Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19138/16.6T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MEDIDA DE RESOLUÇÃO BANCÁRIA
BANCO DE PORTUGAL
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
INSOLVÊNCIA
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
ACÇÃO
TRIBUNAL COMUM
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA. CONFIRMADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
DIREITO CONSTITUCIONAL –DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE PRIVADA.
Doutrina:
- Mafalda Miranda Barbosa, Os Limites da medida de Resolução, Boletim de Ciências Económicas, Setembro de 2016, p. 41.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CÍVEL (CPC): - ARTIGOS 277.º, ALÍNEA E) E 615.º, N.º 1, ALÍNEA D).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 62.º, N.º 1.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF): - ARTIGOS 139.º, 140.º, 145.º-A E SS..
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (EU) 1024/2013 DO CONSELHO, DE 15/10: - ARTIGOS 4.º, N.º 1, ALÍNEA A) E 14.º, N.º 5.
REGULAMENTO (EU) 468/2014 DO BANCO CENTRAL EUROPEU, DE 16/4: - ARTIGOS 80.º E SS..
REGULAMENTO DO PARLAMENTO EUROPEU E CONSELHO 1022/2013/EU.
Referências Internacionais:
DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO N.º 2014/49/EU.
DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO N.º 2014/59/EU.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 30-03-2017;
- DE 26-09-2017, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-11-2017, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-03-2018, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-06-2018, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :



I - A Relação não incorre na nulidade por omissão de pronúncia, a que se refere o art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, quando o inconformismo da recorrente assenta no mérito dos fundamentos e da decisão proferida, tanto mais que as “questões” a que se refere o preceito devem ser entendidas como os pontos essenciais de facto e de direito (excepções incluídas) com que as partes definem o litígio e fundamentam as suas pretensões, e não reportadas às razões ou argumentos pelas mesmas para tanto utilizadas.
II - A revogação pelo BCE, em 13 de Julho de 2016, da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito [arts. 4º, nº 1, alínea a) e 14º, nº 5 do Regulamento (EU) 1024/2013 do Conselho, de 15/10; arts. 80º e ss. do Regulamento (EU) 468/2014 do Banco Central Europeu, de 16/4; arts. 5º e 8º do DL 199/2006, de 25/10, o segundo artigo na redação do DL 31-A/2012, de 10/2], tendo-se firmado na ordem jurídica sem ter sido impugnada, é normativamente equiparada ao do trânsito em julgado da sentença que declara a insolvência. O processo de liquidação, subsequentemente requerido pelo Banco de Portugal, em tudo o que não estiver especialmente previsto no DL 199/2006, rege-se pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (nºs. 1 e 2 do art. 8º, cit.).
III - As deliberações do Banco de Portugal, considerados os segmentos examinados no acórdão [subalíneas (v) e (vii) da alínea (b) do nº 1 do retificado Anexo 2 e alíneas A), B), subalíneas (i), (v) e (vi) e C) do aditado Anexo 2C à deliberação de 3 de Agosto de 2014; alíneas A), B), subalíneas (i), (v) e (vi) e C) da deliberação de 29 de Dezembro de 2015 – Contingências], são claras, não suscitando dúvidas interpretativas, no sentido de que qualquer responsabilidade do BES na matéria não é transferida para o NB, carecendo este de legitimidade substantiva para a ação.
IV - No quadro regulamentar estabelecido nas deliberações do Banco de Portugal, visando clarificar e ajustar a conformação inicial da medida de resolução, constam disposições que conterão atos materialmente administrativos – sendo aí os terceiros destinatários precisamente determinados, e não meramente determináveis.
V - A intervenção em causa do Banco de Portugal, enquanto entidade apenas estatutariamente sujeita às orientações e instruções do Banco Central Europeu (arts. 1º e 3º da LOBP), com a prática de atos no exercício de funções públicas de autoridade, quadra-se no âmbito dos arts. 101º e 102º da Constituição, das citadas disposições do RGICFS, do Regulamento do Parlamento Europeu e Conselho 1022/2013/UE, do Regulamento do Conselho 1024/2013/UE, do Regulamento do BCE 468/2014/UE, dos arts. 17º e 17º-A da LOBP.
VI - O procedimento de resolução referido em V, as normas emanadas nas deliberações proferidas e os sucessivos atos de autoridade destas resultantes, sujeitos à observância de determinados requisitos e enquanto dotados de eficácia externa lesiva dos direitos e interesses legalmente protegidos de terceiros, poderão, obviamente, ser judicialmente sindicados, à luz da Constituição e da lei, como é próprio do Estado de Direito, competindo tal sindicância à jurisdição administrativa (arts. 204º e 212º, nº 3 da Constituição; arts. 1º e 4º do ETAF; arts. 12º e 145º-AR do RGICSF; art. 39º da LOBP).
Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. AA intentou contra o Banco BB, SA (CC) e o DD, SA (NB) a presente ação, pedindo a condenação solidária dos Réus a reembolsarem a Autora do capital de 350.00,00 €, acrescidos de juros remuneratórios e moratórios, nas parcelas por aquela discriminadas.

Em síntese, alegou que o CC violou deveres de informação e de lealdade a que estava adstrito por força da sua qualidade de intermediário financeiro e de banqueiro e, por essa razão, incorre em responsabilidade civil, e que também se comprometeu perante a Autora de que se tratava de uma aplicação de ativos financeiros mediante a aquisição de um produto com garantia no montante do capital investido, devendo, por isso assumir contratualmente o reembolso do capital investido; o Réu NB assumiu a sua intenção de reembolso aos adquirentes do papel comercial, criando na Autora a expectativa de reembolso do capital investido e que nos termos em que foi concretizada a medida de resolução a mesma enquadra-se numa «cisão simples» (art. 118.° do Código Comercial) e que «entender-se que apenas operou a transferência dos ativos sem a transferência dos passivos e suas responsabilidades constitui uma inconstitucionalidade»; ademais, em diferentes datas e em diferentes momentos, quer o 1.°, quer o 2.° Réu, assumiram a responsabilidade de pagamento perante os lesados do CC.

Contestou o CC, por impugnação e por exceção, quanto a esta sustentando a inutilidade da lide e requerendo a absolvição da instância, em virtude da sua liquidação judicial, cujo processo se encontra atualmente pendente no Tribunal do Comércio (veio ulteriormente, a fls. 923, juntar ofício emitido pela Secretaria do Tribunal Geral confirmando, atestando que não fora entretanto interposto recurso da deliberação do Banco Central Europeu, de 13 de Julho de 2016, que determinou a revogação da autorização do CC para o exercício da atividade de instituição de crédito).

