Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16/13.7TBSCF-A.L1-A.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SILVA GONÇALVES
Descritores: AVALISTA
LIVRANÇA
EXCEPÇÕES
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PLANO DE INSOLVÊNCIA
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
Data do Acordão: 10/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / FIANÇA.
DIREITO COMERCIAL - TÍTULOS DE CRÉDITO.
DIREITO FALIMENTAR - INSOLVÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Volume III, Letra de Câmbio, p. 214 e segs..
- Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” Anotado, pp. 726, 760 e 761.
- Pedro Pidwell, O Processo de Insolvência e a Recuperação da Sociedade Comercial de Responsabilidade Limitada, p. 290.
- Vaz Serra, in R.L.J, Ano 113, p. 186, nota 2.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 632.º.
LULL: - ARTIGOS 32.º, 47.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26/02/2013, EM WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA, DE 11-12-2012, PROCESSO Nº 5903/09.4TVLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A relação entre portador (exequente) e o avalista (executado) não constitui uma relação imediata, revelando, isso sim e sem
pre, uma relação mediata, deste circunstancialismo jurídico-positivo se inferindo que não é tolerado ao avalista, na oposição à execução que venha a deduzir, que faça valer quaisquer excepções fundadas nas relações pessoais com o avalizado

II - Deste modo, porque o plano de insolvência está, inexoravelmente, de fora da relação cartular configurada na livrança que se executa, esta ocorrência judicial não é susceptível de se impor na presente execução. 

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




AA, residente na Rua …., Fazenda, Santa Cruz das Flores, BB, residente na Praça …, Santa Cruz das Flores e CC, residente na Rua …, Santa Cruz, das Flores, vieram deduzir oposição contra “DD - BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A.” com sede na Rua …, no Funchal, por apenso ao processo executivo para pagamento de quantia certa, que esta deduziu contra aqueles, tendente a obter a respectiva extinção da execução.


No essencial fundamentaram os oponentes a sua pretensão, na circunstância de que as livranças exequendas foram assinadas em branco e sobre o exequente recaía a obrigação, em conformidade com o pacto de preenchimento, de interpelar previamente os avalistas para o pagamento, antes da aposição da data de vencimento e indicação do valor da dívida e, não o tendo feito, ocorreu preenchimento abusivo da livrança.

Mais alegaram que a subscritora da livrança, a sociedade “EE, Ldª”, foi judicialmente declarada insolvente, tendo o exequente reclamado ali o seu crédito pelo valor de 4.646.736,00 €, ou seja, um valor superior, crédito este que foi reconhecido e graduado e consta do plano de insolvência aprovado, sendo que o pagamento de tal montante deverá ser efectuado em consonância com os termos ali aprovados, pois em virtude da aprovação do plano de insolvência a obrigação exequenda não se encontra vencida, o que torna inexigível o seu pagamento pelos avalistas.

        

Notificada, veio a exequente deduzir contestação, invocando, por um lado, que interpelou previamente os devedores, razão pela qual falece razão aos oponentes quanto ao alegado preenchimento abusivo da livrança e, por outro lado, a aprovação do plano de recuperação de empresa, no processo em que a subscritora da livrança foi declarada insolvente, não lhe retira o direito de accionar os garantes dos créditos sobre a referida insolvente em processo executivo autónomo.

O Tribunal a quo proferiu desde logo decisão final, por entender que seria possível fazê-lo, julgando improcedentes os fundamentos da oposição deduzida, constando do dispositivo da sentença, o seguinte:

 - Nos termos de facto e de direito expostos, o Tribunal decide julgar totalmente improcedente a presente oposição, ordenando-se o prosseguimento da execução.


Inconformados com o assim decidido, os oponentes interpuseram recurso de apelação para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 21.11.2013 (cfr. fls. 36 a 53), confirmou a sentença recorrida.


