Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
77/05.2TBARL.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GONÇALO SILVANO
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
LIMITES
VALOR DA HONRA
Data do Acordão: 09/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO III/2010, P. 77
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I- No recurso de revista é admissível que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie um eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido no acórdão da Relação de que se recorre na situação excepcional de se ter verificado ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que a força probatória de determinado meio de prova.
II- A liberdade de imprensa abrange o direito de informar e de ser informado ,tal como resultam do art. 1º nº2 da Lei de Imprensa,nº 2/99 de 13/1, tendo como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei (artº 3º), de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, a reserva da intimidade da vida privada, a imagem e a palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.
III- Nos termos do art. 19º nº1 da Lei de Imprensa, as publicações periódicas devem ter um director a quem compete, entre outras, orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação (art. 20º nº1-a) da mesma Lei) e dentro dessas competências cabe ao Director, designadamente, praticar todos os actos tendentes a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação dada ,sob pena de não o fazendo se presumir ser ele o primeiro responsável pelos escritos ou imagens publicados.
IV-O valor da honra, enquanto dignitas humana, «é mais importante que qualquer outro (valor do direito à projecção moral, ou seja, o direito à honra em sentido amplo) e transige menos facilmente com os demais em sede de ponderação de interesses”.
V- A conduta antijurídica que lese o bom nome da pessoa através da divulgação pela imprensa há-de ser apta a abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida, não só no seu meio profissional, mas entre os cidadãos em geral.
Decisão Texto Integral:




Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça:


1-Relatório

A revista F..., no dia 3-11-2004 publicou um artigo reportagem intitulado “DROGA” “NOVAS ROTAS DO TRÁFICO” e com o seguinte subtítulo “PORTUGAL, A ESPANHA E A HOLANDA SÃO PORTAS DE ENTRADA DE COCAÍNA NA EUROPA, ATRAVÉS DE REDES CADA VEZ MAIS SOFISTICADAS” ilustrado com duas fotografias da autoria de AA, uma das quais de uma casa de habitação que a legenda inscrita dizer ser a casa de M...V..., então detida na Venezuela por envolvimento no tráfico de droga.
A autora BB alegando que tal casa lhe pertence e aí vive, intentou acção com processo ordinário contra P... Editores Lda, como proprietária da revista F..., CC, como Director da revista F..., AA, fotógrafo autor das fotografias em causa, e outros RR, pedindo a condenação solidária de todos eles no pagamento de compensação pecuniária não inferior a € 40.000 euros por danos não patrimoniais com juros de mora desde a citação e ainda a condenação na publicação na revista F... com chamada na capa a sentença condenatória.

Os RR contestaram por impugnação, invocando que por parte do R. AA foram feitas diligências no local para apurar da veracidade da propriedade da casa fotografada e pediram de todos os Réus.
Foi proferido o despacho saneador onde se consideraram assentes os factos relevantes e formulada a base instrutória.

Após a audiência de julgamento, foi decidida a questão de facto constante da Base Instrutória e veio a ser proferida sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se os RR P... Editores Lda e AA no pagamento à Autora da indemnização de €10.000 euros e absolvendo os demais RR do pedido.
Desta decisão interpuseram recurso de apelação a autora (que defendeu também a condenação do director da Revista e a atribuição de €25.000,00 de indemnização) e os RR P... Editores Lda e AA (sendo que a 1ª ré continuou com interesse na apreciação de agravo interposto que também subiu) e no Tribunal da Relação veio a ser proferido acórdão nos seguintes termos:
- negar provimento ao agravo interposto pela Ré P... Lda do despacho que indeferiu a reclamação contra a matéria de facto constante das alegações de direito, confirmando o despacho recorrido;
- julgar parcialmente procedentes as apelações interpostas pela Autora, BB, e pelo Réu AA, e, revogando parcialmente a douta sentença recorrida:
- condenar os RR P... Editores Lda, CC e AA, respectivamente na qualidade de proprietária, director e fotógrafo da Revista F..., a pagarem solidariamente à Autora, BB, a indemnização de € 20.000 euros por danos não patrimoniais com juros de mora desde a citação;
- ordenar a publicação deste acórdão na Revista F... no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado, por extracto, do qual constarão apenas os factos provados, a identidade da ofendida e dos condenados e a indemnização fixada.

