Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
035277
Nº Convencional: JSTJ00003705
Relator: FURTADO DOS SANTOS
Descritores: PROCESSO CORRECCIONAL
ACUSAÇÃO
CRIME PUBLICO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
OFENDIDO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197910160352773
Data do Acordão: 10/16/1979
Votação: MAIORIA COM 10 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS DE 1979/11/03, PÁG. 2797 A 2798 - BMJ Nº 290 ANO 1979 PÁG.135
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: DL 35007 DE 1945/10/13 ARTIGO 4 PAR1 PAR2 N1 N2 N3 PAR4 ARTIGO 27.
CPP29 ARTIGO 1 PARUNICO ARTIGO 387 ARTIGO 390 N2 ARTIGO 392 ARTIGO 397 PARUNICO ARTIGO 645 ARTIGO 646 ARTIGO 647 N2 PAR5.
DL 605/75 DE 1975/11/03 ARTIGO 8 ARTIGO 20 ARTIGO 21.
CPC67 ARTIGO 2 ARTIGO 676 N1 ARTIGO 680 N2 ARTIGO 682 N1.
Sumário :
O ofendido não assistente, que formule acusação nos termos do disposto no artigo 387 do Codigo de Processo Penal, não tem legitimidade para recorrer da decisão judicial que a não receba.
Decisão Texto Integral:
Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em Sessão Plena:

O excelentissimo Adjunto do Procurador da Republica junto da Relação de Lisboa, interpos o presente recurso para o Tribunal Pleno nos termos do artigo 669 do Codigo de Processo Penal, com o objectivo de se fixar jurisprudencia obrigatoria, no sentido de se decidir, se em processo correccional por crime publico ou semipublico, o ofendido que deduziu acusação, tem ou não legitimidade, para, posteriormente, interpor recursos das decisões que lhe sejam desfavoraveis, e isto sem se constituir assistente.
Alegou e provou que na Relação de Lisboa foram proferidos os acordãos de 7 de Março e 31 de Maio ambos de 1978, cujas certidões se juntaram, adoptando soluções opostas, tomadas no dominio da mesma legislação.
Com efeito, no primeiro, decidiu-se que tal ofendido, nessas condições não podia recorrer, ja que a lei (artigo 647, n. 2, do Codigo de Processo Penal), so concede tal faculdade aos assistentes.
No segundo acordão, pelo contrario, decidiu-se que podia recorrer, tendo para tal legitimidade, uma vez que o artigo 387 do Codigo de Processo Penal lhe permite formular acusação e intervir na fase posterior, considerando-o, assim, a lei (artigo 392 do mesmo diploma), acusador, e por isso com legitimidade para recorrer, e dessa forma se deve interpretar extensivamente aquele n. 2 do artigo 647.
Tais decisões, nos termos do disposto no artigo 646, n. 6 do mesmo Codigo não eram susceptiveis de recursos ordinarios, tendo transitado em julgado.
Dessa forma, o acordão da Secção Criminal de folhas 22 a 24 inclusive ao mandar prosseguir o presente recurso, por existir a oposição e as demais condições constantes do dito artigo 669 referido, decidiu bem.
No prosseguimento dos autos, o Excelentissimo Procurador- Geral Adjunto emitiu o seu parecer, devidamente fundamentado de folhas 27 a 29 no sentido de se lavrar assento na orientação de que, tais ofendidos tem legitimidade para interpor recursos das decisões que lhe forem desfavoraveis, mesmo sem se constituirem assistentes.
Foi o processo aos vistos dos excelentissimos juizes Conselheiros deste Supremo e nada obsta a que se conheça do objecto do recurso.
No regime do Codigo de Processo Penal constante do Decreto n. 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, existindo as figuras do ofendido, do reu, do Ministerio Publico e da parte acusadora, so estes ultimos tinham legitimidade para recorrer (artigo 647, ns. 1 e 2).
Os ofendidos, podiam denunciar os ilicitos indicando as provas a produzir, durante o chamado corpo de delito e constituir-se parte acusadora.
Sem esta constituição, não podiam acusar, nem recorrer.
Com a publicação do Decreto-Lei n. 35007, de 13 de Outubro de 1945, deixou de haver parte acusadora e criou-se a figura do assistente, considerado como auxiliar do Ministerio Publico, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei (artigo 4 seus numeros e paragrafo 1).
Continuou-se o sistema de ser necessaria a constituição de assistente para se deduzir acusações, para intervir directamente na instrução contraditoria, oferecendo provas e requerendo ao juiz as diligencias convenientes (paragrafo 2, ns. 1 e 2, do dito artigo 4).
