Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P2301
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: BEM JURÍDICO PROTEGIDO
SEQUESTRO
EXTORSÃO
Nº do Documento: SJ200710100023013
Data do Acordão: 10/10/2007
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Sumário : I - A notificação da acusação deve ser feita pessoalmente ao arguido, além do defensor, como expressamente refere o n.º 9 do art. 113.º do CPP. Esta exigência constitui um pressuposto do exercício efectivo do direito de defesa, dada a função processual do acto de acusação e da posição eminentemente pessoal do arguido perante os factos da acusação, como delimitação do perímetro dentro do qual se desenha o direito e se impõem as necessidades de defesa da pessoa acusada.
II - Num caso em que, encontrando-se na situação de preso preventivo, logo sujeito às regras de notificação estabelecidas no art. 114.º, n.º 1, do CPP, o arguido se recusou a assinar a notificação e, por tal facto, foi lavrada nota do incidente, o acto vale como efectiva notificação, nos termos do art. 113.º, n.ºs 1, al. a), e 6, al. a), do mesmo diploma, já que, aplicando-se tal procedimento em caso de notificação por via postal simples, por maioria de razão aplicar-se-á à notificação por contacto pessoal, ainda em obediência ao art. 283.º, n.º 6, do CPP. De outro modo, seria sempre possível retardar a notificação, assim perturbando o normal desenrolar do processo.
III - Os problemas dogmáticos relativos ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infracções), dos mais complexos na teoria geral do direito penal, têm no art. 30.º do CP a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
IV - A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções) e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).
V - O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
VI - Com efeito, ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.
VII - A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção.
VIII - No crime de roubo, que primeiramente protege bens jurídicos patrimoniais, concorrem também, em complexidade executiva que lhe acrescenta gravidade (em relação ao furto), ofensas a bens jurídicos eminentemente pessoais, como a liberdade de determinação, a liberdade e a integridade físicas. O crime de roubo descrito no art. 210.º, n.º 1, do CP, é um crime complexo e estruturalmente um furto qualificado, em que a subtracção da «coisa móvel alheia» é conseguida por meio de violência contra uma pessoa, ou de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física.
IX - A violência contra uma pessoa constitui, na estrutura da descrição e conformação do crime de roubo, um meio de que o agente se serve para conseguir o fim que é subtracção da coisa móvel.
X - No crime de sequestro p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1, do CP o bem jurídico protegido é a liberdade física de uma pessoa o jus ambulandi, a liberdade ambulatória , que é afectada por todos os actos ilegítimos restritivos do seu direito ambulatório.
XI - Na execução do crime de roubo, a violência usada contra uma pessoa, como meio de actuação do agente para conseguir a finalidade de subtracção da coisa móvel alheia, pode consistir na perturbação ou na privação da liberdade ambulatória, impossibilitando-a de resistir à realização da finalidade do agente. Nesta medida, a integração de elementos típicos do crime de sequestro pode coincidir com a violência como meio de realizar o roubo, quando, nas circunstâncias, a afectação da liberdade constituir estritamente o meio de que o agente se serve para levar a cabo a subtracção de coisa móvel. A violação de bem jurídico pessoal não tem, então, autonomia funcional, e a protecção do bem jurídico ficou já consumida pela específica construção do crime de roubo enquanto infracção complexa em que coexistem afectados bens pessoais, como meio de execução, e patrimoniais, como realização da finalidade do agente.
XII - Diversamente, se a privação da liberdade for além da função ou condição de meio de execução, e se exceder o nível executivo necessário à realização da subtracção, excedendo a natureza de meio, fica autonomamente lesado o bem jurídico protegido no crime de sequestro, em termos de integrar o crime de sequestro em concurso real com o crime de furto. É este o sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal.
XIII - No caso dos autos, os factos provados relativamente aos ofendidos CT e RS revelam que estes foram privados da liberdade ambulatória por período de tempo considerável [«os arguidos amarraram as mãos de RS, atrás das costas e também os tornozelos, a uma cadeira, com corda de nylon, colocaram fita-cola larga na sua boca e taparam-lhe a cara com um gorro»; CT foi «amarrado nos pulsos e tornozelos com corda de nylon, vendado com um cachecol e obrigado a sentar-se no sofá, local onde lhe colocaram um gorro na cabeça»; ambos foram deixados amarrados com corda, vendados e com a boca tapada com fita adesiva, pelo recorrente e co-arguidos quando estes abandonaram o local após a subtracção de dinheiro e das chaves de um veículo automóvel], ultrapassando manifestamente a dimensão funcional de meio de realização do objecto do crime de roubo, com a consequente acumulação real entre os crimes de roubo e sequestro.
XIV - A apreciação, a efectuar pelo STJ, da questão, colocada pelo recorrente, da determinação da medida das penas deve ser antecedida da análise da integração dos factos nas correspondentes categorias penais e do rigor da qualificação efectuada na decisão sob recurso, seja no domínio da integração qua tale, seja quanto à verificação da existência de unidade ou pluralidade de infracções, a realizar oficiosamente, como prius metodológico, independentemente de invocação pelos recorrentes.
XV - As instâncias, ao qualificarem juridicamente o segmento factual em que se afirma que, no dia 05-12-2003, o recorrente, juntamente com dois indivíduos não identificados, usando de elevado nível de violência contra RS e CT no interior da residência destes, obrigaram cada um, em momentos diferentes, a revelar os códigos do alarme da agência de câmbios que o CT explorava e a entregar as chaves da agência, e retiraram € 1000 ao CT e € 500 da mala da RS, bem como outros valores que se encontravam na residência (telemóveis, dinheiro e objectos em ouro), consideraram que estes factos integravam, em concurso, dois crimes de roubo, conclusão que resultou, certamente, da consideração de um dos elementos de integração da complexidade estrutural do crime de roubo a violência contra as pessoas , que determinaria sempre a pluralidade de infracções pela natureza eminentemente pessoal dos bens jurídicos também afectados na execução de um crime de roubo.
XVI - Todavia, esta construção, que no plano dogmático constitui, por regra, o modo de referência e decisão para as situações, dir-se-ia típicas ou tributárias da normalidade, pode, em específicas conjugações factuais, revelar-se excessivamente formal ou mesmo artificial, fragmentada e afastada dos pressupostos do direito penal do facto, tomado o facto como complexo dos elementos estruturantes que delimitam e concretizam na execução a intenção e o domínio da vontade do agente.
XVII - No roubo, como em outros crimes patrimoniais, os factos têm de ser lidos e interpretados complexivamente, pelo desenho da intenção e perspectiva do agente e pelo modo de realização que revele ou exteriorize objectivamente uma unidade ou pluralidade de resoluções. Com efeito, nos crimes patrimoniais a pluralidade das coisas móveis objecto de subtracção (as parcelas) não reverte necessariamente para a pluralidade de infracções, mas, dependendo das circunstâncias, do modo de realização, do sentido e extensão da intenção objectivamente revelada, podem integrar uma pluralidade ou somar-se apenas num único facto a considerar como um único crime no domínio da qualificação.
XVIII - No roubo, e não obstante a complexidade estrutural, as considerações válidas para outros crimes patrimoniais não serão sempre e necessariamente afastadas pela natureza individualizada dos bens jurídicos pessoais que, instrumentalmente, como meio de execução, também sejam afectados. Neste tipo de ilícito a afectação de bens jurídicos de natureza pessoal, apenas instrumental e enquanto for apenas instrumental, está subordinada à realização da intenção específica de subtracção ou apossamento de coisa móvel alheia tanto assim é que em tudo quanto a afectação de bens jurídicos pessoais for além da dimensão típica expressamente referida no art. 210.º do CP, ou seja, não for apenas instrumental e exceda a finalidade funcional e executiva, terá tratamento penal próprio e autónomo que acresce ao crime de roubo (v.g., ofensas corporais, sequestro, homicídio).
XIX - Por isso, a protecção de bens pessoais, enquanto objecto de afectação instrumental, está já assegurada pela protecção acrescida ao crime patrimonial que resulta da particular qualificação do roubo em relação ao furto.
XX - A perspectiva dos bens jurídicos afectados e a consideração do bem jurídico como critério de determinação da existência de unidade ou pluralidade de infracções têm, assim, de atender à afectação do bem jurídico que primeiramente se apresente violado. E será na função instrumental que o bem jurídico pessoal deverá ser considerado. No rigor das coisas, poder-se-á considerar que no crime de roubo a afectação de bens pessoais, enquanto e na medida em que constituir acção instrumental, pode ficar consumida, em espécie de concurso parcelar aparente, pela finalidade essencial de apoderamento do crime de roubo, em relação ao qual devem então ser verificados os pressupostos casuísticos para determinação da unidade ou pluralidade de infracções.
XXI - Deste modo, não se poderá afirmar que, em todos os casos, a natureza pessoal do bem jurídico, apenas por si e independentemente da conjugação própria de todos os elementos de cada caso, prevaleça sobre o tipo matriz (a afectação patrimonial) e se lhe sobreponha em espécie de concurso parcelar efectivo, nem que por essa natureza, em quaisquer circunstâncias, se acolha nas qualificações sempre à pluralidade de infracções.
XXII - Assim, na situação identificada, o complexo factual apurado [o arguido MJ, acompanhado por dois indivíduos (o co-arguido RM e um outro não identificado), pretendendo forçar o ofendido CT a revelar os códigos do alarme das instalações da agência de câmbios, bem como a entrega da chave da agência, aguardaram desde pouco depois da 20h00 a chegada deste junto da entrada do apartamento onde residia; tendo chegado primeiro RS, que residia também no apartamento, taparam-lhe a boca e com a ameaça de um revólver imobilizaram-na, retiraram-lhe a chave do apartamento, entraram na habitação, e, no interior, amarraram-na com as mãos atrás das costas e os tornozelos a uma cadeira, colocaram-lhe fita-cola na boca e taparam-lhe a cara com um gorro; o arguido exigiu-lhe a revelação dos códigos do alarme, bem como a entrega das chaves, tendo acedido «por recear pela sua integridade física»; o ofendido CT chegou por volta das 22h20 e foi empurrado, amarrado pelos pulsos e tornozelos e vendado; o arguido MJ retirou-lhe dos bolsos € 1000 e as chaves de um veículo automóvel, exigindo-lhe que revelasse os códigos do alarme da agência e do cofre, a que acabou por aceder «por receio pela sua integridade física»; o arguido retirou € 500 do interior de uma mala pertencente à RS; do interior da residência os arguidos retiraram 3 telemóveis, € 3000 e alguns anéis em ouro], quando analisado na perspectiva imposta pelas dimensões possíveis da integração em tipos penais, faz salientar imediatamente uma previsível leitura típica que as instâncias não consideraram em nenhum momento (e a que a própria acusação não atendeu): na dinâmica que os factos apresentam, de acordo com o desenvolvimento e execução de uma intenção anteriormente delineada, os arguidos, designadamente o MJ, pretendiam obter do ofendido CT a revelação dos códigos de alarme e a obtenção das chaves da agência de câmbios, e a actuação sobre a RS, tal como vem provada, teve exclusivamente em vista um tal objectivo. A posterior actuação física sobre o CT, no essencial e em primeira finalidade funcional, teve idêntico objectivo.
XXIII - Ora, a actuação descrita integra, em primeiro termo, dois crimes de coacção, p. e p pelo art. 154.º do CP, porquanto o uso de violência foi determinado à obtenção de informações (os códigos), ou à entrega de instrumentos (as chaves), tipicamente e funcionalmente distantes do crime de roubo. Na verdade, as informações não constituem “coisa móvel” e não está provado que as chaves da agência de câmbios tivessem sido subtraídas, na acepção de “subtracção” típica dos crimes de furto e roubo.
XXIV - Esta perspectiva não foi considerada pelas instâncias, mas as regras processuais relativas à alteração da qualificação (novas e diferentes qualificações) e aos limites de cognição do tribunal de recurso (arts. 358.º e 409.º do CPP) não permitem a requalificação dos factos com efeito na alteração para mais e para outros crimes do objecto da condenação.
XXV - Tal não impede, todavia, uma leitura coordenada e total da acção, integrada e sequencial, permitindo uma compreensão global e não fragmentada do complexo da acção. Nesta perspectiva, o conjunto dos factos aponta para uma sequência que revela que a acção dos arguidos se dirigiu, essencial e primeiramente, para a obtenção de elementos que lhes possibilitassem o acesso, sem risco ou com menor risco, às instalações da casa de câmbios «pretendiam forçar o CT a revelar os códigos, bem como a entrega das chaves», porque sabiam «que o CT já não transportava o dinheiro para a sua habitação»; a subtracção de “coisa(s) móvel(is)” que se sucedeu no contexto foi sequencial e no aproveitamento funcional das circunstâncias de constrangimento físico e da liberdade que os arguidos haviam já produzido, com aquela primitiva finalidade, que, nas circunstâncias, não constituiu nem “subtracção”, nem de “coisa móvel”, com o sentido típico, material e objectivo/final que assumem no contexto dos crimes de furto ou roubo.
XXVI - Na situação em causa, a subtracção das coisas móveis que está provada não esteve em relação primária, directa e imediata, nem foi especificamente consequencial do corte que os arguidos produziram nas condições de liberdade de determinação dos ofendidos. A realização de uma intenção previamente formulada, em acção sequencial sem relação funcional directa com a afectação específica de bens pessoais relativamente a cada um dos ofendidos, faz salientar, relevantemente, a função apenas instrumental do constrangimento físico das pessoas e emergir a finalidade essencial na construção dogmática do crime complexo de roubo, como infracção contra a propriedade, conduzindo, consequentemente, ao reconhecimento de um único crime de roubo relativamente à totalidade (ao conjunto) das parcelas das coisas móveis subtraídas na mesma ocasião e lugar (tanto mais que não estão factualmente pormenorizadas as condições em que foi retirado o montante do dinheiro da mala da ofendida, sendo certo que também foram subtraídos outros bens e valores que se encontravam no apartamento, sem prova da pertença nem objectiva referência à violência exercida autonomamente sobre cada um dos ofendidos).
