Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
215/12.9TCGMR.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
CONSORTE
INEFICÁCIA DO NEGÓCIO
RATIFICAÇÃO DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 12/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / ARRENDAMENTO RURAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 157.
- Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 56. - Vaz Serra, RLJ, Ano 100.º, p. 202.
- Januário Gomes, Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, Almedina, 1980, p. 287.
- Pais de Sousa, Extinção do Arrendamento Urbano: fundamentos, meios processuais, Almedina, 1980, p. 83.
- Pereira Coelho, Arrendamento, Coimbra, 1984, pp. 99-100, nota 2.
- Pinto Furtado, Curso dos arrendamentos vinculísticos, 2.ª edição revista e ampliada, Almedina, Coimbra, 1988, p. 267.
- Pires de Lima Antunes Varela,” Código Civil” Anotado, Vol. II, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 1997, p. 346; “Código Civil” Anotado, Vol. III, p. 346.
- Rui de Alarcão, A Confirmação dos Negócios Anuláveis, Vol. I, 1971, p. 199, nota 333.
- Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais” Anotado, 2013, 5.ª Edição, Almedina, pp. 332-333.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 11.º, 217.º, N.º 1, 236.º, 238.º, 268.º, N.º1, 285.º, 286.º, 288.º, 333.º, N.º 2 , 351.º, 1024.º, N.º2, 1029.º (NA REDACÇÃO VIGENTE EM 1987), 1408.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC). – ARTIGOS 6.º, 152.º, N.º4, 417.º, N.º2, 423.º, N.º3, 579.º, 615.º, AL. C), 629.º, N.ºS1 E 2, 630.º, N.º1, 644.º, N.º2, AL. E), 671.º, N.º2, 674.º, N.º 3 E 682.º, N.ºS 1 A 3.
LEI N.º 76/77, DE 29/9: - ARTIGO 3.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 13-01-2009, PROC. N.º 9267/2008-1, EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22-11-96 E DE 11-10-01, PUBLICADOS IN BMJ 441-305, CJ/STJ, ANO III-TOMO I, PP. 67 E SS E ANO IX-TOMO III, PP. 75 E SS.
-DE 05-07-2001, PROC. N.º 01A2110, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 30-04-2002, PROC. N.º 02A1019, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 14-05-2002, PROC. N.º 02B4021, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 22-09-2005, PROC. N.º 04B4641, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 12-9-2006, PROC. N.º 1994/06;
-DE 02-02-2010, PROC. N.º 1159/04.3TBACB.C1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 14-02-2012, PROC. N.º 6283/09.3TBBRG.G1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 13-11-2012, PROC. N.º 10/08.0TBVVD.G1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 30-05-2013, PROC. N.º 660/1999.P1.S1, E DE 02-12-2013, PROC. N.º 110/2000.L1.S1, AMBOS EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 01-10-2015, PROC. N.º 6626/09.0TVLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 20-10-2015, PROC. N.º 752/04.9TBEPS.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - O contrato escrito de arrendamento rural de prédio indiviso celebrado por um dos consortes, produzindo os seus efeitos entre os contraentes, é porém ineficaz em relação aos consortes não contratantes ou não intervenientes, não produzindo quanto a eles quaisquer efeitos.

II - A ineficácia relativa do contrato de arrendamento válido, à qual se refere o art. 1024.º, n.º 2, do Código Civil, significa que o negócio em apreço não é oponível aos consortes não outorgantes e que apenas estes a podem invocar, caso não tenham manifestado, antes ou depois de celebrado o contrato, o seu assentimento.

III - Tendo o contrato de arrendamento, celebrado por um dos consortes, vigorado entre os outorgantes durante mais de 16 anos, com a prática reiterada e com publicidade de atos de fruição sobre o imóvel locado, e contra o pagamento anual de géneros, sem que haja conhecimento de qualquer oposição da partes dos consortes não outorgantes, é lícito concluir que, com toda a probabilidade, estes últimos com ele se conformaram, ou seja, manifestaram tacitamente o seu assentimento.

Decisão Texto Integral:
     

            Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório                           

              

AA e BB, ambos moradores na ilha de ..., intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra:

1º-  CC ;

2º- DD e mulher EE ,e

3º- FF.

 

Nesta ação, pediram que sejam os Réus condenados a:

a) Reconhecerem que os Autores são donos e possuidores dos prédios identificados na petição inicial;

b) Restituí-los aos Autores, de imediato, retirando dele todos os bens, objectos e animais que nele instalaram;

c) Reconhecerem que essa intitulada e ilícita ocupação dos prédios causa aos Autores prejuízos e impede o exercício pleno por parte deles, Autores, do seu direito de propriedade, ofendendo tal direito;

d) Pagarem uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso que, para além da data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser produzida, se venha a verificar na entrega efetiva dos prédios, para o que sugerem o valor de 5% do ordenado mínimo mais elevado por cada dia e até ao cumprimento integral da sentença.

Para tanto, alegaram os Autores, em síntese, que:

             - São donos e possuidores na proporção de ½ indiviso para cada um, dos prédios identificados nos arts 1º e 2º, da petição inicial, prédios que adquiriram por escritura pública celebrada em 6/8/2009, sendo que, independentemente da referida forma de aquisição derivada translativa, por si e ante-possuidores, há mais de 15, 20, e 30 anos vêm possuindo ininterruptamente os descritos prédios;

               - Acontece que, os RR. estão a ocupar, sem qualquer título, de forma ilícita e não consentida pelos Autores, o primeiro dos referidos prédios, referindo ainda que o segundo, que ainda não ocuparam, lhes está “arrendado”, razão porque no primeiro vivem e sem que para tanto estejam autorizados.

1.1.- Os Réus, após citação, contestaram todos, quer por exceção [excecionaram os segundos e terceiros Réus a sua ilegitimidade, e, a primeira Ré (CC), uma exceção peremtória, invocando ser titular de contrato de arrendamento e deduzindo pedido reconvencional, peticionando que sejam os Réus condenados a reconhecerem a sua situação de arrendatária, e, em consequência, a absterem-se de praticar atos impeditivos do gozo da coisa arrendada], quer por impugnação motivada, pugnando pela improcedência da acção.

1.2.- Seguindo-se a Réplica, e proferido o despacho saneador, neste último foi julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos segundo e terceiros Réus, bem como admitido o pedido reconvencional da 1ª Ré, tendo ainda sido selecionada a matéria de facto assente e fixada a base instrutória da causa, não tendo havido reclamações.

1.3.- Por fim, realizada que foi a audiência final, a qual decorreu prima facie com observância do formalismo legal devido, e conclusos os autos para o efeito, proferiu de seguida o tribunal a quo a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :

(…)

DECISÃO

Termos em que se decide:

1. Condenar os RR. a reconhecerem que os AA. são proprietários, na proporção de ½ indiviso para cada um:

a. Do prédio misto composto de casa de um pavimento, corte, alpendre, barra, eido, eira e Campo … , situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição …, inscrito na matriz urbana sob o artigo 100 e na matriz rústica sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário global de € 3.365,97, dele correspondendo € 2.446,21 à parte urbana e € 919,76; e

b. Do prédio rústico composto de terreno eucaliptal, pinhal e mata de carvalhos, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo 282, com o valor patrimonial tributário de € 5.569,82;

2. Condenar a R. CC a entregar, de imediato, aos AA. o imóvel referido na al. a) do n.º 1 da presente condenação, dele retirando todos os bens, objectos e animais.

3. Absolver os RR. do demais peticionado pelos AA.

4. Absolver os AA. do peticionado pela R. CC.

As custas da acção serão suportadas por AA. e R. CC na proporção do decaimento – cfr. art.º 527.º do C.P.Civil.

As custas da reconvenção serão suportadas pela R. CC – cfr. art.º 527.º do C.P.Civil.

..., 2 de Junho de 2014

(31 de Maio e 1 de Junho, fim-de-semana)”

1.4.- Porque inconformada com a sentença proferida e identificada em 1.3., da mesma interpôs então a Ré CC a competente apelação, em que pediu a alteração da matéria de facto dada como provada e a revogação da sentença recorrida.

1.5.- No início e decurso da audiência de julgamento no dia 3/12/2013, na sequência da falta de comparência dos Autores, e não tendo sido prescindida a requerida prestação de depoimento de parte, proferiu o Exmº Juiz a quo decisão de condenação - de cada um dos Autores - no pagamento de 1 UC de multa.

Na sequência da decisão condenatória (em multa) que antecede, e aduzindo estar em causa a obtenção de informação/conhecimento pertinente para efeitos de interposição de competente recurso - cujo objeto será a decisão de condenação dos Autores em multa - , requereu de imediato o Exmº Mandatário dos Autores que os envelopes juntos aos autos a fls. 230 e 231 (correspondentes a expediente relacionado com a notificação dos AA para a audiência de julgamento) fossem abertos e o respetivo conteúdo de pretensa notificação dos Autores exibido,  sendo que o requerido foi pelo Exmº Juiz a quo indeferido, com o fundamento de inexistência de fundamento legal e por se tratar de diligência inútil.