Irresignados, recorrem agora para este Supremo Tribunal os oponentes/executados AA, BB e CC, alegando e concluindo pela forma seguinte:

1. Nos presentes autos, o Tribunal o quo não concedeu provimento ao recurso interposto pelos ora Recorrentes, da sentença que decidiu julgar improcedente a oposição, determinando o prosseguimento da execução, que lhes foi movido pela Recorrida, a fls., considerando, entre outros, que o plano de insolvência só se aplica à sociedade insolvente e não é invocável pelos respectivos avalistas - aqui Recorrentes.

2. Porém, tal acórdão encontra-se em manifesta contradição com a solução dada pela Relação de Guimarães em acórdão por esta proferido em 24.04.2012, no âmbito do processo n.º 2 1248/10.5TBBCL-A.G2 - acórdão fundamento.

3. Atendendo aos factos e ao direito aplicável nos casos sub judice no acórdão recorrido e no acórdão fundamento é possível concluir que:

a.   Perante duas situações mais que semelhante e quase idênticas, o Tribunal a quo decidiu de modo inverso à Relação de Guimarães, no acórdão fundamento que se apresenta;

b.   No acórdão fundamento, a Relação de Guimarães, constituída por outros juízes que não os relatores do acórdão ora recorrido, determinou, ao contrário daquele, que a partir do momento em que o plano de insolvência é aprovado e homologado por sentença, alterando o prazo de cumprimento da obrigação, esta deixa de ser imediatamente exigível, o que se repercute necessariamente na relação processual estabelecida entre o Exequente e o Avalista, no processo executivo por aquele instaurado. Trata-se então, de uma impossibilidade superveniente da lide, geradora da extinção da mesma, e fundamentadora da oposição à execução.

4. No Tribunal Judicial de Santa Cruz das Flores, no dia 06-03-2012, no âmbito do processo n.º 19/12.9TBSCF, foi proferida sentença de declaração de insolvência da EE, Ldª., já transitada em julgado, conforme anúncio n.º 5968/2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 55, de 16 de Março de 2012.

5. No âmbito do processo de insolvência da EE, Ldª., a Recorrida apresentou reclamação de créditos onde requereu o pagamento do valor referente às livranças dos autos recorridos.

6. À ora Recorrida foram reconhecidos definitivamente, pelo Senhor Administrador da Insolvência, ao abrigo do artigo 129.ºdo CIRE, os créditos reclamados pela Recorrida titulados por letras, livranças, contratos de empréstimo, factoring e garantias bancárias accionadas no montante de € 4.646.736,00, graduando-os como garantidos.

7. No dia 4 de Junho de 2012 teve lugar a assembleia de credores da EE, Ldª., na sequência da qual foi aprovado, por 95% dos credores, o plano de insolvência da empresa com vista à sua recuperação, já judicialmente homologado, com sentença transitada em julgado em 24 de Agosto de 2012, onde se prevê:

a) O perdão do valor do capital reconhecido aos credores comuns em 25%;

b) O perdão integral dos juros vencidos;

c) O pagamento do capital reconhecido, bem como dos juros vincendos a uma taxa fixa de 2% ao ano, excepto se a taxa legal ou convencionada relativamente ao crédito for inferior, caso em que será essa (a convencionada) a taxa de juro a aplicar, em 10 anos, com 2 anos de carência.

Assim sendo,

8. O título que serve de base à execução foi alterado e passou, com a homologação do plano de insolvência, a existir outro título - esse mesmo plano devidamente homologado por sentença, onde consta o crédito da Recorrida reconhecido nos termos por ela reclamados.

9. Ao reclamar o seu crédito na insolvência da EE, e ao vê-lo ser reconhecido, e homologado o plano que prevê o seu pagamento em termos diferentes dos primitivos, a Recorrida deixou de ter legitimidade para mover qualquer execução contra os Recorrentes.

10. Tendo sido homologado o plano de insolvência nos termos acima expostos, a devedora insolvente EE, Lda., não se encontra, na presente data, em incumprimento, quer do plano de insolvência, quer do pagamento da dívida reconhecida à Recorrida, porquanto atento os termos e condições previstos no referido plano de insolvência, o crédito ainda não se encontra vencido e como tal não é exigível.

