Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1272/04.7TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: DIREITO A HONRA
LIBERDADE DE IMPRENSA
Data do Acordão: 06/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITOS FUNDAMENTAIS
Doutrina: - Antunes Varela, RLJ, 122,112.
- Iolanda de Brito, "Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas", págs. 54, 107, 367.
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2.º, págs. 646, 669, 670.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, págs.194 e 195.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, 484.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 449.º, N.º1 G), 660.º, N.º2, 668.º, N.º1, ALÍNEA D), 771.º, ALÍNEA F).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 1.º, 8.º, 12.º, 16.º, N.ºS1 E 2, 25.º, N.º1, 37.º, N.º1.
Legislação Comunitária: CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGOS 11.º, 52.º, N.º3, 54.º.
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGOS 10.º, 46.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - EM WWW.DGSI.PT :
-DE 18-4-2002, PROCESSO N.º 02B737;
-DE 16-12-2004, PROCESSO N.º 04B3896;
-DE 13-1-2005, PROCESSO N.º 04B39224;
-DE 13-9-2007, PROCESSO N.º 07B2113;
-DE 7-2-2008, PROCESSO N.º 07B4540;
-DE 28-10-2008, PROCESSO N.º08A3005;
-DE 23-4-2009, PROCESSO N.º5TACTB-A.S1;
-DE 27-5-2009, PROCESSO N.º 0TBEPS-A.S1.
Jurisprudência Internacional: DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HOMEM:
-ACÓRDÃO BARFORD CONTRA A DINAMARCA, DE 22-2-1989;
-ACÓRDÃO PRAGER E OBERSCHLICK CONTRA A ÁUSTRIA DE 26-4-1995;
-ACÓRDÃO OBERSCHLICK CONTRA A ÁUSTRIA DE 1-7-1997;
-ACÓRDÃO LOPES DA SILVA CONTRA PORTUGAL, DE 28-9-2000;
-ACÓRDÃO PENA CONTRA A ITÁLIA, DE 6-5-2003;
-ACÓRDÃO CUMPANA CONTRA A ROMÉNIA DE 10-6-2003;
-ACÓRDÃO ALMEIDA AZEVEDO CONTRA PORTUGAL, DE 23-1-2007;
-ACÓRDÃO MESTRE CONTRA PORTUGAL, DE 26-4-2007;
-ACÓRDÃO “PÚBLICO” CONTRA PORTUGAL, DE 7-12-2010;
-ACÓRDÃO OTEGI MONDRAGON CONTRA A ESPANHA, DE 15-3-2011.
Sumário :
1 . A nulidade prevista na primeira parte do artigo 668.º, n.º1 d) do Código de Processo Civil só tem lugar quando o juiz deixe de conhecer, em absoluto, de questões que devesse apreciar.
2 . A Constituição da República Portuguesa tutela, quer o direito à honra, quer o direito à liberdade de expressão e informação.
3 . Sem estabelecer hierarquia entre eles.
4 . Por força dos artigos 8.º e 16.º, n.º1 da Lei Fundamental, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem situa-se em plano superior ao das leis ordinárias internas.
5 . Esta não tutela, no plano geral, o direito à honra, a ele se reportando apenas como possível integrante das restrições à liberdade de expressão enunciadas no artigo 10.º, n.º2.
6 . O que leva o intérprete a ter seguir o caminho consistente, não em partir da tutela do direito à honra e considerar os casos de eventuais ressalvas, mas em partir do direito à livre expressão e averiguar se têm lugar algumas das excepções deste n.º2.
7 . Este caminho sai reforçado pelo texto da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
8 . Na interpretação daquele artigo 10.º é de acatar, pelos tribunais internos, a orientação jurisprudencial que, muito reiteradamente, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem seguindo e que se caracteriza, no essencial, pelo seguinte:
A liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa;
As excepções constantes deste n.º2 devem ser interpretadas de modo restrito;
Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade.
Os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum – quanto à comunicação social, o Tribunal vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda” - devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas;
Na aferição dos limites da liberdade de expressão, os Estados dispõem de alguma margem de apreciação, que pode, no entanto, ser sindicada pelo próprio TEDH.
9 . Neste quadro – considerando que o autor era Presidente da Câmara, que se tratou de obras públicas e que, nos documentos alusivos a estas obras, se passou da designação de “Obras de recuperação e beneficiação do edifício dos Paços do Concelho” para “Reabilitação do Centro Histórico ..............- Restauro e Renovação do Edifício do Antigo Hospital do Espírito Santo” – ainda é de considerar integradas no círculo de liberdade de imprensa as seguintes expressões, proferidas em entrevista a um jornal local:
“O processo antes designado como da “Câmara Municipal ...........” passou, a dada altura, a chamar-se “Hospital do Espírito Santo.” Sabe porquê? Porque a União Europeia (UE) não subsidia obras em Câmaras. Quero dizer que, à boa maneira portuguesa, vigarista, para se conseguir subsídios da UE, alterou-se o nome do processo.
O Estado português, a CMB, o arquitecto Teles e AA defraudaram a UE em milhares de euros. Isto é uma trafulhice. E se calhar na UE nem sequer sabem o que pagaram”.
10 . O que não significa que tais expressões sejam de avalizar.
11 . Cabendo a cada um, quer na vertente de produção da comunicação social, quer na sua vertente de consumo, ajuizar sobre a inaceitabilidade de muito do que se diz ou do modo como se diz.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I –
No Tribunal Judicial ........., AA, por si e na qualidade de Presidente da Câmara Municipal .............., intentou a presente acção declarativa, em processo ordinário, contra:
BB.
Alegou em síntese, que:
O réu concedeu uma entrevista ao jornal .......Popular, atingindo-o, enquanto pessoa e presidente da Câmara, nos termos que pormenoriza.
Pediu, em conformidade:
A condenação dele a pagar-lhe € 50.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros desde a citação.
O réu contestou, defendendo, no essencial, que se limitou a fazer a denúncia de um processo e não um ataque pessoal.
O autor respondeu, mantendo o afirmado na PI.