Os réus discordaram desta decisão e interpuseram a presente revista para este Supremo Tribunal de Justiça (dirigindo as alegações, por manifesto lapso ao Presidente da Relação de Évora), onde formulam as seguintes conclusões:
a) com a resposta ao art. 1º da BI criou-se um facto novo, e por isso se deve entender como não escrita essa resposta;
b) com efeito, respondeu-se provado, com o esclarecimento de que se trata da casa onde vive a autora (são duas realidades distintas: a casa pertencer à A/ na casa viver a A);
c)afirmar-se apenas que a A é proprietária em nada releva para, no enquadramento da noticia dos autos, conexionar a A com o tráfico de droga;
d) mesmo a provar-se a propriedade, e apenas ela, não há relação negativa para a A;
e) a entender-se ter-se como não escrita a dita resposta, devem ter-se como não escritas por prejudiciais na decorrência de ser dada como não escrita, as respostas à matéria da BI - artigos 2 a 7;
f) não se provou nos autos que :
- o R AA tenha autorizado a publicação da foto, a tenha cedido para publicação, ou tenha colaborado na escolha da mesma para a publicação no caso dos autos;
- o mesmo R seja o autor da legenda da foto que eventualmente estabelece a relação entre ela e a A;
- o R CC (director) tenha autorizado a sua publicação, ou conhecia o conteúdo da mesma ou do artigo onde está inserida, antes dessa publicação;
- a R P... tenha autorizado a publicação do artigo e fotos;
- seja detida a qualidade de empresa jornalística por parte da P...,
- seja com inscrição nessa qualidade na ERC, seja no entendimento de empresa jornalística de facto, como sendo a entidade que detém e explora os meios de produção, comercialização e venda da Revista F...;
g) tirar uma foto não constitui presunção relativamente à prática pelo autor da foto, de facto ilícito que decorra da sua publicação;
h) a lei não estabelece a presunção no sentido de que o director previamente à publicação, conhece o teor da publicação que dirige nessa qualidade, nem mesmo para efeito do disposto na Lei de Imprensa - art. 29,2
i) sendo que os requisitos para inclusão da empresa jornalística na regra da solidariedade no dever de indemnizar, são o conhecimento e a falta de oposição à publicação pelo director idem, n° 2;
j) os RR não praticaram qualquer facto ilícito;
l) falta por isso um dos elementos da responsabilidade civil - a prática do facto ilícito;
m) devem todos os RR ser absolvidos do pedido, assim se revogando a decisão recorrida, o que se pede com o provimento do recurso;
n) a não entender-se assim o valor da indemnização a arbitrar nos autos, não deve ser superior a mil euros;
o) por erro de interpretação foram violados os preceitos legais:
- CPC, arts. 657, 653, 646-4 (resposta como não escrita aos artigos da BI);
- CC- art. 483, 1 (elementos da responsabilidade civil) e 496, 1 (critério para a fixação do valor dos danos morais);
- Lei de Imprensa (Lei 2/99 de 13.1)-arts.29-1 e 2/15-1 a 4/16-1 a 3 (proprietário/empresa jornalística/regras da solidariedade na obrigação de indemnizar quanto à empresa jornalística);
- Decreto Regulamentar 8/99 de 27.1 (registo de imprensa/empresa jornalística) - art. 2,b).

A recorrida/autora limitou-se a dizer que atento teor da peça processual dos réus confrontada com o teor do Acórdão, se tornava desnecessário apresentar contra-alegações, por supérfluas.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir então do mérito da revista apresentada.