11. Ora, atendendo a tudo o exposto, resulta claro que deve a execução, em relação aos Recorrentes ser considerada inexigível, porquanto a quantia exequenda apenas poderá ser paga à Recorrida nos termos e condições do processo de insolvência da Castanheira & Soares, Lda., nos termos dos artigos 1949.º e segs. do CIRE - isto é, a livrança que é dada à execução pela Recorrida, é inexigível.

Terminam pedindo que seja julgado procedente o presente recurso


O banco recorrido "DD - Banco Internacional do Funchal, S.A"  não contra-alegou.

Corridos os vistos legais cumpre decidir.


As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:

1. O "DD - Banco Internacional do Funchal, S.A" instaurou a execução, da qual os presentes autos são apenso, contra para pagamento da quantia de 2.568.696,55 €.

2. Serve de base à execução uma livrança, avalizada pelos executados, no valor de 2.288.862,62 € (dois milhões duzentos e oitenta e oito mil, oitocentos e sessenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos), tendo aposta como data de emissão o dia 24/4/2001 e de vencimento o dia 27/06/2012; Uma livrança, avalizada pelos executados, no valor de 64.907,16 € (sessenta e quatro mil, novecentos e sete euros e dezasseis cêntimos), tendo aposta como data de emissão o dia 29/1/2010 e de vencimento em 27/06/12; Uma livrança, avalizada pelos executados, no valor de 46.299,44 € (quarenta e seis mil, duzentos e noventa e nove euros e quarenta e quatro cêntimos), tendo aposta como data de emissão o dia 22/6/2011 e de vencimento o dia 27/06/2012; Uma livrança, avalizada pelos executados, no valor de 53.241,34 € (cinquenta e três mil, duzentos e quarenta e um euros e trinta e quatro cêntimos), tendo aposta como data de emissão o dia 13/8/2010 e de vencimento o dia 27/06/2012; Uma livrança, avalizada pelos executados, no valor de 24.084,68 € (vinte e quatro mil, oitenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos), tendo aposta como data de emissão o dia 04/1/2008 e de vencimento o dia 27/06/2012; Uma livrança, avalizada pelos executados, no valor de 25.114,64 € (vinte e cinco mil, cento e catorze euros e sessenta e quatro cêntimos), tendo aposta como data de emissão o dia 19/6/2002 e de vencimento o dia 27/06/2012 (documentos juntos aos autos principais).

3. As livranças exequendas destinavam-se a serem preenchidas caso se verificasse o incumprimento de contratos e garantias bancárias celebrados entre a exequente e a sociedade EE, Lda. (facto admitido por acordo/confissão).

4. A sociedade "EE, Ldª.", incumpriu as obrigações pecuniárias emergentes dos contratos celebrados com o Banco Internacional do Funchal, S. A. (facto admitido por acordo/confissão).

5. Na sequência desse incumprimento, através de cartas registadas com aviso de recepção, que remeteu aos executados, o exequente
comunicou que procedeu à resolução dos contratos e preencheu as
livranças exequendas nos termos referidos em 2. (facto admitido por
acordo/confissão).
              

6. A carta dirigida ao executado BB foi recebida no dia 26 de Junho de 2012 (facto admitido por acordo/confissão e comprovado pelos documentos juntos a fls. 162 a 170).

7. A carta dirigida ao executado AA foi recebida no dia 02 de Julho de 2012 (facto admitido por acordo/confissão e comprovado pelos documentos juntos a fls. 162 a 170).

8. A carta remetida à executada CC foi recebida no dia 04 de Julho de 2012 (facto admitido por acordo/confissão e comprovado pêlos documentos juntos a fls. 162 a 170).

9. Por decisão transitada em julgado, proferida nos autos com o n.º 19/12.9TBSCF, deste Tribunal Judicial de Santa Cruz das Flores, a sociedade "EE, Ldª.", foi declarada insolvente (cfr. fls. 90 a 99).

