Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2199/11.1TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PAULO SÁ
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
NULIDADE
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO COMERCIAL - CONTRATO DE AGÊNCIA.
Doutrina:
- CARLOS LACERDA BARATA, Anotações ao novo regime do contrato de agência, Lisboa, Lex, 1994, 86-87.
- GALVÃO TELES, in CJ, 1985,1.º, 31.
- JOSÉ ALBERTO VIEIRA, O contrato de concessão comercial, Lisboa, AAFDL, 1991, 151 e ss..
- MARIA HELENA BRITO, O Contrato de Concessão Comercial, 1990, 100.
- MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, 2007, 514, 678.
- MENEZES LEITÃO, A indemnização de clientela no contrato de agência, Almedina Coimbra, 84, 100.
- PINTO MONTEIRO, Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, Coimbra,163-168; Contrato de Agência-Anotação ao Decreto-Lei 178/86, 2.ª edição, 103 e 104; Contrato de Agência, 5.ª ed. actualizada, Almedina Coimbra, 137-139.
- RUI PINTO DUARTE, “A jurisprudência portuguesa sobre a indemnização de clientela ao contrato de concessão comercial – Algumas observações”,Thémis, II, n.º 3 (2001), 317 a 321.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 217.º.
D.L. N.º 178/86, DE 03-07: - ARTIGOS 4.º, 33.º.

Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 05.03.2009, PROCESSO N.º 09B02970, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 06.10.2009, PROC. N.º 1183/04.6TBALB.C1.S1 – 6.ª SECÇÃO;
-DE 24.01.2012, PROC. N.º 39/2000.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 08.11.2007, PROC. N.º 3445/07 – 7.ª SECÇÃO;
-PROCESSO N.º387/09.0TVPRT.P1.S1.
Sumário :
I - O regime do contrato de agência, sobretudo na parte relativa à cessação do contrato, está vocacionado para ser aplicado, analogicamente, ao contrato de concessão comercial.

II - Quanto aos requisitos de indemnização da clientela, previstos no art. 33.º do DL n.º 178/86, de 03-07, não se aplica ao contrato de concessão o da alínea c), por ser específico do contrato de agência.

III - Se o requisito da alínea a) se não mostra provado não se configura a possibilidade de a indemnização da clientela vir a ser atribuída.

IV - No caso concreto, também não poderia ser atribuída a indemnização pela clientela, por os contratos de concessão serem verbais e se dever entender que a natureza imperativa da norma do art. 33.º citado implica que as cláusulas que excluam o direito à indemnização da clientela se tenham que considerar nulas, não é conciliável com uma exclusividade que não esteja sujeita à mesma formalidade que o contrato de agência exige.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 2199/11.1TVLSB.L1.S1[1]

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – AA – ..., L.da, propôs, contra BB, SA, CC, SA, e DD, SPA, acção seguindo forma ordinária, distribuída à 4.ª Vara Cível de Lisboa, pedindo a condenação da 1ª, 2.ª e 3.ª RR., respectivamente, no pagamento das quantias de € 17.092,74, 235.596,20 e 60.014,80 e, de todas elas, solidariamente, na quantia de € 75.000, acrescida de juros, a título de indemnização de clientela, e por prejuízos alegadamente sofridos, em virtude da cessação de contrato de distribuição, com aquelas celebrado.

Contestaram as RR., sustentando não serem devidas as quantias reclamadas, concluindo pela improcedência da acção.

 

Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção improcedente, absolvendo-se as RR. dos pedidos formulados.

 

Inconformada, veio a A. interpor recurso de apelação, limitado aos pedidos de indemnização de clientela e retoma dos produtos, bem como, na devida proporção quanto a juros e custas, sem sucesso, já que a Relação confirmou o acórdão recorrido.

Continuando inconformada, veio a A. interpor recurso de revista excepcional, a qual foi admitida.

São as seguintes as conclusões formuladas pela A. no seu recurso:

QUANTO À ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL:

a) De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil "antigo"

com as alterações do Decreto-Lei n° 303/2007, de 24 de Agosto, "corrigidas" pelo Decreto-Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, "não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida 13 instância, salvo nos casos proferidos no artigo seguinte".

b) Sucede que nos presentes autos encontram-se preenchidos os requisitos constantes da alínea a) (relevância jurídica) e da alínea c) (contradição com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça) do nº 1 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, requisitos estes que não são cumulativos, bastando, pois, que se verifique qualquer um deles para que, em caso de dupla conforme, o recurso de revista seja admitido excepcionalmente.

c) Com efeito, a posição sustentada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no douto acórdão revidendo segundo a qual, na concessão comercial, têm de se verificar cumulativamente os três requisitos constantes do n° 1 do artigo 33° do Regime Jurídico do Contrato de Agência, está em frontal contradição com o acórdão-fundamento, ou seja, com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2012 (processo n° 99/05.3TVLSB.L 1.S1), proferido no domínio da mesma legislação (face à inexistência de legislação a propósito da concessão comercial e por aplicação analógica do Regime Jurídico da Contrato de Agência) sobre a mesma questão fundamental de direito (os requisitos da indemnização de clientela em caso de cessação de contrato de concessão comercia!), posto que segundo o mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. o requisito da alínea c) do referido n° 1 do artigo 33° não é aplicável à concessão comercial.

d) Ainda que se admitisse - sem conceder - a necessidade de verificação cumulativa dos três requisitos da indemnização de clientela aquando da sua aplicação analógica ao contrato de concessão comercial, sempre se teria - ainda assim, e salvo melhor opinião - que concluir pela existência duma outra contradição entre o douto acórdão revidendo e o acórdão-fundamento, desta feita no que se refere à interpretação do requisito da indemnização de clientela constante da alínea c) do nº 1 do artigo 33º do Regime Jurídico do Contrato de Agência.

e) Com efeito, entendeu o Tribunal a quo no douto acórdão revidendo, a propósito do requisito contido na mencionada alínea c), que "se exige que o concessionário deixe de ser compensado pelos custos directamente relacionados com os contratos que negociou e venham a ser concluídos pelo concedente após a cessação da concessão". Salvo melhor opinião, um tal entendimento leva a que se tenha que concluir que, a haver lugar ao pagamento de uma indemnização de clientela, esta terá que corresponder, in casu, não à média do rendimento anual líquido auferido pela Recorrente com a comercialização dos produtos de cada uma das Recorridas nos últimos cinco anos de duração do contrato de distribuição, mas sim aos custos com a promoção, angariação e negociação de contratos concretos.

f) Simplesmente, tal entendimento é manifestamente distinto daquele que tem vindo a ser amplamente sufragado pela jurisprudência nacional, incluindo pois, o entendimento sustentado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão-fundamento, de acordo com o qual " (...) a indemnização tem como limite o lucro correspondente a uma anuidade, ponderando as médias dos últimos cinco anos, sendo que, conforme jurisprudência e doutrina corrente, o que interessa para o efeito é o lucro líquido".

g) Acresce estar o douto acórdão sob revista igualmente em contradição com o acórdão-fundamento também quanto à interpretação do requisito da indemnização de clientela constante da alínea b) do nº 1 do artigo 33º do Regime Jurídico do Contrato de Agência.

h) Com efeito, ao passo que o Tribunal a quo sustenta que, embora implicando o direito de indemnização de clientela a demonstração de que, "num juízo de prognose, o principal beneficiou consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade de angariação ou incremento de clientela, por aquele desenvolvida" tal "juízo de prognose não emerge, de forma automática, do facto do principal ter tido acesso a uma base de dados onde constam os clientes angariados, não podendo presumir-se necessariamente que a mera cognoscibilidade das respectivas identidades potencie consideravelmente o aproveitamento da clientela", no acórdão-fundamento conclui-se, pelo contrário, que, "atentas as dificuldades que enfrenta o concessionário de, após a cessação do contrato, demonstrar factos que se projectam no futuro, como ocorre com os ligados à ocorrência de "consideráveis benefícios" para o concedente, basta para o efeito que, num juízo de prognose, se possa afirmar ter sido proporcionada à concedente a possibilidade de obter tais benefícios, designadamente pelo facto de [mediante] o efectivo acesso à clientela angariada pelo concessionário lhe serem proporcionadas condições objectivas para a continuidade da clientela".