XXVII - Impõe-se, por isso, concluir que os factos levados a cabo, em 05/06-12-2003, pelos arguidos MJ e RM integram a prática de 2 crimes de coacção, p. e p. pelo art. 154.º, n.º 1, do CP, que, como se referiu, não podem ser considerados por motivos processuais, 2 crimes de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1, do mesmo diploma, e, pela unidade contextual e ambiental relativamente à totalidade das coisas móveis subtraídas na mesma ocasião e local, 1 crime de roubo, p. e p. pelo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP.
XXVIII - Tendo por base o seguinte quadro factual:
- no dia 23-01-2004, os arguidos MJ e FT, acompanhados por outros dois indivíduos não identificados, esperaram, cerca das 18h00, SN junto da vivenda onde residia, quando esta regressava do seu local de trabalho agência de câmbios… , acompanhada da mãe, ME, e de dois filhos menores;
- os arguidos abordaram as quatro pessoas, usando gorros «passa-montanhas», e um deles empunhava um revólver e outro estava munido de um taco de baseball;
- o arguido MJ ordenou a SN que lhe fornecesse os códigos do alarme e do cofre e que lhe desse as chaves da agência de câmbios;
- tendo negado, foi forçada, bem como a filha A, a acompanhar o arguido e outro indivíduo ao estabelecimento de câmbios, em veículo automóvel «de sua pertença»;
- a ME e o outro menor foram obrigados a permanecer na vivenda vigiados por dois indivíduos (um deles o arguido FT), tendo a ME sido «amarrada com uma corda pelas mãos»;
- a SN, «assustada e receosa de que algo de mal lhe pudesse acontecer, ou aos seus familiares, e por recear pela sua integridade física, deslocou-se ao interior da agência, de onde trouxe uma mala com cerca de 30000 € em dinheiro que retirou do cofre e entregou aos arguidos»;
- entretanto, o arguido MJ permaneceu no exterior da agência a vigiar, e o outro indivíduo ficou no veículo automóvel com a menor A;
- regressados à residência da SN, esta e a mãe foram «amarradas com uma corda a uma cadeira», e os arguidos retiraram do interior da residência uma quantia em dinheiro não determinada e objectos com valor superior a € 200;
- os arguidos pretenderam, e conseguiram, obter a entrega de dinheiro através da privação da liberdade da menor A, causando na SN receio pelo mal que lhe pudesse acontecer ou aos seus familiares;
- as instâncias condenaram os arguidos MJ e FT por 2 crimes de roubo, «na pessoa de SN» e «na pessoa de ME», daqui resultando que foram considerados como roubo tanto a actuação através da qual os arguidos subtraíram os bens que se encontravam na residência, como o constrangimento para a entrega do «dinheiro que se encontrava na agência de câmbios à responsabilidade da SN», decisão que suscita dúvidas de enquadramento no que respeita a esta última situação.
XXIX - Com efeito, de acordo com os factos provados, a SN, bem como a sua filha A, foram forçadas a acompanhar o arguido MJ (e outro indivíduo não identificado) ao estabelecimento de câmbios, desde a residência. E, na sequência de toda a descrita actuação, a SN deslocou-se ao interior da agência, de onde trouxe uma mala com dinheiro que retirou do cofre e entregou ao arguido, «assustada e receosa que algo de mal lhe pudesse acontecer ou aos seus familiares». Ora, estes factos revelam que foi a própria ofendida quem se deslocou ao interior do estabelecimento, retirou o dinheiro do cofre, o colocou numa mala e o entregou ao arguido MJ, que permaneceu no exterior das instalações da casa de câmbios. Fê-lo «assustada e receosa» «de que algo de mal pudesse acontecer a si ou aos seus familiares», uma vez que a mãe e um filho tinham ficado na residência sob vigilância do arguido FT e de outro indivíduo, e a filha A se encontrava em poder dos arguidos no interior do veículo automóvel em que se tinham deslocado.
XXX - Neste enquadramento, os factos impõem um esforço adicional de integração diferencial entre o roubo e a extorsão definida no art. 223.º do CP, que seria punível, no caso, dadas as circunstâncias de facto, na previsão do n.º 3, al. a), da mesma disposição, com pena idêntica à do crime de roubo.
XXXI - Na descrição típica do art. 223.º do CP, a extorsão consiste no constrangimento de uma pessoa, por meio de violência ou ameaça com um mal importante, para a obtenção de uma disposição patrimonial, que acarrete um prejuízo para essa pessoa ou para outrem.
XXXII - A violência e a ameaça que lesam a liberdade de disposição patrimonial são, assim, elementos comuns aos crimes de extorsão e roubo, ambos crimes patrimoniais, e que podem ter, por isso, amplas zonas de confluência, impondo-se, por rigor, estabelecer critérios de distinção que permitam decidir em casos de fronteira.
XXXIII - Nas situações em que a conduta possa ser (ou aparente ser) subsumível tanto ao crime de roubo como ao de extorsão, pela ampla coincidência típica (casos de constrangimento, mediante violência ou ameaça de execução iminente contra a vida ou integridade física, à entrega de coisa móvel alheia, com intenção de apropriação), o critério final de distinção poderá ser o da «entrega imediata, ou não, da coisa móvel alheia». «Se a coacção visa a entrega imediata, trata-se de um crime de roubo; se visar uma entrega diferida no tempo (corresponda esta dilação a dias ou a horas), será crime de extorsão» (cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 342).
XXXIV - Perante os factos provados, a SN foi constrangida, por meio de violência e ameaça de um mal importante (o que pudesse acontecer aos seus familiares em poder dos arguidos), à entrega de dinheiro, que estava no cofre no interior ao estabelecimento, a que tinha acesso e de onde o retirou; a actuação dos arguidos, através dos modos visíveis e locais do constrangimento e da ameaça, tinha por finalidade a entrega imediata do dinheiro, e foi assim que a ofendida sentiu a ameaça e, em consequência, reagiu. Os elementos de facto aproximam-se, assim, mais do crime de roubo, aceitando-se, nesta parte, a decisão das instâncias.
XXXV - Esta conclusão, no entanto, impõe um reordenamento da qualificação dos factos adjacentes, ocorridos no dia 23-01-2004, em que foi vítima a menor A: o recorrente MJ vem condenado por um crime de rapto qualificado, p. e p. pelo art. 160.º, n.º 1 e 2, al. a), por referência ao art. 158.º, n.º 2, al. e), do CP, por, na interpretação da decisão das instâncias, a SN ter sido forçada, «bem como sua filha A» a acompanhar o recorrente MJ e outro indivíduo ao estabelecimento, sendo que, «no exterior» permaneceu, além do recorrente «outro indivíduo no veículo automóvel [em que todos se tinham feito transportar] com a menor A».
XXXVI - O crime de rapto, p. e p. pelo art. 160.º do CP, protege, tal como o crime de sequestro, a liberdade ambulatória da pessoa, mas acrescenta-lhe a vinculação dos meios de execução (violência, ameaça ou astúcia, e transferência da pessoa de um local para outro) e uma intenção específica, que consiste na realização de alguma das finalidades referidas nas als. do n.º 1 do art. 160.º do CP, entre estas, a de submeter a vítima a extorsão ou de obter resgate ou recompensa als. a) e c).
XXXVII - Porém, os factos provados não permitem considerar a concorrência de elementos que revelem a específica intenção, pois não vem referida a realização de uma finalidade de extorsão ou de obtenção de resgate ou recompensa. Bem diversamente, a qualificação das instâncias como crime de roubo na actuação sobre a SN, e que se aceitou, não é compatível, ao nível da tipicidade, dos modos de execução e da específica intenção com a concorrência dos elementos do crime de rapto; não está provado qualquer facto que revele a exigência de resgate ou recompensa, e o crime de roubo afastou a extorsão.
XXXVIII - Resta, pois, apenas a privação de liberdade da menor A, a integrar no crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do CP.
XXXIX - Nos termos do art. 370.º do CPP, não é obrigatório que o tribunal solicite relatório social, podendo os elementos relativos à personalidade e às condições de vida necessários à determinação da medida da pena ser demonstrados por outros meios, dependendo do juízo que o tribunal faça sobre a necessidade da sua própria elucidação para a determinação da medida da pena.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com nº.581/03.7GDLLE, do 2º.Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, foram submetidos a julgamento conjuntamente com outros, e condenados os arguidos:
AA:
- pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado (na pessoa de BB), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado (na pessoa de BB), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 11 anos de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de um crime de roubo qualificado (na pessoa de CC), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 11 anos de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro (na pessoa de BB), p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro (na pessoa de CC), p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado (na pessoa de DD), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 11 anos de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado (na pessoa de EE), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro (na pessoa de DD), p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro (na pessoa de EE), p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro qualificado (na pessoa do menor FF), p. e p. pelo artigo 158º, nºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de rapto qualificado (na pessoa da menor GG), p. e p. pelo artigo 160º, nºs 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 158º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado (na pessoa de HH), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 9 anos de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado (na pessoa de II), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão;
- pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 e 2, do D.L. 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 4 meses de prisão;
- pela prática, como autor material, de um crime de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299º, nºs 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
- após a realização de cúmulo jurídico, na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão;
- JJ:
- pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado (na pessoa de BB), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 11 anos de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de um crime de roubo qualificado (na pessoa de CC), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 11 anos de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro (na pessoa de BB), p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro (na pessoa de CC), p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão;
- pela prática, como autor material, de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;
- após a realização de cúmulo jurídico, na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão;
- KK:
- pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado (na pessoa de DD), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 7 anos e 4 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de roubo qualificado (na pessoa de EE), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 6 anos e 8 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro (na pessoa de DD), p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro (na pessoa de EE), p. e p. pelo artigo 158º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de sequestro qualificado (na pessoa do menor FF), p. e p. pelo artigo 158º, nºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão;
- pela prática, como co-autor material, de um crime de rapto qualificado (na pessoa da menor GG), p. e p. pelo artigo 160º, nºs 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 158º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- pela prática, como autor material, de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;
- após a realização de cúmulo jurídico, na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

2. Não se conformando, recorreram para o tribunal da Relação, que concedeu provimento parcial ao recurso, absolvendo os recorrentes da prática de um crime de associação criminosa, e condenando-os pelos restantes crimes nas seguintes penas:
AA:
a) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de BB, cometido em 28 de Julho de 2003 – a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de BB, cometido em 5 de Dezembro de 2003 – a pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
c) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de CC, cometido em 5 de Dezembro de 2003 – a pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
d) pelo crime de sequestro, na pessoa de BB, cometido em 5 de Dezembro de 2003 – a pena – idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
e) pelo crime de sequestro, na pessoa de CC, cometido em 5 de Dezembro de 2003 – a pena – idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
f) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de DD, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
g) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de LL, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão;
h) pelo crime de sequestro, na pessoa de DD, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena – idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
i) pelo crime de sequestro, na pessoa de LL, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena – idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
j) pelo crime de sequestro qualificado, na pessoa do menor FF, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena – idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
k) pelo crime de rapto qualificado, na pessoa da menor GG, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena – idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;
l) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de HH, cometido em 12 de Abril de 2004 – a pena de 7 (sete) anos de prisão;
m) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de II, cometido em 10 de Maio de 2004 – a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
n) pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal – a pena -idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 4 (quatro) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico foi condenado ma pena única de dezoito anos de prisão.
JJ:
a) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de BB, cometido em 5 de Dezembro de 2003 – a pena de 6 (seis) anos de prisão;
b) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de CC, cometido em 5 de Dezembro de 2003 – a pena de 6 (seis) anos de prisão;
c) pelo crime de sequestro, na pessoa de BB, cometido em 5 de Dezembro de 2003 – a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
d) pelo crime de sequestro, na pessoa de CC, cometido em 5 de Dezembro de 2003 – a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico foi condenado na pena de nove anos e seis meses de KK (com atenuação especial da medida das penas aplicáveis):
a) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de DD, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena de 4 (quatro) anos de prisão;
b) pelo crime de roubo qualificado, na pessoa e bens de LL, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
c) pelo crime de sequestro, na pessoa de DD, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena – idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
d) pelo crime de sequestro, na pessoa de LL, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena – idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
e) pelo crime de sequestro qualificado, na pessoa do menor FF, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena – idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão;
f) pelo crime de rapto qualificado, na pessoa da menor GG, cometido em 23 de Janeiro de 2004 – a pena – idêntica à aplicada na 1ª.instância - de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico foi condenado na pena de sete anos e seis meses de prisão.

3. Deve novo incorformados, recorrem para o Supremo Tribunal, com os fundamentos constantes das motivações que apresentam e que terminam com a formulação das seguintes conclusões:
I- AA:
I - 1. Questão Prévia
I - 1. a) Da nulidade da notificação da acusação
1. O Recorrente recebeu a acusação em castelhano em Setembro de 2004, a fls. 2284 e ss., mas por esta estar redigida manualmente com uma letra ilegível o recorrente não pode tomar conhecimento pleno dos factos contra si imputados.
2. Tratando-se de uma citação nula à luz do disposto no art. 195° do C.P.C..
3. Após "reclamação" do recorrente, o Tribunal "a quo" procedeu a nova notificação em 15 de Novembro de 2005, a fls. 2445 e ss., tendo sido notificado no mesmo acta da data para a audiência de julgamento, violando a Tribunal “a quo" o disposto nos art. 286° e 287° do C.P.P., ao não conceder ao recorrente prazo para pedir abertura de instrução, querendo.
4. O carácter facultativo da instrução deve-se a possibilidade atribuída aos arguidos e assistentes de fazer uso dela querendo. O Tribunal negou essa possibilidade ao recorrente, tal facto constitui nulidade insanável a luz do art.º 119° al. d) do C.P.P.
