Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3526/15.8T8OAZ.P2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
NULIDADE DE CLÁUSULA
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECER DO RECURSO SUBORDINADO DA AUTORA. CONCEDIDA A REVISTA TRAZIDA PELO RÉU.
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – DIREITO DAS COISAS / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL / SUB-ROGAÇÃO DO CREDOR AO DEVEDOR.
Doutrina:
-António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, p. 648;
-António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, p. 326 e ss.;
-Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, p. 482 ss.;
-João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2016, Almedina, p. 154;
-Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, p. 521;
-Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, p. 218 e ss.;
-Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2013, 6.ª Edição, Almedina, p. 452 e ss.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 289.º, N.º 1 E 609.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 15-12-1977, IN BMJ, N.º 272, P. 196;
- DE 12-02-1980, IN BMJ N.º 294, P. 312;
- DE 28-03-1995, IN ASSENTO DO STJ Nº 4/95, BMJ N.º 445, P. 6.

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ACORDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 10-12-2009.
Sumário : I- O regime da invalidade do contrato de trabalho, atenta a sua dimensão teleológica, é aplicável à invalidade de uma cláusula inserta nesse tipo contratual, não sendo aplicável o regime previsto no art.º 289.º, n.º 1, do Código Civil.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



                                                           I

 Relatório:

 1. AA, Limitada, intentou a presente ação declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB, pedindo que se declare que este violou de forma grave, reiterada e ilícita, o pacto de não concorrência inserto no contrato entre as partes em 1 de junho de 2006 e, em consequência, que se condene o mesmo a:

a) Reconhecer que o referido incumprimento se deu por causa unicamente a si imputável;

b) Pagar à autora a quantia de € 50.000.00, a título de indemnização por violação dolosa do pacto de não concorrência inserto no contrato objeto dos presentes autos com aquela celebrado, quantia que deverá ser atualizada anualmente e até efetivo pagamento pelo índice de inflação fixado para cada ano pelo Instituto Nacional de Estatística e acrescida dos respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, até efetivo e integral reembolso, tal como previsto na cláusula 12.ª do contrato objeto da presente;

c) Pagar à autora quantia não inferior a € 20.000,00 por danos patrimoniais decorrentes dos lucros cessantes da mesma que decorrem quer da atividade concorrencial do réu nas clínicas identificadas na petição inicial, onde trabalhava e trabalhou, durante e após a cessação do contrato de trabalho entre ambos celebrado, quer pelo desvio de clientela da autor que efetuou ilegítima e ilicitamente.

d) Caso assim não se entenda, subsidiariamente, condenar-se o réu na devolução à autora da quantia de € 31.570,00, a título de compensações pagas pela A. àquele, durante a vigência do contrato entre ambos celebrado e objeto da presente ação, à razão de € 451,00/mês e a título de compensação pela cláusula de não concorrência que o réu não respeitou, tendo presente o valor médio mensal de rendimento do mesmo auferido ao serviço da autora;

e) E em qualquer dos casos, condenar-se o réu no pagamento das indemnizações peticionadas supra, acrescidas dos respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento;

f) Tudo com custas e demais procuradoria a cargo do réu.

O réu contestou, tendo, para além do mais, suscitado a nulidade da cláusula penal invocada como causa de pedir, designadamente, por força da alínea c) do n.º 2 do art.º 146.º do Código do Trabalho de 2003, uma vez que não lhe foi atribuída uma compensação durante o período de limitação da sua atividade.

A autora apresentou resposta.

O Tribunal da 1.ª instância decidiu julgar procedente a exceção de nulidade arguida pelo réu, absolvendo o mesmo do pedido e considerou prejudicadas as demais questões suscitadas.

2. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar o recurso parcialmente procedente, confirmando a sentença ao julgar “procedente a exceção de nulidade arguida pelo réu BB, absolvendo-se o mesmo do pedido formulado pela autora AA, Lda.”, mas alterando-a, para se determinar a restituição pelo réu à autora, de tudo o que lhe tenha sido pago ao abrigo da parte final da cláusula 7.ª (art.º 289.º nº 1 do C.C.), a título “de compensação pelo integral cumprimento do clausulado número seis do presente contrato”, condenando-se este no pagamento do respetivo montante que vier a ser liquidado (art.º 609.º n.º 2, do CPC).   

3. Inconformados com esta decisão, foram interpostos recursos de revista, principal pelo réu e subordinado pela autora.

4. Neste Supremo Tribunal de Justiça os recursos foram admitidos por despacho do relator datado de 15/11/2017.

5. O réu, na revista principal, formulou as seguintes conclusões:

1.ª A discordância com o acórdão recorrido tem a ver com a obrigação de restituição que determinou na sequência da declaração de nulidade da cláusula de não concorrência.

2.ª Dá-se como assente que a cláusula de não concorrência estipulada no contrato assinado a 1.6.2006 (facto 4) é nula, como o R. ora recorrente defendeu na contestação.