2- Fundamentação

a)- Dos fundamentos de facto:
As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:
1)-A ré “P... Editores, Lda”, cujo gerente é o réu J... R... é proprietária da revista “F...’”. O réu DD é Director-Geral de publicações da 1ª ré. O réu EE é Director-Geral de publicidade da 1ª ré. O réu FF é Director Financeiro da 1ª ré. O réu GG é Director de Marketing da 1ª ré.Os réus HH e II são Directores de Produção da 1ª ré.
O réu CC é Director da revista “F...”.
Os réus JJ, LL, MM, NN, OO e PP são editores da revista “F...”.
Os réus QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, HHH, III, JJJ, LLL, MMM e NNN integram a redacção da revista “F...’” .
O réu OOO é editor fotográfico (Editor geral) da revista “F...’”
O réu PPP é editor fotográfico (coordenador) da revista “F...”,
Os réus QQQ, RRR, SSS, TTT e AA são editores fotográficos da revista “F...”.
Os réus UUU e VVV são gestores de imagens digitais da revista “F...”.A ré XXX é revisora da revista “F...”.
2)-No dia 03 de Novembro de 2004, a revista “F...”, publicou nas suas páginas 22 e 24, com a identificação do autor, NN, um artigo intitulado “DROGA” “NOVAS ROTAS DO TRÁFICO” e com o subtítulo “PORTUGAL, A ESPANHA E A HOLANDA SÃO PORTAS DE ENTRADA DE COCAÍNA NA EUROPA, ATRAVÉS DE REDES CADA VEZ MAIS SOFISTICADAS” ,
3)-No corpo do mesmo artigo, no segundo, terceiro e quarto parágrafos, refere-se que “A rede portuguesa de tráfico de cocaína decapitada na semana passada tinha à sua frente duas “avozinhas” da vila alentejana de Arraiolos e é exemplar este pequeno grupo que fretava aviões de passageiros para trazer a droga da América Latina (método muito utilizado nos Estados Unidos, mas invulgar na Europa), servia como intermediário entre duas redes poderosas.( … ).
O povo de Arraiolos, no Alentejo, andava desconfiado com a vida de M...V.... ; Geninha, como era conhecida, de 54 anos, divorciada, vivia com o pai num casarão, apalaçado e a precisar de obras no centro da vila. ( … ).
Mal sabiam os de Arraiolos que a Direcção Central de Investigação do Tráfico de Estupefacientes (DCITE), o departamento da Polícia Judiciária de luta contra os cartéis da droga, andava de olho nas duas mulheres, pelo menos desde Janeiro deste ano, quando elas fretaram um jacto Falcon à companhia portuguesa Air Luxor e foram à Venezuela buscar umas centenas de quilos de cocaína em malas de viagem. ( … ).”
4)-No mesmo artigo encontram-se insertas na página 23 na parte inferior desta duas fotografias com a identificação do autor, AA com a seguinte legenda inscrita no lado esquerdo das mesmas “PATRIMÓNIO – A casa de M...V... no Centro de Arraiolos e a antiga fábrica de serralharia que foi propriedade da sua família”.
5)-As fotos referidas na alínea S) foram tiradas pelo réu AA em deslocação que efectuou a Arraiolos para recolher fotos relacionadas com os factos narrados no artigo/reportagem publicado na Revista “F...’” .
6)-A casa que aparece na fotografia inserta na página 23 da revista “F...” no dia 03 de Novembro de 2004 no canto inferior da página e antecedida pela legenda “PATRIMÓNIO – A casa de M...V... no Centro de Arraiolos e a antiga fábrica de serralharia que foi propriedade da sua família” pertence à autora BB que aí vive.
7)-Após a publicação na revista «F...» e respectiva fotografia iam pessoas ver o local correspondente à fotografia e comentavam que era a casa da Dra. V..., presa na Venezuela e chegaram a abordar a autora, questionando-a sobre a situação do processo de droga na Venezuela, afirmando o seu envolvimento e por isso a autora sentiu-se envergonhada e humilhada.
8)-A Autora foi professora de História durante vários anos na Escola de Arraiolos .
9)-No ano lectivo 1974/1975 foi Directora de Turma da então denominada Escola Preparatória de Arraiolos .
10)-Entre 07 de Julho e 24 de Janeiro de 1977, foi Vice-Presidente do seu Conselho Directivo.
11)-Entre 08 de Outubro de 1985 a 01 de Outubro de 1987, foi designada Presidente da Comissão Instaladora da Escola C+S de Arraiolos.
12)-Entre 28 de Julho de 1987 e 15 de Maio de 1992, foi Presidente do Conselho Directivo da referida Escola.
13)-Entre 1979 e 1980, a autora foi membro da Assembleia Municipal de Arraiolos.
14)-Entre 1985 e 1992, foi Vereadora da Câmara Municipal de Arraiolos.
15)-E entre 15 de Maio de 1992 e 31 de Outubro de 1995, foi eleita como deputada à Assembleia da República pelo PPD/PSD.

b)Dos fundamentos de direito

As questões da revista resumem-se a saber se houve erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa; se existe responsabilidade dos Réus recorrentes e se foi bem atribuído o montante dos danos não patrimoniais.

Erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.

Ao lerem-se as conclusões dos réus na revista, depois das posições assumidas na apelação já apreciadas no acórdão recorrido, poder-se-á dizer que, na parte respeitante à discordância quanto à matéria de facto provada, estão a ser suscitadas as mesmas questões anteriormente colocadas, esquecendo-se agora, por completo, que essa factualidade está definitivamente assente, mercê daquela pronúncia expressa sobre elas em sede de 2ª instância que tem poderes para apreciar a matéria de facto, o que não acontece com este Supremo Tribunal de Justiça.

Ficou claramente dito no acórdão que “A modificação da decisão de facto pela Relação pressupõe erro na apreciação das provas por desconsideração pela 1ª instância de meios de prova impositivos de decisão em sentido diverso (art. 690º-A nº 1-b) e 712º nº1-a) e b) CPC); logo, não um mero erro na apreciação das provas, mas um erro notório e evidente.
Ora, a apelante não indica quais os meios de prova determinantes de decisão diversa da proferida, o que, só por si, determina a rejeição do recurso (art. 690ºA nº1 CPC).
Mas o certo é que nem se pode afirmar que a decisão do ponto 1º da BI exceda o âmbito da controvérsia.
Com efeito, indagando-se se a casa pertence à Autora e respondendo-se afirmativamente, esclarecendo-se que a Autora lá vive, não se excede o âmbito controvertido na medida em que viver ou habitar em determinada casa equivale a utilizá-la e o uso e fruição estão contidos no âmbito da propriedade (art. 1305º CC).
Para além disso, o juiz pode servir-se de factos instrumentais desde que sejam objecto de discussão no processo (art. 264º nº2 CPC).Por outro lado, o sentido da questão de facto de saber se a casa pertence à Autora não é unívoco no sentido de essa “pertença” apontar exclusivamente para o direito de propriedade - podendo bastar-se, para o efeito, com a mera aparência do mesmo, vulgo, posse ou mesmo com um outro direito real menor – nem a escritura de compra e venda é o único meio de prova da titularidade de tal direito.Por conseguinte, improcede a impugnação da decisão de facto”.

