Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6943/03.2TVLSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
PRESSUPOSTOS
DUPLA CONFORME
INADMISSIBILIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Em razão da natureza unitária da revista, a admissibilidade da revista por via excepcional depende do preenchimento dos pressupostos gerais de recorribilidade, com excepção da existência de dupla conforme entre as decisões das instâncias.

II. Tendo o despacho reclamado concluído não ser o recurso de revista admissível por via normal, por razão diversa da existência de dupla conforme, o recurso não é igualmente admissível por via excepcional, ficando, por isso, prejudicada a apreciação dos fundamentos do n.º 1 do art. 672.º do CPC pela Formação prevista no n.º 3 do mesmo preceito legal.

III. A não admissibilidade da revista no caso dos autos não ofende o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (cfr. arts. 20.º e 202.º da CRP), pois, como tem sido repetidamente afirmado pelo TC, fora do Direito Penal não resulta da CRP, em geral, qualquer garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no artigo 20.º da CRP.

IV. Significa isto que se entende que a CRP não impõe sequer, em casos como o dos autos, o acesso ao segundo grau de jurisdição pelo que, pretendendo o reclamante aceder ao terceiro grau de jurisdição, dúvidas não subsistem de que a decisão reclamada não padece de inconstitucionalidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça

1. Em 25 de Março de 2022, foi proferida a seguinte decisão da relatora:

«1. Na acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, que constitui o processo principal de que este recurso é apenso, intentada pelo aqui recorrente AA contra B.… & B…, Lda., foi proferida sentença, em 20-03-2006, já transitada em julgado nesse mesmo ano de 2006, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.

Foi ainda interposto pelo autor, aqui recorrente, um recurso de revisão, que constitui o apenso A, o qual foi indeferido liminarmente por decisão da 1.ª instância de 03-06-2019, confirmada por acórdão da Relação de 03-03-2020, tendo sido rejeitado pelo Supremo Tribunal de Justiça o recurso de revista excepcional de tal decisão por acórdão proferido pela Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil, em 13-10-2020.

No processo principal, o autor e aqui recorrente, apresentou requerimento, em 08-10-2020, no qual pediu que seja oficiado o DIAP ... – ... Secção, Processo 2725/06…, a fim de ser remetida certidão completa desse processo-crime (com especial enfoque para a decisão final), invocando que tal certidão é imprescindível para prova de um facto no âmbito de novo processo judicial em laboração.

Em 26/10/2020, o autor apresentou novo requerimento no processo principal, no qual, fazendo alusão ao acórdão da Formação proferido em 13-10-2020 no apenso A que rejeitou a revista excepcional por si interposta, veio reafirmar a necessidade de obtenção da certidão requerida em 08-10-2020 porque “desprovido de tal documento, ao Autor, em sede de recurso (na revista excepcional interposta no apenso A), é apontado o facto de não cumprir o ónus que lhe cabe de demonstrar a razão que lhe assiste.”.

Por despacho proferido nos autos principais, em 02/12/2020, a 1.ª instância pronunciou-se sobre os referidos requerimentos de 08/10/2020 e de 26/10/2020, indeferindo o requerido pelo autor, com os seguintes fundamentos:

«Mostrando-se findos os autos e com isso esgotado o poder jurisdicional, não se destinando a certidão pretendida ao cumprimento de qualquer ónus ou dever processual ou ao exercício de uma faculdade no âmbito de um processo pendente, tendo também em conta a decisão proferida no apenso de recurso de revisão e seus fundamentos (já decorreram mais de 5 anos desde o trânsito em julgado da decisão), vai indeferido o requerido.».

Inconformado com essa decisão, o autor interpôs recurso de apelação que foi admitido e julgado improcedente pela Relação, por acórdão de 21-12-2021, que confirmou integralmente a decisão recorrida.

Novamente inconformado, o autor veio interpor o presente recurso de revista, por via excepcional, com base no art. 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC, pedindo que o acórdão recorrido seja revogado e substituído por decisão que oficie o DIAP ... para que remeta certidão completa do processo-crime acima indicado.

Não houve contra-alegações.

A Senhora Juíza-Desembargadora relatora admitiu o recurso por despacho de 01-03-2022.

