Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
502/08.0GCFAR-A.E1-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE DE FACTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 09/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
Não se verificando uma similitude dos pressupostos na base das quais está cada uma das decisões em confronto — num caso o arguido não está já sujeito à medida de coação do termo de identidade e residência, não é possível notificá-lo pessoalmente e opta-se pela exigência de audição presencial, enquanto no outro nenhum destes condicionalismos é sequer referido — somos forçados a concluir pela não existência de oposição de julgados, pelo que o recurso deve ser rejeitado.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 502/08.0GCFAR-A.E1-A.S1
Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência

I Relatório

1. O Magistrado do Ministério Público vem, ao abrigo do disposto nos arts. 437.º, n.ºs 2 a 5, 438.º, n.ºs 1 a 3 e 439.º, todos do Código de Processo Penal (CPP), interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (mediante requerimento apresentado a 03.05.2022 — cf. certidão junta) do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05.04.2022, proferido no âmbito do processo n.º 502/08.0GCFAR-A.E1-A, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo condenado considerando verificada a “nulidade insanável a que alude o artigo 119°, alínea c), do Código de Processo Penal (omissão da audição presencial do condenado), nos termos do estatuído no artigo 122°, n°s 1 e 2, do mesmo compêndio legal” e declarou  “nulo o despacho/decisão recorrido, que se revoga e determinar que antes da prolação de (nova) decisão se proceda à audição do condenado”.

Apresentou como acórdão fundamento o acórdão do Tribunal da Relação do Évora, de 25.03.2010, prolatado no processo n.º 1345/99.6PCSTB-A.E1, publicado em www.dgsi.pt.

2. Na interposição de recurso, o recorrente apresentou motivação que terminou com as seguintes conclusões:

«1.º - O tribunal a quo deve proceder à audição do arguido (pessoal e presencialmente), para, por um lado, aquilatar do motivo ou motivos que o impediram de pagar a multa em que foi condenado, e, por outro lado, para avaliar da vontade do arguido relativamente à forma de cumprimento futuro da pena de multa em causa.

2.º - O tribunal a quo deve determinar a elaboração de relatório social para, por um lado, apurar as razões do não pagamento da multa em questão, e, por outro lado, para tomar conhecimento da situação pessoal, financeira e económica do arguido.

3.º - Depois da realização de tais diligências, deve o tribunal pronunciar-se sobre a' conversão da pena de multa em prisão subsidiária (por decisão fundamentada em termos substantivos), sendo que, caso se prove que o não pagamento da multa não se deveu a culpa do arguido, deve o tribunal ponderar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária (suspensão subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta), nos termos do preceituado no artigo 49°, n° 3, do Código Penal (e ainda que o arguido se encontre preso, porquanto a prisão subsidiária suspensa só iniciará a sua execução quando o arguido for restituído à liberdade).»

12 - Tal como expressamente reconhecido (acórdão recorrido e declaração de voto) a Jurisprudência encontra-se profunda e profusamente dividida quanto a esta questão, tendo-se formado duas correntes, das quais são exemplos paradigmáticos um e outro dos referidos Acórdãos.

Daí que ao Ministério Público se afigure relevante, no interesse da segurança e certeza da aplicação do Direito, que se ponha termo a esta divergência, uniformizando Jurisprudência sobre aquela questão concreta, uma vez que, na pesquisa que efectuámos, não se detetou que o Supremo Tribunal de Justiça tenha já fixado Jurisprudência sobre se o requerimento do arguido a solicitar a prestação de trabalho a favor da comunidade constitui, ou não, causa de suspensão da prescrição da pena.

13 - Verificam-se, assim, os pressupostos de que depende a admissibilidade da fixação de Jurisprudência, pelo STJ, sobre esta concreta questão de direito, sendo certo que ao Ministério Público assiste legitimidade para interpor o presente recurso, tanto mais que a própria Lei lhe impõe a obrigação de o interpor com vista à fixação de Jurisprudência quando, como é o caso, se deparar com situação processual em que estejam reunidos os respectivos pressupostos - cfr. artigo 437.°, n.° 5, do CPP.