3:ª Só que o acórdão recorrido, com todo o respeito, errou ao condenar na restituição das quantias percebidas ao abrigo e por força dessa cláusula nula, na medida em que não lobrigou que o contrato de trabalho celebrado entre as partes era anterior à estipulação dessa cláusula e já vigorava desde 18.2.2006. cf. factos provados 2 e 3 do acórdão do STJ de 4.2.2015 (doc. 3 da p.i.) proferido no processo anterior, a que se referem os factos 5, 6 e 16 do acórdão recorrido: Como resulta do acórdão do STJ de 4.2.2015 do processo anterior, n° 437/11.0TTOAZ, o contrato de trabalho entre A. e R. vigorava já desde pelo menos 18.2.2006 e só em 1.6.2006 é que as partes celebraram o acordo contendo a cláusula declarada nula.

4.ª A desconsideração do início da relação contratual das partes (cf. sumário do acórdão do STJ, pg. 54 do doc. 3 da p.i.) em momento anterior à estipulação da obrigação de não concorrência constitui uma ofensa ao caso julgado anterior da maior relevância: Sendo o contrato de trabalho válido entre as partes, vigente desde pelo menos 18.2.2006, objeto de um aditamento nulo e ilegal, em 1.6.2006 (a cláusula de não concorrência declarada nula pelo acórdão recorrido), aplica-se o art.º 115.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, não havendo retroatividade na declaração da invalidade da cláusula nem operando a obrigação de restituição efeitos ex tunc ou retroativos, fazendo o contrato a sua vida como sendo válido ab initio, como era, e apenas sendo inválido o aditamento (a invalidade opera para futuro).

5.ª Nem se compreenderia outra solução, pois estando o trabalhador ao serviço e já a receber a sua remuneração em data anterior à da estipulação da cláusula de não concorrência, não podia vir uns meses depois abdicar indiretamente ou renunciar validamente a parte da sua remuneração, de modo a que essa parte da remuneração integrasse a compensação pela obrigação assumida nessa cláusula de não concorrência estipulada a posteriori, à sua custa: Essa parte do salário que a cláusula de não concorrência considerou como integrando a compensação pela obrigação assumida era já nessa data indisponível e irrenunciável, porque na vigência do contrato de trabalho - cfr. facto 17) do acórdão do STJ (O A. auferia uma remuneração variável de 40% por cada ato praticado) com a cláusula 7.ª do contrato, onde se estipulou que a A. se obrigava a pagar ao R. 40% do total das importâncias obtidas pelo R. no mês anterior e que 30% deste valor percentual referia-se a honorários e 10% a compensação pelo integral cumprimento da obrigação de não concorrência.

6.ª A solução a que o acórdão chegou, de obrigar à restituição de remuneração do trabalho percebida ao longo de vários anos, após a estipulação da cláusula (datada de 1.6.2006, despedimento a 1.7.2011), é a todos os títulos chocante e evidentemente não podia ser assim, sob pena de se validar a fraude na estipulação da cláusula nula e o pagamento da compensação exigível pela não concorrência à custa do salário do trabalhador e em confusão com o seu recebimento.

7.ª O acórdão recorrido omitiu pois erradamente a aplicação do art.º 115.°, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, não havendo lugar à restituição de qualquer quantia, in casu, tendo o acórdão recorrido violado a norma citada e o art.º  289.°, n.º 1, do Código Civil, em que se estribou, bem como o caso julgado anterior,

8.ª Sempre seria um abuso de direito a A. vir invocar a nulidade da cláusula e pedir a restituição das quantias percebidas por força da nulidade da cláusula, após ter sido ela quem, afinal, deu causa à cessação do contrato de trabalho, por ter despedido ilicitamente o trabalhador, como ficou decidido no caso julgado anterior, numa situação de prepotência própria do regime dos falsos recibos verdes, pretendendo que o R. não pudesse trabalhar na sua profissão, na área da sua residência, e sustentar-se a si e à sua família, é um abuso inadmissível e uma má-fé despudorada (art.º 334.º do CC), que o direito não tutela e a que não pode dar cobertura.

9.ª Em suma, o recurso deve proceder e ser revogado o acórdão recorrido na parte que alterou a sentença de 1.ª instância e determinou a restituição pelo R. à A. de tudo quanto lhe foi pago ao abrigo da parte final da cláusula 7.ª, a título de compensação pelo integral cumprimento da cláusula 6.ª do contrato, em termos de ficar a subsistir a sentença de 1.ª instância.

6. A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso interposto pelo autor, formulando as seguintes conclusões:

1.               A declarar-se nula a cláusula de não concorrência objeto dos autos, deverá manter-se, nessa parte, a decisão do douto acórdão recorrido, que determinou a restituição pelo apelante à apelada de tudo o que lhe tenha sido pago por esta ao abrigo da cláusula 7.ª e a título de compensação pelo integral cumprimento da cláusula número seis, ambas do contrato objeto dos autos, condenando-o no pagamento do respetivo montante.