O NB igualmente contestou por impugnação e por exceção, quanto a esta sustentando a sua ilegitimidade passiva, quer processual quer substantiva, em virtude das deliberações do Banco de Portugal (BP).

Foi fixado à ação o valor de €389.980,04.

Proferido despacho, a declarar extinta a instância relativamente ao CC, atualmente em liquidação, por inutilidade superveniente da lide, absolvendo-o da instância; despacho seguido de saneador, a declarar a ilegitimidade substantiva do NB, julgando a ação contra ele improcedente, absolvendo-o dos pedidos.

2. Apelou a Autora.

A Relação manteve, no essencial sem diferente fundamentação, a decisão da 1ª instância (julgaria parcialmente procedente o recurso, no que respeitava à condenação da Autora no pagamento da totalidade das custas, relativamente à absolvição da instância do 1º Réu, por inutilidade superveniente da lide).

3. Pede revista a Autora – recurso de revista excecional, admitido nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 672º do CPC, por acórdão de 24 de Maio último (fls. 1339/43).

4. Distribuído o processo, proferido despacho pelo relator, entendendo dever ser restringido o âmbito de conhecimento do recurso, relativamente ao conjunto de questões pela própria Recorrente enunciado – (i) Da nulidade processual por dispensa de audiência prévia em violação do principio do contraditório; (ii) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia; (iii) Da não utilidade superveniente da lide quanto ao CC; (iv) Da ampliação [aditamento] da matéria de facto provada relativamente aos factos assentes nos documentos que não foram impugnados; (v) Da responsabilidade do DD S.A e da acção dever prosseguir contra ele –, às 2ª, 3ª e 4ª questões, mostrando-se inadmissível o recurso quanto à 1ª questão (nºs. 8/36 das conclusões da alegação da Recorrente) e à 4ª (nºs. 73/80 das conclusões da mesma alegação), em vista do disposto, respetivamente, no art. 671º, nºs. 1, 2 e nos arts. 674º, nº 3, 682º, nº 2, todos do CPC, estes últimos, a conjugar com o art. 46º da LOSJ e mandando ouvir Recorrente e Recorridos, nos termos do nº 1 do art. 655º do CPC.

Notificados, nada disseram

5. Vistos os autos, cumpre decidir.


II

6. Delimitação do objeto do recurso.

Restringe-se o recurso, na sequência do despacho liminar do relator (supra, 4), ao reexame das seguintes questões, tal como suscitadas nas pertinentes conclusões da alegação da Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2): (i) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia – conclusões 37/50 (ii) Da não utilidade superveniente da lide quanto ao CC – conclusões 51/72 e (iii) Da responsabilidade do DD S.A e da acção dever prosseguir contra ele – conclusões 81/89.

Transcrevem-se as conclusões em causa:

«(…)

37 - A nulidade da sentença por omissão:

38 - O douto acórdão recorrido considera que inexiste ausência absoluta de pronúncia na decisão proferida em primeira instância.

39 - Mas ela existe de facto. E continuou a existir após a decisão proferida de que se recorre.

40 - Entende a recorrente que este vicio não se demonstra ultrapassado porque a decisão de primeira instância e o douto acórdão de que se recorre não efectuaram a apreciação que deveria ter sido feita quanto à matéria em causa, nomeadamente quanto à invocação de violação do artigo 62°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

41 - A referência que a douta sentença faz quanto à imposição de uma restrição ao direito de propriedade, não dá uma resposta aos argumentos que foram apresentados pela recorrente, em primeira e segunda instância, e não os afasta.

42 - Não há qualquer demonstração nos autos (e desconhece-se essa demonstração fora deles) que permita afirmar que, se os direitos da recorrente não fossem excluídos não seria (i) assegurada a continuidade da prestação de serviços financeiros essenciais; (ii) acautelado o risco sistémico: (iii) salvaguardado o interesse dos contribuintes e do erário público (iv) salvaguardada a confiança dos depositantes.

43 - O que existe na realidade, é uma remissão para os artigos que se entende devem ser aplicados para se justificar a medida de resolução e para restringir o direito de propriedade mas, nada nos autos permite afiançar quantitativa e qualitativamente que os motivos para se pugnar pela medida de resolução e o benefício que dela se pretende retirar, seja proporcional à perda da recorrente.

 44 - Lendo-se a totalidade do acórdão referido, de 07.03.2017, entendem os recorrentes que os argumentos ali vertidos não são suficientes para afastar os argumentos levados a apreciação pela recorrente, continuando a entender que o regime emergente dos artigos invocados para a existência da selecção dos ativos e dos passivos, na interpretação dada pelo banco de Portugal (na Sua primeira deliberação e nas subsequentes rectificações) padece de uma inconstitucionalidade material pois permitiu um confisco ou uma expropriação sem justa contrapartida, em clara violação do direito de propriedade da recorrente.

45 - Por outro lado, é preciso que se diga que o direito de propriedade de que a recorrente se arroga não é um direito só seu. É o direito de centenas/milhares de pessoas, pelo que quando se coloca em contraposição o direito de propriedade da recorrente com a vantagem que se pretendeu obter e se diz que o mesmo não pode sobreviver por ser um direito "inferior", a verdade é que falamos de um direito multiplicado milhares de vezes,

46 - E ainda que no caso concreto se possa, apenas, avaliar a situação dos recorrentes, certo é que uma mudança na posição da que até aqui vem sendo assumida pelos tribunais portugueses é possível, desde que se conceda que o direito de propriedade que foi afectado é muito mais abrangente e muito mais importante do que tem sido considerado.

47- O que está em causa não é apenas o interesse do recorrente, mas sim o interesse geral de uma comunidade alargada (milhares de pessoas e empresas), obrigadas a suportar um encargo especial e exorbitante como seja a expropriação total do seu direito de propriedade sem qualquer contrapartida.

48 - E é este interesse geral, desta comunidade de milhares de pessoas da qual a recorrente faz parte, que tem de ser contraposto ao interesse da comunidade em geral, pois quando fazemos esse exercício, concluímos que existe uma inobservância total de um justo equilíbrio que tem sido utilizado para justificar a proporcionalidade da medida tomada e sobretudo das suas consequências.

49 - Quando se avalia a proporcionalidade de uma restrição a um direito fundamental, avalia-se a relação entre o bem que se pretende proteger ou prosseguir com a restrição e, o bem protegido, devendo o meio escolhido para essa restrição, não ser desproporcional. E o meio escolhido é manifestamente desproporcional porque despoja a recorrente da totalidade do seu direito, Sem qualquer contrapartida e sem se demonstrar em que medida o bem que se pretende proteger seria afectado em termos quantitativos e qualitativos.