2. O recorrente interpôs recurso de revista por via excepcional nos termos do disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC. Suscitando-se, porém, dúvidas sobre a admissibilidade do recurso, em 09.03.2022, foi proferido o seguinte despacho da relatora:

«Nos presentes autos foi interposto recurso de revista por via excepcional ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.

De acordo com a orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a admissibilidade da revista por via excepcional depende da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade da revista por via normal, salvo no que se refere à existência da dupla conforme entre as decisões das instâncias.

Não estando em causa acórdão recorrido que se enquadre no âmbito do n.º 1 do art. 671.º do CPC, nem do respectivo n.º 2 do mesmo artigo, nem tendo sido invocado qualquer das situações em que o recurso é sempre admissível (cfr. art. 629.º, n.º 2, do CPC), nos termos previstos no art. 655.º do CPC, notifique as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso.».

3. Veio o recorrente responder, limitando-se a alegar o seguinte:

«1. Salvo o devido respeito, que é muito, atento ao teor da referida notificação, ousamos dizer que não a podemos acompanhar.

2. E, não ao acaso, o Tribunal ad quem proferiu douto despacho de fls. em 01/03/2022 (ref ...16) nos seguintes termos: Por estar em tempo, porque a decisão é recorrível e por assistir legitimidade ao Recorrente, admito o recurso de revista excepcional no que tange à verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do mesmo - cfr. arts. 629º, nº 1, 631º, nº 1, 638º, nº 1 e 641º, todos do Código de Processo Civil.

3. Por outro lado, o douto despacho de fls. «abre a porta» a uma inadmissibilidade de revista excepcional mas não fundamenta nem refere em que se baseia, mais que não fosse para que a parte exercesse plenamente o contraditório além do mero reiterar do que já alegou no Recurso em (não) apreciação.

4. Sendo absolutamente claro e sequer questionável (isso sim!) que alguma vez se tenha lançado mão do teor do art. 629º, nº 2 do CPC.

5. Razão pela qual se reitera, ipsis verbis, o anteriormente alegado quanto à admissibilidade do recurso, dando integralmente o mesmo por reproduzido.».

O recorrido pugnou pela inadmissibilidade do recurso.

4. De acordo com o que enunciou no despacho de 09.03.2022, sendo o recurso de revista um único e mesmo recurso, tem a jurisprudência deste Supremo Tribunal entendido, de forma consolidada, que, não sendo admissível a revista nos termos gerais, não será também admissível a revista por via excepcional, uma vez que esta se destina às decisões não recorríveis, apenas e tão só, devido à verificação da dupla conformidade prevista no n.º 3 do art. 671.º do CPC. Neste sentido, cfr. os acórdãos da Formação de 09-01-2014 (proc. n.º 274/12.4TBVVC-D.E1.S1), de 16-01-2014 (proc. n.º 953/09.3TVLSB.L1.S1), de 06-02-2014 (proc. n.º 8/11.0TBAMR-A.G1.S1), de 20-03-2014 (proc. n.º 1279/09.8TBCTB-D.C1.S1), de 06-12-2017 (proc. n.º 21595/15.9T8LSB.L1.S2) e de 10-05-2018 (proc. n.º 909/17.2T8VIS.C1.S1).

Vejamos, pois, se se a presente revista é admissível nos termos gerais.

5. Diversamente do que o recorrente parece entender, o despacho da relatora do Tribunal da Relação que admitiu o recurso não tem carácter definitivo, cabendo ao relator do Supremo Tribunal de Justiça reapreciar a questão (cfr. art. 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC).

Do teor do despacho de 09.03.2022 («Não estando em causa acórdão recorrido que se enquadre no âmbito do n.º 1 do art. 671.º do CPC, nem do respectivo n.º 2 do mesmo artigo (...) notifique as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de não conhecimento do recurso») constam os elementos necessários para as partes, devidamente patrocinadas pelos seus mandatários, poderem exercer plenamente o contraditório.

Com efeito, dos n.ºs 1 e 2 do art. 671.º do CPC resulta que apenas cabe recurso de revista: «do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos»; dos «acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual» numa das situações previstas nas alíneas do mesmo n.º 2.