2.               E bem andou o tribunal recorrido na respetiva fundamentação de facto e de direito.

3.                Devendo ser de improceder todas as conclusões de recurso de revista apresentadas pelo R./apelante. Com efeito,

4.               E tal como defende o douto acórdão recorrido, as partes formalizaram o contrato pretendido entre ambas a 01-06-2006, fazendo constar, em tal contrato, a inclusão de uma cláusula de não concorrência.

 5. Tal formalização, querida e desejada, vertida por escrito, foi feita de acordo com a vontade de ambas as partes, nomeadamente, de acordo com o R., aqui apelante.

6.               Sendo ponto assente na matéria de facto apurada em sede de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido e já transitado em julgado, a saber, ponto 39 que, o mesmo, assinou o contrato objeto dos autos de forma esclarecida e de livre vontade.

7.               O R./apelante não demonstrou nem alegou que alguma das partes, sujeitos do contrato de trabalho, tenha estado afetado de qualquer vício ou incapacidade que lhe afetasse a vontade ou determinação no momento da assinatura do contrato pretendido.

8.               Nem nunca tentou renegociar as cláusulas propostas, insertas no contrato.

9.                Aceitando, ambas as partes, aquele contrato tal como existia até à data da sua cessação. Pelo que,

10. E ao contrário do que defende o R./apelante, o momento de formalização do contrato de trabalho coincide com o momento de formalização da cláusula de não concorrência objeto dos autos.

11. E, bem assim, o contrato de trabalho formalizado pelas partes em 01-06-2006 nunca foi objeto de qualquer ajuste, alteração ou modificação superveniente.

12. Não sendo, assim, de aplicar o n.º 2 do artigo 115.º do Código de Trabalho de 2003 aos presentes autos de processo.

13. Sendo sempre certo que, dispõe o artigo 125.º do Código do Trabalho que, cessando a causa de invalidade, por qualquer meio, o contrato considera-se convalidado desde o início da sua execução.

14. Ao declarar-se nula a cláusula de não concorrência, o que não se admite, mas se alega à cautela, a mesma, produzirá os efeitos como se tivesse válida em relação ao tempo durante o qual esteve o contrato de trabalho em execução.

 15. Concluindo-se assim, e tal como defende o douto acórdão recorrido, ao declarar-se a nulidade de tal cláusula deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado pela A., aqui apelada, ao R, aqui apelante, ao abrigo daquela.

16. Acresce, ainda, que, e ao contrário do que o R./apelante defende, do contrato firmado entre as partes a 01-06-2006, resulta de forma individualizada, autónoma e objetiva quer a percentagem de remuneração que R./apelante iria auferir a título de honorários, quer a percentagem de compensação pelo integral cumprimento da obrigação de não concorrência.

17. Não se encontrando em nenhum ponto da matéria de facto apurada, que a remuneração estipulada no momento da formalização do contrato de trabalho pretendido, com data de 01-06-2006, tivesse sido afetada pela inclusão da cláusula de não concorrência, que, aliás, foi formalizada no mesmo momento do supra referido contrato.

18. Nem o R./apelante cuidou, como deveria, de demonstrar qual a remuneração que o R./apelante alegadamente auferia no início do contrato e qual o valor ou percentagem de valor daquela remuneração que abdicava ou renunciava na formalização do contrato pretendido a 01-06-2006.

19. O R./apelante sempre recebeu ao longo da vigência do referido contrato, e de modo a compensar os trinta meses seguintes à cessação.

20. Sendo certo que o R./apelante sempre considerou tal obrigação assumida como obrigação válida, pois, caso contrário, teria demonstrado interesse em revogar tal cláusula de obrigação de não concorrência;

21. O que não fez.

22. Por último, e ao contrário do que defende o R./apelante a eficácia da cláusula de não concorrência não depende do motivo subjacente à cessação do contrato de trabalho, não revestindo qualquer interesse para os presentes autos de processo o despedimento ilícito do R./apelante.

 23. Não existindo qualquer abuso de direito.

24. Face ao supra exposto, deve ser de manter, nessa parte, a douta decisão recorrida, assim se fazendo inteira

7. A autora formulou as seguintes conclusões no recurso de revista subordinado:

1. O acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que julgue improcedente a exceção de nulidade da cláusula de não concorrência inserta no contrato objeto dos autos.

2.               E, em consequência, determine a sua validade e prossecução dos autos. Com efeito,

3.               A cláusula de não concorrência inserta em seis do contrato objeto dos autos é válida pois que cumpre todos os requisitos de validade, forma e eficácia previstos quer no artigo 146.º/2 do C. Trabalho/2003, atual 136.º/2 do referido diploma legal quer no artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil.

4.               E assim o é, porquanto, é perfeitamente determinada e determinável no seu objeto. Com efeito,

5.                A cláusula de não concorrência objeto dos autos consta de contrato escrito, respeita à atividade cujo exercício causa efetivo prejuízo à apelante e é expressamente atribuída ao trabalhador uma compensação portal limitação.

6.               Compensação que é determinável nos termos do artigo 280.º n.º l do Código Civil.

7.                E não carece de ser líquida, bastando ser determinável.

8.               Constando da cláusula sete do contrato em apreço os critérios, objetivos e operacionais, para a sua determinação.