Apreciada que foi assim a matéria de facto na 2ª instância e não sendo invocada violação de normas processuais respeitantes ao condicionalismo previsto no artº 722º,nº 2,2ª parte do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça não pode apurar se a Relação apreciou bem ou mal os meios de prova ou se fixou bem ou mal a matéria de facto (cfr. Ac. STJ de 12-03-2008-Proc.07S740-www.dgsi.Itij.
“Só excepcionalmente, no recurso de revista, havendo ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que a força probatória de determinado meio de prova,é que se admite que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie um eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da da causa cometido no acórdão da Relação de que se recorre(artºs722-2 e 729º-2 do CPC-Cfr. Ac. STJ de 26-02-2004-Proc.03B3798-www.dgsi.Itij“.(1)
Ora os recorrentes argumentam tão só com o facto de com a resposta ao art. 1º da BI se ter criado um facto novo, e por isso se deve entender como não escrita essa resposta e a entender-se ter-se como não escrita a dita resposta, devem ter-se como não escritas por prejudiciais na decorrência de ser dada como não escrita, as respostas à matéria da BI - artigos 2 a 7.
Sobre esta matéria concreta a Relação pronunciou-se expressamente no acórdão, mantendo a respostas dadas em 1ª instância e analisando essa fundamentação não se vê que tenha existido aí ofensa de disposição expressa da lei no sentido de que os elementos de prova analisados implicassem a eliminação da respostas dadas aos nºs da base instrutória em causa, por exigência de certa espécie de prova ou força de determinado meio de prova.
Não houve, pois, violação de qualquer disposição expressa na lei que impedisse a Relação de afirmar como fez (sendo que os recorrentes não indicaram quais os meios de prova determinantes de decisão diversa da proferida) que o sentido da questão de facto de saber se a casa pertence à Autora não é unívoco no sentido de essa “pertença” apontar exclusivamente para o direito de propriedade.

Entendemos, pois, que não se prova ,no contexto factual apreciado em 2ª instância, ter existido violação de lei processual, que se possa compreender na 2ª parte do nº 2 do artº 722º do CPC, tratando-se sim do uso dos poderes das instâncias na fixação dos factos materiais que escapam à censura do Supremo Tribunal de justiça que tem de os aceitar como tal.
Deste modo improcedem as conclusões quanto a erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa tal como previsto no nº 2 do artº 722 do CPC.

Questão da responsabilidade dos Réus recorrentes.

Antes de iniciar a análise desta questão, não podemos deixar de evidenciar agora uma outra vertente deste recurso (questão nova), agora no domínio da invocada violação de lei substantiva:
Depois de nunca terem abordado a questão, em termos de defesa e de motivação em sede de recurso de segunda instância, apresentam-se agora os recorrentes com uma nova realidade consistente em alegarem que não se provou nos autos que o réu Pedro tenha autorizado a publicação da foto, que o R. CC, Director, tenha autorizado a sua publicação e que a ré P... tenha a qualidade de empresa jornalística com inscrição na ERC ou que tenha autorizado a publicação do artigo e fotos.
Trata-se, pois, de apreciar as conclusões f) a m):

Ora neste aspecto, para além de se constatar que são questões absolutamente novas (que não estiveram na base da discussão fáctica dos articulados por não terem sido articuladas na contestação ou em articulado superveniente) importa salientar, desde já , aqui também a flagrante incongruência de ter sido o próprio réu AA que, na apelação (subscrita por mandatário diferente) veio pedir a condenação solidária do Director da Revista, atendida no acórdão e que agora se pretende ver afastada.
Veja-se o que agora os recorrentes concluem:
f) não se provou nos autos que :
- o R AA tenha autorizado a publicação da foto, a tenha cedido para publicação, ou tenha colaborado na escolha da mesma para a publicação no caso dos autos;
- o mesmo R seja o autor da legenda da foto que eventualmente estabelece a relação entre ela e a A;
- o R CC (director) tenha autorizado a sua publicação, ou conhecia o conteúdo da mesma ou do artigo onde está inserida, antes dessa publicação;
- a R P... tenha autorizado a publicação do artigo e fotos;
- seja detida a qualidade de empresa jornalística por parte da P...,
- seja com inscrição nessa qualidade na ERC, seja no entendimento de empresa jornalística de facto, como sendo a entidade que detém e explora os meios de produção, comercialização e venda da Revista F...;
g) tirar uma foto não constitui presunção relativamente à prática pelo autor da foto, de facto ilícito que decorra da sua publicação;
h) a lei não estabelece a presunção no sentido de que o director previamente à publicação, conhece o teor da publicação que dirige nessa qualidade, nem mesmo para efeito do disposto na Lei de Imprensa - art. 29,2
i) sendo que os requisitos para inclusão da empresa jornalística na regra da solidariedade no dever de indemnizar, são o conhecimento e a falta de oposição à publicação pelo director idem, n° 2;
j) os RR não praticaram qualquer facto ilícito;
l) falta por isso um dos elementos da responsabilidade civil - a prática do facto ilícito;