Finalmente, invocando como justificação para a junção de concreto documento - datado de 17/7/2003 - contrariar o afirmado pela Ré em sede de depoimento de parte, requereram os Autores a junção aos autos de um documento, pretensão esta que foi objeto de despacho de indeferimento do Exmº Juiz a quo, com o fundamento de não se verificar a previsão legal do nº 3, do artº 423º, do CPC.

1.6.- Inconformados com qualquer das três decisões/despachos indicados em 1.5, atravessaram nos autos os Autores instrumento de apelação autónoma, pedindo   que, na integral procedência do recurso, seja revogada a decisão de condenação dos autores em multa por não comparecerem na audiência, e ainda na parte em que decidiu não admitir a junção de documento, para com ele ser confrontada a ré.

1.7.- Debruçando-se sobre a/s apelação/s indicadas em 1.6., proferiu o Exmº Juiz a quo o seguinte despacho: “Por ser admissível, se encontrar em tempo, e o(a)(s) recorrente(s) ter(em) legitimidade, admito o recurso interposto pelo(a)(s) AA. a fls. 252 e seg. (Ref. …), que é de apelação (cfr. artº. 644º/2 d). e e). do C. P. Civil), a subir nos próprios autos (na medida em que já foi proferida sentença final e seria inútil processá-lo em separado) e com efeito meramente devolutivo (artº. 647º/1 C.P.C.)”.

1.8.- O Tribunal da Relação proferiu, em relação às duas apelações, a seguinte decisão:

«Termos em que, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de ..., em:

«6.1. - Não conhecer do recurso dos AA AA e BB, interposto de decisões interlocutórias proferidas pelo tribunal a quo e identificadas no item 1.6. do presente Ac. ;

6.2. - Concedendo provimento à apelação interposta pela Ré CC:

a)  julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto;

b) revogar a sentença apelada no tocante à decidida condenação da Ré CC a entregar, de imediato, aos AA. o imóvel referido na al. a) do n.º 1 da referida condenação;

c) julgar o pedido reconvencional deduzido pela apelante CC procedente, porque provado, e , consequentemente, vão os AA condenados a reconheceram a situação de arrendatária da reconvinte, devendo absterem-se de praticar actos impeditivos do gozo da coisa arrendada;

d)  manter, no mais, o decidido pelo tribunal a quo em sede de sentença , designadamente no tocante à condenação dos RR. a reconhecerem que os AA. são proprietários, na proporção de ½  indiviso para cada um, dos seguintes prédios:

I - Do prédio misto composto de casa de um pavimento, corte, alpendre, barra, eido, eira e …, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ...;

II - Do prédio rústico composto de terreno eucaliptal, pinhal e mata de carvalhos, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ....

                                                                          *

7. - Das custas

Os AA suportarão as custas da apelação identificada em 1.7. ;

- As custas da acção serão suportadas pelos AA. apelados e Ré apelante CC, e na proporção, respectivamente, de 4/5  e  de 1/5 ;

- As custas da reconvenção serão suportadas in totum pelos AA e apelados».

                       

            Inconformados, interpõem os autores recurso de revista, em cuja alegação formulam as conclusões exaradas a fls. 485 a 491 e que se consideram aqui integralmente reproduzidas.

       

Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto de recurso, são as seguintes as questões a decidir:

            I – Despacho de condenação de cada um dos autores em multa de 1 UC  

            II – Junção de documento em audiência de julgamento;

III – Nulidade do acórdão recorrido (art. 674.º, n.º 1, al. c) do CPC) por oposição entre os fundamentos e a decisão

IV – Alteração da matéria de facto;

V – Anulação do acórdão recorrido e ampliação da matéria de facto;

VI – Oponibilidade, ao novo proprietário do imóvel, do contrato de arrendamento rural assinado apenas por um dos herdeiros comproprietários;

VII – Caducidade do contrato de arrendamento por falecimento do arrendatário, marido da ré.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

            II – Fundamentação de facto

            A factualidade fixada pelas instâncias é a seguinte:

         A – FACTOS PROVADOS:

2.1. - Está registada a favor dos Autores, na proporção de ½ indiviso para cada um, a aquisição de:

a) um prédio misto composto de casa de um pavimento, corte, alpendre, barra, eido, eira e Campo …, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 100 e na matriz rústica sob o artigo 208, com o valor patrimonial tributário global de € 3.365,97, dele correspondendo € 2.446,21 à parte urbana e € 919,76;

b) um prédio rústico composto de terreno eucaliptal, pinhal e mata de carvalhos, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de € 5.569,82 – cfr. documentos de fls.17 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

2.2.- Por escritura pública de 6 de Agosto de 2009, os Autores declararam comprar a GG e mulher HH, que declaram vender, pelos preços, respectivamente, de € 60.000,00 e € 15.000,00, os prédios referidos em 1. – cfr. documento de fls.12 e seguintes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

2.3. - A Ré CC nasceu no dia … de … de 1937.

2.4. - Em 04 de Outubro de 2005 morreu o II, no estado de casado com a aqui 1ª Ré.

2.5. - Os AA. pagam as contribuições dos prédios referidos em 1., sem a oposição de ninguém, como se donos fossem.

2.6. - A primeira R. ocupa o prédio misto referido em 2.1.

2.7. - Agricultando as respectivas áreas até finais de 2008.

2.8. - Circulando no seu interior, de e para a via pública.

2.9. - Consentindo que outras pessoas assim circulem também.

2.10. - A primeira R. instalou um cão bravo que impede a entrada dos AA. na casa do prédio misto referido em 2.1.

2.11. - A Quinta do ... era composta de terrenos ou campos de cultivo e da denominada casa do caseiro, de rés-do-chão, com diversos anexos e eira, a mesma que a 1ª Ré ainda hoje habita.

2.12. - Desde finais de 1986 a 1ª Ré e o seu já falecido marido II cultivavam os campos e habitavam a casa do caseiro, com os seus filhos contra o pagamento anual de rasas de milho e de feijão, vinho, fruta, aguardente e lenha da quinta.

2.13. - Após a venda da quinta pelos herdeiros de JJ ao GG, o II e a 1ª Ré continuaram a cultivar os campos e a habitar a casa do caseiro.

2.14. - À vista de toda a gente

2.15. - Ininterruptamente.

2.16. - Sem oposição de ninguém (Facto modificado pelo Tribunal da Relação).

2.17. - Em finais de 2008, a 1ª Ré foi aos poucos deixando de cultivar os campos.

2.18. - Por ter escassez de água para rega.

2.19. - Por não ter quem a ajudasse e por ir deixando de ter força de braços para tal

2.20. - Existe documento designado por “Contrato de Arrendamento”, assinado com os nomes KK e II com o seguinte teor:

«Entre os herdeiros de JJ e (FF) II, se celebra um contrato de arrendamento da Quinta do ..., na freguesia de ..., concelho de .... Nos seguintes termos:

O caseiro fica com a obrigação de pagar anualmente pelo São Miguel – 29 de Setembro – de cada ano, o seguinte:

80 (oitenta) rasas de milho.

7 (sete) rasas de feijão branco.

Vinho, a meias.

Fruta, a meias.

Aguardente, a meias.

Lenha da quinta, a meias.

Sulfato, a pagar a meias.

O caseiro fica com a obrigação de fazer a sulfatação da quinta e a reserva desta.

A água da mina é serventia dos senhorios e dos caseiros, não podendo ser modificado o sistema em vigor.

O caseiro fica obrigado a respeitar e receber ordens da Snrª. D. LL, que é a pessoa encarregada pelos senhorios de zelar os seus interesses na propriedade

Este contrato é feito em triplicado.

..., 15 de Outubro de 1987»

2.21 - Depois da morte de JJ, um dos seus herdeiros, o KK, e o marido da 1ª Ré, II, subscreveram ambos, assinando-o, o documento junto a fls. 101 e 102, dos autos, datado de Outubro de 1987 e intitulado de “Contrato de Arrendamento”, e cujo conteúdo é o que consta do item 2.20. do presente Acórdão” (Facto acrescentado pelo Tribunal da Relação).

B. FACTOS NÃO PROVADOS

21.- Os antepossuidores dos imóveis referidos em 1. tivessem pago as referidas contribuições.

22. - Os AA, por si e antepossuidores, ocupem e usem os prédios referidos em 1.

23. - Neles plantando e colhendo cereais e vinha e roçando matos.

24. - Há mais de 15, 20, e 30 anos

25. - Com o conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente dos vizinhos e dos próprios Réus.

26. - À vista de toda a gente.

27. - Sem oposição de ninguém.

28. - Continuadamente.

29. - Com a consciência de não lesar o direito de quem quer que seja.

30. - Como se donos fossem.