9. E que foram os mesmos que determinaram, na vigência do contrato, o pagamento da compensação aí prevista ao Apelante, aqui apelado. Pelo que,

10. Se foi o referido critério determinável para o pagamento ocorrido sempre sem qualquer reclamação ou reserva do R., apelante e aqui apelado, não pode ser nula, por indetermináveis a cláusula de não concorrência que determinou tais pagamentos.

11. O pacto de não concorrência objeto dos autos é, assim, válido e está prevista indemnização para o seu incumprimento.

12. Tal como peticionado nos autos principais.

13. Acresce que e sem conceder, que mesmo a entender-se, o que se não admite e apenas alega à cautela, nula a mesma, sempre de tal nulidade, face ao disposto no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, deve, em consequência, ser decretada a restituição pelo R. na ação e aqui apelado, de tudo o que tiver recebido e lhe tenha sido pago pela apelante, A. na ação a título de compensação definida no contrato pelo cumprimento da cláusula declarada nula.

14. Nulidade que por poder ser apreciada oficiosamente, sem prejuízo de alegação das partes, nos termos do disposto no artigo 286.º do C. Civil, determina que, também oficiosamente, se possa determinar a produção dos seus efeitos legais para cumprimento do fim último do direito - "dar a cada um o que é seu" (Ac. STJ, de 12.02.80, in BMJ, n.a 294, pág. 312).

15. O que se requer, em caso de improcedência do presente e como já foi decidido nos autos.

16. Em respeito ainda pelos princípios da economia e utilidade processuais.

17. Violou o tribunal a quo o disposto nos artigos 280.º, n.º l e 289.º, todos do Código Civil e, bem assim, o disposto nos artigos 136.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho, anterior artigo 146.º, n.º 2, alínea c).

18. Devendo, por tal, ser revogado o acórdão proferido, na parte de que se recorre com as devidas consequências, nos termos supra expostos em 1) das presentes conclusões, assim se fazendo inteira

8. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de:

1. Não dever ser conhecido o recurso subordinado interposto pela autora uma vez que existe “concordância e convergência das decisões de ambas as instâncias relativamente à questão da nulidade da cláusula de não concorrência”;

2. Ser procedente a revista principal.

9. O parecer foi notificado às partes.

10. Em virtude da Jubilação da Excelentíssima Senhora Juíza Conselheira relatora os autos foram redistribuídos em 17/01/2018.

11. Antes de mais, importa decidir a questão suscitada pelo Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto de que não deve ser conhecido o recurso subordinado interposto pela autora, uma vez que existe “concordância e convergência das decisões de ambas as instâncias relativamente à questão da nulidade da cláusula de não concorrência”.

Confrontando as decisões das instâncias verifica-se que existe conformidade quanto à questão da nulidade da cláusula de não concorrência inserida no contrato, sendo certo que a fundamentação das duas decisões também coincide no que respeita ao regime jurídico invocado (art.º 280.º, n.º 1, do Código Civil).

Sendo assim, estamos perante uma situação de dupla conforme em que não é admitir a revista, nos termos do art.º 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

No entanto, a revista subordinada foi admitida pelo então relator invocando o disposto no art.º 633.º n.º 5 do Código de Processo Civil, que refere “Se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre”.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3.ª edição, pág. 85), “esta possibilidade apenas abarca as situações de irrecorribilidade em função do valor. Já se esta decorrer da ausência de outros requisitos (v.g. por ser vedado o recurso para o Supremo atenta a existência de dupla conforme relativamente à concreta questão decidida desfavoravelmente ou por outro motivo de ordem legal), a interposição do recurso principal não pode ser invocada como fundamento para a admissão de recurso subordinado”.

Pelas razões expostas, havendo dupla conforme quanto à nulidade da cláusula de não concorrência, não se conhece do recurso subordinado interposto pela autora, cujo objeto incide sobre esta questão.

12. Subsiste assim a revista principal interposta pelo réu, em que suscita a questão de saber se deve restituir à autora tudo quanto lhe foi pago a título da compensação prevista na cláusula de não concorrência constante do contrato.

                                                           II

A) Fundamentação de facto:

Foi considerada a seguinte factualidade:

1 - A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à prestação de serviços de clínica em ambulatório, com particular incidência na prestação de serviços de medicina dentária - cfr. certidão comercial com o código de acesso: …, junta com a petição como documento n.º 1.

2 - No âmbito da sua atividade explora várias clínicas médicas, com a referida especialidade, nos concelhos de ..., ... e ....

3 - O Réu, por sua vez, é médico dentista tendo prestado serviços da referida especialidade nas clínicas da Autora.

4 - Por contrato denominado de “Contrato de Trabalho e de Prestação de Serviços”, celebrado a 1 de Junho de 2006, o R. passou a colaborar com a A. enquanto médico dentista - cfr. documento n.º 2 junto com a petição (fls. 17 e 18).