10. No processo de insolvência supra referido, a exequente reclamou créditos no montante total de 9.949.463€, sendo 4.646.753,54€ com fundamento em letras, livranças, contratos de empréstimo, factoring; e garantias bancárias (cfr. fls. 30 a 86), crédito este reconhecido pelo Sr. Administrador de Insolvência,

11. No mesmo processo de insolvência, foi apresentado o plano de insolvência pela devedora "EE, Lda., o qual prevê o perdão do capital reconhecido aos credores em 25%, o pagamento do capital reconhecido, bem como dos juros vincendos a uma taxa de 2% ao ano, excepto se a taxa legal ou convencionada relativamente ao crédito for inferior, caso em que será essa (a convencionada) a taxa de juros a aplicar, em 10 anos, com 2 anos de carência (cfr. fls. 100 a 151)

12. Por decisão de 01.08.2012, transitada em julgado, proferida nos autos de insolvência com o n.º 19/12.9TBSCF, foi aprovado o plano de insolvência referido em 11 (cfr. fls. 152 a 154).



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No âmbito do processo de execução comum que o “DD - Banco Internacional do Funchal, S.A.” moveu contra AA, BB e CC, o banco exequente apresentou à execução especificadas livranças subscritas pela sociedade “EE, Lda”, avalizadas pelos executados.

Contra a execução deduziram os executados a presente e atinente execução.


Tanto a 1.ª instância (Tribunal Judicial de Santa Cruz das Flores) como a Relação de Lisboa, julgaram improcedente esta oposição, desta feita determinando o prosseguimento da execução.


Porfiando, recorrem agora para este Supremo Tribunal os executados/oponentes, com a legitimidade que o deferimento da revista excecional, proferida desde fls.162 a 165, lhes concedeu.


O que havemos nós de ponderar no presente recurso de revista é a questão de saber se, não obstante o que ficou ajustado no plano de insolvência da sociedade “EE, Ldª” (subscritora da livrança) -  o perdão do valor do capital reconhecido aos credores comuns em 25%; o perdão integral dos juros vencidos; e o pagamento do capital reconhecido, bem como dos juros vincendos a uma taxa fixa de 2% ao ano, excepto se a taxa legal ou convencionada relativamente ao crédito for inferior, caso em que será essa (a convencionada) a taxa de juro a aplicar, em 10 anos, com 2 anos de carência - mesmo assim pode ser exigida aos avalistas/executados o crédito exequendo, por não se ter operado, quanto a eles, a extinção da execução.


Vejamos se lhes assiste a razão que apregoam.



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I. Dispõe o art.º 32.º, § 1.º, da LULL que “o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.

Quer isto dizer que, porque a livrança incorpora uma promessa de pagamento de uma determinada quantia a prestar no seu vencimento pelo seu subscritor a favor do tomador ou do seu detentor legítimo e a obrigação do avalista se mede pela obrigação do avalizado, o avalista fica na situação de devedor cambiário perante aqueles subscritores em face dos quais o avalizado é responsável e na mesma medida em que ele o seja, tendo-se também presente que qualquer limitação de responsabilidade expressa por este no título aproveita àquele.

    

Não estando nós perante uma situação que aponte para algum vício de forma referenciado no segundo parágrafo do artigo 32° da L.U.L.L. e que faria excluir a responsabilidade do avalista - trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao aspecto formal[1] - segue-se que os executados subscritores da livrança respondem pelo pagamento deste título de crédito, solidariamente com os demais subscritores (art.º 47º, 1, da LULL).[2]


O aval concilia figura diferenciada da fiança pois que, enquanto a nulidade da obrigação principal aproveita inteiramente ao fiador (art.º 632º do Cód. Civil), a nulidade da obrigação do avalizado por vício que não seja de forma mantém a obrigação do avalista.