i) Ora, a concessão do acesso a uma base onde constam os clientes angariados pela concessionária afigura-se proporcionar, objectivamente, condições de continuidade da clientela, e, consequentemente, a possibilidade das concedentes extraírem proveitos da actividade desenvolvida pela concessionária.

j) Diga-se, por fim, que o facto da questão da indemnização de clientela ter manifesta relevância subjectiva para a Recorrente não obsta, naturalmente, a que se possa - e deva - reconhecer que a questão da definição e apreciação dos requisitos da indemnização de clientela no contrato de concessão comercial constitui, em si mesma, matéria que objectivamente necessita de uma apreciação que contribua para uma melhor aplicação do direito.

k) É certo que o douto acórdão revidendo não se reporta expressamente ao requisito da alínea a) do n° 1 do artigo 33° do Regime Jurídico do Contrato de Agência. Mas facto é que tal acórdão tão pouco manifesta concordância com a posição sustentada pela Recorrente nas suas alegações de recurso a propósito do requisito em questão e que acaba por confirmar integralmente a decisão recorrida. Assim, afigura-se legítimo à Recorrente concluir ter o Tribunal a quo concordado também com a posição sustentada pelo Meritíssimo Juiz da Primeira Instância a respeito do requisito em causa.

I) Ora, entendeu, a propósito, a Primeira Instância que só se justifica a equiparação do concessionário ao agente quando o distribuidor desempenha funções, cumpre tarefas e presta serviços semelhantes aos de um agente, em termos de ele próprio dever considerar-se, pela actividade que exerceu, como um relevante factor de atracção de clientela.

m) Importa, assim, clarificar se tal critério - que manifestamente não é pressuposto da indemnização de clientela em sede de contrato de agência - deve, ou não, ser aplicável ao contrato de distribuição/concessão comercial, máxime quando tal aplicação é feita por via de analogia.

n) Sendo manifesta a necessidade de apreciar tal questão. atendendo ao facto de estarmos em presença de um contrato atípico. mas que consabidamente envolve uma intervenção não poucas vezes relevante (quer em termos económicos, quer em termos de tempo) por parte do concessionário.

o) Estamos, muito por força do "vazio legal" existente quanto ao contrato de concessão comercial, perante uma questão difícil, susceptível de interpretações divergentes e, porque não dizê-lo, não isenta de polémica.

p) O raciocínio acima desenvolvido a propósito da relevância jurídica da apreciação da aplicação da alínea a) do nº 1 do artigo 33º do Regime Jurídico do Contrato de Agência afigura-se igualmente aplicável à apreciação, nos mesmos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do mesmo normativo legal: em bom rigor, o que está em causa é aplicação daquele regime ao contrato de concessão comercial.

QUANTO À DECISÃO DO MÉRITO DA CAUSA:

q) O entendimento do Venerando Tribunal a quo deveria ter sido outro no que respeita aos pedidos identificados nas alíneas a) a c) (indemnização de clientela) e f) a h) (retoma de stock) do petitório e - consequentemente, e na devida proporção - aos pedidos identificados nas alíneas i) (juros de mora) e j) (custas) do mesmo, cingindo-se, pois, o presente recurso, à apreciação de tais pedidos.

r) Não só as partes qualificaram os contratos dos autos como sendo de distribuição, como – em face dos factos dados como provados e, por conseguinte, do núcleo essencial de direitos e de deveres deles decorrentes para as partes –, a relação jurídica sub judice deve, efectivamente, qualificar-se como contrato de distribuição, mais próxima da modalidade de contrato de concessão comercial

s) Ao contrato de concessão comercial – inominado e atípico – é de aplicar o Regime Jurídico do Contrato de Agência regulado inicialmente pelo Decreto-Lei n? 176/86, de 3 de Julho e depois alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, designadamente no que respeita ao regime da indemnização de clientela.

t) O primeiro requisito da indemnização de clientela consiste em ter o agente/distribuidor angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente (alínea a) do nº 1 do artigo 33° do Regime Jurídico do Contrato de Agência). Tal alínea não contém qualquer referência a um "relevante factor de atracção de clientela": se tal critério não é pressuposto da indemnização de clientela em sede de contrato de agência, não existe qualquer fundamento para que o mesmo seja aplicável ao contrato de distribuição, por via da analogia.

u) Apenas se exige que, para efeitos de analogia, o distribuidor tenha praticado actos semelhantes aos do agente. Ora, atendendo aos factos dados como provados sob os n.ºs 22, 23, 27 a 35, 37, 38, 64, 65 e 76, é patente o considerável e diversificado conjunto de acções de promoção e divulgação dos produtos das Recorridas realizado pela Recorrente.

v) A notoriedade da marca não inviabiliza, em qualquer caso, o direito à indemnização de clientela, não constituindo factor que deva jogar contra o distribuidor na hora de interpretar e aplicar o requisito em apreço. Aliás, tão pouco o legislador considerou tal questão relevante para o acesso do agente à indemnização de clientela, pelo que à mesma não deve ser dada maior relevância na distribuição comercial do que aquela que a questão tem (ou melhor, não tem...) na agência.

w) O segundo requisito da indemnização de clientela consiste em o principal/fornecedor vir a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente/distribuidor (alínea b) do n.º 1 do artigo 33° do regime do contrato de agência). Atendendo aos factos provados, designadamente aos nºs 28, 29, 64, 65, 66 70, impõe-se concluir que, não tendo a Recorrente recebido qualquer indicação da clientela das Recorridas em Portugal, todos os clientes a quem a Recorrente vendeu produtos do Grupo EE foram necessariamente por si angariados.

x) De tais factos decorre igualmente que as Recorridas, ao terem continuado a vender os seus produtos a clientes angariados pela Recorrente, necessariamente aproveitaram-se do trabalho desenvolvido pela Recorrente: não só as Recorridas tiveram ao seu dispor o estudo de mercado realizado pela Recorrente, como inevitavelmente beneficiaram do (extenso) trabalho de promoção desenvolvido pela Recorrente junto dos seus clientes nos cinco anos de duração da relação de concessão comercial.

y) O facto das Recorridas, através da BB Espana, terem começado a desenvolver acções no mercado português não é adequado a afastar a verificação do requisito em apreço. Se o fosse, estaria "descoberta a pólvora": para evitar o pagamento de indemnização de clientela bastaria aos principais/fornecedores realizar algumas visitas a clientes e vender-lhes um dos seus produtos.

z) Não existe igualmente qualquer fundamento legal que permita sustentar que a Recorrente apenas teria direito à indemnização de clientela se as Recorridas se limitassem a vender os seus produtos aos clientes angariados pela Recorrente, e não a quaisquer outros. Aliás, se assim, fosse, estaria, uma vez mais, "descoberta a pólvora": bastaria que as Recorridas vendessem um produto a um cliente novo, por elas angariado, para que tal direito à indemnização de clientela se "esfumasse" subitamente.

aa) O facto de ser necessário que o principal/fornecedor venha a obter benefícios, não equivale a exigir que a sua actividade futura se revele lucrativa, nem tão pouco é necessário que os benefícios para o concedente tenham já ocorrido, sendo suficiente que, de acordo com um juízo de prognose, seja provável que esses benefícios se venham a verificar. ln casu, a prova até permite ir mais longe, uma vez que ficou provado que as Recorridas continuaram, e continuam, a vender os seus produtos a clientes portugueses angariados pela Recorrente.

bb) O terceiro e último requisito da indemnização de clientela em sede de contrato de agência consiste em o agente deixar de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos após a cessação do contrato de agência/distribuição com os clientes que tenham sido por si angariados (alínea c) do n.º 1 do artigo 33° do Regime Jurídico do Contrato de Agência).

cc) O requisito em causa não é, contudo, aplicável ao contrato de distribuição/concessão comercial, porquanto, em bom rigor, o concessionário não é remunerado pelos contratos negociados ou concluídos na vigência do contrato de concessão.

