Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
408/16.0T8CTB.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OFENSA DO CASO JULGADO
REJEIÇÃO PARCIAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
ACÇÃO DE DESPEJO
AÇÃO DE DESPEJO
VALOR DA CAUSA
VALOR REAL
VALOR PATRIMONIAL
BEM IMÓVEL
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
CASO JULGADO MATERIAL
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 11/22/2018
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / VERIFICAÇÃO DO VALOR DA CAUSA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, p.51;
- Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, 2003, Volume 3º, p. 11;
- Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3.ª Edição, p. 749;
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 304;
- Teixeira de Sousa, O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 171-179.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 298.º E 629.º, N.º 2, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-03-1997, IN BMJ N.º 465, P. 477;
- DE 03-02-2011, PROCESSO N.º 190A/1999.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-11-2015, PROCESSO N.º 34/12, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-02-2017, PROCESSO N.º 2623/11, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-03-2017, RELATOR TOMÉ GOMES, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 1907/14.3TBCSC.L1.S1.
Sumário :
I – O critério especial de determinação do valor da causa previsto no art. 298º do CPC para ações de despejo não vale em ação de outra natureza.

II – O STJ não pode apurar o valor de um imóvel a partir de presunção extraída do valor que cada uma das partes lhe teria atribuído em proposta de negócio que o teve por objeto.

III – Sendo o recurso de admitir ao abrigo da al. a) do nº 2 do art. 629º do CPC – nomeadamente com fundamento na ofensa de caso julgado –, o seu objeto fica limitado à apreciação da impugnação que esteve na base da sua admissão, não podendo alargar-se a outras questões.

IV – Salvo se respeitarem a parte da decisão recorrida que verse o fundamento (específico e excecional) da admissibilidade do recurso, a arguição de vícios formais da decisão recorrida envolve a formulação de questões que, por não se inscreverem naquele que é o objeto possível da revista, não podem ser conhecidas.

V – Não faz caso julgado material a decisão que julga extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, sem que tivesse havido decisão de mérito sobre a questão de natureza substantiva que aí se discutia.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL



I - AA intentou contra BB e outras esta ação declarativa, pedindo a condenação dos réus a procederem à entrega imediata das chaves da parte do prédio arrendado, entregando-a, também de imediato, livre e devoluta de pessoas e bens.

Alegou, em síntese nossa, que:

- É dona do prédio anteriormente denominado “Tapada CC”, ora designado apenas “Dª CC”, sito em …, parte do qual foi dado de arrendamento rural em 1 de Novembro de 1965 pela anterior proprietária a DD, falecido em 12 de Maio de 2015, no estado de viúvo;

- Não tendo sido exercido, por quem de direito, o respetivo direito de transmissão, o contrato caducou, nos termos do nº 1 do art. 15º e do art. 20º, nº 1, por interpretação a contrario, do Dec. Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro;

- Deveriam os réus, sucessores do arrendatário, ter procedido à entrega do arrendado no final do ano agrícola, conforme uso, pelo S. … (29 de Setembro) ou, o mais tardar, até ao final de Dezembro de 2015 – art. 15º, nº 2 do Novo Regime do Arrendamento Rural -, o que não aconteceu.


Contestou apenas o primeiro réu.

Em síntese, deduziu as exceções de ineptidão da p. i. e do caso julgado, impugnou o valor da ação, sustentando que o mesmo deve ser fixado em € 37.500. Mais defendeu a falta de verificação dos pressupostos da caducidade do arrendamento; e, para o caso de se entender que esta operava, defendeu que só haveria lugar à restituição do locado no fim do ano agrícola de 2016, mais exatamente em 31 de Outubro de 2016.

Pediu a procedência das exceções ou, não se entendendo assim, a condenação na entrega do locado em 31.10.2016, e de todo o modo, com a fixação do valor da ação em € 37.500.


Foi proferido saneador sentença que considerou inexistentes aquelas duas exceções e julgou a ação procedente, condenando os réus no pedido.