50 - Existindo uma restrição desproporcionada, existirá  inconstitucionalidade que deverá ser declarada por este Supremo Tribunal de Justiça.

51 - Da inutilidade superveniente da lide quanto ao CC:

52 - É impensável não se aceitar que a situação dos "lesados do CC" não seja uma novidade, uma situação inesperada ou um contexto novo que não mereça um relevo jurídico tal que permita ser regulada juridicamente de forma diferente.

53 - Contrariamente ao que é dito no douto acórdão, uma sentença condenando o CC poderá fazer toda a diferença para efeitos de uma resolução extra judicial porquanto é sabido, publicamente, que as iniciativas extra judiciais têm feito depender a possibilidade de ressarcimento dos direitos dos lesados, da existência de direitos judicieis activos ou de sentenças favoráveis.

54 - Quando um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência é proferido, o mesmo é lavrado após ponderação exaustiva, face à legislação e à jurisprudência existentes sobre o assunto. A recorrente não põe isso em causa. O que a recorrente põe em causa é se a factualidade que lhe dá lugar está ou não ajustada à realidade actual e ao caso dos autos.

55 - Os AUJ podem ter um carácter persuasivo ou de precedente jurisprudencial qualificado, para que os tribunais produzam decisões convergentes sobre a mesma questão de direito, em prol da segurança jurídica e garantindo uma expectativa dos cidadãos.

56 - A existência de razões ponderosas e consideráveis, podem justificar o desvio de interpretação das normas jurídicas em causa, e de uma eventual discordância que não tenham sido consideradas no AUJ, até mesmo pela própria situação jurídica entretanto criada e surgida no ordenamento jurídico.

57 - Existem diferenças relevantes e substanciais entre as situações de facto em causa (situação do AUJ e situação em discussão nos presentes autos) e os argumentos agora aduzidos pela recorrente, estando preenchido um circunstancialismo complexo onde surgem argumentos jurídicos que não foram rebatidos pelo acórdão uniformizador e bem assim, há que atender também ao período de tempo decorrido desde a prolação da decisão, conjugado com relevantes modificações no regime jurídico ou com alterações sensíveis das condições específicas constatadas no momento da aplicação e bem assim, a contrariedade insolúvel da consciência ético-jurídica do julgador em caso de adesão à jurisprudência uniformizadora.

58 - Estamos perante uma situação sem paralelo e sem comparação a qualquer outra no universo português, uma vez que o recorrido CC foi o primeiro banco português a ser objecto de uma medida de resolução sem que se consiga conhecer a fundo qual a repercussão desta situação a nível nacional e internacional, sem que se consigam delimitar ainda os riscos e consequências jurídicas associadas a tal decisão, sendo do conhecimento público que por conta desta situação houve a necessidade de proceder a alteração na legislação quanto à resolução dos bancos e os efeitos.

 59 - É inegável então que se considere a existência de especiais circunstâncias que anteriormente não tenham sido ponderadas para aplicação daquele AUJ, face à inexistência de uma situação anterior que possa ser minimamente comparável.

60 - Entende a Apelante que a situação jurídica em que se encontram e a própria situação jurídica do CC, é completamente nova no nosso ordenamento jurídico, é uma situação indefinida, incerta e longe de estar legalmente balizada.

61 - Prova demonstrativa dessa circunstância é a própria actuação do Banco de Portugal, nas sucessivas deliberações que têm sido proferidas após a resolução do CC e o seu próprio poder de retransmissão e bem assim a alteração legislativa que se entenderam ser necessárias quanto à resolução de bancos.

62 - Existe por isso uma nova realidade jurídica e social, que trouxe para o ordenamento jurídico português um quadro factual superveniente que permite e justifica não acatar aquela decisão uniformizadora de jurisprudência e nessa circunstância decidir pela continuidade da instância, ou, pelo menos, face a tudo o exposto, pugnar-se pela suspensão da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no nO 1 do artigo 2720 do CPC.

63 - Estamos perante uma situação desigual e sem paralelo no ordenamento jurídico português, e por isso mesmo deve ser chamado à colação o disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, que postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para situações de facto desiguais.

 64 - Estando-se perante um circunstancial ismo novo e complexo seja de ponderar a tese oposta àquele que obteve vencimento e que levou à prolação do AUJ.

65 - A recorrente desconhece se os seus créditos, reclamados no processo de insolvência serão ou não admitidos e aí reconhecidos, não existindo ainda no processo de insolvência sentença de reconhecimento e graduação de créditos.

66 - Está em discussão quanto ao recorrido BE5 uma obrigação e responsabilidade no pagamento à Apelante pela subscrição do papel comercial e bem assim, sem prescindir, da obrigação de indemnização decorrente da sua responsabilidade na qualidade de intermediário financeiro e pela violação dos deveres de boa intermediação financeira.

67 - Pode ocorrer - sem se conceder - que em virtude da responsabilidade que subsiste apurar, este crédito ali não venha a ser reconhecido e que esse direito tenha de ser judicialmente reconhecido à recorrente, através da presente acção, tendo a sentença a proferir na acção declarativa toda a utilidade, nos casos em que esta sentença seja proferida antes da sentença de verificação e graduação de créditos.

68 - É legítimo à recorrente ver reconhecido na presente acção os créditos que aqui reclama, sendo que caso sejam reconhecidos na presente acção tornam-se mais firmes e sólidos, vislumbrando-se uma maior dificuldade da sua impugnação no processo de insolvência.

 69 - Dito de outra forma, seja ou não reconhecido o crédito, ficará sujeito a impugnação, nos termos dos artigos 1300 a 1400 do CIRE, indo o tribunal verificar os créditos, depois de eventualmente impugnados, sendo certo que aquele tribunal não vai julgar cada uma das acções em que os pedidos respectivos foram formulados, pelo que as acções autónomas pendentes podem não ser inúteis podendo a sua tramitação ulterior ser até necessária para a satisfação do crédito da recorrente.

70 - A presente acção apenas poderá perder a sua utilidade a partir do momento em que é proferida a sentença de verificação de créditos no processo de insolvência sendo nessa altura que se reconhece e se define o direito dos credores (o que, dada a gigantesca dimensão do processo de insolvência não se prevê num futuro próximo).