dd) A entender-se doutro modo, e uma vez que a Recorrente não recebia qualquer tipo de retribuição das Recorridas, sendo "retribuída", pois, através da margem positiva de comercialização obtida por ocasião das revendas, será necessário proceder a uma interpretação não literal da alínea c) do nº 1 do artigo 33°. Mas tal disposição legal não pode ser interpretada, ainda que por via da analogia, no sentido de substituir-se a referência à retribuição, pela referência à ausência de compensação ou de retribuição (supõe-se que no sentido de reembolso) pelos custos directamente relacionados com os contratos por si negociados, e não ao lucro que a Recorrente vinha obtendo com a distribuição dos produtos das Recorridas. Aliás, o que é típico ou normal nos contratos de distribuição - incluindo o dos autos, como decorre do n° 3 dos factos provados -, é que o equivalente à retribuição auferida pelos agentes seja o lucro obtido pelo distribuidor (no caso, a Recorrente).

ee) Nada justifica que, tendo-se por verificado este requisito no contrato de agência, (1) quando o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados, após a cessação do contrato, com clientes por si angariados, ou ainda (2) quando tais contratos de compra e venda, tendo sido negociados pelo agente, só venham a ser concluídos após a referida cessação do contrato, em contrapartida, para efeitos de aplicação analógica da norma aos contratos de distribuição se considere que o mesmo requisito apenas se terá por preenchido se o distribuidor deixar de ser compensado por contratos que negociou e que venham a ser concluídos após a cessação do contrato de distribuição...

ff) O entendimento sustentada no douto acórdão revidenda seria, aliás, susceptível de tornar impossível, na prática, a concessão de indemnização de clientela "fora" do contrato de agência, fazendo recair sobre os distribuidores uma prova que não se afigura "humanamente"/comercialmente exigível (ou até mesmo viável), para além de desequilibrada/injustificada, dado que a própria BB International procede a uma gestão integrada da comercialização de todas as marcas produzidas pelas empresas do Grupo.

gg) A matéria de facto provada nos presentes autos é, assim, suficiente e adequada a permitir concluir, sem margem para dúvidas, encontrarem-se preenchidos os três requisitos legais – sem conceder – da indemnização de clientela.

hh) No contrato de distribuição a indemnização deve ser calculada equitativamente, em função da média do rendimento anual líquido auferido pelo distribuidor durante os últimos cinco anos ou da média do período em que o contrato esteve em vigor, se inferior a tal período de tempo. Atendendo aos nºs 39 a 59° dos factos provados, impõe-se, pois, concluir assistir à Recorrente o direito a receber das Recorridas as quantias às mesmas peticionadas nos autos a título de indemnização de clientela.

ii) A constituição e manutenção de stocks ou inventários de mercadorias enquanto parte integrante da função logística é uma das tarefas essenciais que incumbe a qualquer distribuidor. Lamentavelmente, só muito raramente os contratos de distribuição regulam o destino a dar aos bens em stock em caso de cessação do vínculo contratual. No caso vertente, as relações comerciais estabelecidas entre as partes assentaram num acordo meramente verbal.

jj) A obrigação de retoma do stock pelo fabricante não se justifica apenas no caso do concessionário ficar formalmente impedido de revender tais bens, mas em situações pontuais que mereçam, ainda que por outras razões, a tutela do direito, mesmos que na falta de estipulação contratual expressa nesse sentido: basta ter em atenção que a simples circunstância de deixar de ser um distribuidor autorizado de tais produtos encerra uma perda reputacional que dificulta o respectivo escoamento.

kk) Da denúncia do contrato de distribuição decorre, por sua vez, a clara e inequívoca vontade das Recorridas de impedir que a Recorrente continuasse a proceder à venda, por grosso, dos seus produtos em Portugal.

II) A venda a retalho é manifestamente distinta da distribuição comercial. Logo, distinta da venda por grosso, a qual é insusceptível, em termos práticos, de permitir o efectivo e adequado escoamento de um stock que foi essencialmente criado visando a venda por grosso. Não podendo mais a Recorrente proceder à venda por grosso do mencionado stock, a venda desses produtos tornou-se difícil.

mm) O respeito pelo pré-aviso de denúncia não é suficiente para afastar a retoma de stocks, máxime estando em causa uma relação de concessão comercial que vinha durando, sem sobressaltos, há perto de cinco anos, não tendo a Recorrente motivos para crer que a mesma viesse a terminar.

nn) Assim, crê a Recorrente assistir-lhe o direito a exigir das Recorridas – tal como peticionado na petição inicial – a retoma do "stock" remanescente, procedendo ao seu pagamento.

00) Atendendo ao nº 74 dos factos provados, é possível determinar o custo de aquisição dos produtos das Recorridas que a Recorrente tinha em stock à data da cessação da concessão comercial, confinando, a propósito, a Recorrente, a sua pretensão, à prolacão de decisão que condene cada uma das Recorridas a proceder à retoma dos stocks mediante o pagamento à Recorrente do respectivo custo de aquisição (e já não do preço de revenda dos produtos).

pp) Se o Venerando Tribunal ad quem, como se espera, vier a revogar o douto acórdão revidendo, condenando as Recorridas conforme peticionado nas alíneas a), b), c), f), g) e h) do petitório, então, deverá, necessariamente, ser também revogado o douto acórdão revidendo na parte em que, mantendo a sentença proferida pela Primeira Instância, julgou totalmente improcedentes os pedidos constantes das alíneas i) e j) do petitório, condenando-se, assim, as Recorridas no pagamento de juros de mora sobre os montantes indicados nas alíneas a). b). c). d), g) e h) do petitório, a contar da sua citação, e em custas e procuradoria condignas, na proporção do vencimento/decaimento.

qq) O douto acórdão sob recurso não interpretou, nem aplicou correctamente, o disposto nos artigos 32 a 34° do Decreto-Lei nº 176/86, de 3 de Julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de Abril.

Conclui no sentido da admissão e provimento do recurso, revogando-se a decisão recorrida nos termos propugnados.

Não houve contralegações.

A Formação admitiu a revista extraordinária.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A) De Facto

Da discussão da causa na 1.ª instância resultaram provados os seguintes factos:

1. A A. tem por objecto, nomeadamente, a importação e comercialização de material de desporto e de lazer, conforme decorre da certidão permanente junta a fls. 363 e 364.

2. A 1ª R. dedica-se à comercialização e as 2ª e 3ª à produção e comercialização, de diversos equipamentos e acessórios para mergulho.

3. Desde finais de 2004, a A. iniciou um relacionamento comercial com as RR., sendo que, por acordos meramente verbais, começou a comprar-lhes produtos e a revendê-los, posteriormente, em Portugal, com margem de lucro, o que fazia em seu nome e por sua conta e risco.

4. Por carta datada de 11/5/2009, assinada por FF, com a indicação GG – … Manager", e redigida em papel timbrado da 2ª R., foi a A. informada que "our distribution agreement (...) wíll formally end on October 15th 2009" (isto é, "o nosso contrato de distribuição cessará formalmente no dia 15 Outubro de 2009"), conforme doc. junto a fls. 47 dos autos, que se dá por reproduzido (tradução a fls. 123).

5. Posteriormente, por e-mail remetido por FF, datado de 16/9/2009,foi comunicado à A. que a data de cessação do contrato passaria para o dia 1/1/2010, conforme doc. de fls. 48, que se dá por integralmente reproduzido (tradução a 124).

6. Ao dirigir à A. as comunicações referidas, o referido FF agiu em nome e no interesse das ora RR. e reportava-se a todos os contratos celebrados entre a A. e as empresas do grupo, designadamente as aqui RR.

7. Por carta datada de 13/10/2009 e expedida em 20/10/2010, a A. comunicou à BB International, SA, entender assistir-lhe o direito a receber das RR. uma indemnização pela cessação dos contratos, conforme doc. junto a fls. 49 e 50, que se dá por reproduzido (tradução a fls. 125).