31. - Os segundos e terceiro RR. ocupem os prédios referidos em 1, lá vivendo e agricultando as respectivas áreas rústicas, circulando no seu interior, de e para a via pública, consentindo que outras pessoas assim circulem e que tenham instalado um cão bravo que impede a entrada dos AA. no local.

32. - Em Dezembro de 1986, a 1ª Ré CC e o seu marido II declararam tomar de arrendamento a JJ, que declarou dar de arrendamento, a denominada “Quinta do ...”, sita na actual Rua …, …, ..., ...

33. - O pagamento acordado entre a primeira R. e o seu marido e MM tivesse de ocorrer pelo S. Miguel.

34. - Depois da morte de JJ, os herdeiros desta, celebraram com o marido da 1ª Ré, II, contrato de arrendamento da Quinta do ....

35. - A primeira R. e o seu falecido marido tivessem continuado a pagar a renda nos moldes habituais e tivessem feito obras de melhoramento.

            III – Fundamentação de direito

            I e II - Condenação em multa e junção de documento

           Em relação à condenação dos autores em multa e ao indeferimento da junção de documento, o recurso de revista não é admissível, por falta de verificação dos requisitos exigidos pelos n.ºs 1 e/ou 2 do art. 671º do CPC, ou seja, não se trata de decisão relativa ao mérito da causa ou que ponha termo ao processo, mas de decisões interlocutórias que recaem unicamente sobre a relação processual e não se verificam as exceções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 671.º do CPC.

           Contudo, em relação ao alegado pelos recorrentes, sempre se dirá o seguinte:

I – Condenação dos autores em multa

Alegam os autores que foram condenados, pelo tribunal de 1.ª instância, em multa de 1 UC cada um por falta de comparência na audiência de julgamento para prestar depoimento de parte e que consideram essa decisão errada porque o juiz pressupôs que os autores foram notificados para o efeito, apenas porque dos autos constam dois envelopes fechados que lhes foram dirigidos, não sabendo o juiz o conteúdo da notificação, pois não abriu os envelopes. Ora, residindo os autores no estrangeiro, residentes a título permanente em …, Ilha de ..., nunca seriam obrigados a comparecer no tribunal (art. 556.º, n.º 2do anterior CPC e art. 456.º, n.º 2 do NCPC), mas apenas a depor por videoconferência. O acórdão recorrido, decidindo que o despacho de condenação em multa é irrecorrível e mantendo a multa, violou o prescrito no art. 644.º n.º 2, al. e) do CPC, não podendo manter-se esta decisão. 

Vejamos:

Relativamente ao despacho do juiz de recusa em abrir os envelopes por se tratar de diligência inútil, entendemos, como se decidiu no acórdão recorrido, que se trata de um despacho de mero expediente destinado a prover ao andamento regular do processo ou proferido no uso legal de um poder discricionário porque incide sobre matéria confiada ao prudente arbítrio do julgador, nos termos do arts. 630.º, n.º 1 e 152.º, n.º 4 do CPC. Trata-se de um despacho que disciplina, nos termos do nº1, do artº 6º, do CPC, o andamento e tramitação do processo, e, por isso, não interfere no conflito de interesses entre as partes, razão pela qual não admite recurso.

Relativamente à condenação em multa, defende Salvador da Costa (Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013, 5.ª Edição, Almedina, pp. 332-333), diferentemente do entendimento do acórdão recorrido, que da decisão de condenação em multa, e independentemente do respectivo valor, cabe sempre recurso.

O acórdão recorrido entendeu que o art. 644.º do CPC, do nº2, al. e) ao afirmar que cabe recurso de apelação da decisão que condene em multa, não significa um qualquer alargamento da recorribilidade, antes se exigindo que a decisão de condenação, para ser suscetível de recurso, seja acompanhada pela verificação de todos os demais pressupostos objetivos e subjetivos de recorribilidade, maxime dos indicados no nº1, do artº 629º, do CPC: que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e que a decisão seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do referido tribunal.

Como informa o acórdão recorrido, tem sido entendimento perfilhado de forma praticamente unânime pelos tribunais de segunda instância, que, “(…) a decisão condenatória será recorrível, nos termos gerais do disposto no artigo 629.º, n.º 1, do CPC, isto é, desde que o valor da causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e que a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal”.

Ora, no caso sub judice, a condenação dos Autores no pagamento de multa assenta em disposição legal que a prevê (art. 417.º,n.º2, do CPC), e não se mostram reunidos todos os pressupostos de recorribilidade gerais do artigo 629.º, n.º 1, do CPC, isto é, a decisão impugnada não é desfavorável aos recorrentes em valor superior a metade da alçada do tribunal.

No mesmo sentido, defende Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 157): «por conseguinte, apenas se admite recurso das decisões que apliquem multa ou sanção processual cujo valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e que, além disso, sejam proferidas em processos cujo valor exceda a alçada desse tribunal, com excepção das multas aplicadas ao abrigo da litigância de má fé, em que o recurso é independente do respectivo valor».

Sendo assim, bem andou o tribunal recorrido em entender que o recurso não é admissível.

Improcedem as conclusões 1.ª, 2.ª e 6.ª da alegação de revista dos recorrentes.

            II – Junção de documento

    Afirmam os recorrentes que, durante a audiência de julgamento, a 1.ª ré, CC, confessou ter sido indemnizada pelos anteriores proprietários, tendo os autores, entendido que era necessário apurar se essa indemnização respeitava ou não a uma compensação pela rescisão do arrendamento. Para o efeito, requereram a junção aos autos de um documento subscrito pelo falecido marido da depoente e pelo anterior proprietário do imóvel, onde se comprovava esse pagamento, pedido que o tribunal indeferiu com o argumento que a junção era extemporânea, pois o documento, sendo datado de 17 de julho de 2003, podia ter sido junto logo com a petição, segundo o art. 423, n.º 3 do CPC.

Os autores recorreram dessa decisão, mas o acórdão recorrido manteve a decisão de 1.ª instância, com base no argumento de que o documento só teria utilidade no âmbito da fixação da matéria de facto, pelo que os autores, apesar de a decisão do tribunal de instância lhes ter sido favorável, deveriam ter impugnado essa fixação a título subsidiário.   

Discordando dos argumentos utilizados pelas instâncias, defendem os recorrentes, que, quando requereram a junção do documento, o fizeram sem tributação acidental e justificaram o requerimento nos termos do n.º 3 do art. 423.º do CPC, “atenta a circunstância de ser determinada a junção pelo depoimento que vem sendo feito”.

A reforma do Código de Processo Civil de 2013 veio na redação do art. 423.º, n.º 2 alterar o estatuído no anterior 523.º, n.º 2, antecipando o momento até ao qual se admite a junção de documentos em momento posterior ao do articulado inicial. Esse momento passa a ter como limite, após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, enquanto a anterior redação afirmava que a junção do documento podia ser feita até ao encerramento da discussão em 1.ª instância. Contudo, uma vez que os autores requereram a junção do documento já durante a audiência de julgamento, teriam de observar os requisitos do n.º 3 para que a junção fosse aceite.

Dispõe a norma do n.º 3 do art. 423.º do CPC que «Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior», devendo entender-se que sobre os requerentes recai o ónus da prova destas situações. 

As instâncias decidiram não aceitar a junção do documento, entendendo que o ónus da prova da justificação da entrega tardia do documento não foi cumprido pelos requerentes.

A decisão do acórdão recorrido, relativa à junção de documento, resultou de uma apelação autónoma intentada contra uma decisão intercalar do tribunal de 1.ª instância, nos termos do art. 644.º, n.º 2 do CPC, pelo que não admite revista, dado que não estamos perante um caso em que o recurso seja sempre admissível, nos termos do art. 629.º, n.º 2 do CPC nem existe em relação à questão colocada uma contradição jurisprudencial ainda não superada (art. 671.º, n.º 2 do CPC). Por outro lado, sempre se dirá que, nesta fase do processo, seria inútil aos requerentes a junção requerida. O documento tem natureza particular e está submetido ao princípio da livre apreciação da prova, não podendo este Supremo Tribunal alterar a matéria de facto a não ser nos casos de prova vinculada.

             

Pelo exposto, improcede as conclusões 3.ª, 4.ª e 5.ª da alegação de recurso dos recorrentes.

            III – Nulidade do acórdão recorrido por contradição entre os fundamentos e a decisão quanto à matéria de facto 

3.1. - A propósito da decisão de alteração da matéria de facto, invocam os recorrentes que o acórdão recorrido, na parte em que aditou os factos descritos a 2.20, os quais remetem para o contrato de arrendamento junto aos autos a fls. 101 e 102 e afirmam que este contrato foi subscrito pelo marido da ré e por um dos herdeiros da antiga proprietária, incorre em nulidade por contradição entre a decisão e os seus fundamentos, pois, apesar de ter afirmado que tinham sido ouvidos «todos os outros depoimentos testemunhais prestados em audiência» para além dos indicados na alegação da recorrente, não referiu, no fundamento da alteração à matéria de facto, o depoimento do anterior proprietário do prédio em litígio, sendo certo que deste depoimento consta que este, antes de vender o prédio aos autores, convencionou com a ré e o seu marido que estes deixassem de ser arrendatários da quinta, mediante avultada indemnização (15.000,00 euros).   