71 - A utilidade da sentença a proferir na acção declarativa poderá alcançar objectivos mais longínquos, podendo produzir efeitos fora do processo de insolvência, até porque se desconhece o resultado que terá o recurso interposto contra o prosseguimento da liquidação judicial e porque se desconhece o resultado que terá o processo nº 2607/14.BELSB, a correr termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que pugna pela decretação da anulação da medida de resolução decidida pelo Banco de Portugal relativamente ao Apelado CC e que pugna pela anulação da transferência dos activos passivos, elementos extrapatrimoniais e crivos sob gestão do Banco BB, SA para o DD, SA, considerando que todo esse acervo patrimonial seja transferido e regresse à esfera patrimonial do Banco BB, SA.

72 - Deve ser revogada a decisão proferida que julgou a inutilidade superveniente da lide quanto ao recorrido CC e que se manteve no douto acórdão de que se recorre e ser ordenado o prosseguimento dos autos ou a sua suspensão.

(…)

 81 - Da responsabilidade do DD, S.A. e da acção dever prosseguir contra ele:

82 - Não pode deixar de se considerar directamente inconstitucional, por violação grave de garantias da recorrente (provindas do principio da proporcionalidade e da protecção de confiança) a exclusão prevista no Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 03-08-2014 e subsequentes clarificações e concretizações (11-08-2014 e 29-12-2015), bem como a norma da qual emanaram tais deliberações (artigo 145°-H, nº 5 do RGIC5F), na interpretação de que aí se integra o passivo do recorrido CC, de que sejam credores clientes não institucionais em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos riscos dos produtos de investimento que subscreveram propostos pela instituição financeira CC, como o compromisso assumido por esta perante aqueles da entrega do capital.

 83 - Quer da argumentação proferida na sentença em primeira instância, quer da confirmação dada pelo douto tribunal de que se recorre, não ficou demonstrado em momento algum, sobretudo em termos quantitativos, em que medida, no quadro da proporcionalidade, é que o interesse na defesa do sistema financeiro e da salvaguarda da viabilidade do recorrido DD é afectado pelo crédito que os recorrentes detêm.

84 - Ainda que se entenda como necessária excluir a transmissão daqueles passivos, não se demonstra razoável e mais uma vez, nem sequer demonstrável em termos quantitativos e práticos, que os recorrentes tenham de sofrer uma perda total do seu capital.

85 - Manter-se a decisão recorrida é comprometer seriamente a confiança dos consumidores em geral e dos recorrentes em particular, a coberto de uma norma emanada do Banco de Portugal, que no âmbito do seu poder de supervisão permitiu ele próprio, a comercialização de produtos de natureza complexa para venda em mercado não regulamentado, que acabou por ser um veículo de financiamento do GES e que foi apresentado ao mercado retalhista como seguro ou de retorno garantido.

86 - O investimento da recorrente é afectado não só pela confiança depositada na instituição do recorrido CC mas porque existia uma supervisão efectuada pela entidade a quem cabia assegurar a disponibilidade do dinheiro da recorrente.

87 - Há pois que questionar se a razão que determinou a deliberação de 03- 08-2014 e as suas posteriores clarificações, justificam a perda sofrida pela recorrente e se o mesmo é demasiado onerosa quando confrontada com a hipotética vantagem que Se pretende obter. E a resposta a esta questão só pode ser negativa, porque essa vantagem será sempre ilegítima.

 88 - Não existe uma causa objectiva para a existência das clarificações que foram efectuadas após a deliberação de 03.08.2014. Existe sim, uma clara ingerência daquela entidade na jurisdição dos tribunais portugueses, ao não se permitir que a decisão inicial pudesse ser apreciada e julgada em termos imparciais, sem a necessidade de posteriores esclarecimentos ou clarificações.

89 - Deve este Supremo Tribunal de Justiça recusar a aplicação dos normativos constantes das deliberações proferidas pelo Banco de Portugal (na parte em que se considera ter ficado excluídas da transmissão para o DD o passivo do recorrido CC de que sejam credores os clientes não institucionais, em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos do ressi co dos produtos de investimento que subscreveram proposto pelo recorrido CC, assim como o compromisso assumido por este na entrega do capital acrescido dos juros, por as mesmas serem violadoras de normativos legais e constitucionais, devendo concluir pela transferência de responsabilidades do recorrido CC para o recorrido DD e nessa sequência ordenar-se o prosseguimento dos autos, devendo ser considerada a inconstitucionalidade invocada.»

Contra-alegaram as Recorridas, no sentido da improcedência do recurso.

7. Fixada pelas instâncias, nos seguintes termos, a matéria de facto (aí vindo transcritas as deliberações do BP em causa):

«1. A Autora subscreveu Papel Comercial da BB Internacional, nos seguintes termos: a)    € 150.000,00 com a identificação ESI INTERNATIONAL 4% - código ISIN - XS0962455217, número de conta corrente 903074040008, subscritas no dia 26/08/2013, com reembolso em 29/08/2014; b)        € 100.000,00 com a identificação ESI - 4% USD - código ISIN XS0985085546, número de conta corrente 903074040004, subscritas no dia 27/10/2013, com reembolso em 27/10/2014; c)  € 100.000,00 (Cem mil euros) com a identificação ESI - 4% - código ISIN XS0985085462, número de conta corrente 903074040008, subscritas no dia 27/10/2013, com reembolso em 27/10/2014.

2. No dia 3 de agosto de 2014, o Banco de Portugal deliberou o seguinte:

“Ponto Um. Constituição do DD. É constituído o DD, SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.

Ponto Dois. Transferência para o DD, SA de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco BB, SA. São transferidos para o DD, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17.º A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco BB, SA que constam dos Anexos 2 e 2 A à presente deliberação. (...)”

3. Por deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014, foi clarificado e ajustado o perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco BB, SA transferidos para o DD, SA, e as subalíneas (v) e (vii) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto passaram a ter a seguinte redacção: “(v)Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais; (vii)Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo BB, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do CC, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”;

4. No dia 29 de dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adotada a seguinte deliberação (deliberação “Contingências”) relativa ao ponto da agenda "Clarificação e Retransmissão de Responsabilidades e Contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea b) do Anexo 23 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”:

“DELIBERAÇÃO

Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.2 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados.

Enquadramento

1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00 horas), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) — doravante a "Deliberação de 3 de agosto", para efeitos dos considerandos seguintes — que determinou a constituição do DD, SA ("DD"), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco BB, SA ("Banco BB" ou "CC") para o DD, descritos no Anexo 2 da mesma deliberação de 3 de agosto.

2. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os accionistas e credores da instituição objecto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.

3. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do Fundo de Resolução não sejam utilizados para assumir directamente os prejuízos da instituição de crédito objecto de resolução.