8. Por cartas datadas de 13/10/2009 e expedidas em 20/10/2010, a A. comunicou a cada uma RR. entender assistir-lhe o direito de receber das mesmas uma indemnização pela cessação de cada um dos contratos, conforme docs. de 51 a 56, que se dão por reproduzidos (tradução a fls. 126 a 128).

9. A A. continuou a comprar e as RR. continuaram a vender os produtos comercializados/produzidos pelas mesmas RR. após a comunicação referida no nº 5.

10. As RR. fazem parte do grupo internacional EE – BB International.

11. A BB International apresenta-se como o núcleo empresarial, ao qual estão subordinadas as RR., que lhe apresentam os seus resultados e contas.

12. É FF, na sua qualidade de "GG Manager" (isto é, de responsável pelo mercado do sul da Europa), quem funcionalmente tem competência para orientar as decisões estratégicas das RR.

13. BB International procede a uma gestão integrada da comercialização de todas as marcas produzidas pelas empresas do grupo.

14. Nas feiras do sector, todos os produtos do grupo são divulgados num stand comum.

15. E as apresentações dos produtos são feitas em função do conjunto de produtos comercializados pelo grupo, independentemente das empresas que, em concreto, os comercializam.

16. Existe um catálogo comum a todos os produtos do grupo.

17. Desde finais de 2004, a A. passou a representar em Portugal, com carácter de exclusividade, os produtos produzidos e comercializados pelo grupo EE.

18. A A. comprometeu-se a promover e a distribuir tais produtos em Portugal, designadamente, inserindo-os na gama de produtos que a mesma representa e comercializa neste país.

19. Desde finais de 2004 e até finais de 2009, a A. adquiriu à 1ª R., para revenda, máscaras e tubos de gama mais baixa, designadamente das marcas "A…" (gama de produtos de piscina) e "BB Sport" (gama de produtos de praia).20. E à 2ª R. a A. adquiriu, para revenda, reguladores, fatos de neoprene, botas, entre outros, das marcas "BB", "S…" e "S.…".

21. E à 3ª R. a A. adquiriu, para revenda, máscaras, tubos e barbatanas da marca "DD".

22. Durante todo o tempo que durou o seu relacionamento comercial com as RR., a A. apenas comercializou material de mergulho das marcas do grupo EE.

23. A A. esteve presente em diversas reuniões de vendas organizadas pelo grupo EE.

24. O que fez, não só com o objectivo de obter o máximo de informação possível sobre os produtos, mas também para se familiarizar com a "cultura" do grupo.

25. Tais reuniões realizavam-se em …, França.

26. AA. suportou integralmente os custos com tais deslocações e com as correspondentes estadias.

27. A A. procurou que, sempre que possível, lhe fossem entregues amostras dos produtos, de modo a melhor preparar as suas acções de venda.

28. A A. não recebeu das RR. ou de terceiros qualquer lista de clientes.

29. A A. realizou apresentações dos produtos das RR. junto de potenciais clientes, quer através da realização de show-rooms, quer através de apresentações realizadas em lojas e centros de mergulho.

30. No campo da divulgação e prospecção comercial, a A. participou, a expensas suas, nos anos de 2005 a 2009, na Nauticampo (única) feira da especialidade realizada anualmente em Portugal.

31. E aí a A. dispôs sempre de um stand para promoção dos produtos por si comercializados, no qual os produtos do grupo EE ocupavam um lugar de destaque.

32. A A. levou a cabo outras actividades de marketing dos produtos EE, designadamente através da inserção de anúncios/reportagens em revistas portuguesas e patrocínio de instrutores e fotógrafos de mergulho.

33. A A. investiu na assistência técnica aos produtos do grupo EE.

34. A A. dispunha, até ao final do seu relacionamento comercial com as RR., de dois funcionários destinados em permanência à prestação de tais serviços.

35. AA. dispunha de um espaço na sua loja destinado à realização desses serviços.

36. AA. realizou, pelo menos, um seminário de vendas e de assistência técnica respeitantes aos produtos do grupo EE.

37. A A fez deslocar, a expensas suas, alguns dos seus funcionários aos serviços técnicos do grupo EE sitos em …, França.

38. A A angariou para os produtos das RR. um número não apurado de clientes revendedores (excluindo os consumidores finais, incluindo aqueles que adquiriram os produtos na loja da A).

39. O volume de vendas dos produtos da 1ª R. teve a seguinte representação percentual no total das vendas da A: em 2005 – 1,11%; em 2006 – 1,10%; em 2007 – 4,68%; em 2008 – 4,58%; em 2009 – 1,75%.

40. O volume de vendas dos produtos da 2ª R. teve a seguinte representação percentual no total das vendas da A: em 2005 – 37,63%; em 2006 – 30,09%; em 2007 – 35,99%; em 2008 – 26,57%; em 2009 – 14,94%.

41. O volume de vendas dos produtos da 3ª R. teve a seguinte representação percentual no total das vendas da A: em 2005 – 3%; em 2006 – 3,41%; em 2007 – 0,11%; em 2008 – 8,69%; em 2009 – 2,94%.

42. O volume de compras da A às RR. foi o seguinte: ano 2005 – € 306.416,74; ano 2006 – € 256.186,70; ano 2007 – € 220.244,31; ano 2008 – € 243.820,91; ano 2009 – € 125.837,63.

43. Em 2005, o volume de compras da A a cada uma das RR. foi o seguinte: 1ªa R. – € 4.195,30; 2ª R. – € 282.316; 3ª R. – € 17.899.

44. Em 2006, o volume de compras da A a cada uma das RR. foi o seguinte: 1ªa R. – € 4.278; 2ª R. – € 217.765; 3ª R. – € 32.136.

45. Em 2007, o volume de compras da A a cada uma das RR. foi o seguinte: 2ª R. – € 203.777; 3ª R. – € 14.459.

46. Em 2008, o volume de compras da A a cada uma das RR. foi o seguinte: 1ª R. – € 35.205; 2ª R. – € 163.052; 3ª R. – € 43.554.

47. Em 2009, o volume de compras da A a cada uma RR. foi o seguinte: 1ª R. – € 8.436; 2ª R. – € 87.087; 3ª R. – € 28.304.

48. AA vendeu os produtos por si adquiridos às RR. pelos seguintes montantes: ano 2005 – € 350.323; ano 2006 – € 350.767; ano 2007 – € 368.333; ano 2008 – € 422.992; ano 2009 – € 187.577.

49. Em 2005, a venda pela A. dos produtos adquiridos a cada uma das RR. atingiu os seguintes montantes: produtos adquiridos à 1ª R. – € 9.324; produtos adquiridos à 2ª R. – € 315.799; produtos adquiridos à 3ª R. – € 25.200.

5 O. Em 2006, tais vendas atingiram os seguintes montantes: produtos adquiridos à 1ª R. – € 11.161; produtos adquiridos à 2ª R. – € 305.023; produtos adquiridos à 3ª R. – € 34.583.

51. Em 2007, as referidas vendas atingiram os seguintes montantes: produtos adquiridos à 1a R. – € 42.237; produtos adquiridos à 2ª R. – € 325.088; produtos adquiridos à 3ª R. – € 1.008.

52. Em 2008, tais vendas atingiram os seguintes montantes: produtos adquiridos à 1ª R. – € 48.607; produtos adquiridos à 2ª R. – € 282.149; produtos adquiridos à 3ª R. – € 92.236.

53. Em 2009, tais vendas atingiram os seguintes montantes: produtos adquiridos à 1ª R. – € 16.684.00; produtos adquiridos à 2ª R. – € 142.803; produtos adquiridos à 3ª R. – € 28.090.

54. Com a comercialização dos produtos da 1ª R., a A obteve o seguinte lucro bruto, calculado sobre o respectivo preço de venda: ano 2005 – € 3.235; ano 2006 – € 4.179; ano 2007 – € 19.245; ano 2008 – € 24.065; ano 2009 – € 8.197.

55. Com a comercialização dos produtos da 2ª R., a A obteve o seguinte lucro bruto, calculado sobre o respectivo preço de venda: ano 2005 – € 91.989; ano 2006 – € 99.787; ano 2007 – € 124.529; ano 2008 – € 109.292; ano 2009 – € 65.512.