3.2. - Relativamente à nulidade do acórdão recorrido (art. 615.º, al. c) do CPC), importa afirmar que a causa de nulidade invocada pelos recorrentes só se verifica quando a contradição é insanável, não bastando para o efeito qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão, conforme tem decidido a doutrina e a jurisprudência.

 Como afirma Amâncio Ferreira (Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 56), a contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 615º (anterior artigo 668.º) verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Esta tese tem sido também aceite pela jurisprudência, conforme, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 30-05-2013, relatado pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues, proc. n.º 660/1999.P1.S1, e de 02-12-2013, relatado pelo Conselheiro Bettencourt de Faria, proc. n.º 110/2000.L1.S1)

Para além disto, o Tribunal recorrido, na sua fundamentação da matéria de facto, não está obrigado a ponderar ou a usar todos os testemunhos que foram ouvidos. No exercício do seu poder de livre apreciação da prova, pode atribuir peso decisivo a um testemunho e não atribuir peso a outros, não constituindo, portanto, a falta de referência a este testemunho do anterior proprietário qualquer ilegalidade ou causa de nulidade, mas uma opção do acórdão recorrido ao abrigo dos poderes que lhe são atribuídos por lei, semelhantes. Conforme tem sido decidido, neste Supremo Tribunal «A Relação, ao reponderar as provas registadas, deve ter em conta o conteúdo das gravações, que, contudo, irá valorar com a liberdade que lhe é conferido pelo artigo 655.º, tendo a possibilidade de formar uma convicção diferente da alcançada pela instância que a precedeu, mau grado as limitações resultantes da ausência de verdadeira imediação» (cf. acórdão de 02-02-2010, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, proc. n.º 1159/04.3TBACB.C1); «1. Se a Relação reaprecia a prova ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, fá-lo livremente formando a sua convicção acerca de cada facto questionado, tal como a 1.ª instância, nos termos do artigo 655.º do Código de Processo Civil» (Acórdão de 13-11-2012, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, proc. n.º 10/08.0TBVVD.G1.S1).

Deve entender-se que a Relação usa corretamente os seus poderes de alteração da matéria de facto quando centra a sua argumentação no depoimento de algumas testemunhas, às quais atribuiu mais peso do que a outras, desde que especifique os depoimentos em que se baseou e esclareça os destinatários da decisão sobre o raciocínio e os motivos em que se fundou para alterar a matéria de facto.

Ora, o tribunal recorrido refere os elementos de prova que serviram de base à sua convicção, deu a conhecer as ilações e os raciocínios em que esta assentou, especificando o conteúdo dos depoimentos que valorou e descrevendo o processo mental a que obedeceu a reapreciação das provas, pelo que não se verifica qualquer vício de fundamentação ou contradição entre a fundamentação e a decisão.

Sendo assim, improcedem as conclusões 10.ª, 12.ª a 14.ª da alegação de recurso dos recorrentes.

IV) Alteração da matéria de facto

  

Ainda no que respeita à matéria de facto, alegam os recorrentes que não podia o acórdão recorrido ter fixado os factos n.º 2.20 e 2.21, pois estes se encontram em contradição com o que a ré alegou no art. 25.º da contestação (“depois da morte daquela JJ, os herdeiros desta celebraram com o marido da 1.ª ré II novo contrato de arrendamento da mesma quinta”) e com o que consta do depoimento do anterior proprietário GG, solicitando a alteração da matéria de facto constante desses factos 2.20 e 2.221 para: a)Depois da morte de JJ, um dos seus herdeiros, o KK, declarando fazê-lo por si e em nome dos demais herdeiros da mesma, e o marido da 1.ª Ré II, subscreveram ambos, assinando-o, o documento junto a fls. 101 e 102 (…)” e b) “Depois da morte de JJ, um dos seus herdeiros, o KK, declarando fazê-lo por si e em nome dos demais herdeiros da mesma, e o marido da 1.ª ré II, subscreveram ambos, assinando-o, o documento junto a fls. 101 e 102 dos autos, (…) e cujo conteúdo é o que consta do item 2.20 do presente Acórdão”.

Alega, ainda, que deve acrescentar-se à mesma matéria de facto um ponto novo, 2.22, com a seguinte redação: «2.22 O contrato referido no item 2.21 foi rescindido e dado sem efeito, após pagamento de uma indemnização, pelo então proprietário da Quinta do ..., GG, e pela arrendatária CC».

Pretendem os recorrentes que este Supremo acrescente um facto novo que dê por provado a rescisão do contrato de arrendamento e o pagamento de uma indemnização à ré pelo antigo proprietário com base no documento de julho de 2003, no qual alegadamente se refere que a autora terá recebido do antigo proprietário, marido da ré, já falecido, uma indemnização pela cessação do contrato de arrendamento.

Contudo, em primeiro lugar, em relação ao conteúdo do documento citado, este Supremo considerou válida a decisão das instâncias de não admitir a junção do documento, e, em consequência, não poderá tomar conhecimento do mesmo nem proceder à alteração da matéria de facto requerida.

Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Outubro de 2015 (proc. n.º 6626/09.0TVLSB.L1.S1), relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Beleza:

«O Supremo Tribunal de Justiça não pode substituir-se ao Tribunal da Relação de Lisboa (…) na apreciação dos documentos em si mesmos. (…). (…) desde logo porque a apreciação dos documentos está dependente da sua admissão; para além disso, sempre subsistiria o obstáculo resultante do disposto nos actuais artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, que limitam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da matéria de facto, ao conhecimento de eventuais ofensas de disposições legais expressas quanto à exigência de “certa espécie de prova para a existência do facto” ou que fixem “a força de determinado meio de prova”. Não estamos perante nenhuma dessas duas hipóteses.

No recente acórdão de 9 de Julho de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 284040/11.0YIPRT.G1.S1, recordou-se o seguinte: “Significa isto (cfr., apenas a título de exemplo, o acórdão de 27 de Setembro de 2007, www.dgsi.pt, proc. nº 07B2028 e jurisprudência nele citada, ou ainda o acórdão de 16 de Janeiro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 695/09.0TBBRG.G2.S1) que é preciso que o tribunal recorrido tenha ofendido “uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” para que, na revista, o Supremo Tribunal possa corrigir qualquer “erro na apreciação das provas” ou na “fixação dos factos materiais da causa” (acórdão de 27 de Setembro de 2007 cit. e acórdão de 8 de Maio de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 3036/04.9TBVLG.P1.S1 e jurisprudência indicada); nessa eventualidade, está ainda em causa a correcção da aplicação de regras de direito, relativas à admissibilidade ou ao valor (abstractamente fixado) dos meios de prova, e não a apreciação dos factos”».

            Assim, está fora dos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal conhecer deste documento e alterar em consonância a matéria de facto. Trata-se de matéria de livre apreciação da prova, que escapa ao controlo do Supremo Tribunal. Note-se que o tribunal de 1.ª instância, afirma não ter conseguido apurar a razão da entrega de dinheiro do anterior proprietário à 1.ª Ré e ao seu falecido marido, mas cita testemunhas (uma delas irmã do antigo proprietário da Quinta e que tratou da venda aos autores), a cujo depoimento atribuiu valor por ser objetivo e concreto, que afirmam que o pagamento feito pelo anterior proprietário à ré e falecido marido não teve por finalidade indemnizá-los pela cessação do contrato de arrendamento, mas apenas obter a autorização destes para que aquele pudesse construir apartamentos em parte da Quinta.  Não estando em causa documento autêntico nem prova vinculada, que demonstre a tese dos recorrentes, por exemplo, confissão, não pode este Supremo Tribunal alterar os factos provados tal como resultaram da livre apreciação das instâncias.

Relativamente à questão da legalidade da alteração da matéria de facto feita pelo Tribunal da Relação e aos poderes do Supremo Tribunal nessa matéria,  a jurisprudência tem afirmado o seguinte:  

«Como se pressupõe no recurso, quando tal suceda, isto é, quando a Relação tenha procedido a alteração da matéria de facto, o Supremo não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes nesse campo, pois que, como dito, em causa está averiguar se houve violação da lei, designadamente dos critérios legais fixados no art. 712.º-1 CPC e dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório. Trata-se, então, de "verificar da correcção do método discursivo de raciocínio" e, em geral, saber se esses critérios se mostram respeitados, produzindo alteração factual, examinando a questão estritamente do ponto de vista da legalidade, tudo aquém do campo da apreciação das questões de facto que os arts. 721º-2 e 722º-2 vedam ao recurso de revista» (acórdão de 12-9-2006, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, no proc. 1994/06).

«No uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo art. 712º do CPC, a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova» (acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, 14-02-2012, Relator: Alves Velho, proc. n.º 6283/09.3TBBRG.G1.S1)

Nos casos em que o Tribunal da Relação fixa a matéria de facto com base no princípio da livre apreciação da prova, como no caso sub judice, escapa aos poderes deste Supremo Tribunal sindicar a perceção e a compreensão dos meios de prova captados e utilizados pelo tribunal recorrido, ou seja, o sentido e a inteligibilidade que desses meios de prova o julgador captou para obter o resultado probatório que consignou na matéria de facto.

Acrescente-se ainda que a reforma do Código de Processo Civil de 2013 teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o actual Código de Processo Civil. Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto, mantendo o dever de análise crítica da prova produzida e de fundamentação da decisão.

A restrição dos poderes do Supremo Tribunal na fixação da matéria de facto justifica-se pela necessidade de certeza e de segurança jurídica para a aplicação do direito por este Supremo Tribunal e para evitar que as decisões judiciais sejam indefinidamente sindicáveis.

Sobre os poderes do Supremo em relação à matéria de facto, veja-se a orientação seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal:

Acórdão de 13-11-2012, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas (processo n.º 10/08.0TBVVD.G1.S1):

«1. Se a Relação reaprecia a prova ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, fá-lo livremente formando a sua convicção acerca de cada facto questionado, tal como a 1.ª instância, nos termos do artigo 655.º do Código de Processo Civil.

 (…)

5. O Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de revista, limita-se a aplicar o direito aos factos materiais que as instâncias fixaram, não podendo sindicar essa fixação salvo nas situações excepcionais dos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

6. Mas pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto já que se tal for feito ao arrepio do artigo 712.º, do Código de Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito».

Estão assim subtraídos à apreciação os meios de prova sem valor tabelado, relativamente aos quais a última palavra pertence à 2.ª instância; e também o controlo da interpretação de declarações negociais, no que se refere à determinação do sentido da vontade real dos intervenientes, por se tratar de questão ainda situada no domínio dos factos; apenas lhe é permitido avaliar a aplicação dos critérios legais de interpretação.  

Ao Supremo Tribunal está vedada a possibilidade de sindicar a decisão de facto quando o tribunal inferior toma como referente decisional prova não vinculada ou não ofenda regras de produção de prova que a lei prescreva. Tendo as instâncias laborado a decisão de facto num conspecto de livre apreciação da prova escapa ao Supremo Tribunal sindicar a perceção e a compreensão dos meios de prova captados e utilizados, ou seja o sentido e a inteligibilidade que desses meios de prova o julgador captou  para obter o resultado probatório que consignou na decisão de facto. A decisão de facto fundada em meios de prova que devam ser apreciados livremente pelo tribunal, pelo razoamento e capacidade de inteligibilidade pessoal-institucional a que estão sujeitos, desde que não violem as regras estipuladas para a sua produção em tribunal, não podem ser escrutinados pelo Supremo Tribunal. Tal poder conduziria a criar uma volatilidade nos mecanismos de produção e aquisição de prova para o processo que tornariam as decisões infinitamente sindicáveis e sem certeza relativa quanto a um dos suportes decisórios, ou seja, uma decisão de facto performativa da aplicação do direito. «A criação de um espaço de certeza e de segurança para a aplicação do direito pelo Supremo Tribunal impõe que se confira à decisão de facto, consolidada pelas instâncias numa livre apreciação da prova não vinculada, um valor de certeza probatória e de pressuposto referencial incontornável» (acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2015, relatado pelo Conselheiro Gabriel Catarino, proc. n.º 752/04.9TBEPS.P1.S1). 

Em face do exposto, não pode este Supremo Tribunal reapreciar o testemunho do anterior proprietário para proceder à alteração dos factos 2.20 e 2.21. Tais factos resultaram de uma apreciação conjunta da prova testemunhal e documental a que procedeu o tribunal recorrido, que este Supremo Tribunal não pode sindicar.

Em consequência, improcedem as conclusões 15.ª a 18.ª da alegação de recurso dos recorrentes.

V – Anulação da decisão recorrida e ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 682.º, n.º 3 do CPC

Pediram ainda os recorrentes que, caso se venha a entender que a matéria de facto não pode ser corrigida, acrescentando-se o ponto 2.22, seja então anulada a decisão recorrida, para em novo julgamento em 1.ª instância a matéria em causa ser objeto de prova, já que fora alegado pelos autores que “compraram os seus prédios inteiramente livres de qualquer arrendamento rural ou outro de quaisquer arrendatários”.

Tem- se entendido que o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 682.º, n.º 3 do CPC, pode exercer uma função de sindicância ex officio sobre a matéria de facto, pois é imprescindível para a sua função de proceder ao julgamento de direito, que a lei lhe comina, que esteja munido de todos os factos, necessários e suficientes, para o fazer. Assim, pode anular a decisão recorrida e ordenar a ampliação da matéria de facto, quando entenda «que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito» (art. 682.º, n.º 3 do CPC).    

Nos termos da jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, «A faculdade contida no mencionado art.º 729, n.º 3 é para ser exercida quando as instâncias seleccionem imperfeitamente a matéria de facto, amputando-a, assim, de elementos que consideram dispensáveis mas que se verifica serem indispensáveis para o STJ definir o direito» (acórdão deste Supremo Tribunal, de 14-05-2002, relatado pelo Conselheiro Miranda Gusmão, proc. n.º 02B4021).

Resulta, assim, limitada a possibilidade de o Supremo Tribunal, em sede recurso de revista, sindicar ou escrutinar a decisão de facto adquirida pelas instâncias. O Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá sindicar a decisão da matéria de facto se esta revelar uma incompletude proposicional para sustentar uma decisão de direito ou nos casos inseridos nos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º, n.ºs 1 a 3, ambos do Código Processo Civil.  

Uma vez que na matéria de facto fixada pelas instâncias não se encontra qualquer contradição que inviabilize a decisão jurídica do pleito, nem esta é insuficiente para julgar a questão de direito, não se verificam os pressupostos exigidos pelo art. 682.º, n.º 3 do CPC (antigo art. 729.º, n.º 3) para que o Supremo decida a anulação da decisão recorrida e a repetição do julgamento em relação aos concretos pontos de facto indicados, para ampliação da matéria de facto.

Sendo assim, improcede a conclusão 19.ª da alegação de recurso dos recorrentes.

VI – Oponibilidade, ao novo proprietário do imóvel, do contrato de arrendamento rural assinado apenas por um dos herdeiros comproprietários

6.1. O Tribunal da Relação decidiu pela revogação da sentença de 1.ª instância no segmento em que condenou a Ré CC a entregar, de imediato, aos Autores o imóvel referido na al. a) do n.º 1 da presente condenação, dele retirando todos os bens, objetos e animais. No mesmo sentido, no tocante  ao pedido reconvencional da 1.ª Ré, o Tribunal da Relação considerou-o procedente, declarando, em consequência, que a 1.ª Ré não está obrigada a restituir o imóvel aos Autores, por estar legitimada a sua ocupação, ao abrigo de um contrato de arrendamento rural celebrado com um dos anteriores proprietários.

Para a sentença do tribunal de 1.ª instância, o contrato de arrendamento invocado pela 1.ª Ré, apesar de existir, não era porém oponível aos Autores, pois, à data da respetiva outorga, o direito de propriedade do locado pertencia, em comum e sem determinação de parte ou direito, aos herdeiros de NN e de JJ, e o contrato de arrendamento referido foi celebrado, para todos os efeitos, por apenas um dos herdeiros, o KK, na qualidade de locador.

Conclui-se na sentença apelada que, em relação ao atual proprietário da Quinta do ..., este contrato não pode considerar-se válido nem nulo, mas apenas como inexistente visto ser res inter alios acta. Ele é, assim, inoponível aos Autores, não podendo do mesmo valer-se a 1.ª Ré para obstar à entrega da coisa locada.

  

Já o Tribunal da Relação entendeu que a recusa da Ré em entregar o imóvel que ocupava é lícita, porque ancorada em título válido e idóneo para os efeitos pretendidos, rejeitando a tese do tribunal de 1.ª instância.

O fundamento aduzido pelo Tribunal da Relação, que se passa a transcrever, foi o seguinte:

               «Isto dito, tudo conjugado, mostrando-se o arrendamento dos autos subscrito por um só dos diversos (o consorte KK) titulares - à data - do gozo do imóvel locado, e não se olvidando que o normativo em apreço - que não se refere tão só às situações de compropriedade, incluindo outrossim na sua previsão a cedência do gozo de qualquer prédio indiviso, feita pelos consortes desses direitos, como v.g. os herdeiros de herança indivisa - , inevitável e forçoso é que o thema decidendum deva in casu ser resolvido à luz do disposto no artº 1024º, do Código Civil [ cuja epígrafe refere A locação como acto de administração ], que não em sede do regime que resulta do disposto no artº 1408º, do Código Civil [o qual trata especificamente duas hipóteses distintas, a saber, a disposição ou oneração da quota ou de parte dela  e a disposição ou oneração de parte especificada da coisa comum, sendo que a ambas acresce uma terceira, que é a disposição ou oneração de toda a coisa comum, a qual tanto pode ser feita por todos os consortes, como em termos factuais, por um ou alguns deles apenas].

É que, como é consensual nesta matéria a doutrina e a jurisprudência, o normativo do artº 1024º, do Código Civil, integra uma norma especial para os arrendamentos de prédios indivisos, afastando portanto a aplicação da regra geral do art. 1408º relativa à administração das coisas comuns.

               Aqui chegados, recorda-se que o artº 1024º, do Código Civil, com a redacção vigente à data da outorga do contrato ora em apreço, rezava que:

1. A locação constitui, para o locador, um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a seis anos.

2. Porém, o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se considera válido quando os restantes comproprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento; se a lei exigir escritura pública para a celebração do arrendamento, deve o assentimento ser prestado por igual forma.”

Importando de seguida ajuizar da natureza do vício que afecta o contrato de locação outorgado por apenas um dos consortes, e ao qual se refere o nº2, do normativo acabado de transcrever, consabido é que diversos (26) são os entendimentos em confronto, considerando uns que em causa está uma nulidade do contrato sujeita a um regime especial [porque susceptível de confirmação, e, ademais, apenas invocável pelos consortes não participantes no acto - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela],  e, outros, que a sanção é de ineficácia stricto sensu, sendo o negócio ineficaz em relação aos demais consortes que nele não tenham intervindo, e enquanto para tanto não derem o seu assentimento  [ cfr. v.g. Vaz Serra, Pinto Furtado e Rui de Alarcão] .

Seja como for, e tal como o reconhece Pinto Furtado, a verdade é que são essencialmente os mesmos os efeitos práticos dos dois entendimentos, só divergindo o enquadramento dogmático em que se fundam, ou , dito de uma outra forma, “ a diferença entre as duas posições não importa consequências
práticas diferentes
visto que a nulidade do negócio ou o reconhecimento da sua ineficácia estão sempre dependentes da invocabilidade pelos consortes não participantes no acto”.

É assim que, se para quem defende estar-se perante o vício de  nulidade do contrato sujeita a um regime especial, só pode ele ser invocado pelos consortes não participantes no acto, outrossim no âmbito da ineficácia - do arrendamento - é esta última relativa, pois que verifica-se apenas em relação a certas pessoas - os demais consortes - , só eles podendo defender que lhes é inoponível o negócio, não relevando sequer que haja sido celebrado com observância da forma legal.

No essencial, e em termos conclusivos, dir-se-á que [e ademais porque não se inspira o nº2, do artº 1024º, do CC, em razões de interesse e ordem pública, pois que visa tal normativo, tão-somente, a defesa dos direitos particulares dos demais consortes do prédio arrendado] o contrato celebrado entre o consorte-locador e o arrendatário não é nulo nem sequer anulável, é antes plenamente válido, produzindo os seus efeitos entre os contraentes, mas, já em relação aos restantes comproprietários ou consortes, não intervenientes, o contrato é ineficaz, não produzindo efeitos.

Por fim, e no que ao assentimento a que o nº2 do artº 1024º se reporta, e tal como o referem Pires de Lima e Antunes Varela, tem ele a natureza duma confirmação ( cfr. artº 288º), não exigindo a lei que seja manifestado de forma expressa, sendo de resto frequente a confirmação tácita, resultante do recebimento da quota parte que cabe ao consorte na renda paga pelo locatário,  ou , para quem alinha pela tese da ineficácia,  e seja superveniente ou sucessivo, terá então a natureza ou carácter de uma ratificação, que não de uma confirmação, pois que, esta última sana um negócio afectado na sua validade, embora eficaz, e , naquela, sana-se um negócio válido, mas ineficaz.

Postas estas breves considerações, e permitindo as mesmas, doravante, subsumir com melhor apoio os factos ao direito aplicável, e com interesse para a aferição da eventual existência do assentimento a que alude o nº2, do artº 1024º, do CC,  resta atentar/recordar  que, para o efeito, resulta provado dos autos que :

- A Ré CC nasceu no dia .. de … de 1937, e , em 04 de Outubro de 2005, morreu o II, no estado de casado com a referida Ré CC ;

- A Ré CC ocupa o prédio misto referido em 2.1., conhecida pela Quinta do ... e que é composta de terrenos ou campos de cultivo, e de casa do caseiro (de rés-do-chão, com diversos anexos e eira), o que vem sucedendo desde 1986, nele habitando, e agricultando as respectivas áreas até finais de 2008 ;

- No prédio referido, vem a CC, e desde finais de 1986, circulando no seu interior, de e para a via pública, e consentindo que outras pessoas assim circulem também;

- Desde finais de 1986 a 1ª Ré CC e o seu já falecido marido II cultivavam os campos e habitavam a casa do caseiro, com os seus filhos, contra o pagamento anual de rasas de milho e de feijão, vinho, fruta, aguardente e lenha da quinta;

- Após a venda da quinta (do ...) pelos herdeiros de JJ ao GG, o II e a 1ª Ré CC continuaram a cultivar os campos e a habitar a casa do caseiro, o que ocorreu à vista de toda a gente,  ininterruptamente e sem a oposição de ninguém ;

- Apenas em finais de 2008, a 1ª Ré foi aos poucos deixando de cultivar os campos, em razão da escassez de água para rega e por não ter quem a ajudasse, e ainda por ir deixando de ter força de braços para tal, mantendo-se porém a habitar a casa do caseiro.

Ora, aqui chegados [e não olvidando que à data da respectiva outorga não estava o arrendamento provado nos autos obrigatoriamente sujeito a escritura pública - vide artº 3º, da Lei nº 76/77, de 29/9, e artº 1029º, do CCivil, com a redacção vigente em 1987], na sequência da apreciação em conjunto de toda a factualidade provada e acabada de recapitular, e ainda que ancorada em mera presunção judicial (lícita, nos termos do artº 349º, do CC), tudo aponta para que os consortes não outorgantes do contrato de arrendamento provado nos autos se quedaram durante cerca de duas décadas [até a transmissão do prédio locado a GG, em 2003- cfr. doc. de fls. 293] por uma atitude totalmente passiva com referência à ineficácia da locação que o KK formalizou - desacompanhado dos demais consortes - por escrito em 1987.

Na verdade, e reconhecendo-se que da factualidade provada não decorre, pelo menos de uma forma expressa, que tiveram os consortes não outorgantes, cabal conhecimento da existência e outorga pelo KK do arrendamento formalizado em 1987, é para nós todavia incontornável que a ocupação e o gozo do imóvel locado pelo arrendatário durante cerca de duas décadas, necessariamente acompanhados da prática reiterada - pelos arrendatários - e com publicidade de actos de usufruição dirigidos para os campos e casa do caseiro do locado, e contra o pagamento anual de rasas de milho e de feijão, vinho, fruta, aguardente e lenha da quinta , é algo que “casa mal” com a convicção de que os demais consortes permaneceram sempre na ignorância da existência de um arrendamento celebrado pelo seu consorte.

Por outra banda, e só por si, não pode igualmente o decurso do referido tempo, porque relevante e significativo, e durante o qual o arrendamento produziu os respectivos e normais/legais efeitos, sem qualquer oposição, deixar de equivaler a uma manifestação tácita (cfr. artº 217º,nº1, do Cód. Civil) de assentimento dos demais consortes, nos termos e para os efeitos do nº2, do artº 1024º, do Código Civil, pois que, como se decidiu em Ac. do STJ de 30/4/2002, do decurso incontestado de tão longo prazo de vigência do contrato e sem que tenha sido promovida a cessação do subjacente status quo, lícito é concluir-se que, com toda a probabilidade, os demais consortes não outorgantes com ele se conformaram, ou seja, manifestaram o seu assentimento.

Neste conspecto, como que perfilhando idêntica conclusão e raciocínio, e tendo por objecto um arrendamento que perdurou sem qualquer incidente durante cerca de 16 anos, recorda-se que recentemente decidiu o STJ que um tal quadro fáctico integra, sem dúvida, “uma actuação que cai na previsão da norma especial para arrendamento de prédios indivisos constante do artigo 1024º nº 2 e na qual se verifica um posterior consentimento tanto do outro comproprietário como dos co-herdeiros, consentimento que é, no caso, uma verdadeira ratificação/sanação juridicamente qualificável como confirmação nos termos e para os efeitos do artigo 288º CC.”

              Tudo visto e ponderado, e tendo presente o disposto no artº 1076º do CC, com a redacção vigente em 2005 (porque o arrendatário outorgante faleceu em Outubro de 2005, no estado de casado com a 1ª Ré), forçoso é que a questão essencial de que trata a apelação merece uma resposta positiva, a saber, nada obsta a que aos AA - os quais adquiriram em 2009 a propriedade do imóvel locado - possa a Ré recorrente opor o contrato de arrendamento que o marido II outorgou em 1987 com o consorte KK.

            Acresce que, porque como vimos supra, quer em sede de nulidade do contrato sujeita a um regime especial, quer de ineficácia relativa, só os consortes não participantes no acto dispõem de legitimidade para invocar a inoponibilidade do negócio, sempre impedidos estariam in casu os AA ora apelados, porque não colocados na posição de consortes/comproprietários, de aproveitar-se sequer da inoponibilidade do negócio».

6. 2. a) Invocam os recorrentes que, mesmo aceitando-se que tenha sido celebrado um contrato de arrendamento em 1987, seria de averiguar se o contrato subsistia à data da propositura da ação, 10 de julho de 2012. b) Alegam ainda que estava demonstrado por confissão da ré e por declaração da testemunha GG que este pagara àquela e ao falecido marido uma indemnização destinada a pôr fim ao contrato invocado pela ré. c) Invocam também, que, devendo considerar-se provado que o referido contrato apenas foi assinado por um dos consortes de uma das heranças proprietárias da Quinta, invocando a representação dos demais consortes de uma das heranças, tal contrato não podia produzir efeitos em relação a qualquer dos outorgantes, por falta de poderes de representação de todos os consortes, nem em relação à outra herança, que nem sequer foi citada e cuja representação não foi invocada por aquele consorte. d) Consideram também os recorrentes que o acórdão recorrido não podia invocar a favor da decisão o disposto no art. 1024.º do Código Civil, pois este apenas se refere aos consortes que tenham poderes de administração do prédio indiviso, o que não foi alegado nem provado em relação ao outorgante que subscreveu o referido contrato, sendo certo que aquela norma, como norma excepcional que é, não pode estender-se ao consorte não administrador. e) Continuam os recorrentes, entendendo que o referido contrato só podia ter algum valor se tivesse sido reduzido a escrito, com intervenção de todos os herdeiros representativos de ambas as heranças (arts 3.º, n.º 4 e 42.º, n.º 2 da lei n.º 76/77, de 15-10 e arts 3.º, 4.º, e 35.º, n.º 5 do decreto-lei n.º 385/88, de 25-10), sob pena de não poder ser conhecido pelo tribunal.

6.3. Em relação à subsistência do contrato à data da propositura da ação, as instâncias deram como provado que este contrato de arrendamento não cessou, pelo que terá também este Supremo Tribunal de Justiça de partir deste pressuposto.

Não tendo sido aceite a junção do documento requerida pelos recorrentes não existe, no processo, qualquer confissão da autora no sentido da cessação do contrato de arrendamento por acordo com o anterior proprietário e tendo como contrapartida o pagamento de uma indemnização.

Indeferido o pedido de alteração da matéria de facto dos recorrentes relativo à alegação de o consorte que celebrou o contrato de arrendamento como senhorio não o ter subscrito por si, mas invocando a qualidade de representante dos herdeiros da JJ (mas não em nome da herança de NN), também não há que considerar, como pretendem os recorrentes, que o consorte subscreveu o contrato sem invocar poderes de representação da outra herança.

Na verdade, como afirmou o acórdão recorrido, da conjugação de toda a matéria de facto provada (cf. factos 2.13., 2.20 e 2.21), com a análise do teor dos documentos autênticos juntos aos autos a fls. 293 e 321 (certidões da Conservatória do Registo Predial de ...), conclui-se que, aquando da outorga do documento a que alude o facto 2.20, intitulado de “contrato de arrendamento, o prédio (“Quinta do ...”), objeto do negócio, era, à data (Outubro de 1987), detido em compropriedade, em partes iguais [½ era propriedade em comum e sem determinação de parte ou direito dos herdeiros, por sucessão por morte, de NN, e outra ½ era propriedade em comum e sem determinação de parte ou direito dos herdeiros, por sucessão por morte, de JJ.

Contudo, como esclarece o tribunal de 1.ª instância, na fundamentação da decisão da matéria de facto, o subscritor do contrato na posição de senhorio, KK, era herdeiro das duas comproprietárias da Quinta do ..., de JJ e de NN, tendo todos os herdeiros das duas heranças legitimidade, quer para invocar a ineficácia relativa do contrato, quer para o ratificar tacitamente.

Esta questão, todavia, não é relevante para a decisão do caso dos autos, onde apenas se discute a eficácia do contrato subscrito, no “lugar de senhorio”, por um dos herdeiros de JJ, o KK, em relação aos demais herdeiros daquela.

Resta-nos, então, tratar da questão jurídica da nulidade ou ineficácia do contrato de arrendamento subscrito apenas por um dos consortes à luz do regime descrito no art. 1024.º, n.º 2 do CC.

  

O acordo, celebrado em Outubro de 1987, conforme documento junto a fls. 101 e 102 dos autos, e intitulado de “Contrato de Arrendamento”, é um contrato de locação subsumível ao art. 1022.º do CC, como resulta da interpretação das declarações negociais ao abrigo do disposto nos arts. 236.º e 238.º do CC.

O tipo/natureza da retribuição fixada como contrapartida do gozo temporário da “Quinta do ...”, em géneros, era admitida pela lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, diploma que, em sede de regulamentação do arrendamento rural, admitia, nos arts 2.º e 9.º, a possibilidade de as partes fixarem expressamente a renda em géneros, e, bem assim, estipulava que o arrendamento abrangia, não apenas o terreno, como também as construções nele existentes e destinadas habitualmente não só aos fins próprios da sua exploração normal, mas também à habitação do arrendatário.

A norma aplicável para decidir a questão da validade e da eficácia do contrato de arrendamento dos autos é a do art. 1024.º do CC.

O art. 1024.º do Código Civil (A locação como ato de administração), na redação aplicável ao caso dos autos, dispunha o seguinte:

«1. A locação constitui, para o locador, um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a seis anos.

2. Porém, o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se considera válido quando os restantes comproprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento; se a lei exigir escritura pública para a celebração do arrendamento, deve o assentimento ser prestado por igual forma».

Invocam os recorrentes que, não constando da matéria de facto que o herdeiro que subscreveu o contrato fosse o consorte administrador, não pode aplicar-se o art. 1024.º do CC, que além dos mais, é uma norma excecional, a qual não comporta aplicação analógica (art. 11.º do CC).

Relativamente ao estatuto de administrador do consorte que subscreveu o contrato de arrendamento, é licíto ao Tribunal da Relação, através do uso de presunções judiciais e de regras de experiência, concluir, a partir do silêncio dos demais consortes durante quase duas décadas, que o consorte que celebra o contrato de arrendamento é o administrador da herança.

Esta presunção judicial é permitida pela lei (art. 351.º do CC), é lógica e está de acordo com a globalidade dos factos, pelo que não tem este Supremo Tribunal poder para a alterar, já que se trata de uma mera questão de facto.

Por outro lado, o art. 1024.º, n.º 2, não é uma norma excecional, como defendem os recorrentes, pois não se pode afirmar que consagre um regime diretamente oposto ao regime regra consagrado no art. 1408.º do CC e que manda aplicar o regime da disposição ou oneração de coisa alheia à alienação ou oneração de parte especificada da coisa comum. O art. 1024.º consagra um regime especial, meramente diverso ou diferente do regime do art. 1408.º do CC, mas não oposto, nos mesmos termos, por exemplo, em que se considera que a norma do art. 875.º do CC, que exige forma especial como requisito de validade para o contrato de compra e venda de imóveis, é uma norma excepcional relativamente ao art. 219.º do CC, que consagra o princípio da liberdade de forma. O regime da nulidade da alienação de bens alheios (arts 892.º e ss) não é um regime regra oposto ao regime da invalidade (ou ineficácia relativa) do negócio, tal como está regulado no art. 1024.º. Trata-se de regimes diferentes, mas ainda com alguns postos de contacto.

O acórdão recorrido considerou assim, por aplicação do art. 1024.º, n.º 2 do CC, que o contrato celebrado entre o consorte-locador e o arrendatário não é nulo nem sequer anulável, é antes plenamente válido, produzindo os seus efeitos entre os contraentes, mas não em relação aos restantes comproprietários ou consortes não intervenientes. Nas relações entre estes, o contrato é ineficaz, não produzindo os seus efeitos.  

A doutrina e a jurisprudência têm aderido à tese do acórdão recorrido, conforme se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 22-09-2005, relatado pelo Conselheiro Pereira da Silva, proc. n.º 04B4641, onde se afirma que «Pese embora a letra do nº 2 do art. 1024º do CC, propendemos a como mais correcta ter a tese de que o arrendamento de prédio indiviso celebrado por um dos comproprietários é ineficaz em relação aos demais que nesse contrato não tenham intervindo, enquanto para tanto não derem o seu assentimento».  

No sentido da ineficácia se pronunciaram já os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 22-11-96 e de 11-10-01, publicados in BMJ 441-305, CJ/STJ, Ano III-tomo I, pp. 67 e ss e Ano IX-tomo III, pp. 75 e ss.

Defendendo que estamos perante um vício de ilegitimidade, consubstanciado numa invalidade atípica à semelhança da nulidade do ato de disposição de bens alheios, inoponível nas relações entre as partes, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal da Justiça, 05-07-2001 (proc. n.º 01A2110), relatado pelo Conselheiro Torres Paulo.

 

Para a doutrina, o arrendamento feito por um dos consortes, mas sem o consentimento de todos, é um arrendamento que padece de ineficácia em sentido estrito (Vaz Serra, RLJ, Ano 100.º, p. 202; Rui de Alarcão, A Confirmação dos Negócios Anuláveis, Vol. I, 1971, p. 199, nota 333; Januário Gomes, Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, Almedina, 1980, p. 287 e Pinto Furtado, Curso dos arrendamentos vinculísticos, 2.ª edição revista e ampliada, Almedina, Coimbra, 1988, p. 267) ou nulo (Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, ob. cit., p. 346), embora se trate de uma nulidade sujeita a um regime especial, pois pode ser objeto de confirmação e só é invocável pelos consortes não participantes no ato, e não por qualquer terceiro interessado, que seja titular de uma relação jurídica afetada pelo negócio nulo, como no regime geral da nulidade (arts. 285.º e 286.º do CC). Para outros autores, trata-se de uma nulidade de regime misto com traços do regime próprio da nulidade e caraterísticas especiais da anulabilidade, invocável só pelos outros comproprietários, sanável mediante confirmação, mas não está sujeita a prazo (cf. Pereira Coelho, Arrendamento, Coimbra, 1984, pp. 99-100, nota 2 e Pais de Sousa, Extinção do Arrendamento Urbano: fundamentos, meios processuais, Almedina, 1980, p. 83).

As nulidades especiais, atípicas ou mistas, no que diz respeito à limitação da legitimidade para invocar a nulidade, são cada vez mais numerosas no direito privado moderno e visam proteger os interesses de uma das partes do contrato. A jurisprudência e o legislador têm vindo a reconhecer a insuficiência da dogmática conceitual tradicional, admitindo um número crescente de nulidades atípicas, cujo regime escapa à rigidez do regime regra das invalidades consagrado no código civil, quer em domínios onde já há muito tal é aceite, como relativamente ao instituto do casamento, à nulidade formal do contrato promessa (art. 410.º, n.º 3 do CC), à invalidade dos contratos de sociedade, dos contratos de seguro e do contrato de trabalho, quer relativamente a legislação direcionista, à proibição de cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé e à proteção do consumidor.

Contudo, interpretando o sentido da norma a partir da sua teleologia, concluímos que a razão de ser do n.º2 do art. 1024.º do CC reside no interesse particular dos consortes, o que indica que a tese da ineficácia – art. 268 n.º1 do CC – é mais adequada do que a da nulidade, que tem um regime mais gravoso e que visa tutelar interesses públicos, não relevantes neste contexto.  

De qualquer forma, independentemente da discussão conceitual, quer a sanção da nulidade com regime especial ou nulidade mista, quer a da ineficácia relativa não tornam o negócio res inter alios acta, ou seja, absolutamente ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário, mas apenas ineficaz em relação aos consortes que não o subscreveram. Em termos de efeitos práticos, ambos os regimes – o das nulidades especiais ou mistas e o da ineficácia relativa – se identificam.

Relativamente ao consentimento dado pelos consortes depois da celebração do ato este pode ser a natureza de uma confirmação nos termos do art. 288.º do CC (cf. Pires de Lima Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 1997, p. 346) ou de uma ratificação, conforme o acórdão acima citado, de 22-09-2005, onde se afirma o seguinte: «O assentimento superveniente ou sucessivo assume o carácter de uma ratificação, não de uma confirmação e, na hipótese em causa, podia ter sido manifestado, pelo autor, de qualquer forma».

Para a validade do arrendamento rural basta um documento escrito, pois a lei em vigor à data da celebração do contrato, 1987, não exigia escritura pública, conforme o art. 3º da lei n.º 76/77, de 29/9, e o art. 1029.º do CC, na redação vigente em 1987. Em consequência, a ratificação (ou a confirmação) não precisa de adotar a mesma forma exigida para o contrato de arrendamento, podendo tratar-se de uma confirmação (ou ratificação) tácita, «resultante do percebimento da quota parte que cabe ao consorte na renda paga pelo locatário» (Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, ob. cit., p. 346).

O acórdão recorrido, baseando-se em presunção judicial (lícita, nos termos do art. 349º, do CC), entendeu que o facto de os consortes não outorgantes do contrato de arrendamento provado nos autos nada terem feito durante cerca de duas décadas, assumindo uma atitude totalmente passiva, acompanhada do facto público e notório da ocupação e do gozo do imóvel locado pelos arrendatários e da prática reiterada  e com publicidade de atos de fruição sobre os campos e a casa, contra o pagamento anual de  géneros, permite inferir que os consortes conheciam a existência do contrato e que se conformaram com a sua existência, ratificando, deste modo, tacitamente a ineficácia do contrato (cfr. art. 217.º, n.º1 do CC), nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 1024.º, do CC.

Neste sentido se pronunciou já a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 30-04-2002 (proc. n.º 02A1019), relatado pelo Conselheiro Ribeiro Coelho, que entendeu que não tendo os comproprietários invocado a nulidade atípica do contrato de arrendamento, durante mais de trinta anos, tal comportamento passivo constitui uma manifestação tácita, segundo os arts. 217.º, n.º 1 e 288, nº3 do CC, de assentimento em tal contrato, porque do descrito comportamento resulta, com toda a probabilidade, que se conformaram com o vínculo negocial estabelecido pelo acordo outorgado pelo usufrutuário.

  

Ratificado o contrato de arrendamento pelos consortes não intervenientes no contrato de arrendamento, este produz plenamente os seus efeitos, em relação aos atuais proprietários do imóvel.

Sendo assim, tem razão a ré, no pedido reconvencional, no qual invocou a sua posição de arrendatária como fundamento da não restituição do imóvel aos autores, novos proprietários do mesmo.

Improcedem, em consequência, as conclusões 7.ª a 9.ª, 11.ª e 20.ª a 24.ª da alegação de recurso dos recorrentes.

          

VII – Caducidade do contrato de arrendamento

          Os recorrentes invocam que não se tendo alegado e provado que a ré comunicara ao senhorio, por notificação judicial, que pretendia manter a posição contratual do arrendatário do seu falecido marido, nos termos do art. 22.º, n.º 2 do decreto-lei n.º 385/88, de 25-10, que remete para o art. 1051.º, n.º 2 do CC, na redação do decreto-lei n.º 328/81, de 4 de dezembro, tem de se considerar o contrato de arrendamento extinto por caducidade.          

Em primeiro lugar, deve observar-se que tendo o marido da ré falecido em outubro de 2005, segundo o facto provado 2.4, a lei aplicável à questão da morte do arrendatário e da transmissão ao cônjuge sobrevivo já não é a disposição legal invocada pelos recorrentes, que exigia ao sobrevivo a notificação judicial como requisito da manutenção do arrendamento (art. 1051.º, n.º 2 do CC), pois a citada norma foi revogada pelo art. 5.º, n.º 2 do decreto-lei n.º 321 –B/90, de 15-10.               

Independentemente, contudo, da discussão sobre a aplicação das leis no tempo, e sobre os efeitos do novo regime jurídico relativo à transmissão do arrendamento por morte do arrendatário, esta questão da caducidade é uma «questão nova», isto é, não foi decidida nem discutida anteriormente e, como tal, não pode agora ser conhecida por este Supremo Tribunal.

 Os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas, e não criar decisões novas (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de Novembro de 1999, processo n.º 99A630).

Os recursos não visam a apreciação de questões novas, ou seja, daquelas que não tenham sido objeto de discussão e decisão anteriores, salvo quando forem de conhecimento oficioso. No caso concreto, entendemos que a caducidade do contrato de arrendamento não é de conhecimento oficioso, pois estamos no domínio do art. 333.º, n.º 2 do CC e do art. 579.º do CPC, por se tratar de matéria não excluída da disponibilidade das partes, devendo a parte a quem aproveita invocá-la, maxime judicialmente, em sede de defesa por exceção (acórdão da Relação de Lisboa, de 13-01-2009, proc. n.º 9267/2008-1).

      

Sendo assim, improcede a conclusão 25.ª da alegação de recurso dos recorrentes.     

            IV – Decisão

            Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de justiça, negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

           

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 1 de dezembro de 2015

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Sebastião Póvoas

Alves Velho