4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do CC para o exercício da actividade ou da venda do DD, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o DD e o CC (o "Poder de Retransmissão"). O poder de retransmissão encontra-se previsto no capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.

Fundamentos para a clarificação e para o exercício do poder de retransmissão

5. A versão original da deliberação de 3 de agosto, publicada em 3 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2: “As responsabilidades do CC perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais serão integralmente transferidas para o DD, SA com exceção das seguintes (Passivos Excluídos): (…) (i) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude e violação de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.".

6. A versão alterada da deliberação de 3 de agosto, publicada em 11 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2: "As responsabilidades do CC perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o DD, SA com exceção das seguintes (Passivos Excluídos): (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais."

7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do CC (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem, ou não, registadas na contabilidade do CC nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo DD e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo CC.

8. A legitimidade processual do CC tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência para o DD das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o CC era Réu a 3 de agosto e que respeitem a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao CC e por efeito da aplicação desta.

9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do CC (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contenciosos pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem, ou não, registadas na contabilidade do CC, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o DD.

10. Alguns tribunais solicitaram ao Banco de Portugal que este lhes comunicasse o seu entendimento, enquanto entidade de resolução, sobre a não transferência de responsabilidades e contingências do CC para o DD, ao abrigo das subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto.

11. Esses pedidos não foram efectuados na maior parte dos processos pendentes em tribunal que se relacionam com responsabilidades ou contingências não transferidas para o DD.

12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje emanadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a selecção efetuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do CC para o DD (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia de resolução aplicada ao CC, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência.

13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o DD, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição;

14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do DD responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o DD seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado.

15. Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável.

16. Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o art. 145.º - A do RGICSF (correspondente ao artigo 145.º - N do RGICSF, em vigor à data de aplicação da medida de resolução ao CC).

17. Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio à competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida, e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente à fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

18. Decisões de tribunais judiciais que, directa ou indirectamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução.

19. Tem a presente deliberação o seguinte objectivo: a. Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do CC (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contenciosos pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laborai, civil ou outra) e de se encontrarem, ou não, registadas na contabilidade do CC, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto; b. Se, e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do CC à data de 3 de agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contenciosos pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do CC e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da deliberação de 3 de agosto, sejam atribuídas ao DD, proceder à sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) para o CC; e c. Determinar que, de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.ºs 2,3 e 4 do artigo 145.º G do RGICSF, o CC e o DD tomem as medidas previstas nesta deliberação por forma a conferir-lhe eficácia plena.

20. Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhadas pelo DD, encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do Poder de Retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável.

O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para seleccionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:

A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos para do CC para o DD quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do CC que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do CC;

B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do CC para o DD os seguintes passivos do CC: (i) Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades veículo estabelecidas pelo CC e vendidas pelo CC; (ii)          Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o DD; (iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20 h00 do dia 3 de agosto de 2014; (iv) Todas as indemnizações relacionadas com contratos de seguro de vida, em que a seguradora era o CC-..., SA; (v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contrato de mútuo em que o CC era o mutuante; (vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo CC enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e (vii) Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.

C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o DD quaisquer passivos do CC que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do DD para o CC, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014;

D) O Conselho de Administração do CC e o Conselho de Administração do DD praticarão todos os atos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o DD e o CC devem: (a) Adotar as medidas de execução necessárias à adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao CC, bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementem, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação; (b) Praticar todos os atos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter atos anteriores que tenham praticado contrários àquelas decisões; (c)           Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação em que sejam parte; (d) Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e (e)           Abster-se de qualquer conduta que possa por em causa as decisões o Banco de Portugal referidas em (a).

E) Aprovar a ata da presente deliberação em minuta, com vista à sua execução imediata, nos termos do n.º 4 e para os efeitos do n.º 6 do artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo.”

5. No dia 29 de dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi adotada a seguinte deliberação (deliberação “Perímetro”) relativa ao ponto da agenda "Transferências, Retransmissões e Alterações e Clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 (20.00h):

“DELIBERAÇÃO

Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados. Esta dispensa é igualmente justificada à luz do disposto nas alíneas c) e d) do art. 124.º do Código do Procedimento Administrativo.

Enquadramento

1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00 horas), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) — doravante a "Deliberação de 3 de agosto", para efeitos dos considerandos seguintes — que determinou a constituição do DD, SA ("DD"), determinou igualmente a transferência de um conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco BB, SA ("Banco BB" ou "CC") para o DD, descritos no Anexo 2 da mesma deliberação de 3 de agosto.

2. Após 3 de agosto, e à medida que tem vindo a ser disponibilizada informação adicional, o Banco de Portugal, na qualidade de autoridade de resolução, tem vindo a aprofundar o conhecimento da situação financeira do conjunto de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do DD.

3. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os accionistas e credores da instituição objecto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.

4. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do Fundo de Resolução não sejam utilizados para assumir directamente os prejuízos da instituição de crédito objecto de resolução.

5. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do CC para o exercício da actividade ou da venda do DD, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o DD e o CC (o "Poder de Retransmissão"). O poder de retransmissão encontra-se previsto no capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.

6. São necessárias clarificações adicionais quanto aos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do CC para o DD e alterar o Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto para reflectir estas clarificações.

7. É desejável clarificar que quaisquer contingências fiscais passivas, quer presentes ou futuras, resultantes de dívidas fiscais, constituídas ou por constituir, relativas a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014 deverão permanecer na esfera jurídica do CC.

8. Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 de fevereiro de 2015 e de 15 Setembro de 2015, todas relativas à "Responsabilidade Oak Finance" (tal como definida na deliberação de 15 de Setembro de 2015), o Banco de Portugal deve adicionalmente determinar que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do CC, pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subalínea (c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao DD, tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) é retransmitida para o CC.

9. Na medida em que, e não obstante as clarificações e alterações constantes desta deliberação, um ativo ou passivo tenha sido transferido para o DD que devesse ter permanecido na esfera jurídica do CC, ou tenha permanecido na esfera jurídica do CC mas que devesse ter sido transferido para o DD, o "Poder de Retransmissão" é exercido para conferir eficácia às clarificações e alterações constantes desta deliberação.

10. Considerando que, desde a aplicação da medida de resolução ao CC e também na presente data foram tomadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal várias deliberações que produziram efeitos na selecção de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o DD, a qual estava originariamente expressa no Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, revela-se oportuno e adequado proceder-se a um esforço de consolidação, actualizando o referido Anexo 2 às mencionadas deliberações.