14- O Acórdão recorrido transitou em julgado em 28-4-2022, razão pela qual, de acordo com o disposto no artigo 438.°, n.° 1, do CPP, o presente Recurso Extraordinário esteja em tempo.

15 - Impondo-se, em conformidade, fixar Jurisprudência sobre a questão controvertida e acrescendo que, pese embora não seja obrigatória a indicação, nesta fase, do sentido em que o MP/Recorrente entende que aquela deva ser fixada, tal constitui uma faculdade (AFJ n.° 5/2006, de 20 de Abril), propõe-se a sua fixação com o seguinte sentido:

"Na conversão de multa não paga em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49° n.° 1 do Código Penal, não é exigível a audição presencial do condenado por não ofender os seus direitos de defesa em conformidade com o disposto nos artigos 32° n.° 5 da CRP e 61.°n.° 1 b) do CPP."

Pelo exposto, requer o Ministério Público que:

A) - Seja reconhecida a oposição de julgados entre o Acórdão recorrido, transitado em julgado, proferido nestes autos, pela Relação de Évora e o Acórdão fundamento, também proferido por esta Relação há muito e com anterioridade ao aqui recorrido, transitado em julgado, publicado que se encontra em www.dgsi.pt:

B) - Subsequentemente se fixe Jurisprudência sobre aquela concreta questão de Direito, no sentido que vem de propor-se.»

3. Distribuído o processo como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do art. 439.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o processo foi com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no art. 440.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da rejeição do recurso, porquanto:

«(...) A questão que o recorrente coloca, e sobre a qual pretende que o Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) profira decisão, é, e em síntese, a de saber se a audição prévia do arguido, para efeitos de conversão em prisão subsidiária da pena de multa em que foi condenado, terá de ser sempre presencial, como se decidiu no acórdão recorrido, ou se, para tanto, será suficiente a sua notificação pessoal, como se entende ter sido a decisão do acórdão fundamento. (...)

6 – Mostram-se, pois, verificados os pressupostos processuais comuns de legitimidade e de tempestividade – artigos 437.º, n.º 5, e 438.º, n.º 1, do C.P.P.

     7 – O mesmo não se poderá dizer dos pressupostos substantivos. (...)

Na situação vertente, o Tribunal da Relação de Évora, no acórdão de 25 de Março de 2010 proferido no processo n.º 1345/99.6PCSTB-A.E1, transitado em julgado em 29.04.2010 (acórdão fundamento), decidiu que antes da conversão da multa em prisão subsidiária se impõe ouvir o condenado para explicitação das razões do não pagamento voluntário da multa e só depois, se for caso disso, proceder a tal conversão.

Já a decisão firmada no acórdão recorrido foi a de ser necessária a audição prévia e pessoal do condenado para aquilatar do motivo ou motivos que o impediram de pagar a multa em que foi condenado.

Constata-se, assim, que coincidindo embora, as decisões em apreço, na necessidade de se proceder à audição prévia do condenado quando se coloque a questão da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, as mesmas não divergem propriamente sobre a forma dessa audição, que é o que está verdadeiramente em causa no recurso, porquanto no acórdão fundamento não se definiu expressamente o modo de assim se proceder, o que resulta exigível, atenta a natureza do recurso extraordinário em presença, pelo que, e salvo melhor opinião, a decisão contida no acórdão recorrido, a exigir a audição pessoal do condenado, não se lhe opõe.»

5. Notificado o recorrido AA deste parecer (nos termos do art. 417.º, n.º 2, ex vi art. 448.º, do CPP), veio apresentar resposta aderindo ao parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto.

6. No exame preliminar a que se refere o art. 440.º, n.º 1 do CPP, entendeu-se que o recurso fora tempestivamente interposto por quem tinha legitimidade, considerando-se que não se mostram preenchidos os requisitos para o prosseguimento do recurso, nomeadamente, a necessária oposição de julgados.