56. Com a comercialização dos produtos da 3ª R., a A obteve o seguinte lucro bruto, calculado sobre o respectivo preço de venda: ano 2005 – € 9.472; ano 2006 – € 14.776; ano 2007 – € 458; ano 2008 – € 38.975; ano 2009 – € 13.275.

57. Com a comercialização dos produtos da 1ª R., a A obteve o seguinte lucro líquido anual: ano 2005 – € 2.555; ano 2006 – € 3.215; ano 2007 – € 9.314; ano 2008 – € 14.859; ano 2009 – € 4.234.

58. Com a comercialização dos produtos da 2ª R., a A obteve o seguinte lucro líquido anual: ano 2005 – € 68.936; ano 2006 – € 73.434; ano 2007 – € 48.096; ano 2008 – € 55.853; ano 2009 – € 31.589.

59. Com a comercialização dos produtos da 3ª R., a A obteve o seguinte lucro líquido anual: ano 2005 – € 7.632; ano 2006 – € 11.788; ano 2007 – € 221; ano 2008 – € 21.506; ano 2009 – € 6.602.

60. O lucro líquido anual indicado nos nºs 57, 58 e 59 foi obtido afectando, aos custos totais da A em cada um dos anos indicados, a percentagem que os bens adquiridos a cada uma das RR. teve na totalidade das vendas da A em cada um dos anos considerados e subtraindo os montantes assim obtidos ao lucro bruto anual indicado.

61. As RR. continuaram a operar em Portugal, procedendo à venda dos seus produtos em Portugal através da BB Espana SL, afiliada/sucursal do grupo EE.

62. Esta última dispõe de um vendedor para as regiões do sul de Portugal (e de Espanha), o Sr. HH, e de um outro vendedor para as regiões do norte de Portugal (e de Espanha), o Sr. II, sendo o back-office de Portugal assegurado pelo JJ.

63. Até à data, a A não recebeu qualquer quantia das RR. por negócios realizados nos termos referidos no n° 61.

64. Num seminário técnico e de vendas realizado em Sesimbra, em Fevereiro de 2007, ao responsável de vendas do grupo EE para Portugal, Sr. KK, foram apresentados os seguintes clientes: LL; MM (Porto); NN (Peniche); OO (Torres Novas); PP (Sesimbra); QQ (Amora); RR (Cascais e Portimão); SS (Olhão); TT (Faro); UU (Albufeira); VV (Portimão); XX (Lisboa e Portimão); ZZ (Portimão); e AAA (Albufeira).

65. Em Abril de 2008, foi realizado um "Tour de Vendas" em Portugal, em Lisboa e no Algarve, no qual foram apresentados ao responsável de vendas do grupo EE para Portugal, KK, os seguintes clientes:

SS (Olhão); TT (Faro); UU (Albufeira); VV (Portimão); XX (Lisboa e Portimão); ZZ (Portimão); AAA (Albufeira); BBB (Sagres); CCC (Carvoeiro); DDD (Armação de Pêra), EEE (Lagos); e PP (Sesimbra).

66. Em finais de 2008/princípios de 2009, a solicitação do grupo EE, a A realizou um estudo de mercado e forneceu-lhe uma lista de revendedores e centros de mergulho portugueses.

67. Em data não apurada, o grupo EE começou a desenvolver as suas primeiras acções no mercado português através da BB Espana.

68. Desde data não apurada, os vendedores da BB Espana têm-se deslocado a Portugal com regularidade, visitando clientes e promovendo e realizando vendas.

69. As RR. continuaram e continuam a vender os seus produtos a clientes portugueses, a quem antes a A revendia os produtos das RR., incluindo à própria A

70. Os produtos do grupo EE têm continuado a ser vendidos em Portugal a empresas portuguesas, nomeadamente, à empresa TT.

71. Os vendedores da BB Espana visitaram, pessoalmente, clientes portuguesas, nomeadamente as empresas TT e ZZ.

72. A A investiu na manutenção de um stock de produtos que lhe permitisse corresponder, de imediato, às solicitações dos clientes, tendo em vista, essencialmente, a venda por grosso.

73. Muitos desses produtos são, agora, de difícil venda, por se tratarem de modelos, entretanto, descontinuados ou desactualizados, na sequência da introdução no mercado de novos modelos do mesmo produto.

74. O custo de aquisição dos produtos das RR., que a A tinha em stock à data da cessação do relacionamento comercial referido no nº 3, era o seguinte: produtos adquiridos à 1ª R. – € 5.128,67; produtos adquiridos à 2ªR. – € 90.007,30; produtos adquiridos à 3ªR. – € 25.232,50.

75. O preço de revenda de tais produtos ascenderia a € 240.736,94, caso fosse utilizado o factor de multiplicação 2, que é o habitualmente usado pela A para efeitos de determinação do preço de revenda de produtos em stock, distribuídos da seguinte forma: produtos adquiridos à 1ª R. – € 10.257,34; produtos adquiridos à 2ª R. – € 180.014,60; produtos adquiridos à 3ª R. – € 50.465.

76. Ao longo do relacionamento referido no nº 3, a A concorreu a alguns concursos públicos, tendo-lhe sido, pelo menos, adjudicados fornecimentos à Marinha, Protecção Civil e Bombeiros.

77. Devido ao que consta do nº 4, verificou-se uma redução da actividade que vinha sendo desenvolvida pela A

78. Os produtos referidos no nº 3 eram comprados pela A às RR. por preços inferiores aos que eram praticados no mercado de venda a retalho, para permitir à A a margem de lucro referida no n° 3.

B) De Direito

1. O objecto do recurso é, de acordo com a jurisprudência uniforme, balizado pelas conclusões do recorrente, como decorre, de resto, do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Por outro lado, os recursos destinam-se a modificar decisões e não a discutir questões novas, pelo que apenas se considerarão as questões abordadas no acórdão da Relação e ora impugnadas.

2. Pese embora o âmbito mais alargado que a A. atribuiu ao seu recurso o mesmo está balizado pelos termos em que a revista excepcional foi admitida isto é, a questão de ser ou não necessário a verificação dos requisitos cumulativos do artigo 33.º, n.º 1 do Dec. Lei 178/86, em conjugação com a interpretação da alínea a) do n.º 1 do referido normativo.

Fora de apreciação a questão da admissibilidade do recurso excepcional, dada a força vinculativa da decisão da Formação que o admitiu (n.º 4 do artigo 721-A do CPC).

Não é controvertido que estaremos perante um contrato de concessão comercial.

Do mesmo modo, não merece contestação que, recorrendo de novo à transcrição utilizada no relato a que procedemos no processo n.º387/09.0TVPRT.P1.S1, se afirme:

«O contrato de concessão comercial é um contrato atípico, uma modalidade dos contratos de cooperação comercial, mormente na vertente dos contratos de distribuição.

Na definição de Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, 2009, pág. 446, o contrato de concessão comercial é aquele pelo qual “um empresário, o concedente, se obriga a vender a outro, o concessionário, ficando este último obrigado a comprar ao primeiro certos produtos para revenda em nome e por conta próprios, numa determinada zona geográfica, bem assim como a observar determinados deveres emergentes da sua integração na rede de distribuição do concedente”, ao passo que Maria Helena Brito, in “O Contrato de Concessão Comercial”, Almedina, 1990, pág. 183, define que “pelo contrato de concessão comercial é instituída uma relação contratual duradoura para a distribuição por uma das partes, o concessionário, de produtos adquiridos à outra parte, o concedente; as partes obrigam-se a celebrar entre si sucessivos contratos de compra e venda, sendo as condições de formação e o conteúdo desses contratos pré-determinados: o concedente obriga-se a vender, em determinada zona, ao concessionário e este obriga-se a comprar bens produzidos ou distribuídos pelo primeiro; o concessionário obriga-se a promover a respectiva revenda, em nome próprio, na zona e segundo as condições fixadas e deve orientar a sua actividade empresarial em função das finalidades do contrato; o concedente obriga-se a fornecer ao concessionário todos os meios necessários ao exercício da sua actividade”.