11. O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para seleccionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição e do disposto no n.º 2 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, delibera o seguinte:

A) A subalínea (vii) da alínea (b) do n.2 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redacção: “Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v) que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do CC e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do CC, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

B) A alínea (d) do n.º 1 do Anexo 2 passa a ter a seguinte redacção: “São transferidos na sua totalidade para o DD todos os restantes elementos extrapatrimoniais do CC, com exceção dos relativos ao Banco BB Angola, SA, ao BB Bank (Miami), ao Aman Bank (Líbia) e dos relativos às entidades cujas responsabilidades perante o CC não foram transferidas nos termos da subalínea (v) da alínea (a) do n.º 1 e com efeitos a partir de 29 de dezembro de 2015, ao CC Finance, Limited;”.

C) É aditado um n.º 10 com a seguinte redacção: “Transferem-se ainda para o DD quaisquer créditos já constituídos ou por constituir reportados a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014, independentemente de estarem, ou não, registados na contabilidade do CC.”.

D) A Administração do CC deve, para efeitos de cumprimento de quaisquer formalidades que se julguem necessárias, exercer as suas competências, praticar os atos e tomar as iniciativas adequadas para garantir as transferências de valores a receber e créditos para o DD decorrentes das contingências fiscais ativas, actualmente identificadas ou futuras, resultantes de créditos fiscais já constituídos ou a constituir, reportados a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014, independentemente de se encontrarem, ou não, registados na contabilidade.

E) É aditado um novo n.º 11 com a seguinte redacção: “O disposto nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do presente Anexo devem ser interpretadas à luz das clarificações constantes do Anexo 2C.»

F) É aditado um novo Anexo 2C à deliberação de 3 de agosto, com a redacção constante da deliberação relativa à "Clarificação e Retransmissão de Responsabilidades e Contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas) adoptada pelo Conselho de Administração do banco de Portugal na presente data.

G) Sem prejuízo das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 de fevereiro de 2015 e de 15 de Setembro de 2015, todas relativas à "Responsabilidade Oak Finance" (tal como definida na deliberação de 15 de Setembro de 2015), o Banco de Portugal determinar adicionalmente que, por se tratar de uma responsabilidade de natureza equiparável a obrigações, dirigida a, e subscrita por, investidor(es) qualificado(s), tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) deve permanecer na esfera jurídica do CC, pelo que na eventualidade de, por decisão transitada em julgado, se determinar que a responsabilidade Oak Finance não se encontra abrangida pela subalínea (c) da subalínea (i) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto ou se determinar que essa responsabilidade pertence ao DD, tal responsabilidade (bem como todas as responsabilidades com esta conexas) é retransmitida para o CC.

H) É aditada uma subalínea (ix) à alínea (b) ao n.º 1 do Anexo 2 com a seguinte redacção: "A Responsabilidade Oak Finance".

I) Na medida em que qualquer ativo, passivo ou elemento extrapatrimonial que, nos termos de qualquer das alíneas anteriores, devesse ser transferido para o DD, mas que, de facto, tenha permanecido na esfera jurídica do CC, são, pela presente, os referidos ativos, passivos ou elementos extrapatrimoniais transferidos do CC para o DD, com efeitos a 3 de agosto de 2014 (20.00h);

J) Na medida em que qualquer ativo, passivo ou elemento extrapatrimoniais que, nos termos de qualquer uma das alíneas anteriores, devesse ter permanecido na esfera jurídica do CC, mas que foram, de facto, transferidos para o DD, são, pela presente, os referidos ativos, passivos ou elementos extrapatrimoniais retransmitidos do DD para o CC, com efeitos a 3 de agosto de 2014 (20.00h);

K) O Conselho de Administração do Banco de Portugal e o Conselho de Administração do DD devem tomar todas as medidas necessárias à execução eficaz das clarificações, ajustamentos, transferências e retransmissões previsos na presente deliberação.

L) É anexada à presente deliberação uma versão revista e consolidada do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014, a qual incorpora: a. As clarificações e alterações constantes da presente deliberação; b. As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal adotadas na presente data relativas à "Retransmissão de Obrigações não subordinadas do DD, SA para o Banco BB, SA" e à "Retransmissão das acções representativas da totalidade do capital social do CC Finance, Limited do DD, SA para o Banco BB, SA"; c.           As deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 22 de dezembro de 2014, de 11 de fevereiro de 2015 e de 15 de Setembro de 2015, todas relativas à responsabilidade Oak Finance, e de 13 de maio de 2015 relativa a eventuais obrigações contraídas e garantias prestadas perante terceiros pelo CC, relacionadas com a comercialização de instrumentos de dívida do GES; d. O Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto será alterado e rectificado de modo a revestir a forma estabelecida no anexo da presente deliberação, incluindo o aditamento dos Anexos 2B e 2C.

M) Aprovar a ata da presente deliberação em minuta com vista à sua execução imediata, nos termos do n.º 4 e para os efeitos do n.º 6 do artigo 34.2 do Código do Procedimento Administrativo".»

8. Do Direito.

8.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia (conclusões 37/50 da alegação da Recorrente).

8.1.1. A Recorrente veio arguir nulidade por omissão de pronúncia, no entendimento de que «a decisão de primeira instância e o douto acórdão de que se recorre não efectuaram a apreciação que deveria ter sido feita quanto à (…) invocação de violação do artigo 62°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa» (realce acresc.) – e não, portanto, omissão de apreciação.

A censura da Recorrente não é dirigida a um comportamento omissivo, mas aos termos em que tal comportamento se expressou. Qualificação precisada, designadamente, nas conclusões 41 e 44 da alegação, onde se escreve que o acórdão da Relação «não dá uma resposta aos argumentos que foram apresentados», ou que «os argumentos ali vertidos não são suficientes para afastar os argumentos levados a apreciação pela recorrente».

8.1.2. O acórdão da Relação, após ter como «certo que a Autora invocou a inconstitucionalidade por violação do artigo 62º nº 1 da CRP a propósito das deliberações do Banco de Portugal e da não subsistência da assunção de responsabilidade por parte do DD», deu como não verificada a imputada omissão de pronúncia, considerando que a decisão da 1ª instância operara a resposta à questão, através de remissão, devidamente expressa: «A decisão recorrida fez consignar que a medida de resolução e as clarificações e concretizações não ofendem normas constitucionais. Não consignou expressamente o iter concreto desta conclusão, mas expressou-o por referência ao acórdão de 7.3.2017 desta Relação, que citou, na parte em que o mesmo se pronunciou sobre a possibilidade constitucional de restrições ao direito de propriedade e sobre o mecanismo instituído pelo Banco de Portugal não importar numa ablação total desse direito» (fls. 44/5 do acórdão).