Neste enquadramento conceptual a relação entre portador (exequente) e o avalista (executado) não constitui uma relação imediata, revelando, isso sim e sempre, uma relação mediata, deste circunstancialismo jurídico-positivo se inferindo que não é tolerado ao avalista, na oposição à execução que venha a deduzir, que faça valer quaisquer excepções fundadas nas relações pessoais com o avalizado.

Ora, se é assim, podemos assentar em que a responsabilidade executiva a exigir dos executados/avalistas se circunscreve tão-só à obrigação cambiária proveniente da subscrição da livrança ora em execução e dela está arredada outro qualquer compromisso assumido fora deste título de crédito, designadamente lhe não pode ser oposto nesta execução o plano de insolvência da empresa “EE, Ldª” com vista à sua recuperação, tudo porque não é este instrumento de crédito que constitui título executivo.

II. O plano de insolvência constitui uma providência de recuperação empresarial em que os credores, num primeiro momento, aceitam limitar o conteúdo dos seus direitos, ou, dito de outro modo, depreciar o montante dos seus créditos, com sentido de, a prazo, no decurso da execução do plano, beneficiarem com vantagem (Pedro Pidwell; O Processo de Insolvência e a Recuperação da Sociedade Comercial de Responsabilidade Limitada; pág. 290), consubstanciando um meio alternativo de satisfação dos interesse dos credores, a que todo o processo de insolvência se dirige; e, constituindo o plano de insolvência uma via alternativa de satisfação dos interesses do credor relativamente ao regime supletivo consagrado pelos artigos 1.º e 192.º, n.º 1, do CIRE, o processo de insolvência encerra, normalmente, com a homologação daquele plano, a menos que, por exemplo, exista uma modalidade de liquidação universal do património do devedor, diferente da que se acha, supletivamente, traçada, e em que, não obstante a homologação do plano de insolvência, o processo continua (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda; Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado; páginas 726, 760 e 761).


Porque o plano de insolvência de que falamos está, inexoravelmente, de fora da relação cartular configurada na livrança que se executa, esta ocorrência judicial não é susceptível de se impor na presente execução - o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento.[3]

A circunstância de a relação subjacente se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária. A relação cambiária constituída permanece independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal. Os efeitos da obrigação cartular assumida pelo avalista destacam-se da obrigação subjacente segregando um feixe de obrigações e deveres que, do nosso ponto de vista, não são passíveis de denúncia - Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2012, proferido na revista nº 5903/09.4TVLSB.L1.S1.[4]


Neste enquadramento conceitual, a aprovação de um plano de insolvência, com moratória para pagamento da dívida, de que beneficia a sociedade subscritora da livrança, não é invocável pelos avalistas contra quem é instaurada a execução para seu pagamento (A. STJ de 26 /02/2013; www.dgsi.pt).


Sendo assim, a execução terá de prosseguir, tal qual é o entendimento professado nas instâncias.


Concluindo:

1. A relação entre portador (exequente) e o avalista (executado) não constitui uma relação imediata, revelando, isso sim e sempre, uma relação mediata, deste circunstancialismo jurídico-positivo se inferindo que não é tolerado ao avalista, na oposição à execução que venha a deduzir, que faça valer quaisquer excepções fundadas nas relações pessoais com o avalizado.

2. Deste modo, porque o plano de insolvênciaestá, inexoravelmente, de fora da relação cartular configurada na livrança que se executa, esta ocorrência judicial não é susceptível de se impor na presente execução.


Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.


Custas pelos recorrentes.


Supremo Tribunal de Justiça, 30 de outubro de 2014


Silva Gonçalves (Relator)

Fernanda Isabel Pereira

Pires da Rosa

______________________________
[1] Ferrer Correia; Lições de Direito Comercial, Volume III, Letra de Câmbio, pág. 214 e segs.

[2] Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador. O portador tem o direito de accionar todas essas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram.

[3] Vaz Serra, R.L.J, Ano 113, pág. 186, nota 2.

[4]Disponível em dgsi.pt.