No caso dos autos, é manifesto – também para o recorrente – que a decisão recorrida que rejeitou a realização de uma diligência probatória (requisição de uma certidão ao DIAP ...) foi proferida depois da decisão que pôs termo ao processo. Com efeito, como acima se expôs, no processo principal de que estes autos são apenso, já foi proferida sentença transitada em julgado em 2006. E, apesar de ter sido interposto recurso de revisão dessa sentença, por decisão também já transitada em julgado, tal recurso foi indeferido liminarmente.

Assim, não obstante, ser admissível recurso de apelação desse despacho, conforme decorre da alínea g) do n.º 2 do art. 644.º do CPC, não é legalmente admissível recurso de revista do acórdão que julgue essa apelação. O acórdão recorrido não se enquadra na previsão do n.º 1 do art. 671.º do CPC, pois, manifestamente, não foi proferido sobre decisão de 1.ª instância que tenha conhecido do mérito da causa ou que tenha posto termo ao processo; nem se subsume na previsão do n.º 2 do mesmo art. 671.º, pois não apreciou qualquer decisão interlocutória que recaia unicamente sobre a relação processual, uma vez que as decisões interlocutórias previstas nesse n.º 2 pressupõem a pendência do processo no qual são proferidas, o que não é o caso dos autos.

Neste sentido, em casos em que se decidiu ser inadmissível a revista de acórdãos da Relação que tiveram por objecto decisões de 1.ª instância proferidas depois da decisão final, cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 05-05-2011 (proc. n.º 315/10.0TBBRG.G1.S1), de 20-06-2013 (proc. n.º 11465/10.2YIPRT.P1.S1) e de 14-04-2015 (proc. n.º 2939/09.TBBCL.G1.S1).

Deste modo, o acórdão recorrido apenas poderia ser objecto de recurso de revista caso tivesse sido invocado algum dos fundamentos previstos no art. 629.º, n.º 2, do CPC que prevê as situações em que é sempre admissível recurso.

Porém, tal não sucedeu – como o recorrente reconhece na resposta ao despacho de 09.03.2022 – sendo que o fundamento da revista interposta pelo autor incide na alegada relevância jurídica das questões suscitadas (art. 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC), motivo que não se encontra previsto em nenhuma das alíneas do n.º 2 do art. 629.º do CPC.

6. Pelo exposto, não se admite o recurso.»

2. Da decisão da relatora veio o Recorrente apresentar a seguinte reclamação:

«AA, Recorrente nos autos à margem devidamente identificados, notificado da decisão sumária que não admite o recurso de revista, e com a mesma não se conformando, vem apresentar

RECLAMAÇÃO (art. 643º CPC)

1. Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos acompanhar a douta decisão sumária.

2. Que, em suma fundamentou a sua decisão: De acordo com o que enunciou no despacho de 09.03.2022, sendo o recurso de revista um único e mesmo recurso, tem a jurisprudência deste Supremo Tribunal entendido, de forma consolidada, que, não sendo admissível a revista nos termos gerais, não será também admissível a revista por via excepcional, uma vez que esta se destina às decisões não recorríveis, apenas e tão só, devido à verificação da dupla conformidade prevista no n.º 3 do art. 671.º do CPC. Neste sentido, cfr. os acórdãos (…)

3. Ora, sem prejuízo do acima transcrito, julgamos humildemente que apenas por erro interpretativo se pode chegar a semelhante conclusão (aparentemente sufragada em alguma jurisprudência).

4. Não se concebendo como defensável a asserção que o recurso de revista é um único e mesmo recurso.

5. Ou, dito de outro modo, para assim ser, cumpre fazer um pertinente acrescento: o recurso de revista é um e um só, existindo a figura ou ressalva de uma figura denominada de revista excepcional.

6. Justamente abrangendo casos em que a revista (tout court) não é admissível, como será eventualmente o caso dos presentes autos.

7. Mas em bom rigor se diga que o aqui Recorrente em momento algum lançou mão de um Recurso de Revista nos termos do art. 671º do CPC.

8. Até porque como com propriedade refere a decisão reclamada que apenas cabe recurso de revista: «do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos»; dos «acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual» numa das situações previstas nas alíneas do mesmo n.º 2.

9. Todavia, o Recorrente lançou mão de uma revista excepcional ao abrigo do art. 672º, nº 1 a) do CPC: Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

10. Daqui se depreende e pode ler que, dito de outro modo e lido o preceito da alínea para o seu corpo, estando perante apreciação de matéria de relevância jurídica para melhor aplicação do direito, a título excepcional, e ao contrário da regra geral, pode existir revista.