Apelou o réu, tendo a Relação de … proferido acórdão que, na procedência parcial do recurso, revogou em parte o saneador-sentença e julgou a acção procedente, declarando o contrato de arrendamento discutido nos autos validamente resolvido pela senhoria, com efeitos desde o final do ano agrícola de 2016, determinando que os réus procedessem à imediata entrega do locado e respectivas chaves à autora, totalmente livre e devoluto de pessoas e bens.


Ainda inconformado, o réu interpôs o presente recurso de revista, tendo apresentado alegações onde pede a sua revogação, formulando, para tanto, as conclusões que passamos a transcrever:

A) - Com o presente processo é repetida a causa já dirimida através dos autos 642/14.7 T8CTB (Apenso).

B) - Nesse processo, o arrendatário opôs-se, sem êxito, à denúncia do contrato de arrendamento efectuada pela senhoria e levada ao conhecimento daquele em l5/l0/2014, em cumprimento de despacho judicial (Doc. nº 2).

C) - Com a extinção do processo Apenso, a denúncia operou seus efeitos pelo que o contrato de arrendamento findou definitivamente após o trânsito em julgado da sentença proferida em 25/5/2015.

D) - Pelo que a proprietária, tendo por base essa decisão, já tem reconhecido o direito a ser-lhe entregue o prédio, devendo, porém, respeitar as prerrogativas conferidas ao arrendatário pelo artigo 38 do NRAR.

E) - Apesar disso, intentou esta acção, fazendo exactamente o mesmo pedido que formulara na denúncia, coincidente até na data para a entrega do prédio referida na denúncia,

F) - Em ambos os processos a causa de pedir é a cessação do contrato sendo irrelevante a causa invocada para a sua extinção, por a definição já dada à relação controvertida dever ser acatada pelo Tribunal.

G) - Está pois vedado à A. pedir ao Tribunal que se pronuncie, de novo, sobre a cessação do referido contrato de arrendamento rural, uma vez que ele findou por denúncia e na sequência da extinção dos au­tos apensos.

H) - Procede por isso a excepção de caso julgado, devendo o Acórdão ser revogado por violação dos artigos 580 e 581, absolvendo-se os RR. da instância.

I) - 0 Acórdão recorrido determinou que o presente processo siga a forma comum por “ a A. visar apenas a confirmação da legalidade da resolução extrajudicial".

J) - No entanto, ao fixar o valor da causa em 100 euros aplicou as regras especiais correspondentes à acção de despejo.

L) - É por isso ilegal e contraditório nos seus fundamentos por adoptar os critérios previstos no artigo 298, em contraponto com o decidido quanto à forma do processo.

K) - Com efeito, por seguir a forma comum, os critérios previstos nos artigos 296, 297 e 302, são os legais, pelo que o valor da causa deve ser fixado tendo em atenção o valor do prédio reivindicado.

M) - Os factos admitidos por acordo foram referidos no Acórdão, mas tendo sido entendido aplicar os critérios do art. 298, eles não foram considerados relevantes para a fixação do valor da causa.

N) - Porém, nos termos do art 82, nº 1 e 684, o Supremo pode aplicar o regime que considere mais adequado aos factos provados.

O) - Assim, resulta dos factos admitidos por acordo que as partes atribuíram ao prédio, sensivelmente, o valor de 37 500 euros, deve pois, conforme preconiza o artigo 302, o valor da causa ser fixado em 37 500 euros.

P) - Quanto à questão de fundo, o Acórdão da Relação revogou a sentença da 1ª instância no que respeita aos fundamentos em que assentou a decisão de procedência da acção.

Q) - Impunha-se por isso, também a revogação da parte decisória da sentença, uma vez que não subsistindo os fundamentos do pedido da A. ele não pode proceder.

R) - Sendo certo que a apreciação da legalidade do pedido se reporta ao momento da propositura da acção, conforme dispõem os artigos 259 e 260.

S) - É portanto ilegal a parte decisória do Acórdão e nula por haver oposição dos fundamentos com a decisão tomada (art 615, nº l, c).