5 - Apesar da denominação contratual em causa e apesar de a A. sempre ter considerado o R. como seu prestador de serviços, em ação interposta pelo aqui R., na qualidade de A. no Tribunal do Trabalho de ..., que correu termos sob o número 437/11.0TTOAZ, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 4 de Fevereiro de 2015, foi confirmada a sentença de 1ª instância, considerando-se o contrato celebrado entre aqui A. e R. e supra referido como de trabalho, tendo, por tal, o R. sido considerado, então, trabalhador da A., e como tal vinculado ao poder, ordens, direção e fiscalização da Autora.

6 - Tal Acórdão transitou em julgado mostrando-se, desde então, assente que o vínculo contratual existente entre as partes configura um contrato de trabalho - vide o acórdão junto como documento n.º 3.

7 - Nos termos do contrato celebrado e junto como documento n.º 2 com a petição, declarou o R. (cfr. cláusula 3ª do contrato) que " aquando da assinatura do presente contrato, não tem qualquer clientela sua, nem consultório nos concelhos onde o primeiro outorgante (...)" - aqui A. - " (...) exerce nem nos concelhos limítrofes".

8 - O R. é venezuelano e, embora licenciado em medicina dentária na Venezuela, nunca exerceu a clínica antes da sua admissão pela A. - cfr. os pontos de facto da matéria provada em 4. e 5. do Ac. STJ junto como documento n.º 3.

9 - Por acordo de A. e R., este devidamente esclarecido - cfr. ponto 39 da matéria de facto assente no Acórdão do STJ junto como documento n.º 3 - mais ficou estipulado, na cláusula 6ª do contrato celebrado entre ambos e junto como doc. 2, que o R. estava obrigado a não desenvolver atividades concorrentes com a atividade da A., nomeadamente de medicina dentária em concorrência com a atividade daquela, por conta própria ou de outrem, nos concelhos de ..., ... e ..., e ainda, nos concelhos geograficamente circundantes, a saber, …, …, …, … e ….

10 - Tal obrigação de não concorrência assumida pelo R. aplicava-se, quer durante a vigência do contrato assim celebrado, quer no prazo de trinta meses após a respetiva cessação, e da mesma resultaria para o R., segundo o que estava convencionado e como compensação, o acréscimo mensal no valor de 10% dos honorários a pagar pela A. (cfr. cl. 7ª, in fine).

11 - Em concreto e da sobredita cláusula 6ª do mesmo contrato consta que “(…) Por seu lado, o segundo outorgante obriga-se a não abrir consultório seu, nem trabalhar em consultório de outrem nos concelhos de ..., … e ... e concelhos geograficamente limítrofes, enquanto vigorar o presente contrato, nem nos trinta meses seguintes à sua cessação (…)” .

12 – Por seu turno e da cláusula doze do mesmo contrato consta que “(…) Ambos os outorgantes reconhecem que se estabelecerá por força do clausulado do presente, uma especial relação entre o segundo outorgante e a clientela do primeiro. Desta relação, poderiam resultar prejuízos elevados para o primeiro outorgante quer durante a vigência do presente contrato, quer posteriormente, se o segundo outorgante por algum motivo não vier a respeitar o previsto nas cláusulas anteriores, em particular no previsto no artigo número seis. Assim, no caso de incumprimento do segundo outorgante, este obriga-se a pagar ao primeiro a quantia de 50.000 euros (cinquenta mil euros), quantia esta atualizada anualmente, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo Instituto Nacional de Estatística (…)”.

13 - No supra referido contrato tomaram, a A., a posição de primeira outorgante e o R. a posição de segundo outorgante.

14 - A A., em 15 de junho de 2011, comunicou ao R. que pretendia rescindir o contrato de prestação de serviços que mantinha com aquele com efeitos a partir de 1 de julho do mesmo ano; altura desde a qual o R. nunca mais compareceu nas clínicas da Autora.

15 - Na sequência de tal rescisão o R. interpôs no Tribunal de Trabalho de ..., como supra se referiu, ação de processo comum onde peticionava a final, a condenação da R. (aqui A.), a:

"(...) a) Reconhecer o A. como "trabalhador dependente (subordinado)" e que o despediu ilicitamente; b) a pagar-lhe as remunerações devidas desde a data do despedimento e a indemnização da antiguidade pelo valor máximo, até à data do trânsito em julgado da decisão; c) a pagar-lhe € 88.089,58, relativo a férias e subsídio de férias e de Natal, desde 2006; d) a pagar-lhe € 51.200,87, respeitante a 35 horas de formação vencidas em 1.1.07; 1.1.08; 1.1.09; 1.1.10 e 1.1.11; e) a pagar-lhe juros de mora, desde a data dos respetivos vencimentos; f) a pagar-lhe € 10.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros desde a citação.(...)"