Constitui jurisprudência uniforme ser vedado ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer, em recurso de revista, não só de questões de facto (exceptuado o contemplado na 2ª parte do nº 2 do artº 722º do CPC), como também de todas as que não tenham sido sujeitas à censura da Relação (2)
Os recursos, como a nossa jurisprudência também vem assinalando, são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao julgamento do tribunal a quo. Tal resulta do disposto nos arts. 676º/1, 680º/1 e 690º do CPC.
Assim, relativamente ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista não pode ser cometida a apreciação de questões novas, já que só lhe cabe apreciar as questões decididas pela Relação (dentro do âmbito da admissibilidade do recurso de revista), à excepção das que sejam de conhecimento oficioso, das quais o tribunal ad quem deve conhecer, mesmo que não suscitadas pelo recorrente e ainda que delas não tenha curado o tribunal recorrido, situação que, porém, não ocorre nestes autos.

Mas analisemos as vertentes da argumentação que os recorrentes agora referem em termos da sua incidência sobre a sua responsabilidade civil do ilícito praticado, reconhecido na decisão da Relação:

Este Supremo Tribunal, como tribunal de revista, como se disse, no caso, não pode alterar a matéria de facto fixada pelas instâncias, mesmo que tivesse havido erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, já que não se verifica nenhuma das hipóteses acima enunciadas, em que lhe é lícito conhecer da matéria de facto.

Por outro lado, os recorrentes apenas suscitam, na presente revista, questões novas, que não colocaram à apreciação do tribunal recorrido e sobre as quais, por isso mesmo, este não teve oportunidade de emitir pronúncia, sendo certo que nenhuma delas é de conhecimento oficioso. Delas não pode, pois, em rigor, como já se disse acima ,tomar conhecimento este Tribunal.
Contudo vamos realçar aqui o que já foi salientado no acórdão sobre o ónus de prova, em termos da aferição da responsabilidade civil dos recorrentes, face à matéria de facto provada, começando por transcrever disposições pertinentes da Lei de Imprensa ,nº 2/99 de 13/1,com a Declaração de rectificação nº 9/99 de 4-03-1999):
Artigo 1.º-Garantia de liberdade de imprensa
1 - É garantida a liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da lei.
2 - A liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e
de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.


Artigo 3.º-Limites

A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da
Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.
Artigo 19.º
Director das publicações periódicas
1 - As publicações periódicas devem ter um director.

Artigo 20.º
Estatuto do director
1 - Ao director compete:
a) Orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação;

O artº Artigo 29.º
Responsabilidade civil
1 - Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil
emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios
gerais.
2 - No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com
conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas
jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que
tiverem causado.
Ora neste momento processual depois de toda a factualidade provada, não está já em discussão que foi a revista F... que fez a publicação do artigo em causa em relação à qual os ora recorrentes, designadamente a 1ª recorrente, que na sua contestação apenas se limitaram a impugnar os factos respeitantes ao contexto da publicação do artigo (estando assente ser a 1ª recorrente proprietária da revista F...-Facto nº 1).
Por isso é inadequado e extemporâneo suscitar questões novas como as que foram colocadas nas alíneas f) a i) das conclusões da revista, quanto à não demonstração da sua qualidade de empresa jornalística e sua inscrição nessa qualidade na ERC (factualidade não alegada), autorização da publicação da foto por parte do director (qualidade demonstrada -facto nº1) e conhecimento do seu conteúdo no artigo por parte do seu director e cedência para publicação por parte do seu autor (autor das fotos-facto nº5).
Acresce dizer ainda que, para além de toda a factualidade que está definitivamente assente nas instâncias, na base instrutória encontrava-se formulada a seguinte questão direccionada ao réu AA: “O réu AA tirou a fotografia inserta no artigo, após ter indagado junto de várias pessoas residentes em Arraiolos que o informaram que a casa em causa se tratava da habitação de M...V...’”.
Esta factualidade constante do número 16º da base instrutória não se provou.
E por isso a responsabilidade civil deste réu AA, resulta de ter ficado provado que foi ele o autor das fotografias em causa (Ficou provado –facto nº 5- que “As fotos referidas na alínea S) foram tiradas pelo réu AA em deslocação que efectuou a Arraiolos para recolher fotos relacionadas com os factos narrados no artigo/reportagem publicado na Revista “F... e não tendo logrado efectuar a prova do referido nº 16 da base instrutória, não se pode eximir à responsabilidade de actuação ilícita face ao disposto no nº2 do art. 29º da Lei nº 2/99.
Assim, como autor da fotografia publicada, pretendendo representar a casa de uma das pessoas envolvidas no tráfico de droga mas que, na realidade, era a casa da Autora, o Réu AA não pode deixar de ser responsabilizado.