11. E tal pode suceder, e efectivamente sucede, nos casos referidos no nº 3 do art. 671º do CPC: Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

12. Ora, com o devido respeito, não pode a decisão sumária sustentar que a falta de requisitos dos arts. 671º, nº 1 e 2 não permitem a revista excepcional e, mais ainda, que a existência de dupla conforme é impeditiva do recurso de revista excepcional.

13. Justamente a letra da lei é inequívoca e contraria tal asserção: salvo nos casos previstos no artigo seguinte, leia-se, art. 672º.

14. Daí que, formalmente, nada obsta à apreciação do recurso de revista excepcional, cabendo, quando muito, aferir se o motivo invocado para a excepcionalidade é atendível.

15. Mas sobre tal questão a decisão sumária é totalmente omissa!

16. Se, tendo em conta os critérios gerais de recorribilidade, o recurso de revista não for admissível, a revista excepcional também não o poderá ser, porque pressupõe que seja a “dupla conforme” o único obstáculo à admissão do recurso nos termos gerais (…) - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2017

17. No mesmo sentido que vimos sufragando, atente-se exemplificativamente no teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/06/2019:

I. Tem sido entendimento unânime da Formação a que alude o normativo inserto no artigo 672º, nº 3 do CPCivil, que a admissibilidade da Revista excepcional pressupõe: i) que a Revista autónoma-regra só não seja admissível por se verificar a situação de dupla conformidade, pois se aquela não existisse e a Revista não fosse de admitir, não se poderá lançar mão da Revista excepcional; ii) que a competência da Formação se limita aos pressupostos específicos deste preciso recurso, sendo atribuição do Relator/Colectivo a quem o processo for distribuído a aferição dos pressupostos gerais.

II . Tendo sido admitida pela Formação uma Revista excepcional com fundamento na alínea a) do nº1 do artigo 672º do CPCivil e remetidos os autos à distribuição, deve o Relator/Colectivo verificar se estão ou não reunidos os requisitos gerais da admissibilidade da impugnação, máxime, o valor da causa, não se conhecendo do objecto no caso de o valor o não permitir.

III. A decisão colegial da Formação apenas é definitiva, fazendo caso julgado, quanto à existência do pressuposto específico da sua admissibilidade, aliás, única temática abrangida pela mesma.

IV. O eventual direito das partes a recorrerem ao Supremo Tribunal de Justiça, está totalmente dependente de normas conformadoras do legislador ordinário e que transcendem o direito consagrado no artigo 20º da CRPortuguesa.

18. Interpretação diversa redunda em má aplicação da lei, porque contrária à própria letra.

19. E, mais ainda, em termos práticos, é impedimento e obstáculo à boa aplicação do direito.

20. No caso concreto, impedindo o Recorrente de aceder a uma via de Recurso como exemplo, mais lato, de acesso à justiça plasmado constitucionalmente.

CONCLUSÕES:

Pelo exposto, extraem-se, como resenha final, as alíneas subsequentes, com indicação dos fundamentos porquanto se peticiona a alteração da decisão proferida pelo Tribunal a quo:

a) A decisão sumária mal andou em rejeitar o recurso de revista excepcional;

b) Entendendo não estar reunidos os pressupostos do arts. 671º, nº 1 e 2 do CPC;

c) Acontece que em causa está uma revista excepcional nos termos do art. 672º, nº 1 a) do CPC;

d) Não sendo obstáculo para a sua admissão a existência da dupla conforme;

e) Aliás como resulta da própria letra do nº 3 do art. 671º, in fine: salvo nos casos previstos no artigo seguinte;

f) Assim como da letra inicial do art. 672º: excepcionalmente;

g) Mal tendo andado a decisão sumária quando sequer apreciou o mérito do recurso;

h) Numa interpretação manifestamente contra a letra da lei;

i) Indo além mesmo do devidamente preceituado;

j) Em interpretação manifestamente inconstitucional;

k) Porquanto rejeitando o recurso, obstaculiza o acesso ao direito por parte do Recorrente;

l) O que aqui expressamente se invoca;

m) Como V. Exa. certamente não ignorará.