16 – Tal ação, como supra referido, correu termos sob o nº 437/11.0TTOAZ no Tribunal do Trabalho de ..., que se pronunciou sobre a natureza jurídica do contrato objeto dos presentes autos proferindo sentença na qual foi decidido que vigorou um contrato de trabalho entre as partes, sentença que foi impugnada por ambas as partes para o Tribunal da Relação do Porto; confirmada pelo mesmo; e, posteriormente, pelo Supremo Tribunal de Justiça no já mencionado Acórdão de 4.02.2015, transitado em julgado e junto como documento n.º 3.

17 - Alegando que, após a cessação do contrato em julho de 2011, a A. tomara conhecimento de que o R. começou de imediato e ainda se encontra a trabalhar em vários consultórios médicos sitos nos concelhos de ..., ..., … e …, tendo também por objeto social a prática clínica médica e dentária e sendo por isso concorrentes diretos da A., esta intentou contra o ora R., junto da Seção Cível de ..., a ação com o nº 1069/12.0TBOAZ, peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 50. 000,00, prevista na citada cl.ª 12.ª do contrato para a violação das obrigações contratuais, designadamente a de não concorrência, conforme se infere da petição certificada a fls. 167 a 170 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

18 - Nessa ação, o R. foi citado em 14/05/2012.

19 - Vindo a mesma a terminar por decisão de absolvição do R. da instância, em virtude da incompetência material do Tribunal, conforme consta de fls. 176 a 178, decisão essa transitada em 11/09/2015.

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos respeitam a ação declarativa de processo comum instaurada em 20 de julho de 2015, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 8 de junho de 2017.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, na versão operada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

B2) O réu, na revista principal, suscita a questão de saber se deve restituir à autora tudo quanto lhe foi pago a título da compensação prevista na cláusula de não concorrência constante do contrato, que foi declarada nula.

O Tribunal da 1.ª instância decidiu julgar procedente a exceção de nulidade arguida pelo réu, absolvendo o mesmo do pedido e prejudicadas a demais questões suscitadas.

Por seu turno, o Tribunal da Relação confirmou a sentença da 1.ª instância na parte em que esta julgou procedente a exceção de nulidade arguida pelo réu, absolvendo o mesmo do pedido formulado pela autora, mas alterando-a, para se determinar a restituição pelo réu à autora, de tudo o que lhe tenha sido pago ao abrigo da parte final da cláusula 7.ª (art.º 289.º nº 1 do C.C.), a título “de compensação pelo integral cumprimento do clausulado número seis do presente contrato”, condenando‑se este no pagamento do respetivo montante que vier a ser liquidado (art.º 609.º n.º2, do CPC).  

           O Tribunal da Relação fundamentou a sua decisão da forma seguinte:

“Contudo, como defende a recorrente para o caso de não ver acolhida aquela argumentação, o tribunal a quo não extraiu todas as consequências legais da declaração de nulidade do pacto de não concorrência.

Com efeito, a retroatividade da declaração de nulidade obriga à restituição das prestações efetuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado (artigo 289.º/1, do CC).

É certo que a Autora não pediu que caso fosse declarada a nulidade do pacto de não concorrência o tribunal determinasse a restituição das prestações por si efetuadas.

Contudo, se é certo que a nulidade opera ipso jure e, logo, ainda que não tivesse sido arguida pelo autor, podia ser conhecida oficiosamente pelo tribunal e podia ser declarada a todo o tempo (art.º 286.º do CC), entende-se que cumpre a este tribunal ad quem determinar todos os efeitos decorrentes da declaração de nulidade.

Acompanha-se neste entendimento a posição sustentada em ambos os acórdãos da Relação de Lisboa acima citados, no mais recente deles - 10/12/2009 – justificada nos termos seguintes:

Assim, em consequência da declaração de nulidade, face ao preceituado pelo art.º 289.º n.º 1 do Cód. Civil deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado.

O problema que se põe é o de saber se, em tal condicionalismo, opera a regra dos limites da condenação.

O Ac. do STJ de 15.12.77 (BMJ nº 272, pág. 196), considerou que, embora a lei confira ao tribunal o poder de declarar oficiosamente a nulidade, “não é já seguro que tal poder alcance os efeitos do negócio jurídico nulo”, porque a intervenção do tribunal “é meramente declarativa, limitando-se a compr... a existência da nulidade”, por isso que concluiu no sentido de que a restituição a que alude o art. 289.º, nº 1, do Cód. Civil, “terá que ser objeto do pedido formulado pelos respetivos interessados”.

Divergindo deste entendimento, o Ac. do STJ de 12.02.80 (BMJ nº 294, pág 312), observou que “o poder de apreciar oficiosamente a nulidade implica o dever de determinar os seus legais efeitos para o fim último do direito – dar a cada um o que é seu”, e, “no conflito de normas – adjetiva (art.º 661.º) e substantiva (art.º 289.º) – impõe-se a prevalência do comando substantivo na solução dos conflitos de interesses com afastamento de formalismos que entravem a justa solução (da mihi factum, dabo tibi jus), até porque os princípios da hierarquia das normas jurídicas colocam o direito adjetivo ou formal ao serviço do direito substantivo e em plano inferior ao deste”.