II –
Na altura própria, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.

III –
Apelou o autor, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Guimarães confirmou o decidido.
IV –
Ainda inconformado, pede revista.
O processo foi distribuído a um Ex.mo Relator que, entretanto, se jubilou, pelo que foi redistribuído e apresentado ao actual.
Conclui o autor as alegações do seguinte modo:
A.- (H) O Réu concedeu ao ".......Popular", de 4.09.03 uma entrevista onde, designadamente, se lê, a propósito de ter sido retirado do "Gabinete do Centro Histórico ...........: "Acredito que não me tenha escolhido porque o Dr. AA sabe que eu sou um homem de ideias fixas e duro de roer. E mais: sou difícil de manobrar. Deve ter entendido que escolheu a medida mais fácil para não ter problemas.
"Se o AA não queria o meu nome na obra deveria ter actuado de outra forma, com mais delicadeza - como um político sabe fazer e não usar o cargo para, à bruta, conseguiu o que quer".
B.- (I) Na entrevista referida em H), o réu refere "O processo antes designado como da "Câmara Municipal .........." passou, a dada altura, a chamar-se "Hospital do Espírito Santo. Sabe porquê? Porque a União Europeia (EU) não subsidia obras em Câmaras. Quero dizer que, à boa maneira portuguesa vigarista para se conseguir subsídios da EU, alterou-se o nome do processo.
O Estado português, a CMB, o arquitecto DD e AA defraudaram a EU em milhares de euros. Isto é uma trafulhice. E se calhar na EU nem sequer sabem o que pagaram".
C.- (J) Na entrevista a que se alude H), à questão "Então até é bom que o seu nome tenha sido retirado?", o réu respondeu "Se calhar". Mas a trafulhice é mais do dono da obra".
D.- (T) A palavra "manobra" a que se alude em H) foi utilizada no sentido de "trabalho ou direcção habilidosa".
E.- (U) A expressão "usar o cargo para, à bruta, conseguiu o que quer", referida em H), significa que o autor teria uma mentalidade de quem não olha a meios para atingir os fins reprováveis que pretende.
F.- (V) As afirmações a que se alude em H), I) e J), foram ditas com intenção de levantar suspeitas sobre a honestidade do autor no exercício das suas funções.
G.- (Aa) O autor sentiu-se denegrido na sua imagem de cidadão e de autarca.
H.- (Bb) A reportagem a que se alude em R) teve relevância nacional.
I.- (CC) O autor sentiu-se chocado, triste e revoltado com o conteúdo do artigo a que se alude em H), I) e J).
J.- (Dd) O réu actuou numa atitude de paixão e devido à sua personalidade excessivamente frontal.
K.- (Ee) Os artigos a que se alude em H), I), J) foram objecto de comentários e de críticas.
L.- Estes factos demonstram todos os elementos necessários à condenação, inclusive o prejuízo e a intenção de ofender.
M.- Nas alegações de recurso perante a Relação, o Autor convocou a ocorrência de nulidades diversas derivadas do facto da Douta Autora da Sentença da 1.ª Instância ter utilizado factos da sua "lavra",
N.- não invocados, nem provador pelo Réu,
O.- e que foram considerados como causa justificativa do comportamento do mesmo réu,
P.- nulidades essas que a 2.ª instância se recusou a apreciar,
Q.- praticando nova nulidade,
R.- sem qualquer fundamento (art. 205° da Constituição), daí derivada a consequente nulidade,
S.- e também violando a regra da equidade (art. 6° da "Convenção Europeia dos Direitos do Homem" - direito interno - art. 8° da Constituição).
T.- A utilização de elementos probatórios de facto, não invocados pela parte interessada, constitui uma grave ilegalidade,
U.- na medida em que favorece uma das partes em prejuízo da outra, pondo em causa a imparcialidade do Tribunal, naquilo que ela tem de mais profundo (a "legalidade" - art. 202° da Constituição).
V.- A única circunstância justificativa invocada pelo Réu (20°) foi dada como não provada.
X.- todos os restantes factos ou corroboram a tese do Autor ou são "indiferentes" em relação a tese do Réu.
Z.- Da resposta dada ao quesito 4°, na tese das doutas decisões anteriores, retirar-se-iam conclusões absurdas e/ou obscenas:
a.- Tais expressões foram proferidas com intenção exclusiva (que não consta da resposta) de ofender o POLÍTICO;
b.- o politico é sempre DESONESTO, porque as "suspeitas" sobre a sua honestidade são sempre admissíveis e aceites;
c.- o POLÍTICO e o PARTICULAR são realidades diferentes, podendo haver um politico corrupto que seja um cidadão exemplar!
Aa.- Será que os Magistrados deste País aceitam este tipo de raciocínio? Como advogado, recusamos!
Ab.- A HONRA presume-se em relação a todos os HOMENS!
Ac.- Foram, ainda, violadas as disposições dos arts.70° do C. Civil, 8° e 26° da Constituição, 653°, 659° e 668° do C. Proc. Civil e mais disposições legais aplicáveis.