Caso assim não seja entendido e à cautela,
I - 1. B) Da acusação.
5. Da acusação notificada ao recorrente a fls. 2284 e 2445, o Recorrente vem acusado da prática de 6 crimes, conforme se verifica a fls. 2316, 2460 e 1461, um crime de sequestro, dois de rapto e três crimes de condução sem habilitação legal, os restantes 11 (onze) crimes a que veio a ser condenado no douto acórdão não constam da acusação notificada ao arguido.
6. Não pode o Recorrente ser condenado por crimes do qual não vem acusado, o que determina a nulidade do douto acórdão.
7. Entende ainda a defesa que estes 11 factos referidos (descritos) na acusação sofrem de outro vício insanável, a falta da indicação das disposições legais aplicáveis, violando a exigência legal imposta pela alínea c) n.º 3 do art. 283° do C.P.P., o que implica a nulidade da acusação na parte referente a estes factos e subsequentemente a nulidade do douto acórdão.
Ainda que este não seja o entendimento deste Tribunal,
8. Deverá o acórdão ser declarado nulo nos termos do art. 379, nº 1 alínea b), sendo substituído por outro acórdão que decida apenas sobre os factos pelos quais o Arguido/ Recorrente vem acusado.
II) Do concurso aparente
9. Entende o recorrente que deveria ter sido condenado apenas pela prática dos crimes de roubo e absolvido dos crimes de sequestro, isto porque a privação da liberdade dos ofendidos/testemunhas teve como objectivo único a subtracção de bens móveis.
10. Os ofendidos conseguiram, pelos seus próprios meios libertar-se e chamar as autoridades policiais. A violação do jus ambulandi teve a duração necessária para efectivar os roubos.
11. Pelo exposto, deverá o recorrente ser absolvido da prática dos crimes de sequestro.
III - Quanto a condenação penal
1. Da Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
1. 2 - Quanto ao crime de roubo ocorrido em 28 de Julho de 2003:
12. O arguido/recorrente foi condenado com base na utilização do telemóvel do ofendido BB, não é tal facto, salvo melhor entendimento, prova bastante, o que viola os princípios do dúbio pró réu e o da presunção da inocência.
Pelo que deverá o recorrente ser absolvido da prática deste crime nos termos do art. 410.º n.º 2 al. a) do C.P.P..
1.3 - Dos factos ocorridos em 12 de Abril de 2004:
13. A Testemunha HH reconheceu em audiência de julgamento o co-arguido Frederico como sendo o autor do roubo, não viu mais ninguém. A suspeita da existência de pelo menos um elementos no exterior, e que esse elemento seria o recorrente não passam disso mesmo de uma suspeita. A condenação tem que basear em provas concretas e não em suspeitas ou probabilidades.
14. Pelo que o arguido deverá ser absolvido deste crime por não se mostrar provada a sua participação em violação do art.410 n.º 2 do C.P.P.
IV - Da medida da pena
15. A fundamentação do tribunal "a quo" para efeitos de determinação da medida da pena de prisão a aplicar ao recorrente baseou-se no perfil feito "ad hoc" sem ter na sua base, um relatório à personalidade do arguido.
16. Na determinação da sanção - artigo 369° do Código de Processo Penal, o tribunal deve ter em seu poder documentação sobre os antecedentes criminais do arguido, perícia sobre a sua personalidade e relatório social."
17. O tribunal, não tinha em seu poder quaisquer elementos relativos à vida afectiva e profissional do Recorrente, sobre o seu comportamento anterior, a sua situação pessoal, familiar e profissional, as sua condições sócio-económicas e a sua inserção comunitária (em Espanha) para decidir com justeza da pena a aplicar ao Recorrente.
18. Não o tendo feito, afigura-se existir o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista no artigo 410°, n.º 2, al. a) do C.P.P.
Pede o provimento do recurso, com a anulação do acórdão recorrido, ou se assim não for entendido, com a aplicação de pena mais favorável ao recorrente.
II- JJ:
1. A decisão recorrida, ao condenar o arguido na pena de prisão em que o condenou, fez uma apreciação incorrecta da matéria de direito e uma aplicação incorrecta do Direito, violando os princípios da proporcionalidade e adequação da pena ao tipo de ilícito cometido e ainda uma aplicação errada na fundamentação da matéria de facto, apenas evidenciando a convicção do tribunal na experiência comum.
2. A prova produzida em sede de audiência de julgamento é manifestamente insuficiente para abalar a presunção de inocência do arguido e para condená-lo na pena de prisão efectiva de 9 anos que lhe foi fixada.
3. Assim conforme supra exposto deverá o ora recorrente JJ ser absolvido relativamente aos factos de 5 de Dezembro de 2003.
4. Não deixando de salientar que a Digna Magistrada de Ministério Publico em 1ª Instância promoveu a condenação de todos os arguidos à excepção do arguido JJ " ... não há prova suficiente, bastante e concreta quanto a este arguido ... "
5. Caso o arguido não seja absolvido dos crimes a que foi condenado por uma apreciação incorrecta da matéria de direito e a consequente aplicação incorrecta do Direito (pela conjugação dos factos dados como provados não serem suficientes para aplicação do direito como foi aplicado), consequentemente deverá ser considerado que no caso concreto o crime de roubo absorve o crime de sequestro como supra exposto e não como o Tribunal da Relação fundamenta. Pois não é uma escuta telefónica meses depois dos factos que consubstanciam todos os elementos necessários para aplicação do direito como foi aplicado e assim dando como provado a participação do recorrente JJ e nem se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos destes ilícitos.
6. Deverá ainda ter-se em atenção que a medida das penas aplicadas (isto no caso de não absolvição do recorrente pelos motivos argumentados no presente recurso), é manifestamente excessiva atendendo a idade do arguido (25 anos), o facto do arguido ser primário, ser condenado apenas numa situação (a de 5 de Dezembro de 2003), tendo em conta os artigos 70° e 71° do Código Penal, sendo suficiente a aplicação de uma pena dentro dos limites mínimos previstos para satisfazer a necessidade de prevenção geral e especial, e permitir assim a futura reabilitação do arguido na sociedade.
Pede o provimento do recurso e, em consequência, a revogação da decisão que condena o arguido numa pena de prisão efectiva de 9 anos, que deve ser substituída por outra que:
a) «Absolva o arguido dos crimes a que foi condenado relativos aos factos de 5 de Dezembro de 2003 uma vez que não existe prova suficiente, bastante e concreta que condene o arguido conforme salientado em alegações pela Digníssima Magistrada do Ministério Público em 1.ª Instância (havendo sem dúvida alguma ter que ser aplicado o princípio do in dubio pro reo), pois o arguido deverá ser absolvido por uma apreciação incorrecta da matéria de direito e a consequente aplicação incorrecta do Direito (pela conjugação dos factos dados como provados não serem suficientes para aplicação do direito como foi aplicado)»; ou, caso assim não seja entendido,
b) reaprecie «a escolha da medida da pena tendo em atenção os limites das penas e a aplicação ao caso concreto e prova produzida, uma vez que a aplicada é excessiva devendo ser escolhida penas menos gravosas, atendendo o arguido ser jovem e sem antecedentes criminais sob crimes desta natureza (apenas tem duas condenações por condução sem habilitação legal), e considerar que quanto ao crime de sequestro, no caso em apreço existe um concurso aparente com o crime de roubo e mesmo que se tenha como uma aplicação correcta do direito aos factos relativos a este crime pode-se optar por aplicar ao arguido uma pena de multa ou uma pena de prisão suspensa na sua execução».
III- KK:
a) Entre os crimes de roubo e sequestro existe uma relação de concurso aparente sempre que a privação de locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática de roubo, como crime-fim.
b) No caso em apreço os meios utilizados foram inadequados para que se verificasse concurso efectivo dos crimes de roubo e sequestro.
c) O sequestro não se manteve para além do necessário à consumação do roubo.
d) A medida da pena aplicada pelo Tribunal recorrido é extremamente excessiva;
e) Nos termos do artigo 158.° n.º 1 do C.P., o crime de sequestro "(...)é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa."
f) O tribunal recorrido, não atentou ao carácter excepcional da pena de prisão.
g) O arguido, é primário, tem 21 anos, encontra-se comprovada a sua inserção familiar, social, no relatório social emitido pelo Instituto de Reinserção Social.
h) A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
i) Há sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem arguido.
j) Uma pena inferior viabilizará a suspensão da mesma, estando mais em consonância com a política criminal e o espírito que preside ao Código Penal e regime especial para jovens.
k) Assim entende-se como inadequada, desproporcional, inconveniente a condenação do arguido a 7 anos e 6 meses de prisão.
Nestes termos, pede a procedência do recurso, e, em consequência, a revogação do acórdão recorrido, com a absolvição do arguido dos crimes de sequestro que foi condenado por se verificar concurso aparente entre o crime de roubo e o de sequestro, ou, se assim não se entender, com a aplicação ao recorrente uma pena de multa para os crimes de sequestro e uma atenuação na pena de prisão dos crimes de roubo para que esta deva ser suspensa.
O magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu às motivações com desenvolvidas considerações, contrariando os fundamentos dos recursos.
Especialmente salienta, com o apoio de pertinente doutrina e jurisprudência, e existência de concurso efectivo entre os crimes de roubo e sequestro, e manifesta concordância com a medida das penas parcelares e únicas aplicadas na decisão recorrida.

4. No Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto teve intervenção nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, considerando que nada obsta ao conhecimento do recurso.

5. Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações.
O Exmº Procurador-Geral pronunciou-se pela improcedência dos recursos, salvo no que respeita às penas pelos crimes de roubo e penas únicas, defendendo que devem ser fixadas em medida inferior.
Os recorrentes mantiveram as posições assumidas nos recursos.
Cumpre apreciar e decidir.
As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
1.1 Em 28 de Julho de 2003, pelas 23H30, o arguido AA, acompanhado por outros dois indivíduos, cuja identidade não se logrou apurar, actuando todos de comum acordo, de forma concertada e em conjugação de esforços e intentos, na sequência de um plano previamente traçado, dirigiu-se ao Parque ..., Bloco ..., sito na Rua D. João V, em Quarteira, área desta comarca de Loulé.
1.2 O arguido AA e os outros indivíduos aguardaram escondidos a chegada do BB, aí residente no apartamento 802, o qual acabara de abandonar o seu local de trabalho – “Agência de Câmbios ACV”, sita na Avenida Tivoli, em Vilamoura, da qual é também proprietário.
1.3 Entretanto o arguido AA distribuiu uma meia de vidro aos demais indivíduos, de forma a encobrirem os rostos e definiu as regras de actuação, indicando a cada um as tarefas a realizar.
1.4 O BB dirigiu-se ao elevador do referido prédio, transportando uma mala a tiracolo e, acto contínuo, sem que nada o fizesse prever, o arguido AA, abordou-se daquele pelas costas e proferindo, por duas vezes, a expressão “Dá cá a mala”,
1.5 Nesse instante, apareceram os outros dois arguidos, vindos da zona das escadas interiores do prédio sendo que um deles, que trazia o rosto coberto pela meia de vidro, empunhava uma caçadeira (cujas demais características não se logrou apurar), desferiu uma pancada com o cano da referida arma na cabeça do BB e, ao mesmo tempo, o arguido AA arrancou-lhe a mala que este trazia a tiracolo.
1.6 No interior da pasta encontravam-se:
- € 22.000 em notas;
- 10.000 GBP em notas;
- $ 7.000 USD em notas;
- livros de cheques do “Banif”, “Montepio Geral”, “Totta & Açores”, “BPN”, “BPI” e “BES”;
- um cartão de crédito do “Totta & Açores” e outro do “BES";
- documentos pessoais;
- dois telemóveis, com os n.ºs ... e ...;
- documentos das viaturas com as matrículas SN, IV e DT;
- diversas chaves.
1.7 Da agressão acima referida resultaram, em BB as lesões descritas nos registos clínicos de fls. 27 e no auto de exame médico-legal de fls. 77 e 78 dos autos (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), nomeadamente “Hematoma no couro cabeludo por agressão”, lesões essas que foram determinantes de 10 dias de doença, os 02 primeiros afectando gravemente a capacidade para o trabalho.
1.8 O arguido e os restantes indivíduos referidos (cuja identidade não foi possível apurar) repartiram, entre si, o dinheiro e os objectos referidos.
1.9 O arguido e os restantes indivíduos referidos (cuja identidade não se logrou apurar) agiram com o propósito comum (que lograram alcançar) de, através da surpresa e da violência, retirarem e fazerem seus o dinheiro e os restantes objectos, bem sabendo que estes não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do seu legítimo dono.
1.10 Em 05 de Dezembro de 2003, pouco depois das 20H00, os arguidos AA, JJ e outro indivíduo, cuja identidade não foi possível apurar, actuando todos de comum acordo, de forma concertada e em conjugação de esforços e intentos, na sequência de um plano previamente traçado, dirigiram-se, mais uma vez, ao Parque ..., Bloco .., sito na Rua D. João V, em Quarteira, área desta comarca de Loulé.
1.11 Os arguidos sabiam, de antemão, e após vigilâncias que efectuaram ao BB que o mesmo já não transportava o dinheiro para a sua habitação, tendo o arguido AA definido as regras de actuação, indicando a cada um as tarefas a realizar.
1.12 Assim, aguardaram escondidos, junto ao apartamento 802, sito no oitavo andar, a chegada de CC, aí residente com BB, a qual acabara de chegar da “Agência de Câmbios ACV”.
1.13 Acto contínuo, e sem que nada o fizesse prever, o arguido JJ, abordou-se daquela e tapou-lhe a boca, enquanto outro indivíduo lhe apontou um revólver (cujas demais características não se logrou apurar), ao mesmo tempo que lhe diziam para não fazer barulho.