Afigura-se-nos ser esta linha de orientação a que melhor se adequa ao caso que nos ocupa, de harmonia com os princípios da economia e utilidade processual, posto que se mostram observados os princípios do dispositivo e do contraditório, dentro da órbita do conflito de interesses tal como ela foi gizada pelas partes, na ação e na defesa.

Assim, decretada a nulidade, não está vedado ao Tribunal, oficiosamente, extrair, como consequência, o reconhecimento do direito ao reembolso do que foi prestado, pois que, em tal condicionalismo, não operam os limites à condenação referidos no art.º 661.º do Cód. Proc. Civil.

Neste sentido pode ver-se o Assento do STJ nº 4/95, de 28.03.95 (BMJ 445, pág.67) em cujo sumário se lê o seguinte:

Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na ação tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil.

Nem se pode dizer que solução diferente contraria o disposto no art.º 661.º do Código de Processo Civil, que proíbe a condenação em quantidade superior ou coisa diversa da pedida já que o que se pretende, seja válido ou nulo o negócio, é precisamente a restituição do que já havia sido prestado.

Por conseguinte, nos termos estabelecidos no art.º 289.º n.º 1 do C. Civil, em consequência da declaração de nulidade deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado pela autora AA, LIMITADA, ao Réu BB, o que significa que este deve restituir àquela o que por ela lhe tenha sido pago ao abrigo da parte final da cláusula 7.ª, isto é, a título “de compensação pelo integral cumprimento do clausulado número seis do presente contrato”.

Acontece, porém, que não é possível quantificar o montante que estará em causa por efeito da restituição, visto os elementos disponíveis nos autos não permitem chegar a essa conclusão. Assim, impõe-se proferir condenação nos termos previstos no art.º 609.º n.º 2, do C. P.C., condenando-se no que vier a ser liquidado.”  

Vejamos então se a declaração de nulidade da cláusula de não concorrência determina a obrigação de restituir o que foi recebido pelo trabalhador, a título da compensação convencionada.

Resulta dos factos provados que o réu/trabalhador estava ligado à autora/empregador através de um contrato de trabalho celebrado em 1 de junho de 2006, para desempenhar funções de médico dentista.

Por acordo entre o empregador e o trabalhador, este devidamente esclarecido, ficou estipulado, na cláusula 6.ª do contrato celebrado entre ambos, que este estava obrigado a não desenvolver atividades concorrentes com a atividade do empregador, nomeadamente de medicina dentária em concorrência com a atividade daquela, por conta própria ou de outrem, nos concelhos de ..., ... e ..., e ainda, nos concelhos geograficamente circundantes, a saber, …., …, …, … e ….

Esta obrigação de não concorrência, assumida pelo trabalhador, aplicava-se durante a vigência do contrato e no prazo de trinta meses após a respetiva cessação, e da mesma resultaria para o empregador, segundo o que estava convencionado e como compensação, o acréscimo mensal no valor de 10% sobre a retribuição devida.

Atenta a data da celebração do contrato, o regime substantivo aplicável é o que resulta do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto.

As normas referentes à invalidade do contrato de trabalho estavam previstas nos artigos 114.º a 118.º do referido diploma.

Ainda na vigência da Lei do Contrato Individual de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de novembro de 1969, António Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, pág. 648) considera que a aplicação do art.º 289.º n.º 1 do Código Civil, referente aos efeitos da declaração de nulidade e da anulação do negócio jurídico, colocaria problemas complicados quando aplicado ao contrato de trabalho, porque o trabalho prestado não pode ser restituído, havendo que proceder ao cálculo do seu valor, a compensar, depois, com a retribuição paga.

Acrescenta o referido Autor que “ Por isso, o art.º 15.º n.º 1 da LCT estabelece uma regra especial para as invalidades laborais o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução ou, se durante a ação continuar a ser executado, até à data do trânsito em julgado da decisão judicial”.

António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 326 e segs), já no âmbito do Código do Trabalho de 2003, refere que “no contrato de trabalho, há que atender a certas particularidades. O CT (arts. 115.º e 116.º), mantendo a orientação que provinha da LCT, adota perante o tema posições semelhantes às que, na generalidade dos sistemas, tem inspirado a singular relevância da execução do contrato – isto é, das relações factuais de trabalho (Hueck) ou da incorporação (Nikisch) a que se fez referência – nos casos em que seja posta em causa a validade do vínculo jurídico respetivo”.

Adianta o citado autor que o “ próprio funcionamento do mecanismo montado pela lei civil conduziria à neutralização dos efeitos da nulidade relativamente ao período em que o contrato foi executado: o trabalhador, depois de devolver o salário, recebê-lo-ia de novo; e, quanto ao trabalho prestado, nem mesmo seria possível a restituição”.

Maria do Rosário Palma Ramalho (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6ª Edição, Almedina, pág. 218 e segs.) sublinha que uma das especificidades “do regime laboral em matéria de invalidade decorre da regra da não retroatividade dos efeitos da declaração de nulidade ou da anulação do contrato de trabalho executado, ao contrário do que sucede no regime geral da invalidade (art.º 289.º n.º 1 do Código Civil).