T) - E ainda existe nulidade por o Acórdão julgar em excesso de pronúncia ao "declarar validamente resolvido o contrato de arrendamento, com efeitos a contar do final do ano agrícola de 2016", pedido que a A. não fez e expressamente recusa ter feito.

U) - Foram assim violados os artigos 608, nº 2, 2ª parte e o artigo 609 que estatuem não poder o Tribunal apreciar questões não suscitadas, ou ir além do pedido ou condenar em objecto diverso do pedido.

V) - Verifica-se desse modo a nulidade prevista nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 615, e a ilegalidade por exceder o âmbito do recurso que é a decisão recorrida, não sendo lícito ao Tribunal da Relação apreciar matéria nova não constante da decisão da sentença art 662.

X) - Assim, supridas as nulidades nos termos do art 684, deve o Acórdão ser revogado, absolvendo-se os RR. da instância, ou, se esse não for o entendimento deste Alto Tribunal, sejam os RR  absolvidos do pedido declarando a improcedência da acção e fixando o valor da causa em 37 500 euros.

Y)- Sem prescindir do acima exposto, mas no caso de ser mantida a decisão recorrida, todavia, o Acórdão deve ser reformado quanto à condenação em custas.

Z) - Isso justifica-se por o Acórdão não ter tido em consideração que, na data em que foi instaurada a acção, e deduzida a oposição, o Réu tinha fundamento legal para o fazer.

Al) - Pelo que deve ser aplicado o nº 1 do artigo 611, repartindo em igualdade a responsabilidade por custas.

É, nestes termos, que se requer a V. Exas. o provimento do presente recurso.


Não foram apresentadas contra-alegações.


Cumpre decidir.

Vêm suscitadas pelo recorrente as questões de saber se:

a) - existe violação de caso julgado (conclusões A) a H));

b) – é de fixar o valor da causa em € 37.500,00 (conclusões I) a O));

c) – existem as nulidades que vêm atribuídas ao acórdão (conclusões P) a V));

d) – é ilegal o acórdão recorrido por não ter revogado a sentença (conclusões P) a S);

e) – é de alterar a decisão recorrida quanto a custas (conclusões Y) a A1)).


II – Vêm descritos como provados os seguintes factos:

1. A Autora é dona e legítima proprietária do prédio anteriormente denominado “Tapada CC”, e ora designado apenas de D. CC, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 78, Secção AG, da freguesia e concelho de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º 5902, da freguesia de ….

2. Por contrato de arrendamento rural, celebrado em 01 de Novembro de 1965, mas reduzido a escrito em 28 de Fevereiro de 1976, EE, já falecida, mas então usufrutuária, deu de arrendamento a DD, parte do prédio supra descrito.

3. No dia 12 de Maio de 2015, o arrendatário, DD, faleceu no estado de viúvo.

4. Os sucessores do então arrendatário, no âmbito do processo n.º 642/14.7T8CTB, da Secção Cível J1, desta Instância Local, onde se discutia a denúncia do contrato de arrendamento rural não requereram a habilitação de herdeiros.

5. Nessa sequência, foi solicitado ao co-Réu, BB, pelas Mandatárias da Autora a entrega do locado.

6. Por carta datada de 06 de Junho de 2015, o co-Réu, BB, respondeu à interpelação da Autora, id. em 5., nos seguintes termos: «(…) Quanto à desocupação do prédio, como a senhora doutora sabe a lei refere que isso ocorra no final do ano agrícola posterior à sentença. Dado os muitos materiais, máquinas e animais que o meu pai deixou, é difícil pensar noutra data que não seja o dia 31/10/2016, por ser necessário tempo apropriado para promover a respectiva venda. (…)».