Mas voltando agora às referidas disposições legais que definem a responsabilidade civil solidária do autor da foto, da empresa jornalística da revista F... (que assumiu essa qualidade ao aceitar, sem deduzir excepção,contestar a acção) e do director (que também não deduziu então excepção no sentido de que tenha feito oposição à publicação), acompanhamos aqui o referido a este propósito no acórdão recorrido.
Nos termos do art. 19º nº1 da Lei nº 2/99 citada, as publicações periódicas devem ter um director a quem compete, entre outras, orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação (art. 20º nº1-a) da mesma Lei).
Efectivamente a liberdade de imprensa abrange o direito de informar e de ser informado ,tal como resultam do art. 1º nº2 da citada Lei de Imprensa, tendo como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei (artº 3º), de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, a reserva da intimidade da vida privada, a imagem e a palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática . (3)
Assim, aquelas competências do director da publicação - de orientação, de superintendência e de determinação do conteúdo da publicação – devem ser exercidas no âmbito e dentro dos limites normativos da liberdade de imprensa.
Dentro dessas competências cabe ao Director, designadamente, praticar todos os actos tendentes a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.
É, pois, por imposição normativa da Lei de Imprensa que , a orientação e o conteúdo da publicação competem ao seu director e, por isso, sobre este impende também a responsabilidade decorrente dos concretos conteúdos publicados.
Compreende-se, assim, que seja a competência funcional do director que define os limites da sua responsabilidade, uma vez que é ele o primeiro responsável pelos escritos ou imagens inseridos para o que deverá conhecê-los antecipadamente com vista a impedir a divulgação de escritos ou imagens susceptíveis de desencadear a sua responsabilidade civil.
Perante este quadro legal ,a titularidade e o exercício da função de director implicam a obrigação de conhecer previamente o conteúdo da publicação e como tal está aqui estabelecida , a presunção legal do respectivo conhecimento e aceitação, dispensando o lesado da respectiva prova (art. 350º nº1 do CC), presunção esta que poderá ser afastada por prova em sentido contrário (art. 350º nº2 do CC).
Porém, no caso, o director da Revista, relativamente ao número da Revista F... em que foi inserido o artigo em causa não alegou factos através dos quais pudesse considerar-se ilidida aquela presunção de conhecimento antecipado do artigo publicado com as fotos e legendagem nas mesmas, não pode agora vir defender que dentro do âmbito das suas funções estaria imposto à autora ter de provar que o mesmo teve conhecimento da reportagem que foi inserida no artigo em causa .
O mesmo se diga da empresa proprietária que publicou a Revista e do fotógrafo que recolheu as fotos para documentar e legendar o artigo, tal como ficou provado, porquanto também nenhuma prova fizeram para ilidir a sua responsabilidade na publicação da fotografia com os elementos que sobre ela foram legendados, sendo que o que agora alegam em termos de falta de prova, constituiria uma nova realidade do processo (que não foi alegada em tempo), funcionando, pois, aqui contra si a presunção legal que resulta das citadas disposições legais da Lei de imprensa.

Nesta acção e na publicação do artigo intitulado “Droga, Novas Rotas do Tráfico” aludindo à detenção de duas cidadãs portuguesas de Arraiolos, na Venezuela está em causa a inserção, ilustrando esse artigo, de uma fotografia, da autoria de AA, de uma casa de habitação alegadamente de uma dessas cidadãs com a legenda “PATRIMÓNIO. A casa de M...V... no centro de Arraiolos…” mas que, na realidade, era da Autora.
Por via da publicação dessa fotografia, a Autora foi associada ao tráfico de droga e às referidas pessoas detidas na Venezuela, pelo menos entre as pessoas que a conheciam ou que conheciam a casa.

O entendimento sufragado no acórdão merece o nosso acolhimento, no sentido de que os recorrentes com a publicação deste artigo omitiram (nas competências que a cada um cabeiam) os deveres de praticar todos os actos tendentes a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação para garantir os direitos ao bom nome da autora (4) .
Esses deveres omitidos pelos réus resultam da Lei de Imprensa (artºs 1º-1,3º,19,20-1-a) e 29º,nº 1 e 2 ) e como tal deveriam ter procedido em conformidade com as suas obrigações, não procedendo aqui a argumentação desenvolvida pela proprietária da Revista, ao defender no nº 14 das suas alegações que a solidariedade em causa refere-se exclusivamente ao autor e à empresa jornalística e não ao director.
No artigo publicado “Droga, Novas Rotas do Tráfico”,a ofensa ao bom nome está na parte em que se associou o nome da autora (através da publicação de uma foto com a casa que pertencendo à autora e onde a mesma vivia alegadamente se referiu ser a mesma casa património de uma das cidadãs portuguesas de Arroiolos detidas na Venezuela) ao negócio da droga com os contornos constantes do artigo.