Definição semelhante é avançada por Pinto Monteiro, in “Direito Comercial, Contratos de Distribuição Comercial”, Almedina, 2002, pág. 110, para quem a concessão comercial é um “contrato-quadro” que “faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e este a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações – mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes – e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente”, acrescentando que “como contrato-quadro, o contrato de concessão comercial funda uma relação de colaboração estável, duradoura, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente estabelecidos, os bens que este se obrigou a distribuir”.

Em traços gerais, na concessão comercial um comerciante independente, o concessionário, obriga-se a comprar a outro, o concedente, determinados bens de marca, para os revender em determinada área territorial, normalmente, mas nem sempre, com direito de exclusividade (cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1/2/2001, CJSTJ, IX, 1º, pág. 90, e da Relação de Lisboa de 8/6/2004, CJ, XXIX, 3º, pág. 99 e de 21/4/2005, CJ, XXX, 2º, pág. 107).”

“Embora socialmente típico, o contrato de concessão comercial é um contrato atípico, sendo regulado pelas cláusulas que lhe são próprias, pelas disposições reguladoras dos contratos em geral e pelas dos contratos nominados que com ele apresentem forte analogia, como é o caso do contrato de agência regulado pelo DL. n.º 178/86, de 3.7, alterado pelo DL n.º 118/93, de 13.4”. – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 8.3.2007, Proc. 07B131, in www.dgsi.pt.

“O regime do contrato de agência, sobretudo na parte relativa à cessação do contrato, está vocacionado para ser aplicado, analogicamente, ao contrato de concessão comercial” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.9.2007, Proc. 07B1958, in www.dgsi.pt

A recorrente reclama aplicação ao contrato de concessão das regras do Decreto-Lei n.º 178/86 que regula o contrato de agência, designadamente no que se reporta à indemnização da clientela.

A jurisprudência e a doutrina vêm entendendo, em termos uniformes, que o DL 178/86 se aplica, em princípio, por analogia, ao contrato de concessão comercial.

Até aqui nada em que o acórdão recorrido e fundamento estejam em desacordo.

Diz-se no acórdão recorrido

«Dispõe o n.º 1 do art. 33º do Dec-Lei 178/86, de 3/7 (regime jurídico do contrato de agência) que, sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes:

a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;

c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contractos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).

Como se decidiu no acórdão do STJ, de 18/12/2013, "o direito à indemnização de clientela supõe a verificação dos requisitos constitutivos, cumulativamente previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 33º do DL 178/86, implicando a demonstração, face à matéria de facto apurada e a cargo do agente ou concessionário demandante de que, num juízo de prognose, o principal beneficiou consideravelmente, após cessação do contrato, da actividade de angariação ou incremento de clientela, por aquele desenvolvida.

Tal juízo de prognose não emerge, de forma automática, do simples facto de o principal ter tido acesso a uma base onde constam os clientes angariados, não podendo presumir-se necessariamente que a mera cognoscibilidade das respectivas identidades potencie consideravelmente o aproveitamento da clientela, independentemente de uma ponderação das circunstâncias concretas e dos constrangimentos que passaram a afectar a actividade empresarial do principal, na área geográfica em que havia decorrido a concessão".

Acresce que, como se nota na sentença recorrida, tratando-se de concessão comercial, o requisito contido na aI. c) do citado preceito tem de ser interpretado no sentido de que ao invés do que ocorre no contrato de agência sobre o concedente não recai a obrigação de retribuir o concessionário por contratos negociados ou concluídos, uma vez que este actua por sua conta, sendo retribuído através dos lucros obtidos com a revenda.

Pelo que, nessa situação, apenas se exige que o concessionário deixe de ser compensado pelos custos directamente relacionados com os contratos que negociou e venham a ser concluídos pelo concedente após a cessação da concessão.

 

No caso, embora provando-se que as apeladas continuam a vender os seus produtos a clientes portugueses, a quem antes a apelante os revendia, não se demonstrou haja sido a apelante a angariar esses clientes, nem que as apeladas se hajam aproveitado da actividade daquela até porque, como decorre da matéria assente, o grupo EE começou a desenvolver, ele próprio, acções no mercado português, através da sua filial espanhola.

Não podendo concluir-se que, pela simples circunstância de haverem tido acesso aos dados de clientela, em poder da apelante, tenham as apeladas beneficiado da clientela por aquela angariada.

E não ficou igualmente provado tenha a apelante suportado qualquer custo com a promoção, angariação ou negociação dos concretos contractos que as apeladas vieram a celebrar com clientes portugueses, após a cessação do contrato que com aquela mantinham.»

 

No acórdão-fundamento relativamente à aplicação do citado artigo 33.º diz-se o seguinte:

«…, nos termos do aludido art. 33º, devidamente adaptado ao contrato de concessão, o reconhecimento do direito de indemnização de clientela depende da integração dos seguintes elementos:

a) Ter o concessionário angariado novos clientes para a concedente ou ter aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

b) Verificar-se que, após a cessação do contrato, o concedente beneficiará consideravelmente da actividade desenvolvida pelo concessionário.»

Entendeu-se explicitar, em nota de rodapé, que a adaptação do artigo 33.º se prende com o entendimento de que o requisito previsto na al. c) do nº 1, apenas se justifica para o agente que, na pendência do contrato, é remunerado pelos contratos negociados ou concluídos pelo que, após o referido contrato, só terá direito à indemnização de clientela, se não continuar a receber essa retribuição.

Quanto ao requisito da alínea b) disse-se no acórdão fundamento:

«Relativamente a esta problemática, refere PINTO MONTEIRO, em Contratos de Distribuição Comercial, págs. 165 e segs., que só faz sentido compensar o concessionário pelo que fez no passado na medida em que se preveja que isso virá a repercutir-se directamente, no futuro, em benefício do concedente, o que importa a formulação de um juízo de probabilidade,[] bastando, pois, que, no termo do contrato, o concedente tenha efectivo acesso à clientela angariada pelo distribuidor e que lhe sejam proporcionadas condições objectivas para a continuidade de clientela.

Juízo semelhante foi expresso, entre outros, no Ac. do STJ, de 20-10-09 (www.dgsi.pt, SEBASTIÃO PÓVOAS), segundo o qual basta que, num juízo de prognose, seja proporcionada à concedente a possibilidade de obter os ganhos, sem necessidade da prova de que os obteve efectivamente (no mesmo sentido cfr. o Ac. do STJ, de 13-4-10, www.dgsi.pt, FONSECA RAMOS).

CAROLINA CUNHA desenvolve a matéria em A Indemnização de Clientela do Agente Comercial, incidindo não apenas sobre o conceito de “benefício”, como ainda sobre a respectiva adjectivação (“considerável”) que a lei exige como condição de atribuição e posterior quantificação da indemnização.

Posto que a abordagem da questão seja feita em torno do contrato de agência, conclui que a integração do primeiro requisito se basta com a ponderação de toda e qualquer vantagem com relevo económico, isto é, de todo e qualquer ganho que o aumento da procura suscitado pela actuação do agente seja apto a proporcionar ao principal (pág. 148), exemplificando com futuras transacções, clientes angariados, aumento do grau de exposição dos bens, constatação de benefícios economicamente relevantes ou com o alargamento da quota de mercado (págs. 159 a 155).

E quanto ao segundo conceito, depois de assinalar as dificuldades de elaboração de um juízo de prognose, considera que a apreciação dos efeitos causalmente imputados à actuação do agente (ou do concessionário) deve ser feita sob o padrão do empresário médio colocado nas concretas circunstâncias do caso, assinalando que a angariação de novos clientes ou o aumento de negócios na zona de actuação natural e presumivelmente traduzirão “benefício considerável” para o agente (ou para o concedente), sem embargo da contraprova de circunstâncias que indiciem um resultado inverso (págs. 185 a 190).