7. A Autora enviou ao co-Réu, BB, a carta datada de 18 de Junho de 2015, com o seguinte teor: «(…) Na sequência da carta do Sr. Dr., (…), vínhamos dizer o seguinte: atendendo ao despacho que colocou termo ao processo, verdadeiramente ele limita-se a declarar a instância extinta. Por isso, salvo o devido respeito, pensamos que não é de aplicar o espírito da lei que refere. Claro está, todavia, que é necessário desocupar o prédio, o que não se compadece com pressas. E assim sendo, vínhamos perguntar/pedir-lhe o favor de fazer um esforço no sentido de proceder à entrega do locado o mais brevemente possível, de preferência ainda ao longo do ano de 2015. (…)».

8. Em 15 de Outubro de 2014, por notificação judicial avulsa, a Autora denunciou o contrato de arrendamento rural descrito em 2. “para o termo da sua renovação que ocorreria em 01 de Novembro de 2015”.

9. O arrendatário opôs-se à denúncia no âmbito do processo n.º 642/14.7T8CTB (desta Instância Local Cível – J1).

10. No processo n.º 642/14.7T8CTB foi proferido, em 25 de Maio de 2015, despacho com o seguinte teor: «Atento o requerimento que antecede, declaro a presente instância extinta, atenta a sua impossibilidade superveniente, nos termos do disposto na al. e) do art.º 277º do CPC, dando-se assim, sem efeito, a audiência de julgamento agendada. (…)».


III – É agora altura de abordar, de entre as questões suscitadas, aquelas de que nos cabe conhecer.

Do valor da ação:

Defende o recorrente - até como fundamento de admissibilidade do presente recurso de revista - que o valor da causa deve ser fixado em 37.500,00, sendo, por isso, superior ao da alçada do tribunal de que recorre.

Sobre esta matéria consta do acórdão recorrido o seguinte:

Quer o recorrente que o valor da causa seja fixado em € 37.500 por ser este o valor que resulta da média aritmética entre a proposta de venda da A. (€ 45.000) e a contra proposta que ele apelante e aqui R. BB lhe teria efectuado (€ 30.000).

Na decisão recorrida atribuiu-se à causa o valor patrimonial resultante da certidão fiscal junta: € 557.17.

Mas nem o valor propugnado pelo apelante nem o encontrado na decisão recorrida respeitam os critérios legais.

Com efeito, na presente acção, o que a A. quer fazer valer é a cessação de um contrato de arrendamento rural por virtude de uma assim qualificada caducidade decorrente da morte do arrendatário DD.

Não se tratando propriamente de uma acção de despejo, todavia, o efeito visado pela A. é o da declaração da cessação do arrendamento, pelo que o critério previsto no art.º 298, nº 1, do C. Civil é o que melhor se adequa ao caso. Ou seja, como se diz nesta norma, o valor da causa deve corresponder a dois anos e meio de renda, acrescidos das rendas eventualmente em dívida e, se for o caso, da indemnização requerida.

Como não vêm pedidas rendas nem indemnização, é aquele o valor a atender. Estando aceite (cfr. a carta de fls. 35 junta pelo R. apelante com a contestação, o art.º 27 da resposta da A. à contestação, e a contra-alegação da A. no vertente recurso) que a renda anual se cifrava em € 40,00, a aplicação do mencionado critério conduz-nos, deste modo, à quantia de € 100,00 (2,5 X a renda anual de € 40,00).

De sorte que se fixa agora o valor da causa em € 100,00.


A isto contrapõe o recorrente o que expõe nas conclusões I) a O), dizendo, mais explicitamente, na parte arrazoada das suas alegações o seguinte:

“De modo que, resultando dos factos admitidos por acordo (não foram contestados na Réplica e até foram implicitamente admitidos na contra-alegação) que a proprietária atribuiu ao prédio o valor de 45 mil euros para o vender ao ora recorrente e este ofereceu 30 mil, as regras da experiência ditam que o valor dele será, sensivelmente, 37500 euros.”

Considerando a causa de pedir invocada e o pedido formulado, entendemos, tal como considerou a 1ª instância, que o valor da causa deve ser fixado segundo a regra do art. 302º, nº 1, não tendo aplicação, salvo o devido respeito por opinião diversa, o critério especial previsto no art. 298º para as ações de despejo, pois que se não está perante ação dessa natureza.