7. Colhidos os “vistos” e vindo o processo a conferência, nos termos do art. 440.º, n.º 4, do CPP, cabe agora decidir.

II Fundamentação

1. Nos termos do art. 437.º do CPP, são pressupostos da interposição do recurso para fixação de jurisprudência que:

i) os dois acórdãos em conflito do Supremo Tribunal de Justiça ou da Relação sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, isto é, “quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida” (n.º 3 do preceito citado);

ii) os dois acórdãos em conflito prolatados no Supremo Tribunal de Justiça ou na Relação se refiram à mesma questão de direito;

iii) haja entre os dois acórdãos em conflito “soluções opostas” (n.º 1 do art. 437.º do CP).

Para que a interposição de recurso seja aceite é ainda necessário que:

iv) o recorrente identifique “o acórdão [fundamento] com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição”, bem como, no caso de aquele estar publicado, o lugar da publicação (art. 438.º, n.º 1 do CPP);

v) haja trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito (art. 437.º, n.º 1 e 4 do CPP) e

vi) a interposição do recurso seja realizada no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão [recorrido] proferido em último lugar (arts. 438.º, n.º 1 do CPP). 

vii) haja justificação da oposição de julgados que origina o conflito de jurisprudência (art. 438.º, n.º 2, in fine, do CPP).

A estes pressupostos, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem acrescentado outros dois:

viii) identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito (dado que só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas) e

ix) necessidade de a questão decidida em termos contraditórios ser objeto de decisão expressa (ou seja, as soluções em oposição têm que ser expressamente proferidas em cada uma das decisões).

2. Nos termos do art. 438.º, n.º 1, do CPP, o recurso para fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.

Sabendo que o acórdão recorrido (de 05.04.2022) foi notificado ao Magistrado do Ministério Público, por termo nos autos, a 06.04.2022, e aos restantes sujeitos processuais, na pessoa do mandatário, por via eletrónica na mesma data; sabendo que o acórdão não era passível de recurso ordinário, podendo, eventualmente, haver recurso para o Tribunal Constitucional (no prazo de 10 dias, os termos do art. 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15.11); e sabendo que as férias judiciais decorreram entre os dias 10.04.2022 e 18.04.2022, quando o recurso foi interposto, a 03.05.2022, ainda não tinha sido ultrapassado o prazo previsto no art. 438.º, n.º 1, do CPP, pelo que se considera tempestivo o recurso interposto.

3. O recorrente interpõe o presente recurso para fixação de jurisprudência considerando que a questão a decidir foi diferentemente resolvida pelos acórdãos em confronto. Isto porque, segundo o recorrente, no acórdão recorrido se decidiu que antes da conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária se considerou que o arguido devia ser ouvido presencialmente e no acórdão fundamento considerou-se que bastaria a notificação pessoal ao arguido.

Porém, as situações a partir das quais se decidiu não são coincidentes.

Vejamos:

No acórdão fundamento, temos uma situação em que o arguido condenado ao pagamento de uma pena de multa, e após notificação, na pessoa da defensora, para que efetuasse o pagamento (tendo sido remetidas as respetivas guias) não procedeu ao pagamento. O Ministério Público promoveu a conversão da pena de multa em prisão subsidiária e, perante a promoção, foi determinada a notificação pessoal ao arguido para em 10 dias proceder ao pagamento da multa sob pena de esta ser executada sob a forma de cumprimento de prisão subsidiária. O Ministério Público recorreu desta decisão, considerando que não havia que se proceder a notificação pessoal do arguido, mas sim a despacho a determinar a conversão da pena de multa e a ordenar o cumprimento da prisão subsidiária. O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso e decidiu manter a decisão.