Neste contexto, ponderando as naturais dificuldades enfrentadas pela A. no que concerne à alegação e prova de factos sobre os quais deixou de ter o domínio, a matéria de facto apurada legitima uma resposta positiva ao preenchimento do referido requisito, permitindo concluir que à R. foi proporcionada a possibilidade de manter a clientela angariada pela A. durante o período da concessão, beneficiando, por isso, da possibilidade de extrair proveitos dessa actividade. A demonstrá-lo está o facto de, depois da extinção do contrato, a R. ter aumentado o volume de negócios, o que naturalmente não pode desligar-se do trabalho desenvolvido pela rede de concessionários que a A. integrou durante cerca de 13 anos

Quanto ao primeiro ponto, o da aplicação ao caso concreto da alínea c) do artigo 33.º não vemos dificuldade em aderir ao entendimento sufragado no acórdão-fundamento, na medida em que a alínea c) é claramente específica do contrato de agência, não havendo fundamento para aplicar essa regra ao contrato de concessão.

Pese embora no acórdão recorrido se tenha optado, não pela adesão ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2013, mas por uma interpretação restritiva da citada alínea, nos termos acolhidos na sentença, não se nos afigura que a mesma tenha justificação.

Com efeito, na sentença disse-se que o mesmo requisito deve ser interpretado com outro sentido que não o literal, atentas as diferenças entre o contrato de agência e concessão. Tal interpretação seria no sentido de exigir apenas que o concessionário deixe de ser compensado ou retribuído pelos custos relacionados com os contratos que negociou e que venham a ser concluídos pelo concedente, após a cessação do contrato, incluindo os de angariação desse cliente e promoção dos produtos.

Este o entendimento adoptado pelo acórdão recorrido.

Temos para nós que esta interpretação vai para além das regras da aplicação analógica, dando à alínea c) um sentido que nem sequer tem justificação, em termos de indemnização de clientela.

Com efeito, como se diz no acórdão deste Tribunal de 24.01.12, proc 39/2000.L1.S1, que se seguirá, «O que está na base da indemnização de clientela é uma ideia de justiça [repare-se que o critério da sua fixação, pese embora o “travão legal”, é o da equidade], assente na consideração de que se o concessionário proporcionou, pela sua actividade, incremento significativo na clientela do concedente, assim o beneficiando “substancialmente” para o futuro, em termos de volume de negócios, deve ser compensado pelo esforço despendido.

Como ensina Pinto Monteiro, in “Contrato de Agência-Anotação ao Decreto-Lei 178/86” – 2ª edição, págs. 103 e 104:

“Trata-se, no fundo, de uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato – seja qual for a forma por que se lhe põe termo ou o tempo por que o contrato foi celebrado (por tempo determinado ou por tempo indeterminado) e que acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar –, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente.

É como que uma compensação pela “mais-valia” que este lhe proporciona, graças à actividade por si desenvolvida, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do contrato de agência».

No mesmo sentido se pronunciam outros Autores igualmente citados no atrás referido acórdão de 24.10.12:

«Também Maria Helena Brito defende que a indemnização de clientela é uma compensação pela vantagem conseguida pelo principal, e da perda sofrida pelo agente, não tendo natureza de reparação patrimonial (indemnização) em sentido estrito:

– “No direito português, a “indemnização de clientela” devida ao agente, não tendo função reparadora, não é, em sentido próprio, indemnização; também não parece configurar uma pretensão fundada no injustificado enriquecimento de outrem (o principal); não é igualmente adequado pensar em protecção social do agente.

Pelo contrário, trata-se de um direito à retribuição por serviços prestados: o originário direito à comissão transforma-se, por efeito da cessação do contrato, em direito a uma compensação, que tem em conta as retribuições esperadas pelo agente se o contrato não fosse interrompido.

Em conclusão, pois, trata-se de uma remuneração pela clientela angariada pelo agente e de que vem a beneficiar o principal”. – “O Contrato de Concessão Comercial”, 1990, pág. 100.

Quanto à natureza jurídica do direito à indemnização, no contrato de agência, mas aplicável ao contrato de concessão, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in “A indemnização de Clientela no Contrato de Agência”, página 100, escreve:

“Fica-nos assim a tese do enriquecimento por prestação. Esta parece ser a melhor configuração dogmática desta situação, que se pode reconduzir a uma hipótese de condictio ob causam finitam. Efectivamente, o que ocorre na indemnização de clientela é que o agente efectuou uma prestação para o principal (a angariação de clientes ou o aumento do volume de negócios), que gera benefícios patrimoniais duradouros para ele (a celebração de contratos pelos clientes), os quais se podem prolongar para além da extinção do contrato, mas que, enquanto este vigora, têm o seu correspectivo nas comissões auferidas pelo agente. A extinção, em determinado momento, do contrato de agência vai levar a que esses benefícios patrimoniais, que eram proporcionados pelo contrato a ambas as partes, venham apenas a resultar em benefício de uma, tendo a indemnização a função de compensar, em termos de valor, o desequilíbrio patrimonial correspondente."»

Ora, o entendimento sufragado, não respeita o entendimento doutrinário citado, antes funda o direito à indemnização de clientela, no facto de o concessionário não ser indemnizado pelos custos decorrentes da actividade comercial que desenvolveu, sem ter obtido os correspondentes benefícios, ou seja, indemnizado pelo dano.

O que nos deixa, pois, perante a outra opção, perfeitamente compatível com a analogia e por isso a que merece ser adoptada.

Passando à alínea a) e pese embora o entendimento acolhido na decisão que admitiu a revista excepcional, temos que não haverá que controverter aqui a questão da alínea a) e sua interpretação.

No acórdão recorrido não se fez nenhuma opção interpretativa relativamente à referida alínea.

A recorrente ataca o entendimento sufragado na sentença mas esse entendimento não foi, no acórdão, controvertido ou perfilhado. Também no acórdão-fundamento o fundamento da alínea a) não mereceu discussão pelas partes.

Está pois fora do âmbito do recurso essa questão.

Excluída da aplicação ao caso vertente da alínea c) quanto à alínea a),o que se disse foi que a mesma se não provara.

A alínea implicaria a prova de ter o concessionário angariado novos clientes para a concedente ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente.

A segunda alternativa não foi alegada nem provada e a primeira efectivamente alegada não se provou.

Como se diz no acórdão recorrido, “provando-se que as apeladas continuam a vender os seus produtos a clientes portugueses, a quem antes a apelante os revendia, não se demonstrou haja sido a apelante a angariar esses clientes, nem que as apeladas se hajam aproveitado da actividade daquela – até porque, como decorre da matéria assente, o grupo EE começou a desenvolver, ele próprio, acções no mercado português através da sua filial espanhola”. Ainda se acrescentou não poder inferir-se do facto de as apeladas terem tido acesso aos dados de clientela da apelante, que tenham beneficiado da clientela por aquela angariada.

De facto, não resultou provada a quase totalidade da factualidade com que a A. pretendia demonstrar ter angariado um n.º significativo de novos clientes:

– Não se provou que desde 2000 e até ao início do relacionamento das RR com a A. os produtos daquelas não fossem comercializados em Portugal;

– Não se apurou que os clientes revendedores referidos no n.º 38 da matéria de facto fossem em n.º não inferior a 50.

– Não se apurou que as vendas do grupo EE efectuadas em Portugal tenham sido realizadas com base nas informações sobre clientela fornecidas pela A, nem que no estudo de mercado referido no n.º 66 da matéria de facto fosse indicado com pormenor o potencial de mercado;

– Nem que, para além do que consta do artigo 66.º a A. tivesse remetido ao grupo EE uma listagem de todos os clientes portugueses e que todos os clientes portugueses referidos no ponto 66.º tenham sido angariados pela A. e que os vendedores da BB Espanha tenham visitado pessoalmente a totalidade dos clientes portugueses mencionados nos n.ºs 64, 65, e 66, procedendo à entrega de catálogos e listagem de preços.

Sem a prova do requisito do aumento (quantificado e significativo) é praticamente irrelevante considerar a alínea b), sem embargo de se dever reconhecer que o que interessaria era ser possível formular o juízo de prognose referido no acórdão-fundamento.