8.1.3. Tendo-se presente que, quando a alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC se refere a questões, devem estas ser entendidas como os pontos essenciais de facto ou de direito (exceções incluídas) com que as partes definem o litígio e fundamentam as suas pretensões – e não reportadas às razões ou argumentos pelas mesmas para tanto utilizados –, julga-se improcedente a arguição de omissão de pronúncia.

8.2. Da não utilidade superveniente da lide quanto ao CC (conclusões 51/72).

8.2.1. Assentou a Relação, ao confirmar a decisão da 1ª instância na matéria, no acórdão de uniformização de jurisprudência 1/2014, de 15 de Maio de 2013 – Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287º do CPC –, após reapreciar a questão e concluir que «em rigor, não reúne a presente acção qualquer especificidade/peculiaridade que justifique dever permanecer à margem do campo de aplicação» do acórdão em causa.

A Recorrente, visando o acerto da solução estabelecida no referido acórdão uniformizador, questiona «se a factualidade que lhe dá lugar está ou não ajustada à realidade actual e ao caso dos autos (…)» e, afirmando que «a própria situação jurídica do CC, é completamente nova no nosso ordenamento jurídico, é uma situação indefinida, incerta e longe de estar legalmente balizada», «perante um circunstancialismo novo e complexo seja de ponderar a tese oposta àquele que obteve vencimento e que levou à prolação do AUJ», trazendo à colação o princípio da igualdade garantido no art. 13º da Constituição, defende que lhe «é legítimo (…) ver reconhecido na presente acção os créditos que aqui reclama, sendo que caso sejam reconhecidos na presente acção tornam-se mais firmes e sólidos», ou «pelo menos (…) pugnar-se pela suspensão da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 2720 do CPC».

8.2.2. O processo de liquidação do CC, requerido pelo Banco de Portugal, na sequência da revogação pelo BCE, em 13 de Julho de 2016, da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito [arts. 4º, nº 1, alínea a) e 14º, nº 5 do Regulamento (EU) 1024/2013 do Conselho, de 15/10; arts. 80º e ss. do Regulamento (EU) 468/2014 do Banco Central Europeu, de 16/4; arts. 5º e 8º do DL 199/2006, de 25/10, o segundo artigo na redação do  DL 31-A/2012, de 10/2], encontra-se pendente na 1ª Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

A decisão em causa de revogação da autorização, firmando-se na ordem jurídica sem ter sido impugnada, é normativamente equiparada ao do trânsito em julgado da sentença que declara a insolvência, regendo-se a liquidação judicial das instituições de crédito, em tudo o que não estiver especialmente previsto no DL 199/2006, pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (nºs. 1 e 2 do art. 8º, cit.).

O circunstancialismo novo e complexo, a que alude a Recorrente, procedimentalmente respeita à formação e prolação do ato final que determina a revogação da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito, mas equiparado este à sentença que declara a insolvência, não tendo ele sido impugnado, nem quanto aos apontados efeitos que lhe são normativamente fixados, há que respeitar, nos termos do art. 90º do CIRE, a concentração num único processo das pretensões de todos os credores, precisamente por razões de igualdade, por exigência do princípio da par conditio creditorum (desenvolvendo este ponto, ASTJ de 19.6.2018, publicado, bem como todos os outros adiante indicados – desde que não ressalvados –, em www.dgsi.pt).

Prejudicada a determinação da suspensão da instância, no quadro previsto no nº 1 do art. 272º do CPC, conforme subsidiariamente requerido pela Recorrente.

8.2.3. Tem-se, deste modo, por improcedente a 2ª questão suscitada.

Neste sentido, em identidade de situações, ASTJ de 26.9.2017, 2.11.2017, 13.3.2018, 22.5.2018 (este apenas com sumário em www.stj.pt, Proc. 19323/16…), 19.6.2018, 4.10.2018 e xx.10.2018 (este dois últimos por publicar, Proc. 25023/15…, Rel. Cons. Maria Olinda Garcia e Proc. 18364/16…, Rel. Cons. Lima Gonçalves).

8.3. Da responsabilidade do DD S.A e da acção dever prosseguir contra ele (conclusões 81/89).

8.3.1. Respeita a questão à ilegitimidade substantiva do NB, em vista das sucessivas deliberações na matéria por parte do BP.

A Recorrente, ao defender o prosseguimento do processo contra o NB, funda-se, essencialmente, na alegação da inconstitucionalidade das determinações produzidas pelo BP, à luz dos princípios da proporcionalidade e da protecção de confiança.

O acórdão da Relação, com larga citação de jurisprudência e doutrina, decidiu no sentido de declarar a ilegitimidade substantiva do NB, enquanto banco de transição.

A jurisprudência deste tribunal, com diversos cambiantes, vai no mesmo sentido: ASTJ, entre outros, de 30.3.2017, 26.9.2017, 2.11.2017, 13.3.2018, 22.5.2018 (este apenas com sumário em www.stj.pt, Proc. 1516/16…) e 18.9.2018 (este por publicar, Proc. 2938/15…, Rel. Cons. Pinto de Almeida); veja-se, ainda, ASTJ de 22.3.2018.

8.3.2. Os termos da atuação normativa e administrativa do Banco de Portugal.

Passa a seguir-se de perto o que, a este respeito, se deixou expresso no acórdão de 13.3.2018 (mesmo relator).

8.3.2.1. A deliberação do Banco de Portugal, de 3 de Agosto de 2014, que aplicou a medida de resolução ao Banco BB, SA (CC) e procedeu à constituição da instituição de transição, o DD, SA (NB), teve em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes, da estabilidade do sistema financeiro, nos termos regulados nos arts. 139º, 140º, 145º-A e ss. do RGICSF (à altura, conforme alterações e aditamentos produzidos no diploma pelo DL 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, assim justificados no respetivo preâmbulo: «(…) o Estado Português assumiu o compromisso de reforçar os regimes de intervenção em situações de potencial ou efectivo desequilíbrio financeiro de instituições de crédito, antecipando-se mesmo, na linha do efectuado por outros Estados-Membros da União Europeia, tais como o Reino Unido, Alemanha, Holanda, Irlanda, Bélgica e Grécia, ao futuro enquadramento comunitário em questões chave consideradas como de especial relevância para a promoção da confiança no sistema financeiro nacional»; arts. 145º-C e ss., na redação operada pela Lei 23-A/2015, de 26 de Março, com a ulterior transposição das Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho, 2014/49/UE e 2014/59/UE).