A honra, a integridade moral, o bom nome, a reputação são bens e aspectos da personalidade que o Direito protege por integrarem o direito geral de personalidade.
A Honra no entendimento geral da doutrina, significa tanto o valor moral íntimo do homem, como a estima dos outros, ou a consideração social, o bom nome ou a boa fama, como, enfim, o sentimento, ou consciência, da própria dignidade pessoal; é a dignidade pessoal reflectida na consideração dos outros e no sentimento da própria pessoa.(5) (6)

Orlando de Carvalho (Teoria Geral da Relação Jurídica, página 65) sustenta que “o valor da honra, enquanto dignitas humana, «é mais importante que qualquer outro (valor do direito à projecção moral, ou seja, o direito à honra em sentido amplo) e transige menos facilmente com os demais em sede de ponderação de interesses”.

Para quem como a autora desde 1974/75 e até Maio de 1992, foi professora durante vários anos em, pelo menos, dois estabelecimentos de ensino de Arraiolos, aí desempenhando funções docentes e directivas e de membro da Assembleia Municipal de Arraiolos entre 1979 e 1980, de Vereadora da Câmara Municipal entre 1985 e 1992 e Deputada à Assembleia da República entre 15-05-1992 e 31-10-1995,ver-se associada ao negócio da droga descrito no artigo publicado, é sem dúvida alguma uma grave ofensa da sua honra, bom-nome e reputação social, para a qual concorreu a actuação ilícita dos réus recorrentes.

Ora a Constituição da República Portuguesa (artºs 25º e 26º) no domínio dos direitos fundamentais, especificamente entre os direitos, liberdades e garantias e da mesma forma o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagram a protecção da honra como um dos limites à liberdade de expressão e também o Código Civil (artº 70º) protegem os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral , não podendo deixar de ser entendido aqui a honra ou integridade moral, o bom-nome e a reputação, como integradores da matriz do direito de personalidade.
Daí que o nº2 do artº 70º do CC salvaguarda a responsabilidade civil a que haja lugar por tais ofensas e o art. 484º responsabiliza pelos danos causados “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa,singular ou colectiva, responde pelos danos causados”.

Deste modo não podemos deixar de concluir que os pressupostos da responsabilidade civil cometidos por meio de imprensa ,resultam aqui do art. 29º nº1 e 2 da Lei nº 2/99-que manda observar os princípios gerais, o que significa uma remissão para as disposições gerais da responsabilidade civil (art.s 483º e segs do CC) , cujo princípio geral está contido no nº1 do art. 483º do CC dispõe o seguinte:
“ Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação”.
Deste princípio geral decorre que são pressupostos da responsabilidade civil o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e, finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Todos estes elementos estão demonstrados na actuação dos réus recorrentes face à factualidade exposta e enquadramento legal referenciados, pelo que se constituíram na obrigação de reparar os danos (que iremos analisar) que causaram à autora, resultando isso mesmo do disposto no art. 486º do CC.

A Gravidade dos danos e a sua repercussão na autora:

A análise dos factos provados não deixa dúvida, numa interpretação serena e imparcial, de que a autora foi efectivamente associada ao conteúdo do artigo publicado na revista F... e que com isso houve danos graves na sua honra.
Perante a ofensa à honra da autora como fundamentadamente foi descrita nas decisões das instâncias, com recurso aos entendimentos da doutrina e jurisprudência e com a verificação dos pressupostos do facto voluntário, da ilicitude e da culpa, há que reconhecer agora quais os danos de natureza não patrimonial causados à autora em nexo causal com os factos ocorridos.
Ficou provado que após a publicação do artigo com a fotografia em causa iam pessoas ver o local e comentavam que era a casa da Drª V..., presa na Venezuela, chegando a abordar a Autora questionando-a sobre a situação do processo de droga na Venezuela, afirmando com isto o seu envolvimento e sentindo-se, por isso, a autora envergonhada e humilhada.
Esta publicação da referida fotografia acarretou para a Autora uma perturbação, uma perda de paz e de tranquilidade individual, sentimentos que não podem deixar de ser associados à ofensa à honra própria e que se traduzem nas referidas vergonha e humilhação.
No contexto em que foi inserido o nome da autora relacionado com a casa que lhe pertence e onde vive, com todas as referências do meios de Arroiolos que se seguiram, traduzem, sem dúvida alguma, uma forte e intensa ofensa à honra da autora ,pessoa conhecida no meio e dados os cargos públicos que havia desempenhado.
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I vol., 3ª ed., Coimbra,459 referem que a conduta antijurídica que lese o bom nome da pessoa através da divulgação pela imprensa há-de ser apta a abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida, não só no seu meio profissional, mas entre os cidadãos em geral.
A situação da autora ,com a publicação da foto da casa onde vive, reúne essas características integrando, assim, gravidade, aferida segundo critérios de normalidade, pelo estado de vergonha e humilhação por que passou e, nestas circunstâncias, apenas pode ser compensada com uma obrigação pecuniária a impor aos réus, entendendo-se isto mais como uma satisfação do que uma indemnização.