No acórdão recorrido, só aparentemente a situação parece ser a mesma. Na verdade, trata-se de um caso em que, não tendo o arguido pago a pena de multa, o Ministério Público promoveu a sua conversão em prisão subsidiária. Perante isto, o arguido foi notificado, na pessoa do seu mandatário, para que, em 10 dias, realizasse o pagamento ou justificasse a sua omissão. Nada tendo respondido, foi prolatado despacho determinando a conversão da pena de multa em prisão subsidiária. Desta decisão recorreu o arguido considerando que deveria ser ouvido presencialmente. Foi dado provimento ao recurso e determinada a revogação do despacho e a prolação de novo apenas após a audição presencial do condenado.

Ora, como o recorrente expressamente refere, “[e]m ambos os Acórdãos (recorrido e fundamento), em função dos direitos do arguido e do exercício do contraditório, concorda-se em absoluto com a audição prévia do condenado, o que em nossa opinião é indiscutível.” (ponto 8 da motivação). Ou seja, neste ponto não há oposição de julgados.

Porém, acrescenta: “A única e principal diferença - e é esse o motivo da interposição do presente recurso - consiste no modo como essa audição deve ser executada.

Para o Acórdão recorrido a audição terá de sempre presencial, enquanto para o Acórdão fundamento é suficiente a notificação pessoal do arguido.”

Todavia, não assiste razão, pois esta diferença foi determinada por situações distintas.

Na verdade, na situação em análise no acórdão fundamento, tendo havido, em primeiro lugar, notificação, na pessoa da defensora, para que o arguido efetuasse o pagamento, e, num segundo momento, tendo havido notificação pessoal do arguido da promoção (para que se procedesse à conversão da pena de multa) do Ministério Público, o Tribunal da Relação concordou com esta necessidade de notificação pessoal.

 Porém, no caso em análise do acórdão recorrido, o arguido não teve uma primeira notificação para que efetuasse o pagamento e depois uma notificação pessoal, mas apenas uma notificação, na pessoa do mandatário, da promoção do Ministério Público. E já depois da decisão de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária houve uma tentativa de notificação pessoal. Factos a que não foi indiferente o Tribunal, pese embora tenha considerado que atentas “as conclusões do recurso em apreço” se impunha apreciar a questão de saber “Se o despacho recorrido está ferido de nulidade por falta de audição presencial do condenado prévia à conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

Não sem antes ter aludido expressamente o que de peculiar ocorria na presente situação. E, por isso, logo no início referiu-se expressamente no acórdão recorrido:

«Antes, porém, de procedermos a tal delimitação [do objeto do recurso], cumpre-nos referir que não descuramos a questão abordada na peça recursiva da (forma) da notificação ao arguido do despacho que converte a pena de multa imposta ao condenado em prisão subsidiária.

Foi entendimento do Tribunal a quo que tal despacho fosse notificado ao condenado por contacto pessoal, que não ocorreu por o paradeiro do mesmo se ter tornado desconhecido, consignando-se, subsequentemente, que não se determinava tal notificação por via postal simples com prova de depósito, por referência à morada constante do Termo de Identidade e Residência por este haver sido prestado antes da entrada em vigor da Lei n° 20/2013, de 21.02 e, por isso, as obrigações dele decorrentes se mostrarem extintas com o trânsito em julgado da sentença condenatória, acabando o Tribunal a quo por se bastar com a notificação do mencionado despacho ao condenado na pessoa do seu Exm° Defensor, como decorre do despacho exarado na primeira instância, em 23.11.2020, aquando da prolação do despacho que admitiu o recurso interposto e ora em apreço.»