Contra-alegou o réu, pugnando, detalhadamente, pela manutenção da decisão.
V –
Face às conclusões das alegações, o presente recurso resume-se a saber se:
O acórdão recorrido é nulo por, ao contrário do que devia, não se ter pronunciado sobre o facto da sentença de 1.ª instância “ter utilizado factos não invocados pelas partes”;
Não o sendo, a entrevista concedida pelo réu preenche todos os pressupostos da responsabilidade civil em ordem a ser condenado a indemnizar o autor.

VI –
Vem provada a seguinte matéria de facto:

A) O autorAA é Presidente da Câmara Municipal ........
B) A Câmara Municipal ...., desde princípios de 1991, programou e executou um projecto de obras de recuperação e beneficiação do edifício dos Paços do Concelho, ao mesmo tempo que pretendia realizar obras de reabilitação do Centro Histórico .....
C) Para realização das obras referenciadas em B), a Câmara Municipal .... tomou as seguintes medidas:
a) Em 09.05.91 fez publicar no “Diário da República” um anúncio relativo ao “concurso para a elaboração do projecto do edifício dos Paços do Concelho” - cfr. doc. de fls. 17;
b) Em 13.02.92 deliberou, por unanimidade, adjudicar a elaboração dos projectos de execução das “Obras de recuperação e beneficiação do edifício dos Paços do Concelho”, nos termos do concurso público e respectivo caderno de encargos - cfr. doc. de fls. 18:
c) Em Julho e Agosto de 1995, fez publicitar o anúncio público para a empreitada denominada “Reabilitação do Centro Histórico .... - Restauro e Renovação do Edifício do Antigo Hospital do Espírito Santo” - cfr. doc. de fls. 19 a 21:
d) Em 2.11.95 e 23.1195 deliberou, por unanimidade, adjudicar a empreitada denominada de “Reabilitação do ............- Restauro e Renovação do Edifício do Antigo Hospital do Espírito Santo” - cfr. doc. de fls. 22 a 23: e,
e) Em 13.01.95 e 7.11.96 apresentou o formulário de candidatura ao “Pronorte”, para o financiamento respeitante à mesma obra - cfr. doc. de fls. 24 a 33.
D) Do concurso público a que se alude em C) a), saiu vencedora a proposta apresentada pela equipa de arquitectos liderada pelo réu e pelo arquitecto DD.
E) Em 8.09.92, na sequência do acto de adjudicação ao réu e ao arquitecto DD a que se alude em C) b), estes celebraram com o Município........... um contrato de prestação de serviços pelo qual se obrigavam a elaborar os projectos do edifício dos paços do concelho (“projectos de execução das obras de recuperação e beneficiação do edifício dos paços do concelho”).
F) A mudança de nome de “Obras de recuperação e beneficiação do edifício dos Paços do Concelho” para “Reabilitação do Centro ................. - Restauro e Renovação do Edifício do Antigo Hospital do Espírito Santo”, referenciada em C), deu-se após a elaboração do projecto de execução.
G) Na sequência da entrevista a que se alude em H), CC elaborou e dirigiu ao autor a informação que constitui o documento junto aos autos a fls. 34 a 37.
H) O réu concedeu ao “.......Popular” de 4.09.03 uma entrevista onde, designadamente, se lê, a propósito de ter sido retirado do “Gabinete do Centro .................”: «Acredito que não me tenha escolhido porque o Dr. AA sabe que eu sou um homem de ideias fixas e duro de roer. E mais: sou difícil de manobrar. Deve ter entendido que escolheu a medida mais fácil para não ter problemas.
( ... )
Se o AA não queria o meu nome na obra deveria ter actuado de outra forma, com mais delicadeza - como um político sabe fazer e não usar o cargo para, à bruta, conseguir o que quer».
I) Na entrevista referida em H), o réu refere «O processo antes designado como da “Câmara ...............” passou, a dada altura, a chamar-se “Hospital do Espírito Santo. Sabe porquê? Porque a União Europeia (UE) não subsidia obras em Câmaras. Quero dizer que, à boa maneira portuguesa, vigarista, para se conseguir subsídios da UE, alterou-se o nome do processo.
O Estado português, a CMB, o arquitecto T....... e AA defraudaram a UE em milhares de euros. Isto é uma trafulhice. E se calhar na UE nem sequer sabem o que pagaram».
J) Na entrevista a que se alude em H), à questão «Então até é bom que o seu nome tenha sido retirado?», o réu respondeu «Se calhar. Mas a trafulhice é mais do dono da obra».
L) O “.......Popular” de 25.09.03 publicou a notícia junta aos autos a fls. 42, a propósito da entrevista a que se alude em H), I) e J).
M) O “.......Popular” de 4.12.03 publicou a notícia junta aos autos a fls. 43, a propósito da entrevista a que se alude em H), I) e J).
N) O “.......Popular” de 23.12.03 publicou a notícia junta aos autos a fls. 44, a propósito da entrevista a que se alude em H), I) e J).
O) O “.......Popular” de 30.12.03 publicou a notícia junta aos autos a fls. 45, na qual o réu reafirmou as afirmações contidas na entrevista a que se alude em H), I) e J).