1.14 O arguido AA retirou a chave do apartamento da mão da CC e aberto a porta de forma a entrarem todos no mesmo.
1.15 De seguida, os arguidos amarraram as mãos de CC, atrás das costas e também os tornozelos, a uma cadeira, com corda de nylon, colocaram fita-cola larga na sua boca e taparam-lhe a cara com um gorro.
1.16 Após, o arguido AA exigiu a revelação dos códigos do alarme da agência de câmbios, bem como as chaves da mesma, ao que acabou por aceder, por recear pela sua integridade física.
1.17 Pelas 22H20, BB entrou em casa e foi empurrado – o que provocou a sua queda ao chão – amarrado nos pulsos e tornozelos com corda de nylon, vendado com um cachecol e obrigado a sentar-se no sofá, local onde lhe colocaram um gorro na cabeça.
1.18 O arguido AA retirou, então, dos bolsos de BB, cerca de €1000 em dinheiro e as chaves de um veículo automóvel de matrícula SM.
1.19 O arguido AA exigiu que BB revelasse os códigos do alarme da agência de câmbios e do cofre, ao que o acabou por aceder, por recear pela sua integridade física.
1.20 Do interior de uma mala pertença de CC, o arguido AA retirou cerca de €500 em dinheiro.
1.21 Do interior da residência, os indivíduos subtraíram, ainda, do três telemóveis, com os n.ºs ...., ... e ..., cerca de €3000 em dinheiro e alguns anéis de ouro.
1.22 Pelas 23H00, o arguido AA abandonou o apartamento, em direcção à agência de câmbios, tendo referido que se o código do cofre estivesse errado o arguido JJ e outro indivíduo podiam matar o BB e a CC.
1.23 O arguido AA não logrou entrar na agência de câmbios, uma vez que o bar contíguo à mesma – “...” – permaneceu aberto toda a noite.
1.24 Pelas 05H00, o arguido JJ e o outro indivíduo (cuja identidade não foi possível apurar) abandonaram o local, porém, antes de o fazerem, colocaram CC no sofá junto ao BB, tendo amarrado ambos com corda, vendado os mesmos e tapado as suas bocas com fita adesiva.
1.25 BB e a CC, depois de se soltarem pelos seus meios aproveitando a ausência momentânea dos arguidos, assustados e receosos de que algo de mal lhes pudesse acontecer e por recearem pela sua integridade física, face às características físicas e superioridade numérica dos arguidos e ao facto dos arguidos afirmarem que voltariam, colocaram móveis atrás da porta da residência, o que impediu a entrada dos arguidos quando aí voltaram.
1.26 Os arguidos agiram com o propósito comum – que lograram alcançar – de, através da surpresa e da violência que utilizaram contra BB e CC, lhes retirarem e fazerem seu o dinheiro e os restantes objectos, bem sabendo que estes não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus legítimos donos.
1.27 Os arguidos agiram, ainda, com o propósito comum – que lograram alcançar – de, privarem BB e CC da sua liberdade ambulatória, bem com o propósito de, ao amarrá-los e ao amordaçá-los, os forçarem a submeter-se às suas vontades, o que conseguiram, bem sabendo que tal era contrário à vontade destes.
1.28 Em 23 de Janeiro de 2004, pouco antes das 18H10, os arguidos AA, KK e outros dois indivíduos (cuja identidade não se logrou apurar), actuando todos de comum acordo, de forma concertada e em conjugação de esforços e intentos, na sequência de um plano previamente traçado, dirigiram-se a uma vivenda, sita no Sítio dos ..., em Tunes – Silves.
1.29 Aguardaram, então, escondidos no quintal da referida vivenda, a chegada de DD, aí residente, a qual acabara de abandonar o seu local de trabalho – “Casa de ... ...”, sita na Avenida Sá Carneiro, Areias de São João – Albufeira.
1.30 DD chegou pouco tempo depois, fazendo-se acompanhar pela sua mãe, LL e pelos seus dois filhos – FF e GG – de 3 e 4 anos respectivamente.
1.31 Acto contínuo, assim que abandonaram o veículo automóvel em que se encontravam, sem que nada o fizesse prever, foram, de imediato, abordados pelos 4 indivíduos, que usavam gorros tipo passa-montanhas, sendo que um deles tinha na sua posse um revólver de (cujas demais características não se logrou apurar) e outro um taco de “basebol” em madeira, com cerca de 50 cm de comprimento.
1.32 O arguido AA, em momento anterior, definiu as regras de actuação, tendo indicado a cada um as tarefas a realizar e distribuído os referidos objectos.
1.33 O arguido AA ordenou a DD que lhe fornecesse os códigos do alarme e do cofre da agência de câmbios e lhe desse as chaves da mesma, o que esta negou, sendo então forçada, bem como a sua filha GG, a acompanhar aquele e outro indivíduo, ao estabelecimento, no veículo automóvel de marca Mitsubishi Spacestar, com a matrícula ON, de sua pertença.
1.34 LL e o menor FF foram obrigados a permanecer na vivenda, vigiados por dois indivíduos, entre os quais o arguido KK, tendo a primeira sido amarrada com corda pelas mãos.
1.35 DD assustada e receosa de que algo de mal lhe pudesse acontecer, ou aos seus familiares, e por recear pela sua integridade física, deslocou-se ao interior da agência, de onde trouxe uma mala com cerca de €30.000 em dinheiro que retirou do cofre e que entregou aos arguidos, tendo, entretanto, o arguido AA permanecido no exterior da mesma, a vigiar, e outro indivíduo no veículo automóvel com a menor GG.
1.36 De imediato regressaram à vivenda, tendo a DD e a LL sido amarradas com uma corda a uma cadeira, por um dos indivíduos.
1.37 Do interior da vivenda, os arguidos retiraram:
- quantia não apurada de dinheiro;
- uma máquina fotográfica digital;
- dois telemóveis;
- diversos relógios, tudo de valor superior a €200.
1.38 O arguido AA repartiu o dinheiro e objectos pelos outros indivíduos referidos.
1.39 Ambas ficaram amarradas quando os arguidos se foram embora e só se soltaram, pelo seus próprios meios, por volta das 19 horas e 30 minutos.
1.40 Os arguidos agiram com o propósito comum – que lograram alcançar – de, através da surpresa e da violência que utilizaram contra a DD e a LL, lhes retirarem e fazerem seus o dinheiro e os objectos, bem sabendo que estes não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus legítimos donos.
1.41 Os arguidos agiram também, com o propósito comum – que lograram alcançar – de privarem a DD, a LL e os menores FF e GG da sua liberdade ambulatória, bem com o propósito de, amarrando a LL, as forçarem a submeter-se às suas vontades, o que conseguiram, bem sabendo que tal era contrário à vontade destas.
1.42 Actuaram, ainda, com o propósito de, colocando a GG, numa situação de privação de liberdade ambulatória e de subjugação às suas vontades, conseguirem a entrega do dinheiro, o que lograram, bem sabendo que tal era contrário à sua vontade.
1.43 Sabiam os arguidos que, ao privavam a liberdade ambulatória do FF e da GG, o faziam a duas crianças que, em razão da idade, se mostravam incapazes, face aos indivíduos que o fizeram, de qualquer reacção.
1.44 Em 12 de Abril de 2004, pelas 09H00, os arguidos AA e MM, actuando de comum acordo, de forma concertada e em conjugação de esforços e intentos, na sequência de um plano previamente traçado, dirigiram-se à Agência “...”, sita no cruzamento de Areias de São João, em Albufeira.
1.45 O arguido AA, em momento anterior, definiu as regras de actuação, indicando a cada um as tarefas a realizar.
1.46 HH, acabara de proceder à abertura da referida agência, quando foi abordada pelo arguido MM, que lhe apontou um revólver (cujas demais características não se logrou apurar) e, agarrando-a pelo braço, obrigou-a a deslocar-se até ao cofre, ao mesmo tempo que proferia as seguintes expressões “abre o cofre”.
1.47 O arguido AA aguardou na rua.
1.48 O cofre em apreço possui sistema de abertura retardada, pelo que o arguido MM, impaciente, proferiu as seguintes frases “tu estás a brincar comigo, não brinques comigo que está um gajo lá fora e está outro à porta do infantário. Sei que foste levar o teu filho e que o infantário é logo ali. Tu moras lá para Tunes, não é?”.
1.49 HH, assustada e receosa de que algo de mal lhe pudesse acontecer, ou ao seu filho, e por recear pela sua integridade física, forneceu o código de abertura do cofre ao arguido, que retirou do interior do mesmo cerca de €18.593,66.
1.50 Antes de abandonar o local o arguido MM amarrou HH a uma cadeira com um cordel e esta só veio a ser libertada por uma colega de trabalho cerca de 20 minutos depois.
1.51 Os arguidos repartiram entre si os cerca de €18.593,66.
1.52 Os arguidos agiram com o propósito comum – que lograram alcançar – de, através da surpresa e da violência que utilizaram contra a HH, retirarem e fazerem seu o dinheiro, bem sabendo que este não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade do seu legítimo dono.
1.53 Em 10 de Maio de 2004, pelas 18H10, os arguidos AA, NN e outros dois indivíduos, actuando de comum acordo, de forma concertada e em conjugação de esforços e intentos, na sequência de um plano previamente traçado, dirigiram-se à localidade de Aldeia de ..., em Ferreira do Alentejo.
1.54 O arguido AA, em momento anterior, definiu as regras de actuação, indicando a cada um as tarefas a realizar.
1.55 II, funcionário da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Ferreira do Alentejo, deslocou-se ao “Café ...”, sito naquela aldeia, com o intuito de recolher os depósitos daquele estabelecimento comercial, transportando consigo uma mala, a qual continha no seu interior cerca de €2680 em dinheiro, diversos cheques e dois ou três vales, os quais totalizavam a quantia de €6.392,48.
1.56 Ao sair do referido estabelecimento em direcção ao veículo automóvel “Seat Ibiza”, com a matrícula XB, foi, de imediato, abordado pelos indivíduos, tendo o arguido AA apontado uma pistola semi-automática de calibre 6,35 mm, dizendo “abre o carro, dá cá a chave e a mala”, enquanto os outros dois arguidos o rodearam.
1.57 II, assustado e receoso de que algo de mal lhe pudesse acontecer e por recear pela sua integridade física, face às características físicas e superioridade numérica dos arguidos, entregou a citada mala e as chaves do veículo.
1.58 Já depois de o arguido AA se ter sentado ao volante e ter colocado o citado veículo “Seat Ibiza” a trabalhar, os outros indivíduos empurraram e puxaram o II de forma a que o mesmo entrasse no veículo, o que não lograram, uma vez que este conseguiu fugir.
1.59 Acto contínuo, e uma vez que apareceram outras pessoas, os arguidos colocaram-se em fuga no veículo referido, pertença da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Ferreira do Alentejo, com a mala que II transportava, tendo o arguido AA disparado um tiro para o ar por forma a intimidar os presentes e facilitar a fuga na confusão.
1.60 Os indivíduos dirigiram-se à Aldeia de Canhestros, por estradas abertas ao público, tendo o arguido AA seguido ao volante, sem que possua qualquer título válido para o efeito.
1.61 O veículo automóvel veio a ser abandonado uns quilómetros adiante, em Aldeia de Canhestros, onde foram recolhidos pela arguida NN, a qual os transportara anteriormente até Aldeia de Ruins, num veículo alugado para o efeito.
1.62 Para facilitar a deslocação e o transporte dos objectos e do dinheiro subtraídos, e de modo a não poderem ser facilmente interceptados, os arguidos fizeram uso de um veículo automóvel alugado e conduzido pela arguida NN.
1.63 Os arguidos e os indivíduos referidos repartiram entre si o dinheiro.
1.64 Bem sabia, o arguido AA, que a condução de um veículo motorizado na via pública estava dependente da prévia aquisição da respectiva carta de condução, porém, querendo exercer a condução, não se absteve de o fazer.
1.65 Os arguidos agiram, com o propósito comum – que lograram alcançar – de, através da surpresa e da violência que utilizaram contra o II, lhe retirarem e fazerem seu o dinheiro, bem sabendo que este não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade do seu legítimo dono.
1.66 Os arguidos agiram, ainda, com o propósito comum de privarem o II da sua liberdade ambulatória bem sabendo que, naquela situação, este não tinha capacidade de reagir e que tal era contrário à sua vontade, o que só não conseguiram por motivos alheios à sua vontade.
1.67 Era do arguido AA que os restantes arguidos recebiam todas as ordens e com ele conferenciavam sobre todas as questões relacionadas com os esquemas previamente elaborados por si.
1.68 Nomeadamente, era o arguido AA que arregimentava para as descritas actuações novos elementos que passavam a fazer parte do grupo, que procedia à divisão das receitas conseguidas pela actuação do grupo e informava os restantes membros dos procedimentos a tomar.
1.69 Todos os arguidos procederam a vigilâncias às vítimas, de forma a conhecerem as suas rotinas, sendo que a arguida NN possuía a listagem de matrículas de veículos automóveis pertencentes àquelas memorizadas no seu telemóvel.
1.70 A arguida NN fornecia alojamento ocasional aos restantes arguidos e era na sua residência que as armas eram guardadas.
1.71 A arguida NN utilizou o seu veículo, de marca “Citroën”, matrícula AT, em vigilâncias e transporte dos arguidos.
1.72 Todos os objectos constantes do auto de busca e apreensão de fls. 663 e 664 são produto dos factos acima descritos ou objectos usados nos mesmos.
1.73 Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, no intuito que lograram alcançar de, em conjunto, fazer parte de um grupo estruturado e organizado, liderado por AA, mediante planos previamente traçados e em comunhão e conjugação de esforços, que se destinava exclusivamente à prática dos actos acima referidos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.