8.3.2.2. No que ao presente caso interessa, e no que respeita aos poderes funcionais do Banco de Portugal quanto à seleção de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição (arts. 145º-G e 145º-H do RGICSF, na redação vigente à data; arts. 145º-O e 145º-Q, após a Lei 23-A/2015), nos termos das subalíneas (v) e (vii) da alínea (b) do (nº 1 do) Anexo 2 da mesma deliberação, já na redação emergente da deliberação, do dia 11 seguinte, que clarificou e ajustou o perímetro das transferências para o NB, mantiveram-se no CC quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de dolo, fraude, violação de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais, bem como quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida emitidos por entidades que integram o Grupo BB, (…).

8.3.2.3. Prosseguindo na produção de clarificações e ajustamentos, a deliberação de 29 de Dezembro de 2015 – “Perímetro” introduziu novas alterações às referidas subalíneas, republicando o Anexo 2; tais subalíneas deverão ser interpretadas à luz das clarificações constantes do Anexo 2C, anexo esse por aquela resolução aditado à deliberação de 3 de Agosto, com a redação constante da deliberação relativa à “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”.

No então aditado Anexo 2C, decidiu-se, na generalidade, na alínea A), «Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do CC para o DD quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do CC que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do CC» e «Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do CC para o DD os seguintes passivos do CC: Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo CC e vendidas pelo CC; (…) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo CC enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I» – alínea B), subalíneas (i), (vi) e (vii).

Por outro lado, na alínea C), dispôs-se: «Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o DD quaisquer passivos do CC que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do DD para o CC, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014».

Iguais clarificações, nos exatos termos e localização, constam da deliberação da mesma data – “Contingências”.

Determinou-se instrumentalmente, nestas duas últimas deliberações, que «o Conselho de Administração do CC e o Conselho de Administração do DD devem tomar todas as medidas necessárias à execução eficaz das clarificações, ajustamentos, transferências e retransmissões previstos», especificando-se que devem «praticar todos os atos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal (…), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter atos anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões», entre aqueles atos vindo referida a imediata junção aos autos em que sejam parte dessas mesmas deliberações.

8.3.2.4. A descrita intervenção do Banco de Portugal, enquanto entidade apenas estatutariamente sujeita às orientações e instruções do Banco Central Europeu (arts. 1º e 3º da LOBP), com a prática de atos no exercício de funções públicas de autoridade, quadra-se no âmbito dos arts. 101º e 102º da Constituição, das citadas disposições do RGICFS, do Regulamento do Parlamento Europeu e Conselho 1022/2013/UE, do Regulamento do Conselho 1024/2013/UE, do Regulamento do BCE 468/2014/UE, dos arts. 17º e 17º-A da LOBP.

As deliberações do Banco de Portugal, nos passos antes transcritos [subalíneas (v) e (vii) da alínea (b) do nº 1 do retificado Anexo 2 e alíneas A), B), subalíneas (i), (v) e (vi) e C) do aditado Anexo 2C à deliberação de 3 de Agosto de 2014; alíneas A), B), subalíneas (i), (v) e (vi) e C) da deliberação de 29 de Dezembro de 2015 – Contingências], são claras, não suscitando dúvidas interpretativas, no sentido de que qualquer responsabilidade do CC na matéria não é transferida para o NB.

Verifica-se, ademais, que, no quadro regulamentar estabelecido nas referidas deliberações do Banco de Portugal, visando clarificar e ajustar a conformação inicial da medida de resolução, constam disposições que conterão atos materialmente administrativos – sendo aí os terceiros destinatários precisamente determinados, e não meramente determináveis [a citada subalínea (vii) da alínea B) do aditado Anexo 2C à deliberação de 3 de Agosto de 2014, pela deliberação de 29 de Dezembro de 2015 – “Perímetro”, remete para o também aditado (Sub)Anexo I, que, por indexação, fixa a «Lista de responsabilidades litigiosas relativas aos processos judiciais pendentes em Tribunais em Portugal»].

8.3.2.5. No estudo de Mafalda Miranda Barbosa, Os Limites da medida de Resolução (Boletim de Ciências Económicas, Setembro de 2016), autora citada no processo, escreve-se, a concluir (pág. 41): «A eficácia da medida de resolução fica dependente da capacidade que a entidade responsável pela sua aplicação tenha de poder conformar livremente o seu conteúdo. No tocante à transferência de parte dos ativos e passivo para uma instituição de transição, é fundamental que tal entidade possa selecionar com base da determinação do valor do passivo e do ativo os créditos e obrigações a transferir. Simplesmente, essa liberdade não é absoluta, devendo respeitar não só a teleologia do regime da resolução, como também os princípios normativos e a conformação das relações privadas que, antes da intervenção, se estabeleceram entre o banco e os diversos sujeitos que com ele interagiam».

O Banco de Portugal, através das sucessivas deliberações respeitantes à medida de resolução aplicada ao CC, veio, com crescentes rigidez e determinação, culminando na indexação dos casos litigiosos pendentes, fixar o perímetro de exclusão da transmissão dos créditos indemnizatórios, indiferenciada e aglutinadamente os tratando.

Procedimento dinâmico, em vista, designadamente, do «número de processos pendentes nos tribunais judiciais e [d]a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas», na defesa do quadro de gestão previsional então desenhado, sob pena de ficar «comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao CC, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência (…) que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o DD, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do DD responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o DD seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado» (considerandos para enquadramento da deliberação de 29 de Dezembro de 2015 – Contingências, acima referida).

8.3.3. O procedimento de resolução em causa, as normas emanadas nas deliberações proferidas e os sucessivos atos de autoridade destas resultantes, sujeitos à observância de determinados requisitos e enquanto dotados de eficácia externa lesiva dos direitos e interesses legalmente protegidos de terceiros, poderão, obviamente, ser judicialmente sindicados, à luz da Constituição e da lei, como é próprio do Estado de Direito.

Compete tal sindicância à jurisdição administrativa (arts. 204º e 212º, nº 3 da Constituição; arts. 1º e 4º do ETAF; arts. 12º e 145º-AR do RGICSF; art. 39º da LOBP).

Não cabe, no caso, aos tribunais da ordem judicial, como pretende a Recorrente, sindicar «a aplicação dos normativos constantes das deliberações proferidas pelo Banco de Portugal».


III

Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista pela Recorrente, mantendo-se, quanto às instâncias, a distribuição fixada pelo acórdão da Relação.

Lisboa, 25 de Outubro de 2018.



Cabral Tavares (Relator)
Fátima Gomes
Acácio das Neves
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)