Daí que, sabendo-se – por ter sido considerado como provado na decisão do incidente respetivo - que o valor patrimonial do imóvel, resultante da certidão fiscal junta, é de € 557.17, temos como acertado o valor da ação fixado nesse montante pela 1ª instância.

A tese do recorrente nunca poderia ser acolhida, desde logo porque pressuporia que este STJ, fora do que é o âmbito da sua cognição – art. 682º, nºs 1 e 2 -, julgasse como provado que o prédio em causa vale € 37.500,00 a partir de presunção extraída do valor que cada uma das partes teria atribuído ao imóvel em proposta de negócio que o teve por objeto.

Fixa-se, pois, o valor da ação em € 557,17.


Chegados a esta conclusão, temos que o valor da causa é muito inferior ao da alçada da Relação que está presentemente fixado em € 30.000,00 - art. 44º, nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto.

Por isso, salvo quanto à parte em que vem invocada a violação de caso julgado, fundamento que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, viabiliza o acesso ao terceiro grau de jurisdição – art. 629º, nº 2, alínea a) –, por inadmissibilidade da impugnação, não se conhecerá das demais questões suscitadas, concretamente das que acima enunciámos sob as alíneas c), d) e e), visto serem absolutamente estranhas ao âmbito da invocada violação de caso julgado.

É solução que colhe abrigo no entendimento de Abrantes Geraldes[1] que, a propósito da admissibilidade especial do recurso de revista com fundamento na violação de caso julgado – art. 629º, nº 2, alínea a) -, escreve:

 “A norma que amplia a recorribilidade apenas pode servir para confrontar o Tribunal Superior com a discussão da alegada ofensa de caso julgado, excluindo-se outras questões cuja impugnação fica submetida às regras gerais.

Também Lebre de Freitas e de Armindo Ribeiro Mendes[2], ao comentarem o art. 678º, nº 2 do CPC, do anterior CPC – de conteúdo substancial idêntico ao do atual art. 629º, nº 2, alínea a) –, afirmam: “Quando o recurso for recebido nos termos do nº 2 ou o nº 3, o seu objeto fica limitado à apreciação da impugnação que esteve na base da sua admissão, não podendo alargar-se a outras questões (acórdão do STJ de 13.03.97, BMJ, 465, p. 477).

E nesta linha vai igualmente a jurisprudência deste STJ, como o demonstram, a título de exemplo, os seus acórdãos de 13.03.97[3], 3.02.2011[4], 17.11.15[5], 15.02.17[6] e de 27.04.2017[7]

De entre estes arestos, assumem particular relevância para o caso em análise os citados em primeiro e segundo lugares, por expressamente se terem debruçado sobre o problema de saber se entre as questões excluídas do conhecimento do tribunal está a invocação de nulidades do acórdão recorrido, quando, em princípio, a apreciação destas se impõe por força do que dispõe o art. 615º, nº 4 .

Deste normativo e, bem assim, do art. 616º, nº 4, poderia colher-se a ideia segundo a qual, sendo admissível recurso ordinário, sempre caberia ao tribunal “ad quem” conhecer das nulidades que sejam invocados também como fundamento da revista e do pedido de reforma da decisão quanto a custas.

Cremos, todavia, não ser esta a interpretação mais correta.

Salvo se respeitarem a parte da decisão recorrida que verse o fundamento (específico e excecional) da admissibilidade da revista - no caso, a violação de caso julgado – a arguição de vícios formais da decisão recorrida envolve a formulação de questões que, por não se inscreverem naquele que é o objeto possível da revista, não podem ser conhecidas, sob pena de se postergar o espírito do nº 2 do dito art. 629º que amplia, mas apenas nos específicos casos que enuncia, a recorribilidade das decisões.

Admitir o conhecimento de nulidades atribuídas ao acórdão fora do dito circunstancialismo redundaria, a nosso ver, num alargamento indevido do objeto do recurso, tal como se acha definido na referida norma adjetiva.