1.74 Em 25 de Setembro de 2004, pouco antes das 03H05, o arguido MM, quando se deslocava na Rua Alameda Praia da Marina, em Vilamoura, área desta comarca de Loulé, abordou-se de OO, pelas costas e, sem que nada o fizesse prever, agarrou a mala que esta transportava na mão e puxou-a, logrando retirá-la.
1.75 O arguido agiu com o propósito – que logrou alcançar – de através da violência que utilizou contra OO se apoderar e fazer sua a mala e o respectivo conteúdo, de valores não concretamente apurados mas não inferiores a €50, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade da sua legítima proprietária.
1.76 O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.
1.77 arguido AA residia com uma companheira, em Espanha, em casa arrendada.
1.78 No certificado do registo criminal deste arguido AA nada consta.
1.79 No certificado do registo criminal do arguido JJ consta que o mesmo foi condenado:
- em 18/12/2002, pelo 2º Juízo do Tribunal de Albufeira, pela prática, em 9/11/2002, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €5;
- em 14/11/2003, pelo 1º Juízo Criminal do Tribunal de Faro, pela prática, em 29/10/2003, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €5
1.80 No certificado do registo criminal do arguido MM consta que o mesmo foi condenado, em 15/07/1999, pelo 2º Juízo Criminal do Tribunal de Loulé pela prática, em Julho de 1998, de 8 crimes de furto e 3 crimes de dano, na pena única de 3 anos de prisão (a que foi perdoado um ano nos termos da Lei 29/99, de 12 de Maio).
1.81 O arguido KK estuda e vive com a sua mãe e irmãos, não tendo rendimentos próprios.~
1.82 No certificado do registo criminal de KK nada consta.
1.83 Consta do relatório social do arguido KK que:
- é o terceiro elemento de uma fratria de 4;
- a ruptura entre os seus progenitores ocorreu durante a gravidez, pelo que o arguido não viveu nunca como pai, sendo que a ausência da figura parental masculina foi sentida pelo arguido tendo manifestado alguns comportamentos disruptivos na adolescência (que se enquadram, contudo, nos comportamentos típicos da adolescência) associados à revolta por não ser desejado pelo progenitor;
- a mãe voltou a casar (dessa união resultou outra irmã para o arguido) mas também essa relação conjugal se desfez;
- o arguido abandonou o ensino antes de completar a escolaridade obrigatória e, nessa fase, experimentou consumir estupefacientes (que não passaram de experiências pontuais, não se tornando hábitos nem dependências) e teve algumas experiências laborais descontínuas (trabalhou em bares e noutros locais em tarefas indiferenciadas);
- o arguido frequentou consulta de psicologia (problemas de claustrofobia), mas desistiu por falta de dinheiro;
- à data dos factos o arguido integrava o agregado familiar de origem , situação que se mantém, sendo que a situação económica é precária e de grande contenção;
- a relação de amizade com um co-arguido facilitou o seu envolvimento em práticas socialmente desajustadas;
- actualmente, apesar de estar restringido à sua habitação (medida de coacção) frequenta aulas de ensino recorrente, estando inscrito em 6 disciplinas e no meio escolar é conhecida a sua situação judicial, mas tem sido apoiado pelos professores;
- o seu empenhamento no cumprimento das regras de conduta tem sido exemplar e revela motivação de mudança;
- tem ponderado as consequências dos seus actos e posiciona-se de forma crítica sobre o seu comportamento anterior;
- dispõe de suporte familiar seguro e gratificante, que se tem constituído como garante da inversão de comportamentos, aliado ao esforço pessoal;
- está num processo de superação das dificuldades, apesar da sua juventude.
1.84 A arguida NN reside com o seu marido e dois filhos, em casa arrendada, trabalhando como costureira.
1.85 No certificado do registo criminal da arguida NN nada consta.

Por seu lado, constituem factos não provados:

2.1 Em 28 de Julho de 2003 o arguido KK se tenha dirigido ao Parque ..., em Quarteira, e tenha aí realizado os demais actos que nesse dia se lhe imputam;
2.2 Em 28 de Julho de 2003, os arguidos se tenham dirigido ao Parque ... no veículo automóvel de matrícula AT;
2.3 O arguido MM tenha estado no local ou praticado os factos ocorridos em 5 de Dezembro de 2003, no interior do apartamento de BB e CC.
2.4 O revólver utilizado, nessa ocasião de 5/12/2003, fosse de calibre .32.
2.5 O arguido AA tenha dividido os cerca de €5700 apenas com Kurt Weiss, nada dando ao arguido JJ e ao outro indivíduo, por estes terem incumprido as suas ordens, ao terem abandonado o apartamento a fim de adquirirem tabaco.
2.6 O arguido JJ tenha estado no local ou praticado os factos que lhe eram imputados como tendo ocorrido em 23 de Janeiro de 2004, no Sítio dos ..., em Tunes.
2.7 Os arguidos tenham sido transportados, nesse dia 23/01/2004 até ao Sítio dos ... pela arguida NN, no seu veículo automóvel de marca “Citroën” com a matrícula AT e que esta tenha aguardado no mesmo o desenrolar dos factos a vigiar o local.
2.8 O arguido AA, depois de ter repartido o dinheiro por todos, tenha transportado nessa viatura de matrícula AT o arguido KK a casa., sabendo que a condução de veículo motorizado na via pública dependia da prévia aquisição da respectiva carta de condução.
2.9 No dia 12 de Abril de 2004 o arguido JJ tenha estado no local e/ou agido da forma como se indica na acusação.
2.10 Nesse dia os arguidos se tenham dirigido no veículo automóvel de Kurt Weiss com o arguido AA ao volante e que este soubesse, nessa ocasião, que a condução de veículo motorizado na via pública estava dependente de prévia aquisição de respectiva carta de condução.
2.11 O revólver utilizado por MM, na ocasião de 12/04/2004, fosse de calibre .32.
2.12 No dia 10 de Maio de 2004 os arguidos JJ e MM tenham estado no local ou actuado do modo que lhes era imputado na acusação nessa ocasião.
2.13 Nessa ocasião de 10/05/2004 os arguidos tenham agido com o propósito de privarem II da sua liberdade ambulatória a fim de obterem mais dinheiro.

6. O objecto do recurso é definido pelo recorrente nas conclusões da motivação.
Na delimitação do objecto do recurso que submetem ao Supremo Tribunal, os recorrentes suscitam as seguintes questões:
I- AA:
(i)- Nulidade da notificação da acusação em castelhano, por ilegibilidade do manuscrito que determinou que não tivesse tomado conhecimento do acto, e por impossibilidade de requerer a abertura de instrução, em face de nova tradução proporcionada pelo tribunal;
(ii)- Ter sido condenado por 11 crimes pelos quais não vinha acusado e que não constavam da acusação pessoalmente notificada, referindo, porém, que os factos foram descritos, «apesar de não vir expressamente acusado desses factos»; invoca, assim, a nulidade pela falta de indicação das disposições legais aplicáveis – artigo 283º, alínea c) do CPP;
(iii)- Relação entre os crimes de roubo e sequestro (vítimas BB e CC) que considera ser apenas de concurso aparente;
(iv)- Violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo relativamente aos crimes de roubo ocorridos em 28 de Julho de 2003 e 12 de Abril de 2004 por a prova «apresentada em tribunal para condenar o recorrente [ser] insuficiente e insustentável quando desacompanhada por outros elementos probatórios», violando o artigo 410º, nº 2 do CPP.
(v)- Medida das penas, que considera excessivas.
II- JJ:
(i) A prova produzida em audiência é manifestamente insuficiente para abalar a presunção de inocência do requerente e para o condenar relativamente aos factos de 5 de Dezembro de 2003.
(ii) O crime de roubo abrange o crime de sequestro, e a ser condenado deve sê-lo apenas pelo crime de roubo.
(iii) Medida da pena, que considera excessiva, entendendo ser suficiente a aplicação de uma pena «dentro dos limites mínimos previstos para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial» e permitir a reabilitação do recorrente.
III- KK:
(i) Concurso aparente entre os crimes de roubo e sequestro, por no caso os meios utilizados serem inadequados para que se verifique concurso efectivo.
(ii) Medida da pena, com atenuação e aplicação de multa pelo crime de sequestro, atendendo á idade e à comprovada inserção familiar e social, «com a aplicação uma pena de multa para os crimes de sequestro e uma atenuação na pena de prisão dos crimes de roubo para que esta deva ser suspensa».

7. Apreciando:
Recurso de AA:
(i). Sobre primeira questão relativa à nulidade da acusação por não estar traduzida de modo legível em castelhano:
O recorrente retoma os termos da questão precisamente pelo mesmo modo como os apresentou no recurso para o tribunal da Relação, que decidiu em termos exaustivos, verificando a sequência e a cronologia dos actos do processo relevantes.
Deduzida acusação pelo Ministério Público (fls.2086 e segs.), com data de 14 de Junho de 2005, e sendo o recorrente de nacionalidade espanhola, procedeu-se às diligências tendentes à tradução da acusação, em obediência ao art.92º, nº. 2, do Cod.Proc.Penal, com nomeação de intérprete para o efeito (fls.2138 e 2143); a acusação foi traduzida para castelhano, constando a tradução de suporte manuscrito (fls.2290 e segs.), e foi expedida nota de notificação ao recorrente, também traduzida e datada de 29 de Julho de 2005, dirigida ao director do estabelecimento prisional onde o recorrente se encontrava aquele recluso (fls.2344) - v.art.114º, nº.1, do mesmo Código.
Invocando dificuldade na compreensão da letra em que a tradução estava manuscrita, o recorrente solicitou, em 2 de Agosto de 2005, que lhe fosse enviada cópia da acusação em letra de imprensa (fls.2359), embora tendo assinado a notificação; em consequência, foi proferido despacho (fls.2393) que considerou existir irregularidade na notificação, determinando o suprimento da irregularidade através de tradução oral, a efectuar pessoalmente.
O recorrente recusou tal procedimento, não assinando a notificação (fls.2419); foi, por isso, ordenada a notificação mediante entrega de cópia dactilografada (despacho de fls.2424).
A tradução em documento dactilografado foi então efectuada (fls.2449 e segs.), e em 23 de Setembro de 2005 o recorrente, mais uma vez, não assinou a notificação e não quis receber a cópia da acusação assim traduzida, invocando desconformidade com a acusação relativa a co-arguidos (certidão de fls.2480).
Em 12 de Outubro de 2005, através da sua defensora, requereu a correcção de omissões (fls.2481), que foi indeferido (despacho de fls.2484), consignando-se que a acusação já lhe havia sido facultada na forma requerida.
Entretanto, a defensora havia sido devidamente notificada da acusação, por carta registada de 29 de Julho de 2005.
O processo foi remetido para julgamento em 19 de Outubro de 2005 (fls.2504), e foi proferido despacho, em 20 desse mês, nos termos dos arts. 311º e 313º do Cod.Proc.Penal e, em 28 seguinte, foram sugeridas datas para a audiência de julgamento, confirmadas por despacho de 2 de Novembro seguinte (fls.258 e segs., 2514 e verso e 2521).
Perante a sequência descrita, o tribunal da Relação considerou que o tribunal de 1ª instância, «acautelando irregularidade da notificação, teve o cuidado de colmatar a circunstância de o recorrente não ter entendido a cópia manuscrita da acusação, embora devidamente traduzida para a língua castelhana».
«Não considerou, pois, e bem, como regular a notificação de Setembro de 2005, sendo assim inútil a invocação que o recorrente ora faz de que não houve notificação, aludindo aliás a preceito – art.195º do Cod. Proc. Civil – cuja aplicação ao caso não se justifica, dadas as regras específicas e exaustivas de notificação contidas no regime processual penal, sem necessidade de aplicação subsidiária – cf.arts.4º e 113º a 115º do Cod. Proc. Penal».
Suprida a deficiência, o recorrente recusou-se em 23 de Setembro de 2005a assinar a notificação, bem como a receber cópia da acusação, disso se fazendo menção na certidão respectiva.
A notificação da acusação deve ser feita pessoalmente ao arguido, além do defensor, como expressamente refere o nº 9 do artº 113º do Cod. Proc. Penal. A exigência constitui um pressuposto do exercício efectivo do direito de defesa, dada a função processual do acto de acusação e da posição eminentemente pessoal do arguido perante os factos da acusação, como delimitação do perímetro dentro do qual se desenha o direito e se impõem as necessidade de defesa da pessoa acusada.
Por isso, o tribunal da Relação, tratando a questão da natureza pessoal do acto de notificação, considerou que a notificação, «dada a situação de prisão do recorrente, obedeceu ao disposto no referido art.114º, nº.1, sendo ainda aplicáveis as regras gerais que se compatibilizem referidas no aludido art.113º, ou seja, tendo-se recusando o recorrente a assinar a notificação, foi lavrada nota do incidente, valendo o acto como efectiva notificação - v.nºs.1, alínea a), e 6, alínea a), do mesmo art.113º -, já que aplicando-se tal procedimento em caso de notificação por via postal simples, por maioria de razão aplicar-se-á à notificação por contacto pessoal, ainda em obediência ao art.283º, nº. 6, do Código».
«De outro modo – acrescenta - fácil seria sempre alguém ir recusando a notificação, por forma a perturbar o normal desenrolar do processo e, além do mais, da acção da Justiça».
O recorrente foi, assim, notificado validamente (isto é, como se fosse pessoalmente notificado), da acusação em 23 de Setembro de 2005, e não em 5 de Novembro como invoca na fundamentação do recurso, dispondo então do prazo legal – 20 dias, nos termos do art. 287º, nº.1, do Código - para requerer, se o entendesse, a abertura da instrução.
Deste modo, como se refere no acórdão recorrido, «mesmo que se entendesse verificar-se alguma irregularidade – já que a situação não cabe no elenco das nulidades dos arts.119º e 120º do Código -, sempre estaria sanada, nos termos do art.123º do Código, pois embora se possa entender o requerimento da ilustre defensora do recorrente de 12 de Outubro de 2005 – v.fls.2481 – como invocação de omissão de notificação, há muito que já havia decorrido o prazo para o efeito de sanar a pretendida irregularidade».