Ou seja, no presente caso, a notificação pessoal não se mostrava possível e já tinha sido tentada — dado que após o despacho que converteu a multa em prisão subsidiária se determinou “Notifique pessoalmente o condenado [considerando que não prestou Termo de Identidade e Residência após a entrada em vigor da Lei n.° 20/2013, de 21/02] com a advertência de que pode, a todo tempo, evitar total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa que lhe foi imposta - cfr. art. 49.°, 2, do Código Penal”. Além disso, a notificação com simples prova de depósito também não se mostrava viável atento o facto de o termo de identidade e residência estar extinto após o trânsito em julgado da decisão. Assim, neste caso, atentas as especificidades já salientadas, impunha-se a determinação da presença do arguido, única situação em que poderia ser possível passar mandado de detenção para comparência do arguido perante o juiz (diferentemente, se apenas se exigisse a notificação pessoal, que já se sabia impossível de concretizar, não seria possível mandado de detenção para assegurar a presença do detido no ato processual de notificação pessoal).

Além disto, após a referência à situação particular do arguido, cujo termo de identidade de residência havia cessado e cujo contacto pessoal já se tinha mostrado inviável, transcrevem-se (no acórdão recorrido) dois acórdãos onde se considera que o arguido deve ser ouvido presencialmente antes do despacho de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária salientando-se em ambos os acórdãos o desconhecimento da situação económica e financeira do arguido. E após a transcrição o acórdão recorrido apenas refere:

“Porque assim, tendo o Tribunal a quo proferido a decisão revidenda sem que previamente procedesse à audição presencial do condenado, como se lhe impunha, incorreu na nulidade insanável a que alude o artigo 119°, alínea c), do Código de Processo Penal, o que importa, nos termos do estatuído no artigo 122°, n°s 1 e 2, do mesmo diploma legal, a nulidade da decisão recorrida e, consequentemente a sua repetição.

A audição do condenado ora determinada poderá ser complementada, actualizando os elementos constantes dos autos, pela realização de relatório social sobre a condição pessoal e sócio-económica do condenado.

Nestes termos, o recurso interposto é, pois, procedente.”

E com isto se demonstra que o Tribunal teve também em consideração no presente caso o desconhecimento da situação económica do arguido, aspeto que não é sequer trazido à colação no acórdão fundamento, assim diferindo os pressupostos da decisão entre um e outro acórdão em confronto.

Ora, não só não sabemos qual teria sido a decisão se o Tribunal estivesse perante um caso em que fosse possível a notificação pessoal do arguido, como se esta tivesse sido possível então, no momento da decisão, o arguido já teria sido notificado pessoalmente da decisão que converteu a pena de multa em prisão subsidiária.

E por tudo isto, no recurso interposto pela mandatária do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária e que deu lugar ao acórdão recorrido, o que é requerido é a audição presencial do arguido (não podia a mandatária requerer a notificação pessoal do arguido quando esta não se mostrava possível).

Não podemos, no entanto, deixar de referir que o Senhor Juiz Desembargador relator do acórdão fundamento é no acórdão recorrido juiz-adjunto, tendo votado vencido por considerar que, tal como tem defendido, antes do despacho que converte a pena de multa não paga em prisão subsidiária deve bastar uma notificação pessoal do arguido, não sendo necessária a sua audição presencial. Todavia, todas as considerações que expende nunca se referem à situação particular dos autos em que o arguido prestou termo de identidade e residência (antes das alterações de 2013 ao art. 196.º, do CPP), e em que nem mesmo a notificação pessoal se consegue. Acresce referir que quaisquer fundamentos contidos no voto de vencido não são de molde a influenciarem a análise dos acórdãos em oposição.

Não se verificando uma similitude dos pressupostos na base das quais está cada uma das decisões em confronto — num caso o arguido não está já sujeito à medida de coação do termo de identidade e residência, não é possível notificá-lo pessoalmente e opta-se pela exigência de audição presencial, enquanto no outro nenhum destes condicionalismos é sequer referido — somos forçados a concluir pela não existência de oposição de julgados, pelo que o recurso deve ser rejeitado.

III Conclusão

Termos em que, pelo exposto, acordam os juízes da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo Ministério Público.

Não são devidas custas nos termos do art. 522.º, n.º 1, do CPP.

Supremo Tribunal de Justiça, 8 de setembro de 2022
Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

António Gama                 

João Guerra