P) EE é a autora do texto publicado no “Jornal .........” de 1.10.03, junto aos autos a fls. 46.
Q) O réu é o autor do texto publicado no “O Primeiro de Janeiro” de 20.01.04, junto aos autos a fls. 47.
R) A “SIC” publicou a reportagem televisiva junta aos autos em cassete vídeo.
S) A candidatura da Câmara Municipal ............. aos fundos distribuídos pelo PRONORTE, no âmbito do QCA II, a que se alude em C), e), foi classificada e aprovada como tendo por objecto a construção de um “equipamento socio-económico” (“Medida 3 do sub-programa B) de “apoio à actividade produtiva” (“acção 1”).
T) A palavra “manobra” a que se alude em H) foi utilizada no sentido de “trabalho ou direcção habilidosa”.
U) A expressão “usar o cargo para, à bruta, conseguir o que quer”, referida em H), significa que o autor teria uma mentalidade de quem não olha a meios para atingir os fins reprováveis que pretende.
V) As afirmações a que se alude em H), I) e J), foram ditas com intenção de levantar suspeitas sobre a honestidade do autor no exercício das suas funções.
X) O “.......Popular” é um jornal com uma tiragem de milhares de exemplares, dos quais, pelo menos, 500 são distribuídos na área do concelho.
Z) O artigo a que se alude em H), I) e J) foi lido por milhares de pessoas.
Aa) O autor sentiu-se denegrido na sua imagem de cidadão e de autarca.
Bb) A reportagem a que se alude em R) teve relevância nacional.
Cc) O autor sentiu-se chocado, triste e revoltado com o conteúdo do artigo a que se alude em H), I) e J).
Dd) O réu actuou numa atitude de paixão e devido à sua personalidade excessivamente frontal.
Ee) Os artigos a que se alude em H), I), J) foram objecto de comentários e de críticas.
Ff) Os projectos elaborados pelo réu e pelo arquitecto DD, na sequência do que se alude em E), visavam a recuperação arquitectónica do edifício destinado a alojar, não só os diversos departamentos e serviços de uma câmara municipal, mas também uma sala gótica utilizada para exposições, um anfiteatro e um salão nobre que teve origem na recuperação da Igreja medieval, onde foram encontrados vestígios do século XVI.
Gg) Os projectos incluíam gabinetes para o presidente da Câmara, gabinetes para os vereadores, salas para deputados municipais e salão para reuniões da Assembleia Municipal.
Hh) As obras que, depois, vieram a realizar-se seguiram as especificações desses projectos, salvo as alterações introduzidas e referidas na parte final da alínea Ff).
Ii) Por ocasião do lançamento do concurso público a que se alude em C), c), destinado a seleccionar o empreiteiro encarregado da realização da obra, a Câmara Municipa deu instruções à equipa de arquitectos no sentido de se proceder à alteração dos rótulos dos desenhos dos projectos de execução do EPCB os quais deveriam passar a mencionar a “remodelação e restauro do antigo Hospital do Espírito Santo”, sendo que tal alteração se ficou a dever à intenção, por parte da Câmara, de incluir no mesmo projecto a valorização de todo o contexto urbano envolvente, que inclui o centro histórico.
Jj) A partir daí, toda a documentação relativa à obra de renovação e ampliação do EPCB passou, formal e nominalmente, a reportar-se à obra de “Reabilitação do Centro Histórico ........... - restauro e renovação do edifício do antigo Hospital do Espírito Santo”.
Ll) Para além da renovação, restauro e ampliação do edifício dos Paços do Concelho .........(EPCB), a obra que se realizou com o contributo do financiamento da EU incluiu ainda o restauro dos espaços referidos na parte final da alínea Ff).”.
VII –
A omissão de pronúncia está prevista no artigo 668.º, n.º 1 d), em concatenação com o artigo 660.º, n.º2 do Código de Processo Civil.
Verifica-se, então, quando o juiz, não havendo prejudicialidade, deixe de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Ao que sejam “questões”, para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 670: são “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, não significando “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artigo 511-1) as partes tenham deduzido…”(agora a página 646). No mesmo sentido se podendo ver, A. Varela, RLJ, 122,112 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 195. E tem sido particularmente reiterada a jurisprudência, incluindo a deste tribunal, que vem afirmando, ao que sabemos com unanimidade, que o juiz deve conhecer de todas as questões, não carecendo de conhecer de todas as razões ou de todos os argumentos (cfr-se, por todos, em www.dgsi.pt – sítio onde estão também disponíveis os demais Acórdãos deste Tribunal que se vão referir - os Ac.s de 13.9.2007, processo n.º 07B2113 e de 28.10.2008, processo n.º08A3005).

Mais se vem entendendo que a nulidade se verifica apenas nos casos em que há omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada (Cfr-se os Acórdãos deste Tribunal, de 18.4.2002, processo n.º 02B737, 16.12.2004, processo n.º 04B3896 e de 28.10.2008, já referido, e, bem assim, o comum dos autores - exemplificativamente, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, ob. e vol. citados, 669 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 194).
A fundamentação deficiente pode dar aso a, entre outras, situações de insuficiência factual ou má construção de direito, mas não atinge a validade formal da peça processual.

No presente caso, os Senhores Desembargadores escreveram:
“ii) Se a sentença incorre em alguma nulidade:
O recorrente não diz qual seja, exactamente, a nulidade incorrida pela sentença, por referência, como seria normal e mister, à alínea respectiva do nº1 do artº668.º do CPC, parecendo, no entanto, pretender que se conheceu de questão de que não se deveria ter tomado conhecimento, situação prevista na alínea d) do nº1 daquele artº668.º.
Tal questão consistiria, em suma, em descortinar, no comportamento do réu, uma motivação que este não alegou.
Ora, ainda que assim seja, não se está, deste jeito, a eleger, como carecida de resolução, uma questão não sujeita a escrutínio pelas partes, mas sim a interpretar, de um certo modo, a factualidade assente.
Inexiste, pois, a invocada nulidade.”

Está aqui o conhecimento da questão, pelo que não se verifica a pretendida nulidade.

VIII –
Podemos, então, passar à segunda das questões, consistente em determinar se as expressões proferidas pelo réu – mormente a integração do comportamento do autor no que seria uma maneira de ser “vigarista” do povo português e a alusão a “trafulhice”, por, segundo afirma, ter sido defraudada a UE em milhares de euros – preenchem os pressupostos da responsabilidade civil, concretamente, o do acto ilícito.

Nos termos do artigo 1.º da CRP, Portugal é uma República soberana, baseada, além do mais ali referido, na dignidade da pessoa humana. Dispondo o artigo 25.º n.º1 que a integridade moral das pessoas é inviolável, sendo a todos – de acordo com o artigo seguinte – reconhecidos os direitos ao bom nome e reputação. Ainda no mesmo Diploma, o artigo 16.º, n.º2 impõe que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devam ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. A qual, no artigo 12.º, dispõe que ninguém sofrerá ataques à sua honra e reputação.

Já no plano da lei ordinária, intitula-se o capitulo VI do Código Penal, de “Crimes Contra a Honra”, ali se consignando vários crimes correspondentes à violação desse direito. Por sua vez, o artigo 70.º do Código Civil refere a protecção dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça à sua personalidade física ou moral. Estatuindo o artigo 484.º que, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, responde pelos danos causados.
Estes preceitos são secundados por muitos outros, reportados, por regra, já a vertentes em que o direito à honra, ou melhor, a sua violação, se enquadra em domínios específicos da vida em sociedade, como a comunicação social.

Neste quadro legal, veio a jurisprudência continuando o entendimento, que já vinha de longe, de que, por regra, a ofensa à honra (e usamos esta palavra em sentido lato, abrangendo o que a lei, sem uniformidade terminológica, chama “honra”, “honra e bom nome”, “reputação”, “consideração” e “crédito”) integrava um acto ilícito a demandar, consoante os casos, sanção criminal, indemnização ou ambas.
Palavras como “vigarista” ou “trafulha” ou expressões de que “defraudaram a União Europeia em milhares de euros” levavam, salvo casos muito excepcionais, à condenação.

IX –
Com frequência, as ofensas passaram a ter lugar na comunicação social. E surgiu, com acuidade, o conflito entre o direito à honra e o direito de livre expressão e informação inerente a tal modo de comunicação.
A questão continuou a ser abordada na perspectiva do direito à honra e suas ressalvas. A regra seria a afirmação daquele direito, que só cederia, em casos justificados, que, doutrina e jurisprudência, se encarregaram de ir precisando.
Outrossim, nos casos em que a cedência recíproca não resolvesse a questão, havia que dar preferência à honra porque integrante de direito de personalidade.
Neste modo de entender, continuariam as palavras ou a expressão, como as supra referidas, a integrar, praticamente em todos os casos, acto ilícito.
X –
Foram, entretanto, proferidas muitas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a matéria.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem não tutela, no plano geral, o direito à honra.
Não o ignora no artigo 10.º, n.º2, mas a propósito das restrições à liberdade de expressão.
Esta construção levou aquele Tribunal a seguir um caminho inverso ao que vinham seguindo, habitualmente, os Tribunais Portugueses. Não partia já da tutela da honra, situando-se, depois, nas suas ressalvas, mas partia antes da liberdade de expressão, situando-se, depois, na apreciação das suas restrições, constantes daquele artigo 10.º, n.º2.
E vem proferindo múltiplas decisões cujo entendimento, mantido de forma constante, vem assentando, essencialmente, no seguinte:
A liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa;
As excepções constantes deste n.º2 devem ser interpretadas de modo restrito;
Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade.
Os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum – quanto à comunicação social, o Tribunal vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda” - devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas;
Na aferição dos limites da liberdade de expressão, os Estados dispõem de alguma margem de apreciação, que pode, no entanto, ser sindicada pelo próprio TEDH.

Tal entendimento tem levado a que este Tribunal Europeu, considerando expressões insertas em peças jornalísticas ou outras ainda dentro dos limites da liberdade de expressão, venha condenando os Estados por os respectivos tribunais internos terem condenado os autores ou, em geral, os responsáveis por elas.

Muito exemplificativamente, trazemos aqui para ponderação alguns casos, cujo texto se pode ver no sítio do próprio Tribunal:
Acórdão Oberschlick contra a Áustria de 1.7.1997 a respeito da expressão, inserta numa peça jornalística, dirigida a um político proeminente – que fizera um discurso provocador - “imbecil em vez de nazi”, porque “este último epíteto favorecê-lo-ia”.
Acórdão Lopes da Silva contra Portugal, de 28.9.2000, perante as expressões dirigidas, numa peça jornalística, a um jornalista que pretendia candidatar-se a eleições municipais, de “grotesco”, “boçal” e eivado de “reaccionarismo alarve”.
Acórdão Almeida Azevedo contra Portugal, de 23.1.2007, em que, numa peça jornalística, um membro da oposição, apelidou o presidente da Câmara da localidade de “mentiroso completo e sem complexos”, de ter “falta de pudor inqualificável” e de ser “intolerante e perseguidor”.
Acórdão Mestre contra Portugal, de 26.4.2007, a propósito da expressão “patrão dos árbitros” proferida em entrevista televisiva, com referência ao presidente dum grande clube e da Liga de Futebol.
Acórdão “Público” contra Portugal, de 7.12.2010, a propósito do caso apreciado no Ac. do STJ de 8.3.2007, processo n.º 07B566, relativo a publicação, em manchete e em dois artigos naquele jornal, referente a dívidas fiscais dum clube de futebol português que não estariam a ser pagas, referindo-se que os respectivos dirigentes cometeram um crime de abuso de confiança fiscal.
Acórdão Otegi Mondragon contra a Espanha, de 15.3.2011, em que o demandante havia sido condenado pelo Tribunal Supremo Espanhol (depois de absolvição pelo Tribunal Supremo Basco), por se ter referido, em conferência de imprensa, a propósito da visita do rei a Bilbau, nos seguintes termos:
“Como é possível que eles se façam fotografar hoje em Bilbau com o rei de Espanha, quando o rei de Espanha é o chefe supremo do exército espanhol, ou seja, o responsável pelos torcionários, o protector da tortura e quem impõe o seu regime monárquico ao nosso povo por meio da tortura e da violência?”

Desta enumeração, todavia, não podemos retirar que todos os casos de ofensa veiculada na comunicação social sejam aceitáveis para aquele Tribunal Europeu. Os Acórdãos Barford contra a Dinamarca, de 22.2.1989, Prager e Oberschlick contra a Áustria de 26.4.1995, Cumpana contra a Roménia de 10.6.2003 e Pena contra a Itália, de 6.5.2003, constituem exemplos, de entre muitos, em que foi pronunciada a não violação do mencionado artigo 10.º, não se censurando as condenações levadas a cabo pelos tribunais internos. Por regra, por as pessoas visadas desempenharem cargos sem exposição pública, ou por as ofensas serem gratuitas, desproporcionadas ou sem correspondência com o interesse geral de informação e controle.

XI -
O modo de ver consistente em afirmar a liberdade de expressão como ponto de partida para situar em ressalvas a sua violação, mormente quanto à ofensa à honra, sai reforçada pelo teor da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A vinculação dos Estados ao seu cumprimento teve lugar depois dos factos que agora apreciamos, pelo que a atenção à mesma serve só para melhor entendimento das razões deste raciocínio e da hierarquia de valores que encerra.
Ignora o direito à honra e estatui no artigo 11.º :
Liberdade de expressão e de informação
1 . Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras.
2 . São respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social.

Prescindiu-se aqui até da enumeração de restrições, não se seguindo sequer o artigo n.º2 do artigo 10.º da CEDH, ao qual se chega só pela via indirecta – aliás, de modo não concludente – do n.º3 do artigo 52.º. Ou situando ainda tais restrições, tão simplesmente, na figura do abuso do direito prevista no artigo 54.º.

XII -
No fundo, com tudo isto, estará, talvez, a vir ao de cima a contraposição entre a tendência nacional – e não só - para o individualismo (que a tutela do direito à honra, habitualmente, protege) e a visão internacional mais virada para as realidades colectivas, especialmente as reportadas ao suporte da sociedade tal como se pretende que ela seja. E estar-se-á a questionar fortemente a ideia de que quem desempenha cargos de relevo – principalmente políticos – deve ser, por aí, particularmente considerado e respeitado.
Tendo como consequência, claramente, uma discrepância entre os limites à liberdade de expressão que traçam as autoridades internas dos vários países – com destaque para Portugal – e os que o Tribunal internacional vem fixando, estabelecendo um círculo de aceitação muito mais alargado.
Discrepância, aliás, no nosso caso, não total. Já no Acórdão deste Supremo Tribunal de 13.1.2005, processo n.º 04B39224, se acolheu a posição do TEDH e, por isso, se absolveu um jornal que empregara expressões muito ofensivas a respeito dum governador civil e presidente da Câmara, as quais, vista a acessibilidade do aresto – sempre em www.dgsi.pt – aqui nos dispensamos de repetir. E no de 7.2.2008, processo n.º 07B4540, referiu-se expressamente que deve ser acolhida a orientação daquele Tribunal, nesta matéria.

XIII –
Perante esta dissintonia, há que atender à hierarquia normativa.
Em primeiro, a nossa Constituição.
Em duas vertentes:
Uma respeitante à tutela, quer do direito à honra, quer do direito à liberdade de expressão e informação;
Outra reportada à relação que estabelece, no que respeita ao direito internacional.

Sobre a tutela do direito à honra já nos debruçámos em VIII.
Mas, paralelamente, o artigo 37.º estatui que todos têm o direito de exprimir e divulgar o seu pensamento, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado.

Não vemos que, do texto constitucional, resulte a prevalência dum dos direitos sobre o outro (Neste sentido, Iolanda de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, 54) . Mesmo a alusão, logo no artigo 1.º, à dignidade humana não inclui, dos dois, apenas a honra. A dignidade encerra também a ausência de mordaças.
O conflito entre os dois direitos não encontra, no próprio texto constitucional, solução.
Decerto que, tutelando a Constituição ambos, hão-de ser exercidos até onde não interfiram um com o outro. Se interferirem, há-de se procurar ainda a redução em ordem a cada um deles poder ser exercido de modo mais amplo. Mas se se atingir o patamar da incompatibilidade, não temos elementos para retirar a solução do texto constitucional. Nem o já falado artigo 16.º, n.º2, que impõe uma interpretação conforme à Declaração Universal dos Direitos do Homem, faz luz neste domínio porque, se nesta se tutela a honra, se tutela também em plano de igualdade, a “liberdade de opinião e de expressão”.

XIV –
Na segunda vertente, e para além da interpretação acabada de referir, há que atender aos artigos 8.º e 16.º, n.º1.
Eles conduzem a CEDH a um plano superior ao das normas ordinárias de origem interna (Cfr-se Jorge Miranda e Rui Medeiros, Anotação XIII ao primeiro daqueles artigos). No que a lei constitucional deixa por regulamentar, vale, em primeira linha, o texto convencional.
Se vale o texto convencional, coloca-se a questão da sua interpretação através das sucessivas decisões do TEDH. Nos termos do artigo 46.º, n.º1, as Altas Partes Contratantes obrigam-se a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que forem partes. Nessa sequência veio a lume a alínea f) do artigo 771.º do Código de Processo Civil, abrindo caminho às revisões de sentença quando a decisão transitada em julgado “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”. No mesmo sentido dispondo o artigo 449.º, n.º1 g) do Código de Processo Penal; no seguimento do qual, admitiu já este Supremo Tribunal – precisamente em casos de violação do artigo 10.º da Convenção decretada pelo TEDH – a revisão das sentenças condenatórias proferidas na ordem interna – Ac.s de 23.4.2009, processo n.º5TACTB-A.S1 e de 27.5.2009, processo n.º 0TBEPS-A.S1.
Mas a jurisprudência do TEDH vai mais longe, com o entendimento de que:
“Os Estados que conservam na sua ordem jurídica normas contrárias à Convenção, tal como consta dos Acórdãos do Tribunal, mesmo que o país em causa nele não seja parte, devem conformar-se com tal jurisprudência sem que tenham de esperar para serem demandados no Tribunal Europeu” – Acórdão Modinos contra Chipre, de 22.4.1993. Como refere Ireneu Barreto, em anotação a este artigo, apesar do caso julgado se reportar às partes no processo, “convirá, no entanto, a todas as autoridades, mesmo àquelas que não pertencem ao Estado em causa e entre elas os tribunais, acolher a doutrina que deles deriva para evitar futuras condenações por violação da Convenção.”

Cremos, pois, daqui derivar a imposição também para este Tribunal de acatar o artigo 10.º da Convenção, na interpretação que lhe vem conferindo o TEDH (assim, Iolanda de Brito, ob. cit., 107 e 367). Ou seja, que atender ao que sumariamente se deixou explanado em X.

XV -
Assim situando a questão, releva contra o autor a sua qualidade de Presidente da Câmara. Pelas razões que se deixaram ditas, impõe-se uma maior aceitabilidade de expressões, mesmo chocantes ou ofensivas que o visem. Depois, tratava-se duma realidade de interesse público e geral: as pessoas têm natural curiosidade em saberem os caminhos que permitiram a reabilitação do centro histórico da cidade, incluindo o edifício dos Paços do Concelho, mormente quem e de que modo, total ou parcialmente, foi financiando. Relativamente a obras públicas, em geral, existem mesmo legitimamente no nosso país imperativos de controle financeiro por parte do comum dos cidadãos. Em terceiro lugar, ficou provado que o financiamento veio parcialmente da União Europeia e que em documentos a ele respeitantes não se lhe chamou pelo nome por que actualmente é conhecido, mas por “antigo Hospital do Espírito Santo”, quando ali não se praticam actos médicos, nem se visava que se voltassem a praticar, ou até que a reabilitação tivesse como escopo a efectivação de algo relacionado com o seu passado de hospital.
Todo um quadro em que as expressões ofensivas – quer a imputação de que “defraudaram a União Europeia em milhares de euros”, quer a alusão a “vigarista” (aliás, dirigida ao povo português e só mediatamente atingindo o autor) e a “trafulhice” – se situam fora do círculo traçado pela interpretação restritiva do n.º2 do mencionado artigo 10.º da CEDH.

XV –
Nem sequer se poderá entender que nos devemos situar no espaço de liberdade que o TEDH vem considerando existir relativamente a cada um dos Estados (mais afirmado do que tido em conta por ele, diga-se em abono da verdade) e que deixámos referido em X. As expressões usadas e o contexto em que o foram não ferem a liberdade, tal como, repetidamente, a vem delimitando aquele órgão jurisdicional.
Com esta tomada de posição não estamos, todavia, a avalizar o seu uso. Extramuros da cidadela jurídica existem normas de outra ordem que não abonam tal comportamento. E as ideias não adquirem força pelo conteúdo ofensivo das palavras que as veiculam.
Caberá a cada um, quer na vertente de produção da comunicação social, quer na sua vertente de consumo, ajuizar sobre a inaceitabilidade de muito do que se diz ou do modo como se diz.

XVI –
Face a todo o exposto, nega-se a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 30 de Junho de 2011
João Bernardo (Relator)
Oliveira Vasconcelos
Serra Baptista