Assim, no dito acórdão do STJ de 13.03.97 – onde, como dissemos já, a par da invocação de violação de caso julgado, vinham, além do mais, atribuídas ao acórdão recorrido nulidades, entre as quais, a de omissão e excesso de pronúncia – lê-se o seguinte:

Uma vez admitido, com esse fundamento (violação de caso julgado), é óbvio que o recorrente só pode pretender que o tribunal de revista se pronuncie sobre a alegada violação de caso julgado.

Não pode aproveitar-se desse pretexto para levantar outras questões que não se incluam nesse fundamento.

E no ponto I do respetivo sumário consta:

Tendo sido interposto recurso para o STJ, com fundamento em violação do caso julgado, em ação cujo valor é inferior ao da alçada da Relação, não pode o recorrente suscitar outras questões que se não inscrevam no âmbito daquele fundamento.

E no citado acórdão de 3.02.2011, onde, tendo a revista sido interposta com fundamento em violação de caso julgado e em contradição com jurisprudência uniformizada, o recorrente atribuía também nulidades ao acórdão recorrido, disse-se, a dado passo, o seguinte:

Daqui decorre, em primeiro lugar, que não cabem no âmbito do presente recurso quaisquer questões que se não conexionem directamente com aqueles dois fundamentos específicos da (excepcional) recorribilidade – nomeadamente a pretensão de que este Supremo sindique nulidades do acórdão recorrido – no caso, a existência de «excesso de pronúncia»: na verdade, o único objecto possível e um recurso fundado na violação de caso julgado (nº2 do art. 678º) e na colisão com jurisprudência uniformizada circunscreve-se necessariamente à apreciação desses dois fundamentos, não podendo abranger quaisquer outros vícios ou pretensas ilegalidades imputadas à decisão recorrida.” (sublinhado nosso)


Passamos, pois, a conhecer da única questão que é ainda objeto possível deste recurso.


Da violação do caso julgado:

É matéria que o recorrente versa nas conclusões A) a H) e relativamente à qual assumem particular revelo os factos descritos sob os nºs 2, 3, 4, 8 a 10.

Os mesmos mostram que a autora, em 15 de Outubro de 2014, por notificação judicial avulsa, denunciou o contrato de arrendamento rural discutido nos autos “para o termo da sua renovação que ocorreria em 01 de Novembro de 2015”.

DD, arrendatário, opôs-se a tal denúncia no âmbito do processo n.º 642/14.7T8CTB (desta Instância Local Cível – J1).

Veio, todavia, a falecer no dia 12 de Maio de 2015, no estado de viúvo, tendo sido proferido em 25 de Maio de 2015 despacho com o seguinte teor: «Atento o requerimento que antecede, declaro a presente instância extinta, atenta a sua impossibilidade superveniente, nos termos do disposto na al. e) do art.º 277º do CPC, dando-se assim, sem efeito, a audiência de julgamento agendada. (…)».


Sabe-se que o caso julgado material – arts. 619º e 621º -, o que se forma sobre uma sentença ou um despacho saneador que conheçam do mérito da causa, possuindo efeitos dentro e fora do processo, comporta um efeito negativo e outro positivo, e constitui, na primeira dessas funções, obstáculo a que as questões por ele abrangidas possam ser de novo suscitadas, entre as mesmas partes, em ulterior ação; funcionando neste caso com exceção – proibição de repetição -, leva, caso se verifique, à absolvição da instância do réu – art. 576º, nº 2 e 577º, alínea i).

Já o efeito positivo dessa mesma realidade jurídica, a autoridade do caso julgado – proibição de contradição -, carateriza-se pela imposição da primeira decisão de mérito, “como pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito” que venham a ser proferidas ulteriormente.[8]

Ou dito de outro modo, este efeito positivo do caso julgado material “implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação ulterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.”[9]

Ainda no dizer de Teixeira de Sousa[10]a exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal)”.

E, prosseguindo, escreve “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão antecedente».