Montante dos danos não patrimoniais.

Trata-se de danos não patrimoniais efectivamente graves pela associação da autora ao envolvimento no negócio da droga, que merecem a tutela do direito, de harmonia com o art. 496º nº1 CC.
Seguindo os ensinamentos da doutrina (Antunes Varela-Das Obrigações em Geral-Vol.I-3ª ed.pág.497 e ss.e Almeida e Costa-Direito das Obrigações,5ª ed.pág.483 e ss)que ,reconhecem que a indemnização de danos não patrimoniais não reveste natureza exclusivamente ressarcitória, desempenhando também uma função preventiva e uma função punitiva, sendo o montante a atribuir fixado com recurso à equidade ,ponderando-se as circunstâncias concretas do lesante e do lesado nos termos do artº 494º do CC, entendemos que a indemnização de € 20.000 euros atribuída no acórdão se mostra ajustada à ofensa que feita à honra e bom nome da autora com a publicação da fotografia no contexto factual apurado.
Assim, improcedem as conclusões da alegação do recurso.

Concluindo:
I- No recurso de revista é admissível que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie um eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido no acórdão da Relação de que se recorre na situação excepcional de se ter verificado ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que a força probatória de determinado meio de prova.
II- A liberdade de imprensa abrange o direito de informar e de ser informado ,tal como resultam do art. 1º nº2 da Lei de Imprensa,nº 2/99 de 13/1, tendo como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei (artº 3º), de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, a reserva da intimidade da vida privada, a imagem e a palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.
III- Nos termos do art. 19º nº1 da Lei de Imprensa, as publicações periódicas devem ter um director a quem compete, entre outras, orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação (art. 20º nº1-a) da mesma Lei) e dentro dessas competências cabe ao Director, designadamente, praticar todos os actos tendentes a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação dada ,sob pena de não o fazendo se presumir ser ele o primeiro responsável pelos escritos ou imagens publicados.
IV-O valor da honra, enquanto dignitas humana, «é mais importante que qualquer outro (valor do direito à projecção moral, ou seja, o direito à honra em sentido amplo) e transige menos facilmente com os demais em sede de ponderação de interesses”.
V- A conduta antijurídica que lese o bom nome da pessoa através da divulgação pela imprensa há-de ser apta a abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida, não só no seu meio profissional, mas entre os cidadãos em geral.

3- DECISÃO

Assim,nos termos expostos,acorda-se em:
-negar a revista;
-confirmar ,consequentemente,o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 9 de Setembro de 2010

Gonçalo Silvano (Relator)
Ferreira de Sousa
Pires da Rosa
________________
(1) Cfr.sobre esta matéria, entre muitos outros Ac.do STJ de 8-01-2004-Proc.03B4168-www.dgsi.Itij
(2) Cfr. entre outros Ac. STJ de 18-12-2003-Proc.03B3728-www.dgsi.Itij.
(3) cfr-Ac. STJ de 17-01-2002-JSTJ00042387 e Ac do STJ de 18-10-2007,ambos em www-dgsi-Itij
(4) Cfr-Ac.STJ de 30-09-2008-Proc. nº 8ª2452-www.dgsi.Itij.
(5) -Doutrina:
cfr. (cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, “O Direito Geral da Personalidade”, 1995, págs. 303-305).
- Maria Paula Andrade, Da ofensa do crédito e do bom nome, 1996, p. 97.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade”, 2006, pág. 76.
-Menezes Cordeiro-Os Direito de Personalidade Na civilística Portuguesa—Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles,Volume I,pág.21 a 45.
-Luis Vasconcelos Abreu-a violação dos Direito de Personalidade pela Comunicação Social..-In Estudos de Homenagem à Prof. Doutora Isabel Magalhães Colaço,II-2002-pág.457/475.
-Manuel da Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, página 79.
Orlando de Carvalho (Teoria Geral da Relação Jurídica, página 65.
(6) Jurisprudência:
Ac- do STJ de 27-01-2010- 48/04.6TBVNG.S1-www-dgsi-Itij
Ac. do STJ de 27-09-2007-07B2528- WWW.DGSI-Itij
Ac. STJ de 18-10-2007-Proc.07B3555-www.dgsi-Itij
Ac. do STJ de 12-03- 2009-8B2972, WWW.DGSI –Itij
Ac do STJ de 14-01-2010 -1869/06.0TVPRT.S1 –www-dgsi-Itij
Ac.do STJ de 25-03-2010 -576/05.6TVLSB.S1-www.dgsi-Itij
Ac.do STJ de 04-05-2010 -1054/06.6TBALM.L1.S1 –WWW.dgsi-Itij;