O tribunal da Relação decidiu, assim, a questão suscitada pelo recorrente com desenvolvida fundamentação e em termos que merecem inteira concordância.
Este fundamento do recurso é, por isso, improcedente.
(ii). A segunda questão que o recorrente delimita para o objecto do recurso não é inteligível nem nos termos nem nos fundamentos.
Refere que vem acusado de seis crimes, mas que no acórdão foi condenado por mais 11 crimes, que «não constavam» da acusação «notificada ao recorrente a fls. 2284 e 2445».
Confrontados os termos da acusação (fls. 2086 e segs.), verifica-se que os factos e a respectiva qualificação vêm especificadamente indicados, com a acusação do recorrente por diversos crimes (17) de roubo, sequestro, rapto e mesmo associação criminosa do qual foi absolvido em recurso.
Verifica-se, assim, que existe um qualquer equívoco do recorrente na apresentação da questão, que impede qualquer espécie de apreciação.
(iii). O recorrente considera ser apenas de concurso aparente a relação entre os crimes de roubo e sequestro (vítimas BB e CC).
Os problemas dogmáticos relativos ao concurso de crimes (unidade e pluralidade ide infracções), dos mais complexos na teoria geral do direito penal, têm no artigo 30º do Código Penal a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico.
A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).
O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração - concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.
A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção.
Especialmente difícil na sua caracterização é a consunção. Diz-se que há consunção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cfr. v. g. H. H. JESCHECK e THOMAS WEIGEND, "Tratado de Derecho Penal", 5ª edição, p. 788 e ss.).
A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode, pois, encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial.
O critério operativo de distinção entre categorias, que permite determinar se em casos de pluralidade de acções ou pluralidade de tipos realizados existe, efectivamente, unidade ou pluralidade de crimes, id. est, concurso legal ou aparente ou real ou ideal, reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime. Ao critério de bem jurídico têm de ser referidas as soluções a encontrar no plano da teoria geral do crime, sendo a matriz de toda a elaboração dogmática.
A intersecção ou confluência que pode verificar-se nas descrições típicas do roubo e de sequestro reverte à identidade parcial de bens jurídicos protegidos em uma e outra das descrições.
No crime de roubo, que primeiramente protege bens jurídicos patrimoniais, concorrem também, em complexidade executiva que lhe acrescenta gravidade (em relação ao furto), ofensas a bens jurídicos eminentemente pessoais, como a liberdade de determinação, a liberdade e a integridade físicas. O crime de roubo descrito no artigo 210º, nº 1 do Código Penal, é um crime complexo e estruturalmente um furto qualificado, em que a subtracção da «coisa móvel alheia» é conseguida por meio de violência contra uma pessoa, ou de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física.
A violência contra uma pessoa constitui, na estrutura da descrição e conformação do crime de roubo, um meio de que o agente se serve para conseguir o fim que é subtracção da coisa móvel.
No crime de sequestro p. no artigo 158º, nº 1, do Código Penal, por seu lado, o bem jurídico protegido é a liberdade física de uma pessoa, o jus ambulandi, a liberdade ambulatória, que é afectado por todos os actos ilegítimos restritivos do direito ambulatória de uma pessoa.
Na execução do crime de roubo a violência usada contra uma pessoa, como meio de actuação do agente para conseguir a finalidade de subtracção da coisa móvel alheia, pode consistir na perturbação ou na privação da liberdade ambulatória, impossibilitando-a de resistir à realização da finalidade do agente.
Nesta medida, a integração de elementos típicos do crime de sequestro pode coincidir com a violência como meio de realizar o roubo, quando, nas circunstâncias, a afectação da liberdade constituir estritamente o meio de que o agente se serve para levar a cabo a subtracção de coisa móvel; a violação de bem jurídico pessoal não tem, então, autonomia funcional, e a protecção do bem jurídico ficou já consumida pela específica construção do crime de roubo enquanto infracção complexa em que coexistem afectados bens pessoais como meio de execução e patrimoniais como realização da finalidade do agente.
Diversamente, se a privação da liberdade for além da função ou condição de meio de execução, e se autonomizar do nível executivo necessário à realização da subtracção, excedendo a natureza de meio, fica autonomamente lesado o bem jurídico protegido no crime de sequestro em termos de integrar o crime de sequestro em concurso real com o crime de furto.
É este o sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal.
No caso, os factos provados relativamente aos ofendidos BB e CC revelam que os ofendidos foram privados da liberdade ambulatória («os arguidos amarraram as mãos de CC, atrás das costas e também os tornozelos, a uma cadeira, com corda de nylon, colocaram fita-cola larga na sua boca e taparam-lhe a cara com um gorro» - ponto 1.15 da matéria de facto, e BB foi «amarrado nos pulsos e tornozelos com corda de nylon, vendado com um cachecol e obrigado a sentar-se no sofá, local onde lhe colocaram um gorro na cabeça» - ponto 1.17 da matéria de facto) e foram deixados amarrados ambos com corda, vendados e com a boca tapada com fita adesiva pelo recorrente e co-arguidos quando estes abandonaram o local após a subtracção de dinheiro e das chaves de um veículo automóvel – pontos 1.18 a 1.22 e 1.25 da matéria de facto.
As circunstâncias revelam, assim, que a privação da liberdade se manteve durante um tempo considerável, ultrapassando manifestamente a dimensão funcional de meio de realização do objecto do crime de roubo, com a consequente acumulação real entre os crimes de roubo e sequestro.
(iv). Relativamente aos crimes de roubo ocorridos em 28 de Julho de 2003 e 12 de Abril de 2004, o recorrente considera que a prova «apresentada em tribunal para [o] condenar é insuficiente e insustentável quando desacompanhada por outros elementos probatórios», violando o artigo 410º, nº 2 do CPP.
A argumentação não pode, no entanto, acolher-se na invocação do artigo 410º, nº 2 (certamente o recorrente quererá referir-se à alínea c)) do CPP.
Os vícios do artigo 410°, n° 2, do CPP não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no artigo 127° do CPP.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410°, n° 2, do CPP, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos.
O recorrente limita-se, porém, apenas a discordar do modo como as instâncias apreciaram a matéria de facto e formaram a convicção sobre as provas produzidas. A apreciação da matéria de facto não integra, porém, os poderes de cognição do Supremo Tribunal, pois nos termos do artigo 434º do CPP o recurso visa apenas o reexame da matéria de direito.
A impugnação por este modo apresenta, contudo, manifesta falta de fundamento.
(v). O recorrente considera as penas excessivas.
Porém, previamente à determinação da medida das penas, vem a integração dos factos nas correspondentes categorias penais, e a análise sobre o rigor da qualificação efectuada na decisão sob recurso, seja no domínio da integração qua tale, seja quanto à verificação da existência de unidade ou pluralidade de infracções.
E a verificar oficiosamente, como prius metodológico, independentemente de invocação dos recorrentes.
Nesta perspectiva, algumas circunstâncias impõem uma específica apreciação sobre se os factos provados permitem aceitar, em alguns espaços, a qualificação que as instâncias acolheram.
No que respeita ao recorrente, os factos ocorridos nos dias 5/6 de Dezembro de 2003 e 23 de Janeiro de 2004 apresentam, com efeito, alguns problemas de integração.
No dia 5 de Dezembro, o recorrente, juntamente com dois indivíduos não identificados, usando de elevado nível de violência contra CC e BB no interior da residência destes, obrigaram cada um, em momentos diferentes, a revelar os códigos do alarme da agência de câmbios que o BB explorava e a entregar as chaves da agência, e retiraram 1000€ ao BB e 500 € da mala da CC, bem como outros valores que se encontravam na residência (telemóveis, dinheiro e objectos em ouro).
As instâncias consideraram que estes factos integravam, em concurso, dois crimes de roubo.
A conclusão da instâncias resultou, certamente, da consideração de um dos elementos de integração da complexidade estrutural do crime de roubo – a violência contra as pessoas – que determinaria sempre a pluralidade de infracções pela natureza eminentemente pessoal dos bens jurídicos também afectados na execução de um crime de roubo.
Esta construção, que no plano dogmático constitui, por regra, o modo de referência e decisão para as situações, dir-se-ia típicas ou tributárias da normalidade, pode, porém, em específicas conjugações factuais, revelar-se excessivamente formal ou mesmo artificial, fragmentada e afastada dos pressupostos do direito penal do facto, tomado o facto como complexo dos elementos estruturantes que delimitam e concretizam na execução a intenção e o domínio da vontade do agente.
Tendo sempre presente que a complexidade estrutural do crime de roubo não afasta o modelo típico de crime contra o património, em que o bem jurídico protegido autónoma e essencialmente é o património (o roubo constitui, pela estrutura, um furto qualificado pelo meio executivo), sendo a afectação de bens jurídicos pessoais apenas instrumental, que têm por isso, enquanto instrumentais, a protecção já assegurada pela qualificação do crime (em relação ao furto).
No roubo, como em outros crimes patrimoniais, os factos têm de ser lidos e interpretados complexivamente, pelo desenho da intenção e perspectiva do agente e pelo modo de realização que revele ou exteriorize objectivamente uma unidade ou pluralidade de resoluções.
Nos crimes patrimoniais, com efeito, a pluralidade das coisas móveis objecto de subtracção (as parcelas) não reverte necessariamente para a pluralidade de infracções, mas, dependendo das circunstâncias, do modo de realização, do sentido e extensão da intenção objectivamente revelada, podem integrar uma pluralidade ou somar-se apenas num único facto a considerar como um único crime no domínio da qualificação.
No roubo, e não obstante a complexidade estrutural, as considerações válidas para outros crimes patrimoniais não serão sempre e necessariamente afastadas pela natureza individualizada dos bens jurídicos pessoais que, instrumentalmente, como meio de execução, também sejam afectados.
Com efeito, no roubo a afectação de bens jurídicos de natureza pessoal, apenas instrumental e enquanto for apenas instrumental, está subordinada à realização da intenção específica de subtracção ou apossamento de coisa móvel alheia. Tanto assim é que em tudo quanto a afectação de bens jurídicos pessoais for além da dimensão típica expressamente referida no artigo 210º do código Penal, não for apenas instrumental e exceda a finalidade funcional e executiva, terá tratamento penal próprio e autónomo que acresce ao crime de roubo (v. g. ofensas corporais, sequestro, homicídio).
Por isso, a protecção de bens pessoais, enquanto objecto de afectação instrumental, está já assegurada pela protecção acrescida ao crime patrimonial que resulta da particular qualificação do roubo em relação ao furto.
A perspectiva dos bens jurídicos afectados e a consideração do bem jurídico como critério de determinação da existência de unidade ou pluralidade de infracções têm, assim, de atender á afectação do bem jurídico que primeiramente se apresente violado. E será na função instrumental que o bem jurídico pessoal deverá ser considerado.
No rigor das coisas, poder-se-á considerar que no crime de roubo a afectação de bens pessoais, enquanto e na medida em que constituir acção instrumental, pode ficar consumida, em espécie de concurso parcelar aparente, pela finalidade essencial de apoderamento do crime de roubo, em relação ao qual devem então ser verificados os pressupostos casuísticos para determinação da unidade ou pluralidade de infracções.
Deste modo, não se poderá afirmar que, em todos os casos, a natureza pessoal do bem jurídico, apenas por si e independentemente da conjugação própria de todos os elementos de cada caso, prevaleça sobre o tipo matriz (a afectação patrimonial) e se lhe sobreponha em espécie de concurso parcelar efectivo, nem que por essa natureza, em quaisquer circunstâncias, se acolha nas qualificações sempre à pluralidade de infracções.
Revertendo ao caso.
No que respeita aos factos de 5 e 6 de Dezembro de 2004, o arguido AA, acompanhado por dois indivíduos (o co-arguido JJ e um outro não identificado), pretendendo forçar o ofendido BB a revelar os códigos do alarme das instalações da agência de câmbios, bem como a entrega da chave da agência, aguardaram desde pouco depois da 20 horas a chegada deste junto da entrada do apartamento onde residia.
Tendo chegado primeiro CC, que residia também no apartamento, taparam-lha a boca e com a ameaça de um revólver imobilizaram-na , retiraram-lhe a chave do apartamento, entraram na habitação, e no interior amarraram-na com as mãos atrás das costas e os tornozelos a uma cadeira, colocaram-lhe fita-cola na boca e taparam-lhe a cara com um gorro (pontos 1.10 a 1.15 da matéria de facto).
O arguido exigiu-lhe a revelação dos códigos do alarme, bem como a entrega das chaves, tendo acedido «por recear pela sua integridade física (ponto 1.16 da matéria de facto).
O ofendido BB chegou por volta das 22 h e 20 m., foi empurrado, amarrado pelos pulsos e tornozelos e vendado (ponto 1.17).
O arguido AA retirou-lhe dos bolsos 1000 € e as chaves de um veículo automóvel, exigindo-lhe que revelasse os códigos do alarme da agência e do cofre, a que acabou por aceder «por receio pela sua integridade física» (pontos 1.18 e 1.19).
O arguido retirou 500 € do interior de uma mala pertencente à CC (ponto 1.20).
Do interior da residência, os arguidos retiraram 3 telemóveis, 3000 € e alguns anéis em ouro (ponto 1.21).
Este complexo factual, quando analisado na perspectiva imposta pelas dimensões possíveis da integração em tipos penais, faz salientar imediatamente uma previsível leitura típica que as instâncias não consideraram em nenhum momento – e a que a própria acusação não atendeu.
Na dinâmica que os factos apresentam de acordo com o desenvolvimento e execução de uma intenção anteriormente delineada, os arguidos, designadamente o AA, pretendiam obter do ofendido BB a revelação dos códigos de alarme e a obtenção das chaves da agência de câmbios.