Negando a existência da exceção de violação de caso julgado, escreveu-se no acórdão recorrido:

“(…) Salvo o respeito devido, não ocorre nem podia ocorrer qualquer caso julgado.

É que pressupondo estes, desde logo, identidade de causa de pedir e do pedido, é patente que não se constata a presença de qualquer delas, pois a causa de pedir em que assenta a oposição à denúncia tem uma natureza obviamente diversa da que motiva a resolução, visto esta se fundar na morte do arrendatário e não transmissão do arrendamento.

Além disso, aquela acção terminou com a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, sendo que a sentença que assim julga nem sequer se pronuncia sobre o mérito da pretensão aí formulada.

Donde que a declaração de improcedência desta excepção não mereça censura.”

É argumentação que, na sua essência, merece ser acolhida.[11]

De qualquer dos modos, importa destacar, enquanto fator que liminar e decisivamente exclui a hipótese da existência de caso julgado material que possa ter sido objeto de violação, a circunstância de a instância daquela ação - em que o falecido arrendatário se opunha à denúncia do contrato pela senhoria - ter sido julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide, sem que tivesse havido decisão de mérito sobre a validade da denúncia, questão de natureza substantiva que aí se discutia.

Só essa decisão, a ter existido, teria procedido a uma certa definição da relação material controvertida que, por força do caso julgado material, se imporia, nas palavras de Manuel de Andrade[12], “a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando (…) a mesma relação (…) a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão)” ou “(…) a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação)”, lhes fosse submetida. Todos teriam de “acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.»

Sendo absolutamente estranha à relação substantiva em discussão e recaindo apenas sobre a relação processual, a dita decisão apenas é suscetível de gerar, nos termos do art. 620º, caso julgado formal, sendo absolutamente inidónea para formar caso julgado material sobre qualquer questão de natureza substantiva que, como pretende o recorrente, possa constituir impedimento a que nestes autos seja apreciada a invocada caducidade do arrendamento.

Não tem, pois, fundamento a invocada violação de caso julgado.

Não tendo este tribunal conhecido das invocadas nulidades do acórdão, nem do pedido de reforma quanto as custas por o objeto do recurso o não permitir, é caso de determinar, visto o que dispõem os arts. 615º, nº 4 e 616º, nº 3, a sua apreciação pelo Tribunal da Relação.

 

IV – Pelo exposto:

- Concede-se parcialmente a revista quanto ao valor da causa que se fixa em € 555,17 e mantém-se o decidido no acórdão recorrido quanto à inexistência de violação de caso julgado.

- Determina-se que no Tribunal da Relação sejam apreciadas as invocadas e nulidades e pedido de reforma do acórdão quanto a custas.

Custas da revista a cargo do recorrente e da recorrida, na proporção de 4/5 para o primeiro e 1/5 para a segunda.

Lisboa, 22.11.2018

Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

Bernardo Domingos

João Bernardo

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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág.51
[2] Código de Processo Civil Anotado, 2003, vol. 3º, pág. 11 
[3] BMJ nº 465, pág. 477, relator Cons. Almeida e Silva
[4] Proc. 190A/1999.E1.S1,relator Cons. Lopes do Rego, www.dgsi.pt [5] Proc. 34/12, relator Cons. Sebastião Póvoas, www.dgsi.pt
[6] Proc. nº 2623/11, relator Cons. Nunes Ribeiro, www.dgsi.pt
[7] Proc 1907/14.3TBCSC,L1.S1, relator Cons. Álvaro Rodrigues (sem publicação por nós conhecida)   
[8] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág. 749
[9] Acórdão do STJ de 30.03.2017, relator Conselheiro Tomé Gomes, acessível em www.dgsi.pt
[10] “O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325, pág. 171-179
[11] Quer se considere que nesta ação está em causa a invocada caducidade do arrendamento, quer se entenda, como no acórdão recorrido, que a situação é de qualificar como de resolução contratual, é inequívoca a diversidade das causas de pedir nas ações em confronto.
[12]Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1976, pág. 304