se a duas situações: os Réus JJ, LL e MM recusaram-se a pagar as despesas e sanções processuais, depois de ter sido proferido despacho para as pagarem, deviam ter sido objeto de decisão condenatória, por não terem recorrido da decisão; e deviam ter sido fixados os quinhões na sentença, por o imóvel ser “divisível” por natureza.

Como se refere no Acórdão sob recurso, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, porquanto o local próprio para se decidir sobre o não pagamento das despesas por parte dos Réus JJ, LL e MM não era na decisão impugnada. Os referidos Réus manifestaram a pretensão de impugnar o pagamento das despesas (cfr. fls.1819), tendo, perante essa recusa, o Juiz de 1ª instância determinado que os valores deveriam ser adiantados pelo IGFEJ e que os autos fossem, oportunamente, com vista ao MP (cfr. fls.1834), pelo que antes da pronúncia do Magistrado do MP, o que ainda não ocorreu, não era possível a decisão definitiva.

 Relativamente, à fixação dos quinhões a sentença pronunciou-se sobre essa questão, afirmando expressamente que “não se vislumbra que possam ser formados quinhões que contemplem todos os comproprietários de acordo com as respectivas quotas”, tendo concluído pela indivisibilidade.

E perante esta pronúncia, podemos afirmar que houve pronúncia, o que afasta a ocorrência da nulidade por omissão de pronúncia, o que é diferente da discordância quanto ao decidido.

Deste modo, a pretensão do recorrente não pode proceder.

2.8. A violação de preceitos constitucionais

Por fim, o Recorrente invoca a violação dos princípios constitucionais da protecção da confiança, da legalidade e o princípio da boa fé, com fundamento em que houve violação do Acórdão da Relação de Lisboa de 24/04/2012, que já havia decidido sobre a a questão da divisibilidade ou não do prédio, não respeitando as decisões dos Tribunais Superiores  e por o Juiz de 1ª instância se limitar “a reproduzir uma mera opinião (não vinculativa) dos peritos” e “por incentivar as respostas…, fazendo pedido de esclarecimentos cuja falta de fundamento não devia ignorar”.

Como já se referiu anteriormente, a questão da divisibilidade ou indivisibilidade ainda não tinha sido decidida por qualquer das decisões do Tribunal da Relação proferidas nos presentes, e pelas quais o Tribunal da 1ª instância estava vinculado.

Por outro lado, é lícito ao Juiz questionar os peritos, formulando as questões que considera pertinentes, mesmo aquelas que o Recorrente considera sem fundamento; também não existe qualquer impedimento legal para que o Juiz não considere os factos provados com fundamento nos relatórios periciais.

Assim, não se verifica a violação de qualquer princípio constitucional.

Pelo exposto, o recurso não merece provimento.


IV. Decisão
Posto o que precede, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas ficam a cargo do Recorrente.



Lisboa, 15 de fevereiro de 2018

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)

Lima Gonçalves

Cabral Tavares

Fátima Gomes




(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)