E neste sentido, a actuação sobre a CC, tal como vem provada, teve exclusivamente em vista um tal objectivo.
A posterior actuação física sobre o BB, no essencial e em primeira finalidade funcional, teve idêntico objectivo.
A actuação descrita integra, em primeiro termo, dois crimes de coacção, p. e p no artigo 154º do Código Penal, porquanto o uso de violência foi determinado à obtenção de informações (os códigos), ou à entrega de instrumentos (as chaves), tipicamente e funcionalmente distantes do crime de roubo; as informações não constituem, com efeito, “coisa móvel”; e não está provado que as chaves da agência de câmbios tivessem sido subtraídas, na acepção de “subtracção” típica dos crimes de furto e roubo.
Mas esta perspectiva não foi considerada, e as regras processuais relativas à alteração da qualificação (novas e diferentes qualificações) e sobre os limites de cognição do tribunal de recurso (artigos 358º e 409º do CPP), não permitem a requalificação dos factos com efeito na alteração para mais e para outros crimes do objecto da condenação.
A insusceptibilidade (processual) de ponderação dos factos de uma outra perspectiva, na conjugação entre os factos e as devidas categorias normativas que lhe devem corresponder, não impede, contudo, a recomposição da leitura que permitem (rectius, impõem) na apreensão do domínio da acção total, integrada e sequencial, na compreensão global e não fragmentada do complexo da acção.
Neste sentido, uma leitura coordenada e global aponta para uma sequência que revela que a acção dos arguidos se dirigiu, essencial e primeiramente, para a obtenção de elementos que lhes possibilitassem o acesso, sem risco ou com menor risco, às instalações da casa de câmbios («pretendiam forçar o BB a revelar os códigos, bem como a entrega das chaves», porque sabiam «que o BB já não transportava o dinheiro para a sua habitação») – ponto 1.11 da matéria de facto.
A delimitação factual sobre os contornos da acção inicial revela, assim, que a subtracção de “coisa(s) móvel(is)” que se sucedeu no contexto foi sequencial e no aproveitamento funcional das circunstâncias de constrangimento físico e da liberdade que as arguidos haviam já produzido com a finalidade de obtenção dos elementos e de informações que, nas circunstâncias, não constituiu nem “subtracção”, nem de “coisa móvel”, com o sentido típico, material e objectivo-final que assume no contexto dos crimes de furto ou roubo.
Nas circunstâncias, a subtracção das coisas móveis que está provada não esteve em relação primária, directa e imediata, nem foi especificamente consequencial do corte que os arguidos produziram nas condições de liberdade de determinação dos ofendidos; antes, o constrangimento físico e psicológico dos ofendidos foi dirigido à finalidade de obtenção de informações e à entrega das chaves da casa de câmbios.
A subtracção que vem provada das coisas móveis referidas ocorreu, em sequência, no ambiente e nas condições já produzidas a outro propósito, e no aproveitamento das condições criadas não individualizada e especificamente em relação a cada um dos ofendidos; a subtracção revela-se, assim, na particularidade do caso, contextualmente total, de todas as coisas que foram objecto de apoderamento, independentemente da referência de cada uma a cada um dos ofendidos. Tanto que não estão factualmente pormenorizadas as condições em que foi retirado o montante de dinheiro da mala da ofendida, e, além disso, foram subtraídos outros bens e valores que se encontravam no apartamento, sem prova da pertença nem objectiva referência à violência exercida autonomamente sobre cada um dos ofendidos.
A realização de uma intenção previamente formulada, em acção sequencial sem relação funcional directa com a afectação específica de bens pessoais relativamente a cada um dos ofendidos, faz salientar, relevantemente, a função apenas instrumental do constrangimento físico das pessoas e emergir a finalidade essencial na construção dogmática do crime complexo de roubo, como infracção contra a propriedade. E, consequentemente, nas circunstâncias, a prática de um único crime de roubo relativamente à totalidade (ao conjunto) das parcelas das coisas móveis subtraídas na mesma ocasião e lugar.
Os factos praticados em 5/6 de Dezembro de 2003 pelos arguidos AA e JJ integram, assim, dois crimes de coacção, p. no artigo 154º, nº 1 do Código Penal (que, como se referiu, não podem ser considerados por motivos processuais), dois crimes de sequestro, p. no artigo 158º, nº 1 do mesmo diploma, e pela unidade contextual e ambiental relativamente à totalidade das coisas móveis subtraídas na mesma ocasião e local, um crime de roubo p. no 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f) do Código Penal.
A sequência factual de 23 de Janeiro de 2004 suscita, também, alguns problemas na correlação entre a descrição dos factos e a qualificação das instâncias.
Os factos, tal como estão descritos, revelam uma sequência que permite identificar módulos autónomos com diversas qualificações penais, mas cuja relação não ficou suficientemente especificada nas decisões proferidas no processo.
De acordo com a matéria de facto provada, os arguidos AA e KK, acompanhados por outros dois indivíduos não identificados, esperaram, cerca das 18 horas, DD junto da vivenda onde residia, no sítio dos ..., em Tunes, quando esta regressava do seu local de trabalho – agência de câmbios “MM”, nas Areias de S. João – Albufeira, acompanhada da mãe LL e de dois filhos menores – pontos 1.28, 1.20 e 1.30 da matéria de facto.
Os arguidos abordaram as quatro pessoas, usando gorros «passa-montanhas», e um deles empunhava um revólver e outro estava munido de um taco de “baseball” – ponto 1.31.
O arguido AA ordenou a DD que lhe fornecesse os códigos do alarme e do cofre e que lhe desse as chaves da agência de câmbios; tendo negado, foi forçada, bem como a filha GG, a acompanhar o arguido e outro indivíduo ao estabelecimento de câmbios, em veículo automóvel «de sua pertença» - ponto 1.33.
A LL e o menor FF foram obrigados a permanecer na vivenda vigiados por dois indivíduos (um deles o arguido KK), tendo a LL sido «amarrada com uma corda pelas mãos» - ponto 1.34.
A DD, «assustada e receosa de que algo de mal lhe pudesse acontecer, ou aos seus familiares, e por recear pela sua integridade física, deslocou-se ao interior da agência, de onde trouxe uma mala com cerca de 30000 € em dinheiro que retirou do cofre e entregou aos arguidos». Entretanto, o arguido AA permaneceu no exterior da agência a vigiar, e o outro indivíduo ficou no veículo automóvel com a menor GG – ponto 1.35.
Regressados à residência da DD, esta e a mãe foram «amarradas com uma corda a uma cadeira», e os arguidos retiraram do interior da residência uma quantia em dinheiro não determinada e objectos com valor superior a 200 € - pontos 1.36 e 1.37.
Os arguidos pretenderam, e conseguiram, obter a entrega de dinheiro através da privação da liberdade da menor GG, causando na DD receio pelo mal que lhe pudesse acontecer ou aos seus familiares – pontos 1.35 e 1.42.
A primeira nota a reter quando confrontada a decisão das instâncias, é que os arguidos AA e KK estão condenados por dois crimes de roubo «na pessoa de DD» e «na pessoa de EE», como se expressa a decisão condenatória.
Foram assim considerada como roubos tanto a actuação através da qual os arguidos subtraíram os bens que se encontravam na residência, como o constrangimento para a entrega do «dinheiro que se encontrava na agência de câmbios à responsabilidade da DD», como se refere na decisão da 1ª instância.
Se a qualificação como roubo da subtracção dos valores que se encontravam na residência não suscita dúvidas, já idêntica qualificação no que respeita ao restante está sujeita a caução de verificação mais apertada.
De acordo com os factos provados, a DD, bem como a sua filha GG, foram forçadas a acompanhar o arguido AA (e outro indivíduo não identificado) ao estabelecimento de câmbios (sito em Areias de S. João – Albufeira), desde a residência no sítio dos ..., em Tunes.
E, na sequência de toda a descrita actuação, a DD deslocou-se ao interior da agência, de onde trouxe uma mala com dinheiro que retirou do cofre e entregou ao arguido, «assustada e receosa que algo de mal lhe pudesse acontecer ou aos seus familiares».
Estes fatos, como estão descritos, revelam, antes, que foi a própria ofendida quem se deslocou ao interior do estabelecimento, retirou o dinheiro do cofre, o colocou numa mala e o entregou ao arguido AA, que permaneceu no exterior das instalações da casa de câmbios.
Fê-lo «assustada e receosa» «de que algo de mal pudesse acontecer a si ou aos seus familiares», uma vez que a mãe e um filho tinham ficado na residência sob vigilância do arguido KK e de outro indivíduo, e a filha GG se encontrava em poder dos arguidos no interior do veículo automóvel em que se tinham deslocado.
Neste enquadramento, os factos impõem um esforço adicional de integração diferencial entre o roubo e a extorsão definida no artigo 223º do Código Penal, que seria punível, no caso, dadas as circunstâncias de facto, na previsão do nº 3, alínea a) da mesma disposição, com pena idêntica à do crime de roubo.
Na descrição típica do artigo 223º do Código Penal, a extorsão consiste no constrangimento de uma pessoa, por meio de violência ou ameaça com um mal importante, para a obtenção de uma disposição patrimonial, que acarrete um prejuízo para essa pessoa ou para outrem,
A violência e a ameaça que lesam a liberdade de disposição patrimonial são, assim, elementos comuns aos crimes de extorsão e roubo, ambos crimes patrimoniais, e que podem ter, por isso, amplas zonas de confluência.
Porém, no roubo, refere-se como modo de execução não apenas a acção de subtracção e apossamento imediato e por acção do agente, mas também a acção de coacção para entrega («constranger a que lhe seja entregue coisa móvel»). Perante a descrição típica do artigo 210º do Código Penal não é mais válida, hoje, a «infalível distinção» entre a extorsão e o roubo que propunha PP: no roubo, o agente tomaria por si mesmo; na extorsão faz com que se lhe entregue ou se ponha à sua disposição (cit. em Leal Henriques/Simas Santos, “Código Penal Anotado”).
Os pontos de contacto entre os crimes de roubo e extorsão são, pois, acentuados, impondo-se, por rigor, estabelecer critérios de distinção que permitam decidir em casos de fronteira.
Nas situações em que a conduta possa ser (ou aparente ser) subsumível tanto ao crime de roubo como ao de extorsão pela ampla coincidência típica (casos de constrangimento, mediante violência ou ameaça de execução iminente contra a vida ou integridade física, à entrega de coisa móvel alheia, com intenção de apropriação), o critério final de distinção poderá ser o da «entrega imediata, ou não, da coisa móvel alheia». «Se a coacção visa a entrega imediata, trata-se de um crime de roubo; se visar uma entrega diferida no tempo (corresponda esta dilação a dias ou a horas), será crime de extorsão» (cfr. “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Tomo II, p. 342.
Perante os factos provados na configuração específica que apresentam, a DD foi constrangida, por meio de violência e ameaça de um mal importante (o que pudesse acontecer aos seus familiares em poder dos arguidos) à entrega de dinheiro, que estava no cofre no interior ao estabelecimento, a que tinha acesso e de onde o retirou.
A actuação dos arguidos através dos modos visíveis e locais do constrangimento e da ameaça, tinha por finalidade a entrega imediata do dinheiro, e foi assim que a ofendida sentiu a ameaça e, em consequência, reagiu.
Os elementos de facto aproximam-se, assim, mais do crime de roubo, aceitando-se, nesta parte, a decisão das instâncias.
Esta conclusão, no entanto, impõe um reordenamento da qualificação dos factos adjacentes, ocorridos no dia 23 de Janeiro de 2004, em que foi vítima a menor GG.
O recorrente AA vem condenado por um crime de rapto qualificado, p. no artigo 160º, nº 1 e 2,alínea a), por referência ao artigo 158º, nº 2, alínea e), do Código Penal, por factos que, na interpretação da decisão das instâncias, serão os descritos nos pontos 1.33 e 1.35 da matéria de facto: a DD foi forçada, «bem como sua filha GG» a acompanhar o recorrente AA e outro indivíduo ao estabelecimento, sendo que, «no exterior» permaneceu, além do recorrente «outro indivíduo no veículo automóvel [em que todos se tinham feito transportar] com a menor GG».
O crime de rapto, p. no artigo 160º do Código Penal, protege, tal como o crime de sequestro, a liberdade ambulatória da pessoa, mas acrescenta-lhe a vinculação dos meios de execução (violência, ameaça ou astúcia, e transferência da pessoa de um local para outro) e uma intenção específica, que consiste na realização de alguma das finalidades referidas na alíneas do nº 1 do artigo 160º do Código Penal, entre estas, submeter a vítima a extorsão ou obter resgate ou recompensa – alíneas a) e c).
Os factos provados não permitem, todavia, considerar a concorrência, no caso, de elementos que revelem a específica intenção, pois não vem referida a realização de uma finalidade de extorsão ou de obtenção de resgate ou recompensa. Bem diversamente, a qualificação das instâncias como crime de roubo na actuação sobre a DD, e que se aceitou, não é compatível, ao nível da tipicidade, dos modos de execução e da específica intenção com o concorrência dos elementos do crime de rapto; não está provado qualquer facto que revele a exigência de resgate ou recompensa, e o crime de roubo afastou a extorsão.
Resta, pois, apenas a privação de liberdade da menor GG, a integrar no crime de sequestro, p. no artigo 158º, nº 1 e 2, alínea e) do Código Penal.
Sobre a media das penas:
Dispõe o artigo 40º, nº 1, do Código Penal que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
As finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são, assim, na filosofia da lei penal portuguesa expressamente afirmada, a protecção de bens jurídicos e a integração de agente do crime nos valores sociais afectados.
Na protecção de bens jurídicos vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral. A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja uma finalidade de prevenção especial.
As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
Num caso concreto, a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir, por isso, o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas, e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.
Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização há-de ser encontrado o modelo adequado e a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa como seu limite inultrapassável.