Deste modo a, apesar de tudo, douta decisão sumária deverá ser revogada e substituída por decisão que admitindo o recurso de revista ordene a remessa dos autos para apreciação do recurso interposto».

Não houve resposta.

3. A presente reclamação foi apresentada ao abrigo do art. 643.º do Código de Processo Civil, preceito em cujo n.º 1 se prevê:

 «Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão».

Trata-se, pois, de meio processual idóneo para reclamar para o tribunal ad quem de despacho de não admissão de recurso proferido pelo relator do tribunal a quo, e não para reclamar de despacho da relatora do tribunal ad quem que, indeferindo reclamação anterior, manteve a decisão de não admissão do recurso de revista.

Contudo, estando prevista no art. 652.º, n.º 3, do CPC, a possibilidade de reclamação para a conferência das decisões do relator que não sejam de mero expediente, ao abrigo do n.º 3 do art. 193.º, do mesmo Código, convola-se a reclamação apresentada ao abrigo do art. 643.º do CPC em impugnação para a conferência ao abrigo do referido n.º 3 do art. 652.º.

Cumpre decidir.

4. No essencial, invoca o reclamante que a decisão reclamada:

- Deve ser corrigida, uma vez que, tendo o reclamante interposto recurso de “revista excepcional”, não há que apreciar da recorribilidade ao abrigo do regime do art. 671.º do CPC, mas antes, e apenas, ao abrigo da previsão do art. 672.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código, invocada como fundamento de recurso;

- É incongruente na medida em que «não pode a decisão sumária sustentar que a falta de requisitos dos arts. 671º, nº 1 e 2 não permitem a revista excepcional e, mais ainda, que a existência de dupla conforme é impeditiva do recurso de revista excepcional»;

- É omissa na apreciação do fundamento de recurso invocado, isto é, na apreciação da relevância jurídica da questão objecto do recurso;

- É inconstitucional por não permitir o acesso à justiça.

Vejamos.

5. Contrariamente ao alegado pelo reclamante, o recurso de revista é apenas um, ainda que a sua admissibilidade possa ocorrer por via normal ou por via excepcional. Em razão da natureza unitária da revista, a admissibilidade da revista por via excepcional depende do preenchimento dos pressupostos gerais de recorribilidade, com excepção da dupla conforme entre as decisões das instâncias. Neste sentido se orienta a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, designadamente, e a título meramente exemplificativo, assim foi decidido pelos acórdãos referidos na decisão reclamada, cujos sumários aqui se transcrevem, na parte relevante:

- Acórdão de 09-01-2014 (proc. n.º 274/12.4TBVVC-D.E1.S1):

«IV - Da conjugação do disposto no art. 721.º, n.ºs 1 e 3, com a previsão do art. 721.º-A, ambos do CPC, resulta que a revista excepcional só pode ter lugar nos casos em que seria admissível revista a título normal e esta não o é por se verificar a dupla conforme, o que não sucede quando esteja em causa uma decisão proferida em processo de insolvência, em relação à qual não se verifica a oposição de julgados a que alude o art. 14.º, n.º 1, do CIRE.»


- Acórdão de 16-01-2014 (proc. n.º 953/09.3TVLSB.L1.S1):

«I - Como decorre do disposto no art. 721.º, n.º 3, do CPC, a revista excepcional só pode ter lugar nos casos em que seria admissível revista a título normal só deixando de o ser por se verificar a dupla conforme.»


- Acórdão de 20-03-2014 (proc. n.º 1279/09.8TBCTB-D.C1.S1):

«I - O primeiro pressuposto da admissibilidade do recurso excepcional de revista é que exista, ab origine, um recurso normal de revista que esteja vedado pela situação de dupla conformidade, tal como definida no n.º 3 do art. 721.º do CPC.»


- Acórdão de 06-02-2014 (proc. n.º 8/11.0TBAMR-A.G1.S1):

«II - Não sendo admissível recurso de revista normal, também não é o recurso de revista  excepcional, uma vez que este se destina às decisões cuja porta do recurso se tenha fechado, apenas e tão só, devido à dupla conformidade.»


- Acórdão de 06-12-2017 (proc. n.º 21595/15.9T8LSB.L1.S2):

«II - A admissibilidade do recurso de revista excecional depende da verificação da dupla conforme e que este seja o único obstáculo à admissão do recurso nos termos gerais – art. 671.º, n.º 3, do CPC.»