Pelo n. 3 deste paragrafo 2, concede-se, expressamente legitimidade ao assistente para recorrer do despacho de pronuncia definitiva e da sentença ou despacho que ponha termo ao processo, mesmo que o Ministerio Publico o não tenha feito.
Tambem pelo paragrafo 4 desse artigo 4, quando os assistentes formulem acusação por factos diversos dos que constituem objecto da acusação do Ministerio Publico, não poderão recorrer da decisão do juiz se este receber a acusação do Ministerio Publico.
Como novidade do nosso sistema processual penal, o artigo 27 desse Decreto-Lei, concedeu a faculdade ao denunciante com legitimidade para se constituir assistente, de reclamar para o Procurador da Republica, na falta de dedução de acusação por parte do Ministerio Publico.
Com a publicação do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, surgiram algumas modificações do Processo Penal, transcrevendo-se as que aqui interessam.
O artigo 387 do Codigo de Processo Penal passou a ter a seguinte redacção:
"As pessoas com legitimidade para intervir como assistentes poderão, no prazo de cinco dias a contar da notificação ao ofendido, e com base no inquerito policial, requerer o julgamento, indicando, sem dependencia de artigos, o infractor, os factos que lhe são imputados, a lei que os pune, o rol de testemunhas e mais elementos de prova.
O requerimento para julgamento devera ser subscrito por advogado, sendo este patrocinio obrigatorio na fase ulterior do processo.
Quando se tratar de crime particular, devera naquele requerimento ser pedida a admissão nos autos como assistente".
Tambem o artigo 392 do mesmo Codigo, ao fixar o numero de testemunhas de acusação, alem do mais que preconiza, dispõe que se "alem da acusação do Ministerio Publico houver mais acusações, podera o Ministerio Publico indicar ate seis testemunhas e cada um dos acusadores oferecer mais duas testemunhas", e, "se diversas pessoas se tiverem constituido assistentes cada uma delas podera oferecer mais duas testemunhas".
Estas as disposições legais que mais interessam a resolução do problema em crise.
Como ja se referiu actualmente não ha parte acusadora, mas assistente, ofendido e acusador.
Daqui resulta que fica sem aplicação o que sobre recursos prescreve o n. 2 e paragrafo 5 do artigo 647 do Codigo de Processo Penal quanto a parte acusadora.
O legislador do Decreto-Lei n. 35007 ao criar o assistente, em substituição da parte acusadora, sabendo que tais principios daquele artigo 647 não lhe podiam ser aplicados, pelo n. 3 do paragrafo 2 do artigo 4, concedeu-lhe legitimidade para recorrer do despacho de pronuncia definitiva e da sentença ou despacho que ponha termo ao processo, mesmo que o Ministerio Publico o não tenha feito.
E, quanto ao preceituado no paragrafo 5 do artigo 647 do Codigo de Processo Penal, não e preciso regra especial aplicavel ao assistente, pois o ai legislado, resulta directamente dos principios sobre recursos constantes do regime processual civil (artigos 676, n. 1, 680, n. 2, 682, n. 1, e outros do Codigo de Processo Civil) aplicavel face ao paragrafo unico do artigo 1 do Codigo de Processo Penal, de que so se pode recorrer da parte de decisão desfavoravel.
Daqui resulta, tambem que tal n. 2 e paragrafo 5 do artigo 647 do Codigo de Processo Penal, não pode aplicar-se ao assistente, nem ha disso necessidade.
Mas poderão aplicar-se tais preceitos ao ofendido que, sem se constituir assistente, deduza acusação nos termos do disposto no artigo 387 do Codigo de Processo Penal?
Parece-nos bem que não.
A nossa lei processual dispõe, sempre, sobre a possibilidade da pratica de actos judiciais, os quais não são admissiveis sem lei expressa.
E do exposto nestes autos, isso facilmente se conclui, bastando recordar, que quando o Decreto-Lei n. 35007 criou a figura do assistente, logo providenciou sobre a possibilidade de interpor recursos.
Porem, ao ser alterado o artigo 387 do Codigo de Processo Penal, com a sua actual redacção pelo Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, nada se legislou sobre a possibilidade do ofendido acusador poder interpor recursos, inserindo-se artigo ou disposição expressa nova, ou alterando a redacção do artigo 647 do mesmo Codigo de Processo Penal.
E, não se pode dizer que foi esquecimento, ja que no artigo 392, referido, se regulamentou a indicação de testemunhas por parte de tal ofendido- acusador.
Alega-se não ser razoavel permitir-se ao ofendido deduzir acusação e acompanhar o processo mediante patrocinio obrigatorio na fase ulterior, e não poder interpor recurso das decisões desfavoraveis.
Porem tal argumento não procede, ja que no nosso sistema processual penal ha algumas restrições em materia de interposição e admissibilidade de recursos.
Podem ver-se os artigos 390, n. 2, 397 e paragrafo unico, 646 e outros do Codigo de Processo Penal e os artigos 20 e 21 do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, demonstrativo de tais restrições.
Não ha, assim, que interpretar extensivamente o disposto no n. 2 e paragrafo 5 do referido artigo
647 para conceder legitimidade ao ofendido-acusador para interpor recursos.
Alias se tal aplicação se consentisse, não se fazia interpretação extensiva, mas aplicar-se-iam tais preceitos a uma situação que tais preceitos não enquadrou.
Com efeito, a parte acusadora referida nessas disposições legais ja deixou de existir no nosso sistema processual penal e a figura do ofendido-acusador criada pelo artigo 387 do Codigo de Processo Penal e diferente, tendo em vista, ao que parece, apenas a introdução do feito em Juizo, dando possibilidades ao juiz de decidir sobre tal materia:
E o controle da decisão do juiz, atraves do recurso, no caso do ofendido acusador so podera ser da iniciativa do Ministerio Publico, do reu, ou do assistente, se existir.
Tambem da decisão do Procurador da Republica sobre a reclamação que o artigo 27 do Decreto-Lei n. 35007 facultara ao denunciante, não ha qualquer recurso ou nova reclamação.
Desta forma sem necessidade de outras considerações se lavra o seguinte assento:
"O ofendido não assistente, que formule acusação nos termos do disposto no artigo 387 do Codigo de Processo Penal, não tem legitimidade para recorrer da decisão judicial que a não receba".
Sem imposto de justiça.

Lisboa, 16 de Outubro de 1979.

Eduardo Botelho de Sousa (relator) - Ferreira da Costa - Avelino da Costa Ferreira Junior - Costa Soares - Artur Moreira da Fonseca - Hernani de Lencastre - Anibal Aquilino Ribeiro - Octavio Dias Garcia - Manuel Alves Peixoto - Antonio Correia de Melo Bandeira - Augusto de Azevedo Ferreira - Adriano Vera Jardim - João Moura - Alberto Alves Pinto (vencido - o artigo 387 do Codigo de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 8 do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, ao facultar as pessoas com legitimidade para intervirem como assistentes no processo penal o direito de, nos crimes publicos ou quase publicos, requererem julgamento, não pode ter o significado de conceder, contra o principio expresso no artigo 2 do Codigo de Processo Civil, esse direito sem a garantia do recurso.
A posição de parte no processo confere ao acusador legitimidade para recorrer.
Alias, o n. 2 do artigo 647 do Codigo de Processo Penal não proibe o recurso.
A regra e a da sua admissibilidade (artigo 645 do Codigo de Processo Penal), pelo que so havendo lei a proibi-lo - e não e o caso - e que a parte que deduzisse acusação estaria impedida de impugnar por esse meio a decisão que lhe fosse desfavoravel.
Não pode, assim, negar-se a quem exerça o direito conferido pelo referido artigo 387 do Codigo de Processo Penal a faculdade de defender pelo recurso a sua pretensão).
Antonio Furtado dos Santos (Vencido concordando com o douto voto que antecede) - Henrique Justino da Rocha Ferreira (Vencido pelas razões expostas pelo Excelentissimo Colega Alves Pinto) - Oliveira Carvalho (vencido pelas razões constantes do voto do Excelentissimo Colega Alves Pinto) - Miguel Caeiro (Vencido pelos fundamentos constantes do voto do Excelentissimo Colega Alves Pinto) - Rui Corte-Real (Vencido pelas razões do Excelentissimo Colega Alves Pinto) - Francisco Bruto da Costa (Vencido pelos fundamentos do douto voto do Excelentissimo Colega Alves Pinto) - Jacinto Rodrigues Bastos (Vencido pelas razões expostas no voto de vencido do Excelentissimo Conselheiro Alves Pinto) Daniel Jaime Ferreira (Vencido pelas razões expostas no voto do Colega Alves Pinto) - Abel de Campos (Vencido pelas mesmas razões) - Santos Vitor (Vencido pelas razões expostas pelo Excelentissimo Colega Alves Pinto).