Preexistindo à actuação da A. uma carteira de clientes das Rés, o simples facto de a A. ter aumentado o n.º de clientes, sem qualquer quantificação destes ou do incremento operado no volume de negócios e ter ocorrido a actuação dinamizadora de uma filial do grupo não permite formular o referido juízo de prognose.

Ainda que este entendimento não devesse conduzir à improcedência do recurso, como entendemos que conduz, sempre essa conclusão resultaria de outro tipo de fundamentação.

Noutro acórdão, proferido no recurso de revista excepcional n.º 387/09.0TVPRT.P1.S1, defendemos que «o art. 4.º do DL n.º 178/86 estabelece que “depende de acordo escrito das partes a concessão do direito de exclusivo a favor do agente, nos termos do qual a outra parte fica impedida de utilizar, dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes, outros agentes para o exercício de actividades que estejam em concorrência com as do agente exclusivo”.

Essa norma não vigorava em 1970, início da vigência do contrato dos autos mas, a entender-se ser de aplicar analogicamente a obrigatoriedade de redução a escrito da cláusula de exclusividade, decorreria do disposto no artigo 37.º, n.ºs 1 e 2 do citado DL que impunha a redução a escrito do acordo de exclusividade, no prazo de 60 dias após a entrada em vigor do diploma em causa.

No acórdão deste Tribunal de 08.11.2007 (Revista n.º 3445/07 – 7.ª Secção)

dizia-se expressamente que no “contrato de concessão comercial, o acordo de exclusividade carece de ser reduzido a escrito, sob pena de não ser válido (art. 4.º do DL n.º 178/86, de 03-07, na redacção introduzida pelo DL n.º 118/93, de 13-04).”

Em sentido contrário, isto é, no do acórdão fundamento, se pronunciava o acórdão de 06.10.2009 (Revista n.º 1183/04.6TBALB.C1.S1 – 6.ª Secção), sustentando:

“(…)

III – É princípio geral o da liberdade de forma na emissão da declaração negocial (art. 219.º do CC), não havendo disposição legal que exija forma especial para o contrato de concessão comercial, a que, por inexistência de regime legal que directamente o contemple, são aplicáveis as cláusulas estipuladas pelas partes desde que lícitas (art. 405.º do CC) e as regras gerais dos contratos, bem como as regras dos contratos mais próximos que tenham a sua disciplina fixada na lei, sendo as mais próximas as do contrato de agência, regulado pelo DL n.º 178/86, de 03-07, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 118/93, de 13-04.

IV – O art. 4.º daquele primeiro diploma, na redacção dada pelo último, no respeitante à exclusividade, dispõe expressamente que depende de acordo escrito das partes a concessão do direito de exclusivo a favor do agente; esta norma é excepcional em relação ao princípio geral da liberdade de forma, pelo que, nos termos do art. 11.º do CC, é insusceptível de aplicação analógica. Assim, ao contrato de concessão comercial não é aplicável o dispositivo do aludido art. 4.º, o que significa que a cláusula de exclusividade pode existir mesmo que não tenha sido reduzida a escrito.”

É um facto que o acórdão (e antes dele a sentença) consideraram que a exclusividade teria que resultar de prova documental, por terem entendido que aplicando-se, analogicamente, ao contrato de concessão, a citada regra do artigo 4.º do DL 178/86, não demonstrada a existência de cláusula escrita nesse sentido, afastada estava, ipso facto, a exclusividade.

Porém, não se perca de vista que, como refere MENEZES CORDEIRO, in Manual de Direito Comercial, 2007, p. 678:

“O contrato de concessão não tem base legal directa. Estamos perante uma figura assente na autonomia privada. À partida, trata-se de um contrato que não está sujeito a qualquer forma solene. Pode ser meramente verbal ou pode resultar de condutas concludentes.

Para além disso, o seu regime resultará, antes de mais, da interpretação e da integração do texto que tenha sido subscrito pelas partes.

No que as partes tenham deixado em aberto, haverá que recorrer à analogia. O direito comparado há muito estabelece neste domínio, o recurso ao regime da agência”.

Como resulta do art.º 217.º do C. Civil:

1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita; é expressa, quando feito por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, revelam.

2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduza”

Em matéria de validade da declaração negocial vale o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219.º do mesmo diploma legal, segundo o qual” a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir “.

Daqui resulta que as exigências de forma são excepcionais.

Cautelarmente, a maior parte da doutrina portuguesa é no sentido de que a aplicação analógica da indemnização pela clientela ao concessionário se justificará ou não consoante as especificidades contratuais (assim MENEZES CORDEIRO na obra atrás citada, p. 514, ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, in Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, Coimbra, p.163-168 e Contrato de Agência, 5.ª ed. actualizada, Almedina Coimbra, pp. 137-139, CARLOS LACERDA BARATA, Anotações ao novo regime do contrato de agência, Lisboa, Lex, 1994, pp. 86-87 e MENEZES LEITÃO, A indemnização de clientela no contrato de agência, Almedina Coimbra, p. 84; menos restritiva é a posição de JOSÉ ALBERTO VIEIRA, O contrato de concessão comercial, Lisboa, AAFDL, 1991, pp.151 e ss. e de RUI PINTO DUARTE, “A jurisprudência portuguesa sobre a indemnização de clientela ao contrato de concessão comercial – Algumas observações”,Thémis, II, n.º 3 (2001), pp. 317 a 321).

Esta doutrina e a jurisprudência com ela concordante não teve que afrontar a questão, face à regra do citado artigo 4.º do DL 178/86.

Ora, este normativo tem natureza excepcional, porquanto em oposição à regra da liberdade formal dos contratos e à natureza não formal do contrato de concessão.

Neste sentido, vai a opinião da doutrina expressamente consagrada no acórdão atrás citado de 6.10.99.

São normas excepcionais aquelas que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração especial, consagram uma doutrina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativas daquele sector de relações, enquanto são normas especiais os preceitos que, regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral (PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA).

Ou, “são normas excepcionais as que exigem forma específica para a validade dos negócios jurídicos” (GALVÃO TELES, CJ, 1985,1.º, 31).

No acórdão deste Tribunal de 05.03.2009, Processo n.º 09B02970 defende-‑se que o art. 33.º do Dec-Lei 178/86 que concede indemnização de clientela ao agente, após a cessação do contrato, configura uma norma de cariz imperativo.

Desta argumentação decorre a inaplicabilidade da aplicação analógica ao caso da norma do artigo 4.º do DL 178/86.

Sem embargo, a aplicabilidade ao caso em apreço da norma do artigo 33.º do citado diploma legal, enquanto conferindo uma indemnização pela clientela também terá que se entender excluída.

Tal norma, para além dos requisitos positivos e negativos tem pressupostos, um dos quais é a de que se a cessação do contrato tiver por base a violação da cláusula de exclusividade tal exclusividade esteja consagrada por escrito.

A própria natureza imperativa da norma do artigo 33.º, o que implica que cláusulas que excluam o direito à indemnização da clientela se tenham que considerar nulas, não é conciliável com uma exclusividade meramente de facto.

Ou seja, as razões que estão na base das disposições em causa afastam a possibilidade de interpretação do artigo 33.º, por forma a conferir um direito a indemnização de clientela por violação de uma exclusividade não escrita.

Tal entendimento é imposto pelas regras do artigo 9.º do CC, designadamente ao impor a consideração da unidade do sistema jurídico e da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

Se um Agente não pode invocar como fundamento para ser indemnizado a violação de uma exclusividade meramente “factual”, não pode aplicar-se ao Concessionário a referida norma em idênticas circunstâncias.

Razão para, no entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência, excluir neste caso a aplicação analógica do citado artigo 33.º, quando a resolução do contrato se fundar na violação da exclusividade.»

Este entendimento é aplicável aos contratos a que este processo se refere, porquanto meramente verbais.

III – Pelo exposto, acordam em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 12 de Março de 2015


Paulo Sá (Relator)

Garcia Calejo

Helder Roque

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[1] N.º 684
  Relator:    Paulo Sá
  Adjuntos: Garcia Calejo e
                     Hélder Roque