- Acórdão de 10-05-2018 (proc. n.º 909/17.2T8VIS.C1.S1):

«A interposição, a título principal, de recurso de revista ao abrigo do disposto nos arts. 370.º, n.º 2 e 629.º, n.º 2, al. d), ambos do CPC e, a título subsidiário, de recurso de revista excecional com fundamento no art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, exclui este último, porquanto o recurso de revista excecional depende da verificação de todos os requisitos gerais da admissibilidade do recurso de revista normal, com exceção do relativo à dupla conforme, e, no caso dos procedimentos cautelares, o recurso de revista normal não é admissível senão nos casos especiais previstos no art. 629.º, n.º 2, do CPC.»

Aliás, no mesmo sentido decidiu o acórdão de 27-06-2019, referido pelo reclamante, em cujo sumário, reproduzido na reclamação, se pode ler o seguinte:

«I - Tem sido entendimento unânime da Formação a que alude o normativo inserto no artigo 672º, nº 3 do CPCivil, que a admissibilidade da Revista excepcional pressupõe: i) que a Revista autónoma-regra só não seja admissível por se verificar a situação de dupla conformidade, pois se aquela não existisse e a Revista não fosse de admitir, não se poderá lançar mão da Revista excepcional».

6. Alega ainda o reclamante que «não pode a decisão sumária sustentar que a falta de requisitos dos arts. 671º, nº 1 e 2 não permitem a revista excepcional e, mais ainda, que a existência de dupla conforme é impeditiva do recurso de revista excepcional».

Labora o reclamante num equívoco interpretativo.

Com efeito, afirma-se na decisão reclamada o seguinte:

«... sendo o recurso de revista um único e mesmo recurso, tem a jurisprudência deste Supremo Tribunal entendido, de forma consolidada, que, não sendo admissível a revista nos termos gerais, não será também admissível a revista por via excepcional, uma vez que esta se destina às decisões não recorríveis, apenas e tão só, devido à verificação da dupla conformidade prevista no n.º 3 do art. 671.º do CPC.».

Quer dizer que, na decisão reclamada, se entendeu que a admissibilidade da revista por via excepcional exige que se encontrem reunidos os pressupostos de admissibilidade da revista por via normal, com excepção da existência de dupla conforme; a qual, portanto, impede a admissibilidade da revista por via normal (ou revista-regra), mas não a sua admissibilidade por via excepcional (cabendo, como se sabe, à Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do CPC, apreciar os fundamentos específicos de admissibilidade por esta última via).

7. Alega ainda o reclamante que a decisão reclamada é omissa na apreciação do fundamento de recurso invocado, isto é, na apreciação da relevância jurídica da questão objecto do recurso.

De acordo com o Provimento n.º 23/2019 do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, uma vez distribuídas, as revistas são apresentadas ao relator a fim de ser proferido o despacho liminar a que alude o artigo 652.º do CPC.

A decisão reclamada constitui precisamente esse despacho liminar da competência do relator. Tendo concluído não ser o recurso de revista admissível por via normal por razão diversa da existência de dupla conforme, o recurso não é igualmente admissível por via excepcional, ficando, por isso, prejudicada a apreciação dos fundamentos do n.º 1 do art. 672.º do CPC pela Formação prevista no n.º 3 do mesmo preceito legal.

8. Alega, por fim, o reclamante ser a decisão reclamada inconstitucional por não permitir o acesso à justiça.

Considera-se que a não admissibilidade da revista no caso dos autos não ofende o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (cfr. arts. 20.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa), pois, como tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal Constitucional (cfr., por exemplo, o acórdão n.º 159/2019), fora do Direito Penal não resulta da Constituição, em geral, qualquer garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no artigo 20.º da Constituição.

Significa isto que se entende que a Constituição não impõe sequer, em casos como o dos autos, o acesso ao segundo grau de jurisdição. Ora, pretendendo o reclamante aceder ao terceiro grau de jurisdição, dúvidas não subsistem de que a decisão reclamada não padece de inconstitucionalidade.

9. Pelo exposto, indefere-se a reclamação.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

Lisboa, 24 de Maio de 2022

Maria da Graça Trigo (relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira