Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3157/12.4TBPRD-I.P1.S3
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
RATEIO
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO / MASSA INSOLVENTE E CLASSIFICAÇÕES DOS CRÉDITOS / VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS, RESTITUIÇÃO E SEPARAÇÃO DE BENS / PAGAMENTO AOS CREDORES.
Doutrina:
-Carvalho Fernandes e João labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015, p. 670;
-Miguel Lucas Pires, Dos privilégios Creditórios, 2.ª Edição, p. 422;
-Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 5.ª Edição, p. 325.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 46.º, N.º 1, 47.º, N.º 4, ALÍNEA C), 48.º, 51.º, N.º 1, ALÍNEA A), 136.º, N.º 6, 140.º, N.º 2, 174.º, 175.º, N.º 1, 181.º E 182.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 23-02-2016, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA.
Sumário : I Uma das fases do processo de insolvência é a do pagamento aos credores e liquidados os bens do insolvente, há que dar destino ao produto da venda procedendo aos pagamentos devidos aos credores que viram os seus créditos verificados e graduados.

II Como decorre do artigo 175º, nº1 do CIRE «O pagamento dos créditos privilegiados é feito à custa dos bens não afectos a garantias reais prevalecentes, com respeito da prioridade que lhes caiba, e na proporção dos seus montantes, quanto aos que sejam igualmente privilegiados.».

III Embora possa existir um montante suficiente pela venda dos bens móveis, para dar pagamento ao crédito privilegiado dos trabalhadores, a satisfação destes não poderá começar por aí se a sentença de verificação e graduação tiverem sido graduados com prevalência sobre o crédito hipotecário do Recorrente, nos termos do normativo supra apontado, a serem pagos pelo produto dos bens imóveis sobre os quais incide o privilégio daqueles.

IV O rateio a efectuar deverá de ter como base a sentença de verificação e graduação de créditos anteriormente produzida, pelo que, tratando-se de uma mera operação matemática da secretaria judicial, a mesma terá de obedecer ao que se ali se decidiu , de onde, esgotado o produto da venda do imóvel afecto ao pagamento dos créditos privilegiados dos trabalhadores e subsequentemente ao crédito do Recorrente, garantido por hipoteca, sem plena satisfação dos credores, o remanescente concorre, como crédito comum, no rateio do restante património do devedor.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

               

I Por apenso aos autos de insolvência de M C, SA, veio o credor Novo Banco, SA, apresentar reclamação do rateio formulado nos autos, reclamação essa que veio a ser indeferida, nos seguintes termos:

«[A]nalisada a reclamação apresentada afigura-se-nos e sempre com o devido respeito por opinião diversa, que não assiste razão aos reclamantes.

O rateio está correcto, por via da sua conformidade à lei e ao que consta da sentença de verificação e de graduação de créditos devidamente transitada em julgado. Observou, aliás, o critério seguido em centenas de processos pendentes nesta UP2.

O concurso de credores, com efeito, permitirá sempre que uns credores sejam satisfeitos antes de outros, não repugnando, antes pelo contrário, que essa posição de superioridade seja ocupada por aqueles créditos que a própria lei reputou de mais relevantes.

Afigura-se-nos, ainda, que na elaboração do mapa de rateio final impõe-se observar o determinado em sede de sentença de verificação e graduação de créditos transitada em julgado, o que sucedeu no caso em apreço e não a ordem que um credor pretende seja seguida para que os seus créditos venham a ser satisfeitos com primazia sobre os demais.

Assim sendo, indefere-se a reclamação apresentada.».

Desta decisão foi interposto recurso de Apelação pelo credor Novo Banco SA, a qual veio a ser julgada improcedente.

 

De novo inconformado, vem o credor reclamante Novo Banco, SA, recorrer, de Revista excepcional e por oposição do Acórdão recorrido com o Aresto produzido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 7 de Abril de 2014, cuja cópia certificada fez juntar e consta de fls 487 a 496, concluindo da seguinte forma:

- O acórdão recorrido está em contradição com outro proferido pelo Tribunal da Relação sobre a mesma questão fundamental de direito, que refere que no rateio não podem os credores garantidos ficar prejudicados em benefício dos comuns, pelo que, havendo mais bens a liquidar, "não podem os credores privilegiados ser sempre, imediata e prioritariamente, satisfeitos pelo produto da alienação dos bens onerados com garantia, com consequências contrárias à vontade do legislador (objectivo e sentido da lei) ".

- Acresce que, a questão que se pretende ver aqui decidida é de elevado interesse jurídico e social, pois é essencial uniformizar o entendimento no escalonamento do pagamento dos credores atento o disposto nos arts. 174° e 175° do CIRE.

- O produto da venda dos bens móveis pertença da massa insolvente, tendo-se apurado com a venda dos mesmos (só dos móveis, a quantia de € 151.796.147,67), é suficiente para o pagamento da totalidade dos créditos dos trabalhadores;

- Pelo que, o pagamento aos trabalhadores deveria começar pelo produto da venda dos bens móveis;

- E não, como se prescreve no rateio final, que considerou que os trabalhadores deveriam começar a ser pagos pelo produto da venda de imóveis afetos a garantias reais;

- Ora, sob pena de se desvirtuarem os princípios legais e constitucionais vigentes, o rateio realizado deverá sempre ser objeto de uma ponderação final e global, caso do mesmo resulte o prejuízo dos credores garantidos face, designadamente, aos credores comuns;

- A eventual consideração do privilégio imobiliário especial dos trabalhadores como crédito garantido, em nada afeta o ensinamento tido  por adequado na interpretação do art.   175° do CIRE, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação a este preceito;

- Isto porque, estes autores consideram que, mesmo em caso de concurso entre o privilégio imobiliário especial dos trabalhadores e a hipoteca, só se deve começar o rateio pelo pagamento do produto destas, quando os bens livres de garantia real não chegarem para a satisfação integral dos créditos privilegiados, conforme parágrafo 3º da citada obra, 2a edição, a pág., 689:

"Só assim não será quando, precisamente, os privilégios que os favorecem deverem prevalecer sobre as garantias constituídas. Mas, mesmo aí, segundo o entendimento que temos por melhor, só quando, real ou estimativamente, os bens livres de garantia real não chegarem para a satisfação integral dos créditos privilegiados." (sublinhado nosso);

- Ora, no presente caso, os bens livres de garantia real chegam para a satisfação destes créditos, pelo que por eles se deveria ter iniciado o pagamento dos créditos privilegiados dos trabalhadores;

- Quanto à ponderação atrás referida, a que estes autores citados também fazem alusão na referida pág. 689, no último parágrafo do ponto 2: "Caberá, pois, nas situações em que se verifique a prevalência de créditos privilegiados sobre garantidos, avaliar a suficiência do património comum para que a massa possa honrar totalmente os privilégios que a oneram ..." (sublinhado nosso);

- Ou seja, a fim de evitar, como referem estes autores, " ... consequências manifestamente contrárias aos objetivos e sentido da lei..." é imperioso avaliar nestes casos de rateio, da suficiência e valor do património existente, o que não se teve em atenção no presente caso.

- Refira-se que, no caso em apreço, não se trataria só de beneficiar os credores comuns em detrimento dos credores garantidos, mas sim, de beneficiar credores hipotecários face a credores hipotecários ...

- Veja-se que a aceitar-se tal interpretação da sentença de verificação e graduação de créditos (liquidação item a item, sem o aludido enquadramento global) poderia, repete-se, caso os trabalhadores recebessem tudo com a venda de um dos primeiros imóveis, ficar esse credor hipotecário sem garantia, mas o credor hipotecário seguinte (como os trabalhadores já tinham sido pagos com a venda anterior) já manteria sua garantia ... o que seria um verdadeiro absurdo;

- Deve pois reformular-se o rateio no sentido dos créditos dos trabalhadores começarem a ser satisfeitos através dos bens não sujeitos a garantias reais;

- A douta decisão recorrida violou a Lei e o Direito aplicável, entre outros os princípios norteadores do CIRE e concatenação dos arts. 47°. 174°, 175° e 178° do mesmo diploma, e ainda os princípios constitucionais, designadamente, da confiança no Estado de Direito, ínsito no art. 2º da CRP, como ainda aos da igualdade (devendo tratar-se desigualmente o que é desigual), razoabilidade e proporcionalidade constantes dos arts. 13° e 18° da CRP.

Não foram apresentadas contra alegações.

II Foi dada como assente a seguinte factualidade, com interesse para a economia da decisão:

- Em 7/03/2014 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos no processo principal, nmos seguintes termos: “(…) Face ao exposto, declaro verificados os créditos supra-reconhecidos e graduo-os pare serem pagos através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem:

- Através do produto da venda da verba n.° 110:

1.0 - As dívidas do massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do bem imóvel;

2.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos credores laborais indicados na relação de f Is. 156a 164 como exercendo funçães nesse imóvel;

3.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.°, n.° 4, al. c));

4.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.°.

- Através do produto da venda da verba n.° 111:

1.0 - As dividas da massa insolvente saem precípuas, no devida proporção, do produto da venda do bem imóvel;

2.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos credores laborais indicados na relação de f Is. 156 a 164 como exercendo funções nesse imóvel;

3.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário do BPN - Banco Português de Negócios, 5.A.;

4° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.°, n° 4, at. c));

5° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.°.

- Através do produto da venda das verbas n.°s 112 e 113:

I.° - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do bem imóvel;

2° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos credores laborais indicados na relação de f Is. 156 a 164 como exercendo funções nesse imóvel;

3.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário do Banco Espírito Santo, S.A.;

4° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.°, n° 4, al. c));

5.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48°.

- Através do Produto da venda da verba n.° 116:

1.° - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do bem imóvel;

2.0 - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos credores laborais indicados na relação de f Is. 156 a 164 como exercendo funções nesse imóvel;

30 - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário da Caixa Geral de Depósitos, 5.A.;

4.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.°, n.° 4, al. c)); 5° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.°.

- Através do produto da venda dos restantes bens imóveis:

1.0 - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda de cada bem imóvel;

2.0 - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.°, n.° 4, al. c)); 4° - Do remanescente, dar-se-à pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.°.

- Através do produto da venda dos bens móveis:

1° - As divides da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do bem imóvel;

2.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos credores laborais;

3.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.°, n° 4, al. c));

4.0 - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48°.

Custas pela Massa insolvente - art. 304°, do CI.R.E.” (certidão de fls. 18 a 21 dos presentes autos).

- Esta sentença transitou em julgado pois dela não foi interposto recurso.

- Na sequência foi, pela secretaria, elaborado o Mapa de rateio Final nos termos constantes da certidão de fls. 21v.º a 25 dos presentes autos, e que aqui se dá por reproduzido.

- Com data de 2 de Novembro de 2015 o credor Novo Banco S.A., veio reclamar do rateio elaborado pela secretaria do tribunal (certidão de fls. 25v.º a 32v.º dos presentes autos).

- Com data de 31/03/2016 foi proferido o despacho reclamado e já acima transcrito, em que se indefere a reclamação, por se entender que “O rateio está correcto, por via da sua conformidade à lei e ao que consta da sentença de verificação e de graduação de créditos devidamente transitada em julgado. Observou, aliás, o critério seguido em centenas de processos pendentes nesta UP2.” (certidão a fls. 33 dos presentes autos).

O Aresto impugnado fundou a sua decisão no seguinte raciocínio:

« Nos termos do disposto nos artigos 136 n.º 6 e 140 do C.I.R.E. (Código da Insolvência e da recuperação de Empresas), O juiz profere sentença de verificação e graduação de créditos (e o despacho saneador tem a forma e o valor de sentença).

De acordo com o n.º 2 do art. 140 “A graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios”.

Estabelece o art. 182 do CIRE que “Encerrada a liquidação da massa insolvente, a distribuição e o rateio final são efectuados pela secretaria do tribunal quando o processo for remetido á conta e em seguida a esta…”

Trata-se aqui da última fase de pagamentos com os valores que se tenham apurado, já retiradas as quantias necessárias para as custas do processo, as quais, por constituírem dívidas da massa insolvente, são pagas com prioridade (art. 46 n.º 1 e 51 n.º 1 a)).

A intervenção da secretaria justifica-se pelo facto de se limitar a realizar operações de cálculo aritmético.

Na verdade, os cálculos são feitos pela ponderação e articulação de três factores a saber: o produto da liquidação não distribuído, as custas do processo e a graduação dos créditos, sendo os condicionais tratados em conformidade com o disposto no art. 181 (Cfr Carvalho Fernandes/João labareda, CIRE Anotado, 2015, pág. 670).

Como bem diz o magistrado do M.P. nas suas contra-alegações “haverá que atentar na sequenciação que a lei impõe ao procedimento decisório de graduação de créditos: é geral para os bens da massa insolvente, mas especial para aqueles bens, dentro desta, sobre os quais incidam garantias ou privilégios creditórios (vide artigo 140, n.º 2, do CIRE). Em suma, a lei estabelece para o momento da graduação a mesma relação coisa/direito que já foi objecto de invocação no antecedente momento da reclamação de créditos.

Tipicamente, na presença simultânea de privilégios gerais e especiais, a graduação começará pela especificação do destino do apuro que corresponda ao bem em relação ao qual ocorre esse concurso de privilégios, deixando para depois os que apenas possuam uma preferência e, para último, os que beneficiem da graduação geral, numa lógica que vai do especial para o geral.

Do que antecede resulta que, quando haja que destacar o apuro de um bem apreendido para liquidação na massa insolvente, deverá seguir-se a graduação inerente às prioridades de pagamento atendíveis. Foi precisamente esse o raciocínio seguido na sentença de verificação e de graduação, cuja determinação operou no sentido de, quanto a cada verba afectada por privilégio ou garantia, graduar os créditos autonomamente (tal como se mais nenhum bem houvesse e por aí findasse a graduação), pelas regras legais de precedência, opção que nos parece inatacável e que, de resto, não foi atacada pela via do recurso no momento.

Assim sendo, também não compete à secretaria desvirtuar, no momento da execução material, aquele que foi o comando jurídico contido na sentença e consolidado na ordem jurídica, motivo pelo qual a imputação deveria ser feita, verba a verba, na sequência constante da própria sentença”.

E, mais adiante “Na interpretação das normas legais a que procede o Ministério Público, numa lógica de aplicação objectivada, afigura-se que o rateio está correto, por via da sua dupla conformidade à lei e ao estrito dispositivo da sentença transitada em julgado. De resto carece de sentido a inversão dos termos lógicos do rateio no sentido de, casuisticamente, começar os pagamentos pelo apuro dos bens móveis em relação aos quais apenas há privilégios gerais e só depois lançar os pagamentos aos créditos garantidos, solução em clara contravenção à sequenciação lógica colhida nos artigos 174.° e 175.° do CIRE ("liquidados os bens onerados com garantia real (...) é imediatamente feito o pagamento aos credores garantidos, com respeito pela prioridade que lhes cabe "o pagamento dos créditos privilegiados é feito à custa dos bens não afectos a garantias reais prevalecente?). Essa solução é a conveniente em relação aos interesses da parte que a pretende, mas não a que corresponderá à legítima expectativa na aplicação da lei e funda mesmo um efeito surpresa por, se implementada, inverter todo o dispositivo da sentença de graduação, que determinou operações em sentido bem diverso.

Note-se, por acréscimo, que os credores que não conseguiram ser contemplados pelo pagamento das hipotecas em virtude da prevalência de outro privilégio, não ficam totalmente destituídos de ressarcimento, apenas se reconduzem ao tratamento equivalente ao dos credores comuns, com a vantagem de o valor do crédito respectivo ser mais elevado, permitindo-lhes melhor ressarcimento relativo, ou seja, NB vai buscar ao apuro dos bens móveis uma porção não paga pela sua hipoteca, em concurso com os credores comuns.

No concreto, a actual versão do rateio, além de adequada à lei vigente dá literal cumprimento ao teor da sentença de graduação devidamente transitada e não impugnada, em especial por aquele(s) credor(es) cuja ordem de ressarcimento afecta, pelo que não será de relevar o argumentário de NB, passível de ser entendido apenas como desesperado esforço de reacção contra uma realidade com pressupostos que lhe são inelutavelmente desfavoráveis (o trânsito em julgado de sentença de graduação nos moldes em que foi proferida), mas com a qual terá de se conformar”.».

Vejamos.

Insurge-se o Recorrente contra o Acórdão recorrido uma vez que na sua tese o produto da venda dos bens móveis pertença da massa insolvente, tendo-se apurado com a venda dos mesmos (só dos móveis, a quantia de € 151.796.147,67), é suficiente para o pagamento da totalidade dos créditos dos trabalhadores, pelo que, o pagamento aos trabalhadores deveria começar pelo produto da venda dos bens móveis e não, como se prescreve no rateio final, que considerou que os trabalhadores deveriam começar a ser pagos pelo produto da venda de imóveis afetos a garantias reais. Ora, sob pena de se desvirtuarem os princípios legais e constitucionais vigentes, o rateio realizado deverá sempre ser objeto de uma ponderação final e global, caso do mesmo resulte o prejuízo dos credores garantidos face, designadamente, aos credores comuns.

Uma das fases do processo de insolvência é a do pagamento aos credores e assim sendo, liquidados os bens do insolvente, há que dar destino ao produto da venda procedendo aos pagamentos devidos aos credores que viram os seus créditos verificados e graduados.

Como deflui do normativo inserto no artigo 175º, nº1 do CIRE «O pagamento dos créditos privilegiados é feito à custa dos bens não afectos a garantias reais prevalecentes, com respeito da prioridade que lhes caiba, e na proporção dos seus montantes, quanto aos que sejam igualmente privilegiados.».

In casu a Recorrente insurge-se contra o rateio efectuado, porquanto entende que existindo um montante suficiente pela venda dos bens móveis, para dar pagamento ao crédito privilegiado dos trabalhadores, deveria a satisfação destes começar por ali.

Falece-lhe, contudo, a razão, já que os créditos dos trabalhadores, como decorre da sentença de verificação e graduação, na parte que concerne à economia do presente recurso, foram graduados com prevalência sobre o crédito hipotecário do Recorrente, nos termos do normativo supra apontado - «- Através do produto da venda das verbas n.°s 112 e 113:1º- As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do bem imóvel; 2° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos credores laborais indicados na relação de fls. 156 a 164 como exercendo funções nesse imóvel; 3.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário do Banco Espírito Santo, SA; 4° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.°, n° 4, al. c));

5.° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48°.»

O rateio efectuado nos autos teve como base a sentença de verificação e graduação de créditos anteriormente produzida, pelo que, tratando-se de uma mera operação matemática da secretaria judicial, a mesma terá de obedecer ao que se ali se decidiu e o que ficou prescrito obedeceu na integra ao preceituado nos artigos 174º e seguintes do CIRE, de onde, esgotado o produto da venda do imóvel afecto ao pagamento dos créditos privilegiados dos trabalhadores e subsequentemente ao crédito do Recorrente, garantido por hipoteca, sem plena satisfação dos credores, o remanescente concorre, como crédito comum, no rateio do restante património do devedor.

Ratear significa distribuir proporcionalmente, podendo então definir-se o rateio como a distribuição proporcional do valor total da massa, passível de distribuição, dada a retenção obrigatória em processo de insolvência de montante afecto às custas e encargos da massa, a saírem precípuas, pelos credores concorrentes.

Assim, havendo rateio, terá de ser respeitada a regra da proporcionalidade, o que significa que dentro da mesma categoria, privilegiada ou comum, com igualdade de posições, não pode haver lugar a distinções entre credores, o que se mostra observado no rateio aqui em discussão, soçobrando as conclusões de recurso.

De outra banda, existindo créditos laborais, com privilégio imobiliário especial sobre o imóvel onde prestavam a sua actividade laboral, estes gozam de preferência em relação à hipoteca, o que resulta inutavelmente da Lei, cfr Miguel Lucas Pires, Dos privilégios Creditórios, 2ª edição, 422; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 5ª edição, 325; AUJ 8/16 de 23 de Fevereiro de 2016 (Relator Pinto de Almeida, aqui primeiro Adjunto).

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão ínsita no Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 15 DE Fevereiro de 2018

Ana Paula Boularot - Relatora

Pinto de Almeida

José Rainho