A criminalidade contra a propriedade, através de violência contra as pessoas, tem um efeito devastador e potencialmente desestruturante da tranquilidade social comunitária. A frequência, a amplificação de efeitos dos factos pela divulgação nos medias, e as dificuldades de investigação determinadas muitas vezes pela fragmentaridade das ocorrências, constituem factores acrescidos de interiorização negativa de factores de insegurança comunitariamente pressentida.
As exigências de prevenção geral são, pois, aqui de acentuada intensidade, de modo a confortar a comunidade com a reafirmação, através da pena, da validade das normas, com o consequente impacto positivo no sentimento da colectividade.
As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.
Na determinação da pena o juiz deve atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais as que estão exemplificativamente enunciadas nas alíneas a) a f) do n° 2 do artigo 71° do Código Penal.
Elementos de referência na determinação da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências.
No caso, a ilicitude dos factos manifesta-se em grau muito elevado, ponderado sobretudo o modo de execução dos crimes, marcado pela violência física e psicológica com grave afectação da liberdade física dos ofendidos e pelo intenso condicionamento das vítimas, nomeadamente na ocorrência de 23 de Setembro de 2004 (utilização de ameaça sobre duas crianças de 3 e 4 anos como instrumento de constrangimento à entrega do dinheiro).
Por seu lado, a culpa do recorrente AA manifesta-se em grau muito elevado. A direcção da acção era sua, determinou os objectivos, efectuou o planeamento e definiu as tarefas executivas dos restantes co-arguidos e dos indivíduos que tomaram parte nos factos mas não foram identificados (pontos1.3, 1.11, 1.32, 1.45, 1.54, 1.67 e 1.68 da matéria de facto).
Nada está provado que possa ser valorado favoravelmente no âmbito das circunstâncias do artigo 71º, nº 2 do Código Penal.
Nem o recorrente invoca quaisquer circunstâncias que não tivessem sido, de todo, consideradas, ou que fossem valoradas com peso prudencial diverso da perspectiva do recorrente.
Limita-se apenas (conclusões IV – 15ª a 18ª) a referir que o tribunal não tinha em seu poder «perícia sobre a personalidade» do recorrente, e por isso não poderia «decidir com justeza» sobre a pena. A falta de tal elemento constituiria vício de insuficiência da matéria de facto.
Não é, esta, contudo, a perspectiva correcta.
Nos termos do artigo 370º do CPP, não é obrigatório que o tribunal solicite o relatório social, podendo os elementos relativos á personalidade e às condições de vida necessários à determinação da medida da pena ser demonstrados por outros meios, dependendo do juízo que o tribunal faça sobre a necessidade da sua própria elucidação para a determinação da medida da pena.
No caso, os elementos que o tribunal apurou não são insuficientes, permitindo encontrar pelos próprios factos e nos próprios factos traços marcados de exteriorização e manifestação da personalidade do recorrente relevantes e suficientes para a correcta determinação da medida da pena.
Não estão, assim, referidos factos nem vêm aduzidos argumentos que ponham em causa a ponderação efectuada no acórdão recorrido sobre a medida das penas parcelares.
Efectuado, porém, o reordenamento de qualificação do crime de rapto para o crime de sequestro, a situação fica aproximada aos pressupostos de valoração do crime de sequestro de que foi vítima o menor FF, devendo o recorrente ser, por isso, condenado na pena de dois anos e quatro meses de prisão pelo crime p. no artigo 158º, nº 1 e 2, alínea e) do Código Penal.
Resta a determinação da pena única.
Nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.
No caso sob apreciação, a sucessão de episódios, chegados no tempo, e com finalidades e modo de execução idênticos, revela uma conjunção marcada pela proximidade de desígnio, não podendo o conjunto dos factos ser, por isso, avaliado fora de tal relação de proximidade de intenção, de plano e de execução. O conjunto dos factos se não indicia, apenas por si, uma personalidade estrutural de tendência, também se não reconduz a uma situação desconexa de pluriocasionalidade.
A gravidade global condiciona, pois, decisivamente a medida da pena única.
Partindo dos factos que no conjunto se revelam estruturais – os crimes de roubo - e das penas aplicadas, e considerando que relativamente aos factos de 5 de Dezembro de 2003 se decidiu que integravam apenas um crime (retirando, pois, autonomia individual à subtracção de 500 € da mala da CC), julga-se adequada a pena única de quinze anos de prisão.

8. Recurso de JJ:
(i) O recorrente alega que a prova produzida em audiência é «manifestamente insuficiente para abalar a presunção de inocência» quanto à participação nos factos de 5 de Dezembro de 2003.
Este fundamento improcede manifestamente. Trata-se de alegação directamente referida á matéria de facto e ao modo com as instâncias decidiram sobre os factos, fora, pois, do limite dos poderes de cognição do Supremo Tribunal, restritos a questões de direito.
(ii) O recorrente defende que apenas pode ser condenado pelo crime de roubo, que consumiria o crime de sequestro.
A questão foi já decidida a propósito do recurso do arguido AA.
Pelos fundamentos então referidos para esta mesma questão, o recurso não procede.
(iii) Discute também a medida da pena, que considera excessiva.
O recorrente participou nos factos de 5 de Dezembro de 2003, valendo no que lhe respeita as considerações desenvolvidas na decisão do recurso do recorrente AA quanto à não autonomização, no contexto de um concurso de crimes, da subtracção da quantia de 500 € de uma mala da ofendida CC.
Deve, por isso e do mesmo modo que o recorrente AA, ser condenado apenas por um crime de roubo relativamente à totalidade dos bens subtraídos na ocasião.
No que respeita à medida das penas, não estão, porém, referidos factos, nem recorrente invoca fundamentos que permitam por em causa a ponderação efectuada no acórdão recorrido sobre a medida das penas parcelares, que se mostram fixadas no respeito pelos critérios da lei e pela criteriosa avaliação das necessidades e das finalidades das penas, nomeadamente, no caso, as fortes exigências de prevenção geral.
A pena única deve ser fixada na ponderação em conjunto dos factos e da personalidade do agente (artigo 77º, nº 1 do Código Penal).
Os factos, valorados no quadro de uma actuação com identidade de meios, tempo e local, têm de ser lidos como uma unidade no sentido das correlações funcionais que assumem na execução de uma finalidade, que é uniocasinoal no que respeita ao recorrente segundo a matéria de facto provada.
Por seu lado, não se revela uma personalidade de tendência, nem traços que permitam apontar para uma refracção negativa de personalidade com especial incidência na determinação da pena do concurso.
Partindo dos factos que no conjunto se revelam centrais na actuação – os crimes de roubo - e das penas aplicadas, e considerando que relativamente aos factos de 5 de Dezembro de 2003 se decidiu que integravam apenas um crime (retirando, pois, autonomia individual à subtracção de 500 € da mala da CC), julga-se adequada a pena única de sete anos de prisão.

9. III- Recurso de KK:
(i) O recorrente alega que nas circunstâncias que se lhe referem, os crimes de roubo estão em concurso aparente com os crimes de sequestro.
Pelos motivos expostos sobre questão idêntica, o fundamento não procede.
Também nas circunstâncias em que foram praticados os factos de 23 de Setembro de 2004, em que participou, a privação da liberdade ambulatória dos ofendidos foi, em intensidade e extensão, muito para além da função instrumental necessária à prática do crime de roubo.
Consequentemente a integrar em concurso real, como vem decidido, os crimes de roubo e sequestro.
Mas, para além disto, há que alinhar a situação do recorrente com a do co-arguido AA no que respeita aos factos de 23 de Janeiro de 2004 relativamente á menor GG, e à alteração da integração do crime de rapto para o crime de sequestro p. no artigo 158º, nº 1 e 2, alínea e) do Código Penal.
(ii) Discute, por fim, a medida da pena,
O acórdão recorrido, contrariamente à decisão da 1ª instância, atenuou especialmente as penas ao recorrente por aplicação do regime especial relativo a jovens delinquentes.
Nas conclusões da motivação, o recorrente insiste na atenuação da pena.
As penas por cada um dos crimes foram já aplicadas na decisão recorrida segundo as regras da atenuação especial, tomadas em consideração todas as circunstâncias que favorecem o recorrente, nomeadamente os projecções positivas de desenvolvimento da personalidade, o esforço de formação, a recomposição de valores, com a auto-crítica sobre o seu comportamento anterior e o suporte familiar de que pode dispor, nada havendo, neste aspecto, para questionar na decisão recorrida quanto á escolha da natureza e da medida das penas.
Apenas haverá que, em consequência da alteração da qualificação dos factos, aproximar a situação aos pressupostos de valoração do crime de sequestro de que foi vítima o menor FF, devendo o recorrente ser, por isso, condenado na pena de um ano e sete meses de prisão pelo crime de sequestro p. no artigo 158º, nº 1 e 2, alínea e), do Código Penal, de que foi vítima a menor GG.
Resta a fixação da pena única.
Os factos tal como estão provados, avaliados no conjunto, constituem relativamente ao recorrente, um episódio comandado pelo facto principal – os crimes de roubo – que determina a gravidade essencial da ilicitude global, devendo a pena única reflectir em primeiro grau a medida das penas fixadas para estes crimes.
A pena do concurso deve, porém, reflectir os efeitos previsíveis sobre o comportamento futuro do agente, adequando-se às perspectivas positivas de reinserção permitidas pelo juízo favorável sobre a personalidade que os factos revelam.
Ponderados todos estes elementos, fixa-se a pena única em cinco anos de prisão.

10. A suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos (artigo 50º, nº 1 do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro) deve ter lugar sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena não dependendo de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, deve ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos e realiza, assim, de modo determinante, um programa de política criminal, que tem como elemento central a não execução de penas curtas de prisão, na maior medida possível e socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade.
Deste modo, as penas de prisão aplicadas em medida não superior a cinco anos devem ser, por princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresente claramente desfavorável, ou a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção.
Pese embora as condições pessoais do recorrente KK, que estão provadas e que o Relatório Social aponta, as exigências de prevenção geral impostas pela gravidade dos factos fazem sublinhar decisivamente a necessidade de reafirmação forte dos valores relevantes e intensamente afectados pelos crime contra bens pessoais e contra a propriedade, para aquietação da comunidade e reforço dos sentimentos de tranquilidade social, impedindo, assim, a suspensão da pena aplicada ao recorrente KK.

11. Nestes termos:
I- Recurso de AA.
Nega-se provimento ao recurso, mas no uso do poder oficioso para um juízo autónomo sobre a integração jurídico-penal dos factos:
a) absolve-se o recorrente do crime de roubo por que foi condenado relativamente à ofendida CC (factos de 5 de Dezembro de 2003), condenando-o por um único crime de roubo relativamente a todos os valores subtraídos na ocasião, p. e p. no artigo 210º nº 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena fixada no acórdão recorrido de seis anos e seis meses de prisão;
b) convola-se para o crime de sequestro p. no artigo 158º, nº 1 e 2, alínea e), do Código Penal a condenação pelo crime de rapto de que foi vítima a menor GG (factos de 23 de Janeiro de 2004), condenando o recorrente na pena de dois anos e quatro meses de prisão;
c) mantem-se, no mais, a decisão recorrida quanto às condenação pelos diversos crimes nas respectivas penas parcelares.
Em cúmulo, condena-se o recorrente na pena única de quinze anos de prisão.
II- Recurso de JJ:
Nega-se provimento ao recurso, mas no uso do poder oficioso para um juízo autónomo sobre a integração jurídico-penal dos factos, absolve-se o recorrente do crime de roubo por que foi condenado relativamente à ofendida CC (factos de 5 de Dezembro de 2003), condenando-o por um único crime de roubo relativamente a todos os valores subtraídos na ocasião, p. e p. no artigo 210º nº 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, na pena fixada no acórdão recorrido de seis anos de prisão, mantendo, no mais, a decisão recorrida quanto às condenação pelos diversos crimes nas respectivas penas parcelares.
Em cúmulo, condena-se o recorrente na pena única de sete anos de prisão.
III- Recurso de KK:
a) convola-se para o crime de sequestro p. no artigo 158º, nº 1 e 2, alínea e), do Código Penal a condenação pelo crime de rapto de que foi vítima a menor GG (factos de 23 de Janeiro de 2004), condenando o recorrente na pena de um ano e sete meses de prisão;
b) mantêm-se as restantes penas parcelares fixadas;
b) concede-se provimento parcial ao recurso no que respeita á pena única, que se fixa em cinco anos de prisão.

Lisboa, 10 de Outubro de 2007
Henriques Gaspar (Relator)
Soreto de Barros
Armindo Monteiro
Santos Cabral ( voto vencido nos termos da declaração anexa*)
(tem voto de vencido quanto ao enquadramento jurídico dos factos ocorridos a 05/06-12-2003, por entender que nesse segmento factual se configura, para além do mais, a prática de 3 crimes de roubo, sendo 1 sob a forma tentada)

*Considerando os pontos da matéria de facto constantes de ponto11.10 a 1.26 impõe-se a conclusão de que, no que concerne aos actos em que figuram como ofendidos BB e CC, era intenção dos arguidos de fazerem seus os dinheiros e restantes objectos propriedade das duas vítimas.
Tal desiderato só foi possível em virtude da imobilização física e da violência empregue em relação às duas vítimas. Os bens eram próprios de cada uma destas e a sua subtracção permitida pela violência.
Fazendo apelo a um critério normativo com lastro na tipicidade ou apelando a uma unidade natural de acção para distinguir entre a unidade e pluralidade de crimes estamos em crer que a conclusão no caso vertente só pode ser a da existência de dois crimes de roubo.
A própria essência ou matriz patrimonial dos crimes de roubo aponta, ainda, um terceiro objectivo, agora tentado, pretendido pelos arguidos o qual se consubstanciava no dinheiro existente na casa de câmbios.
Assim entende-se que neste segmento concreto se configura a prática de três crimes de roubo sendo um sob a forma tentada.