A Autora aponta como razão de ser desta regra a “impraticabilidade da repetição das prestações laborais, não apenas no que toca à atividade laboral mas também por força da complexidade da posição debitória das partes no contrato de trabalho, a necessidade de tutela do trabalhador nestas situações e, por último, a conveniência de estabelecer um regime de aplicação escorreita num contrato que, apesar de inválido, pode ser executado durante largo tempo”.

Adianta ainda que “a regra geral da não retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do contrato de trabalho estende-se também aos atos modificativos inválidos, nos termos definidos pelo art.º 122.º n.º 2 (115.º n.º 2 do Código do Trabalho de 2003). Assim, estes atos produzem efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo de execução do contrato, mas apenas se a ressalva daqueles efeitos não for de molde a afetar as garantias do trabalhador.”

João Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2016, Almedina, pág.154) sintetiza que “a lei laboral acolhe um princípio de irretroatividade da invalidade contratual, esta funciona para o futuro, ex nunc, deixando incólumes os efeitos que o contrato executado tenha entretanto produzido”.

Na mesma linha, Júlio Manuel Vieira Gomes (Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 521) num plano reflexivo, enfatiza que “a celebração de um contrato de trabalho desencadeia a aplicação de um regime em grande medida heterónomo e parcial, quer dizer, marcadamente protetor de uma das partes. Se a conclusão de um contrato inválido fosse suficiente para afastar o regime legal protetor haveria decerto a tentação acentuada para muitas entidades patronais de concluírem intencionalmente contratos de trabalho inválidos, com o que se teria encontrado a fórmula mágica para esvaziar de alcance prático todo o regime protetor.”

Por fim, Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 2013, 6.ª Edição, Almedina, pág. 452 e segs), introduzindo o conceito “Ficção de validade” conclui que “em relação ao contrato de trabalho, não se aplica o regime previsto no Código Civil (art.º 285.º e segs.), tendo-se estabelecido regras específicas nos artigos 121.º a 125.º do Código do Trabalho”, acrescentando que “No domínio do contrato de trabalho inválido tem-se admitido a figura da relação contratual de facto, de molde a proteger as situações jurídicas constituídas ao seu abrigo. Seria inconveniente que se destruíssem, retroativamente, todos os efeitos emergentes de uma relação laboral, que se executou durante determinado período”.

Este Autor, discorrendo quanto os atos modificativos inválidos do contrato, defende que, mesmo quanto a esses, a invalidade também não tem eficácia retroativa, a não ser na hipótese de se estar perante um contrato válido e uma modificação inválida, que ponha em causa garantias do trabalhador.

Perante este panorama doutrinário, vejamos o caso concreto, sendo certo que estamos perante um contrato de trabalho, em que apenas a cláusula de não concorrência foi declarada nula.

Saliente-se que esta obrigação de não concorrência, assumida pelo trabalhador, aplicava-se durante a vigência do contrato e no prazo de trinta meses após a respetiva cessação.

A propósito da invalidade parcial dos negócios jurídicos relembramos a lição de Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, pág.482 e segs.) que refere “quando a invalidade parcial resultar da infração de norma destinada a proteger uma parte contra outra, haverá redução, mesmo que haja vontade, hipotética ou real, em contrário. Trata-se de uma redução teleológica, no sentido de ser determinada pela necessidade de alcançar plenamente as finalidades visadas pela norma imperativa infringida”.

           Como já se referiu, sendo aplicável o Código do Trabalho de 2003, temos de considerar o disposto no art.º 115.º deste diploma que estatui o seguinte:

           1- O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual em que esteve em execução.

2- Aos atos modificativos inválidos do contrato de trabalho aplica-se o disposto no número anterior, desde que não afetem as garantias do trabalhador.

           Perante a teleologia deste regime especial consagrado na lei laboral, atentas as particularidades do contrato de trabalho, temos de considerar inaplicável o regime previsto no art.º 289.º, n.º 1, do Código Civil, não havendo lugar à obrigação por parte do trabalhador de restituir as quantias que recebeu do empregador durante a execução do contrato, tanto mais que, atento o seu carácter regular e periódico, as quantias recebidas revestem natureza retributiva.

                                                           III

            Decisão:

            Face ao exposto acorda-se:

1. Não conhecer o recurso subordinado interposto pela autora;

2. Conceder a revista interposta pelo réu, revogando o acórdão recorrido na parte em determinou a restituição por este à autora, de tudo o que lhe tinha sido pago ao abrigo da parte final da cláusula 7.ª, nos termos do art.º 289.º nº 1 do Código Civil, a título de compensação pelo integral cumprimento da cláusula 6.ª do contrato de trabalho, e condenando o réu no pagamento do respetivo montante que viesse a ser liquidado, nos termos do art.º 609.º n.º 2, do Código de Processo Civil, repristinando-se assim a sentença da 1.ª instância.

Custas na 2.ª instância e no Supremo Tribunal de Justiça a cargo da recorrida.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2018.

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha