Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2035/11.9TJVNF.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
SUCUMBÊNCIA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
INFRACÇÃO ESTRADAL
INFRAÇÃO ESTRADAL
CULPA
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA DIFERENÇA
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA DO AUTOR E NEGADA AS REVISTAS DAS RÉS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSOS DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – LEIS, SUS INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO ESTRADAL – TRÂNSITO DE VEÍCULOS / DISPOSIÇÕES COMUNS / VELOCIDADE / ALGUMAS MANOBRAS EM ESPECIAL / MUDANÇA DE DIREÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 1, 671.º, N.ºS 2 E 3 E 674.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º 3, 494.º, 496.º, N.ºS 1 E 4, 562.º, 564.º, N.º 2, 566.º, N.ºS 1, 2 E 3 E 564.º, N.º 1.
CÓDIGO DA ESTRADA (CEST): - ARTIGOS 3.º, 11.º, 13.º, 24.º, 25.º, 35.º E 44.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º.
TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES POR ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADA PELO D.L. N.º 352/2007, DE 23-10.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, N.º 10/2015;
- DE 28-09-1995, CJ STJ, ANO III, TOMO III, 36;
- DE 16-03-1999, CJ STJ, ANO VII, TOMO I, 167;
- DE 25-07-2002, CJ STJ, ANO X, TOMO II, 128;
- DE 19-02-2004, PROCESSO N.º 03A4282, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-09-2007, PROCESSO N.º 07A2727, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-09-2009, PROCESSO N.º 09B0037, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 381/2002.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-11-2009, PROCESSO N.º 397/03.0GEBNV;
- DE 20-05-2010, PROCESSO N.º 103/2002, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-09-2010, PROCESSO N.º 935/06.7TBPTL, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-10-2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-10-2011, PROCESSO N.º 428/07.5TBFAF.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 31-01-2012, PROCESSO N.º 875/05.7TBILH.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-10-2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-10-2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 436/11.1TBRGR.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 99/12.7TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-04-2016, PROCESSO N.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

- DE 03-07-2014, PROCESSO N.º 333/12.3TCGMR, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 15-02-2011, PROCESSO N.º 291/07.6TBLRA, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A medida da sucumbência, para efeitos de interposição de revista – quando quer a autora, quer os réus, apelaram da decisão da 1.ª instância –, não se afere pela diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e no acórdão da Relação (não sendo, como tal, aplicável a orientação do AUJ n.º 10/2015), mas sim em função do decaimento no pedido (quanto à autora) e do montante da condenação (quanto aos réus), pelo que, verificando-se, quanto a um e outro recurso, que o acórdão recorrido é desfavorável aos respectivos recorrentes em valor superior a metade da alçada da Relação, a revista é admissível (art. 629.º, n.º 1, do CPC).

II - Aferindo-se a dupla conforme pelo teor das decisões finais, não existe esse obstáculo, quanto à autora, quando a sentença fixou a indemnização global devida à autora em € 65 809,59 e o acórdão recorrido a reduziu para € 53 087,07 e também não existe quanto aos réus por, no acórdão recorrido, se ter adoptado fundamentação essencialmente diferente no que respeita aos critérios seguidos para fixar a indemnização por danos patrimoniais futuros (art. 671.º, n.º 3, do CPC).

III - Da circunstância de se ter provado – no âmbito de acção destinada a obter indemnização por danos sofridos em virtude de um acidente de viação – que “No local do embate existem casas de habitação e estabelecimentos comerciais de um e de outro lado da estrada” não se extrai, por si só, a conclusão de que a condução à velocidade máxima permitida nas povoações (50 km/h) seja violadora da obrigação legal de adaptar a velocidade às condições da via (arts. 24.º e 25.º do CEst), não podendo, assim, com esse fundamento, ser atribuída culpa na produção do acidente ao condutor desse veículo.

IV - A afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, compreendendo-se na primeira categoria a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências de afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais.

V - Os índices de incapacidade geral permanente não se confundem com os índices de incapacidade profissional, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo DL n.º 352/2007, de 23-10: na incapacidade geral avalia-se a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, a qual pode ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde.

VI - A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566.º, n.º 2, do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC).

VII - Para tanto, relevam: (i) a idade da lesada à data do sinistro (42 anos); (ii) a sua esperança média de vida à data do acidente, que se situará entre 70 e 80 anos (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (iii) o índice de incapacidade geral permanente (17,55 pontos); e (iv) a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com as qualificações e competências da lesada (sendo que, no caso, a lesada ficou incapaz para o exercício da sua profissão habitual de costureira, desde a data do acidente nunca mais trabalhou, as suas qualificações são reduzidas e as suas competências assentavam na destreza, mobilidade e força dos braços).

VIII - É, por isso, de concluir que a afectação dos referidos parâmetros terá consequências muito negativas na possibilidade efectiva de a lesada vir a exercer actividade profissional alternativa, pelo que, estando o tribunal limitado pelo pedido em sede de revista, a indemnização por danos patrimoniais futuros deve ser fixada no montante de € 51 965,55 (ao qual se deduzirá o valor já pago) e não na quantia de € 35 000 como fez a Relação.

IX - Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, cabe ao STJ a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o juízo equitativo da Relação, pelo que, sendo tais limites e pressupostos correctos, deve manter-se o montante de € 25 000 fixado a esse título.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Instituto de Seguros de Portugal - Fundo de Garantia Automóvel e BB e mulher CC, pedindo a condenação solidária dos RR. a pagar-lhe a quantia total de € 109.499,40 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo do montante que vier a ser fixado em concreto pelo tribunal, nomeadamente aquele que resultar da actualização a efectuar na data da sua fixação, e dos montantes vincendos a título de perdas salariais entre Maio de 2011 e a data de consolidação clínica que vier a ser fixada.

Para tanto alega, em síntese, que, no dia 8 de Março de 2009, pelas 17 horas, ocorreu um acidente de viação na Estrada Municipal 309, ao km 13,200, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, no qual foram intervenientes os veículos automóveis ligeiros de passageiros, de matrícula ...-...OC, propriedade de DD e por ele conduzido, e de matrícula ...-...-JO, propriedade de BB e conduzido pela sua mulher CC. Após descrever o acidente, que consistiu no embate entre os dois veículos, alega que o mesmo ficou a dever-se a culpa exclusiva da condutora do veículo JO, por conduzir completamente distraída, não respeitando as regras da prioridade, sendo que este veículo transitava sem seguro válido e eficaz. Alega ainda que seguia como passageira no banco dianteiro ao lado do condutor do veículo OC e que, em consequência do referido acidente, sofreu os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que discrimina na petição inicial e cujo ressarcimento peticiona.

Os RR. BB e CC contestaram, impugnando os factos alegados na petição inicial relativos à dinâmica do acidente, bem como os danos que a A. alega ter sofrido e a sua quantificação, para além de atribuírem a culpa exclusiva do sinistro ao condutor do veículo no qual a A. seguia como passageira por, alegadamente, transitar com uma velocidade excessiva e distraído e, por via disso, se ter despistado.

Deduziram reconvenção, na qual requereram a intervenção principal provocada de DD, proprietário e condutor do veículo OC, e de EE - Companhia de Seguros, S.A. para a qual se encontrava transferida a responsabilidade civil emergente de acidente de viação do aludido veículo, e peticionaram a condenação solidária da A. AA, de seu marido DD e da Seguradora EE a pagarem aos RR. reconvintes BB e CC o montante global de € 6.491,55 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com o sinistro, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação da contestação/reconvenção.

O R. Fundo de Garantia Automóvel (FGA) apresentou contestação, na qual impugnou, por desconhecimento, os factos alegados na petição inicial relativos à dinâmica do acidente, assim como os danos que a A. alega ter sofrido e a sua quantificação, aceitando, porém, a culpa da R. CC, condutora do veículo JO, na produção do acidente.

A A. apresentou réplica, impugnando os factos alegados por todos os RR. e mantendo a posição defendida na petição inicial. Conclui, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas e do pedido reconvencional formulado pelos RR., bem como pela não admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada do condutor DD, por falta de fundamento legal.

Em 17/01/2012 foi proferido despacho a indeferir o chamamento de DD e a admitir a intervenção principal provocada da Seguradora EE – Companhia de Seguros, S.A., determinando a sua citação.

Regularmente citada, a interveniente EE apresentou contestação, alegando que ignora as circunstâncias em que ocorreu o acidente em causa, uma vez que este nunca lhe foi participado pelo seu segurado, nem os reconvintes apresentaram qualquer reclamação, aceitando, no entanto, a versão do condutor do veículo seguro constante da petição inicial.

Os RR. BB e CC responderam à contestação da chamada, impugnando a matéria por ela articulada e mantendo a posição defendida na sua contestação/reconvenção.

Foi realizada a audiência preliminar, na qual foi ordenada a citação da Segurança Social nos termos e para os efeitos do disposto no artº 1º, do Decreto-Lei nº 59/89 de 22 de Fevereiro, tendo o Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Distrital de Braga (doravante CDSSB) deduzido contra os RR. FGA e BB e mulher CC, pedido de reembolso do subsídio de doença pago à A. no período de 08/03/2009 a 13/11/2009, no montante total de € 2.431,04.

Os RR. FGA e BB e CC contestaram o supra mencionado pedido de reembolso.

Em 27/06/2013 o R. FGA veio requerer a apensação a estes autos da acção sumaríssima n° 1568/13.7TJVNF, movida por Centro Hospitalar do Médio Ave, E.P.E. (doravante CHMA) contra os RR. FGA e BB e mulher CC, na qual peticiona a condenação solidária destes a pagarem-lhe a quantia de € 1.517,90, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 149,60 e vincendos até efectivo pagamento, pela assistência hospitalar prestada à A. AA, no Serviço de Consulta Externa, de 06/10/2010 a 29/05/2012, devido às lesões que apresentava em resultado do acidente de viação dos autos, dívida essa titulada por facturas emitidas entre 02/10/2010 e 04/03/2012.

Por despacho proferido em 09/09/2013, foi determinada a apensação aos presentes autos do aludido processo n° 1568/13.7TJVNF, por se verificarem os pressupostos da coligação (a fls. 368).

Foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou os RR. solidariamente a pagarem à A. a quantia de € 47.809,58 referente a danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, bem como a quantia de € 18.000,00 para ressarcimento dos danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença.

Condenou ainda os RR. a ressarcirem o CHMA do valor de € 1.517,90 acrescido de juros de mora até efectivo pagamento, que, à data de 29/05/2013, se cifravam em € 149,60, e a pagarem ao CDSSB o valor de € 2.431,04.

Julgou improcedente a reconvenção, dela absolvendo a A.

Inconformados com tal decisão, os RR. BB e CC dela interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de …, bem como do despacho de 03/05/2013, que indeferiu a reclamação por eles apresentada relativamente à selecção da matéria de facto assente e controvertida, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

A A. interpôs recurso subordinado, pedindo a reapreciação dos valores indemnizatórios que lhe foram atribuídos por danos patrimoniais futuros, por perdas salariais e por danos não patrimoniais, de forma a ser-lhe concedida a indemnização peticionada.

Por acórdão de fls. 761 foi mantida a decisão relativa à matéria de facto e reapreciada a decisão de direito. A final foi proferida a seguinte decisão:

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de … em julgar parcialmente procedentes o recurso principal interposto pelos Réus BB e mulher CC, a que aderiu o Réu Fundo de Garantia Automóvel, e o recurso subordinado interposto pela Autora AA e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte relativa:

a) ao montante da indemnização a pagar solidariamente pelos RR. à Autora pelos danos patrimoniais futuros (dano biológico), que se fixa em € 28 087,07 (vinte e oito mil oitenta e sete euros e sete cêntimos);

b) ao montante da indemnização a pagar solidariamente pelos RR. à Autora pelos danos não patrimoniais, que se fixa em € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros).

No mais, decide-se manter a sentença recorrida.


2. Vêm os RR. BB e CC interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1. O douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de … faz, no entender dos Recorrentes, uma incorreta aplicação da lei.

2. Ora, concatenada a factualidade provada com as normas legais ínsitas no Código da Estrada (vg os art. 3.°, 11.°, 13.°, 24.° e 25.°) entendem os Recorrentes que sempre haveria que considerar-se que, no acidente dos autos, há uma comparticipação de culpas.

3. Competindo a parcela maior da culpa, de 70% (setenta por cento), ao condutor do "OC" (o DD, marido da A. AA).

4. De facto, o condutor do "OC" não se conteve e não obstante todos os circunstancialismos portadores da necessidade de moderar a velocidade (tal qual exige - expressamente - o Código da Estrada), transita à velocidade máxima prevista pelo legislador para transitar numa povoação e não conseguiu dominar o seu veículo por virtude da velocidade excessiva;

5. O cálculo da indemnização que caberia à A (a proceder o seu pedido), continua - ainda que já reduzido pelo Tribunal da Relação - inflacionado e desajustado face à realidade factual fixada nos presentes autos.

6. Assim, entende-se justa a fixação do valor de indemnização por danos patrimoniais devidos à A. na quantia de € 20.000,00.

7. Quanto os danos não patrimoniais, no caso concreto, nunca deverão ultrapassar os €10.000,00.

8. Tendo sido dado como provado que a A. já recebeu dos RR. CC e BB a quantia de € 6.913,07, qualquer que seja a solução sempre esta quantia será tida em conta.

9. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos art. 3.°, 11.°, 13.°, 24.° e 25.° do Cód. da Estrada e os art. 483.°, 494.°, 496.°, 562.°, 563.°, 564.° e 566.° do Cód. Civil.


O R. FGA veio declarar a adesão ao recurso dos RR. BB e CC, para os efeitos do art. 634º, do Código de Processo Civil.

A interveniente EE contra-alegou, invocando a não admissibilidade do recurso dos RR. BB e CC, na parte relativa à distribuição da culpa pelo acidente por se verificar dupla conforme das decisões das instâncias, e, em todo o caso, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

A A. contra-alegou, invocando igualmente a não admissibilidade do recurso dos RR. BB e CC, na parte relativa à atribuição da culpa pelo acidente, por verificação de dupla conforme. E, se assim não se entender, quanto a esta questão e ainda quanto às demais suscitadas no recurso dos RR. BB e CC, formulando as seguintes conclusões:

5. Não assiste qualquer razão aos RR./recorrentes quanto à alegada comparticipação de culpas no acidente, na medida em que não resultam dúvidas da matéria de facto dada como provada (veja-se pontos 2 a 6 e 10 dos factos dados como provados na sentença, que correspondem aos pto 4.° a 7.°, 84.° da base instrutória) que a ocorrência do acidente se ficou a dever única e exclusivamente à condutora do veículo JO, por ter cortado a linha de trânsito do veículo OC, que seguia na sua hemifaixa direita, quando a condutora do JO pretendia mudar de direcção para a sua esquerda, infringindo, assim, o disposto nos artigos 35.° e 44.° do Código da Estrada;

6. Os artigos 3.°, 11.°, 13.°, 24.° e 25.° do Código da Estrada invocados pelos recorrentes em nada sobrepesam para uma alegada comparticipação de culpas, uma vez que os RR. não lograram provar qualquer infracção às referidas normais estradais por parte do condutor do veículo OC;

7. O acórdão a quo procedeu a uma adequada interpretação e subsunção jurídica da factualidade provada ao concluir que o ilícito causador do acidente foi cometido pela condutora do veículo JO, a título de culpa exclusiva;

8. O douto acórdão julgou com perfeita observância dos factos e da lei aplicável, não merecendo qualquer censura, não havendo lugar a comparticipação de culpas do acidente.

9. Também, com a devida vénia, carecem de razão os recorrentes quando alegam que a indemnização pelos danos patrimoniais da A. deve ser considerada apenas até à idade da reforma 65 anos;

10. Tal argumentação não se compadece com a inúmera e profícua jurisprudência deste Supremo Tribunal que tem entendido que na fixação do valor indemnizatório deve ter-se em conta um montante que permita a formação de uma renda ao longo do que resta da sua vida, sendo que a esperança média de vida para as mulheres se estima aos 80 anos de idade;

11. A pretensão dos RR. a respeito dos danos patrimoniais, é manifestamente desajustada, injusta, e viola aos princípios da proporcionalidade, justiça e equidade;

12. Os RR./recorrentes também se insurgem quanto à decisão do Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais mas nenhuma censura merece o Tribunal a quo na fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais, em 25.000,00 €;

13. A dita fixação teve em conta os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências de igualdade no tratamento do caso análogo, veja-se a título de exemplo os Acórdãos do STJ de 02/06/2016, proc. 2603/10.6TVLSB.S1, relator Tomé Gomes; de 24/09/2009, proc. n.° 09B0037 e de 30/09/2010, proc. 935/06.7TBPTL, todos acessíveis em www.dgsi.pt;

14. Considerando a idade da A. (42 anos à data do acidente), as espécies de lesões sofridas, as intervenções cirúrgicas a que teve de se submeter, os dias de internamento, o período de défice absoluto temporário, as sequelas irreversíveis no membro superior direito, em especial, a perda de força e limitação funcional marcada pela rigidez articular, sobretudo no cotovelo direito; o quantum doloris de grau 6 e o dano estético de grau 4, o prejuízo de afirmação sexual e pessoal de grau 2, numa escala máxima de 7 pontos, a angústia pela perda da sua atividade profissional, a perda de auto-estima e da alegria de viver ou desgosto inerentes a tais padecimentos e, por outro lado, que tais consequências decorrem de um acidente de trânsito cuja responsabilidade é imputada, a título de culpa exclusiva, à condutora do veículo JO, dentro dos padrões que têm vindo a ser seguidos pela jurisprudência do STJ, tem-se por condizente e ajustado a esses padrões a indemnização de 25.000,00 € fixada pelo Tribunal recorrido;

15. Despiciendo é repetir aqui a douta fundamentação do acórdão recorrido quanto à aplicação e interpretação das pertinentes regras de direito aplicáveis à relação sub judice e bem assim quanto à melhor doutrina e jurisprudência nela invocada a qual, com a devida vénia, aqui se dá por integralmente reproduzida;

16. Exceptuadas as razões apontadas no recurso de revista apresentado pela A., o douto acórdão não merece qualquer reparo por ter realizado correcta aplicação da lei.

Termina pugnando pela improcedência de todas as pretensões dos RR. Recorrentes BB e CC, devendo o acórdão ser alterado apenas de acordo com as pretensões deduzidas no recurso de revista da própria A., no qual formula as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem por objecto a parte do douto acórdão recorrido que revogou a sentença relativa ao montante da indemnização a pagar solidariamente pelos RR. à A. pelos danos patrimoniais futuros (dano biológico), e que fixou em 28.087,07 € (vinte e oito mil oitenta e sete euros e sete cêntimos);

2. Com a devida vénia, a A./recorrente não se conforma com o sentido e alcance do douto Acórdão recorrido, por entender que o mesmo labora em erro de interpretação e aplicação da lei;

3. No cálculo da indemnização a título de danos patrimoniais futuros (dano biológico) a douta sentença teve por base a idade da A. à data do acidente, a IPG de 17,55 % de que ficou a padecer, uma remuneração mensal de 450 € e a esperança média de vida de 80 anos (450,00 € x 14 x [43-80] x 17,55%), e recorrendo ainda aos critérios de equidade, enunciados na douta sentença, chegou ao montante de 51 965,55 €;

4. O douto acórdão recorrido concordou com a fórmula utilizada pela douta sentença para o cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros e o recurso a critérios de equidade;

5. Porém, determinou que «há que proceder a um “desconto” ou “dedução” em função da antecipação do pagamento da indemnização, porquanto o lesado receberá a indemnização de uma só vez, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, impondo-se que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; (…) Afigurando-se “equitativa a dedução de uma parcela equivalente a ¼ ou 25 %, ficando o capital de € 42 014,70 reduzido a € 31 511,03 (€ 42 014,70 x 25 %), valor este inferior ao fixado na sentença recorrida”.

6. Porém, a aplicação desta fórmula matemática não deverá fazer-se a um valor encontrado segundo juízos de equidade;

7. Se o valor resulta da aplicação de fórmula matemática é preciso aferir se a dita fórmula enquadra já parâmetros de VAL e só em caso negativo, aplicar então o VAL por recebimento antecipado;

8. Porém, na fixação segundo juízos de equidade encontra-se um valor justo, equilibrado, tendo presentes todos os factos chamados a concurso;

9. Ora, não se desconta ao que é justo na justa medida em que já se fixou um valor justo e não aquele que de facto a A. teria direito por mera aplicação de fórmula matemática;

10. Por outras palavras, ao encontrar-se um valor justo já se leva em linha de conta que esse valor é para receber hoje, que os salários vão evoluir, que poderiam ocorrer progressões na carreira, que a inflação e os preços vão variar, etc;

11. Tem sido entendimento profícuo da doutrina e jurisprudência que, o Capital a pagar corresponde aos prejuízos já verificados ou a verificar no futuro, considerando o rendimento à data da lesão, actualizável, deduzido de uma taxa de juro pela antecipação de dinheiro no tempo.

12. É ainda pacífico na jurisprudência que, no cálculo do capital adequado a indemnizar o dano futuro deve ter-se em conta, nomeadamente, a idade do lesado, o tempo provável de vida activa, o salário, a depreciação da moeda, o grau de incapacidade e a esperança média de vida. (Cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/11/2013, in www.dgsi.pt);

13. In casu, a fórmula matemática que foi usada para a determinação da indemnização devida por danos futuros decorrentes de incapacidade permanente (salário x 14 meses x anos de trabalho x IPG), não teve em conta certos elementos, como a progressão na carreira, a evolução das taxas de juro, a evolução da economia, e a possibilidade de exercício de outra actividade profissional;

14. O recurso a essa fórmula, se bem que constitua um elemento útil para a determinação, não pode substituir o prudente arbítrio do julgador, em aplicação do disposto no artigo 566°, n.º 3 do Código Civil, conforme tem sido posição unânime na nossa jurisprudência;

15. Segundo entendimento da jurisprudência deste tribunal, cita-se a título de exemplo o Acórdão do STJ de 11/12/2012, proc. n.º 269/06.7GARMR.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt, “O recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, e, para isso, a jurisprudência do STJ, tem afirmado que, no respectivo cálculo, à luz de um juízo de equidade, devem levar-se em conta, nomeadamente, o salário auferido, a idade ao tempo do acidente, o tempo provável de vida activa, o tempo provável de vida posterior, a depreciação da moeda, o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez e, naturalmente, o grau de incapacidade.”

16. Ora, no caso sub judice, o Tribunal de 1.ª instância por recurso aos critérios de equidade chegou ao montante de 51 965,55 €;

17. Montante esse que, necessariamente, já engloba a “dedução” ou “desconto” em função da antecipação do pagamento da indemnização;

18. Veja-se o aresto do STJ de 03/11/2005, Revista n.º 2503/05 – 7.ª Secção Ferreira de Sousa (Relator), in www.dgsi.pt, citado na sentença dos presentes autos e em que a mesma se baseou e fundamentou;

19. Com efeito, não podemos olvidar que a A., se não tivesse sofrido o acidente, poderia progredir na carreira, com melhoramentos de retribuições e aumentos salariais ao longo dos anos até à idade da reforma ou até à esperança média de vida, uma vez que poderia continuar a trabalhar após a idade da reforma;

20. Sem prejuízo da evolução do salário mínimo nacional, desde a data do acidente até à idade da reforma, que não são equacionados na fórmula do cálculo de IPP;

21. Pode a lesada/A. receber antecipadamente o capital (rendimentos futuros) de uma só vez, mas desconhece-se até à idade da esperança média de vida a inflação, bem como os reflexos negativos no poder de compra;

22. Estando em causa a atribuição de uma indemnização por IPP à própria A. lesada não deverá a mesma ser objecto de qualquer redução, nomeadamente da que é prática fazer-se quando o montante compensatório é atribuído por morte aos familiares da lesada com o fundamento de que a mesma sempre gastaria determinada importância consigo própria;

23. É que ao contrário do que sucede neste caso a lesada está viva e assim tem que suportar ela própria as despesas pessoais quiçá acrescidas de difíceis de contabilizar em virtude da sua situação pessoal.

24. Não se pode considerar haver um enriquecimento indevido (recebimento antecipado dos valores da remuneração) quando não sabemos o preço da inflação até à idade da esperança média de vida;

25. Na indemnização arbitrada pelo Tribunal de 1.ª instância já tem implícito o Valor Actual Líquido (VAL), isto é, o valor hoje de um determinado montante a obter no futuro;

26. Na fórmula matemática usada quer na sentença, quer no acórdão recorrido, não está equacionado a taxa de inflação previsível, nem a taxa de juro previsível;

27. Tudo isto ponderado, é inequívoco que o Tribunal de 1.ª instância por recurso aos critérios de equidade contemplou o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez, ou seja, procedeu ao “desconto” ou “dedução em função da antecipação do pagamento da indemnização;

28. Aliás, com a devida vénia, outro entendimento não poderia deixar de ser, sob pena da indemnização arbitrada pelo Tribunal da Relação ser manifestamente desajustada e injusta ao caso em apreço;

29. Porquanto, a indemnização arbitrada pelo Tribunal de 1.ª instância é a que se enquadra nos valores que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores têm encontrado em casos semelhantes;

30. Face ao exposto, é despropositado o “desconto adicional” determinado pelo Acórdão recorrido, porquanto na indemnização arbitrada em 1.ª instância já considerava o desconto pelo facto de ir receber de uma só vez;

31. Sendo certo que não é plausível que o julgador da 1.ª instância, ao recorrer a critérios de equidade para fixação da indemnização de danos futuros, se tenha esquecido ou menosprezado que com o pagamento da indemnização haverá uma antecipação do recebimento;

32. A atribuição de uma dedução ao capital arbitrado para danos patrimoniais futuros configura uma dupla redução, “dedução” ou “desconto”, pela antecipação do pagamento, que se revela injusta e inadequada ao caso em apreço.

33. Além da dedução imposta pelo tribunal recorrido ser despropositada ao caso em apreço, a dedução em ¼ ou 25 % é manifestamente exagerada, desproporcional e inadequada ao caso em apreço;

34. Os arestos citados no Acórdão recorrido a fundamentar a quantificação do desconto em equação (acórdãos do STJ de 24/11/2009, proc. n.º 397/03.0GEBNV e da RC de 15/02/2011, proc. n.º 291/07.6TBLRA, ambos acessíveis em www.dgsi.pt), referem-se a situações em que os lesados são menores de idade e não entraram na vida activa laboral, sendo que as fórmulas seguidas para o cálculo de IPP tomavam como parâmetro a taxa de rendimento previsível de 3 %, o que no caso dos presentes autos não acontece.

35. Acresce ainda que, a determinação do “desconto” ou redução em função da antecipação do pagamento da indemnização nem sequer foi objecto de recurso de apelação interposto pelos RR.;

36. A implementação do desconto adicional atribuído pelo Tribunal recorrido viola os princípios da igualdade, equidade, proporcionalidade e da justiça;

37. Entende-se que não há motivos que fundamentem a alteração do valor, justa e criteriosamente, fixada pelo Tribunal de 1.ª instância;

38. Face a tudo o que antecede, o acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 563.º, 564.º e 566.º, n.º 3, todos do Código Civil;

39. Por todos os motivos e efeitos supra, deve revogar-se o acórdão recorrido e manter-se integralmente a douta sentença de 1.ª instância na parte referente aos danos patrimoniais futuros (dano biológico), uma vez que essa não merece qualquer reparo por ter realizado correcta aplicação da lei


Cumpre decidir.


3. Suscitam-se dúvidas acerca da admissibilidade dos recursos, designadamente quanto à verificação do pressuposto da sucumbência e quanto à ocorrência de dupla conforme entre as decisões das instâncias.

Vejamos.

Relativamente ao pressuposto da sucumbência, notificadas as partes e atentos os termos em que se manifestaram, conclui-se o seguinte: na medida em que tanto os RR. BB e CC como a A. apelaram da sentença de 1ª instância, não se aplica aqui a orientação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 10/2015, pelo que a medida da sucumbência para efeitos de interposição de revista não se afere pela diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e no acórdão da Relação, mas sim em função do decaimento no pedido (quanto à A.) e do montante da condenação (quanto aos RR.). Verifica-se, assim, quanto a um e outro recurso, ser a decisão do acórdão recorrido desfavorável aos respectivos recorrentes em valor superior a metade da alçada da Relação (cfr. art. 629º, nº 1, do CPC).

Quanto à ocorrência ou não do obstáculo da dupla conforme entre as decisões das instâncias (art. 671º, nº 2, do CPC), não pode tal conformidade apurar-se – diversamente do que invocam a A. e a interveniente EE, em sede de contra-alegações e em violação da regra de que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações – seccionando a fundamentação das decisões das instâncias, de modo a, no caso dos autos, entender verificar-se dupla conforme quanto à atribuição da culpa pelo acidente à condutora do veículo JO, a aqui R. CC.

A dupla conforme afere-se pelo teor das decisões finais. No caso dos autos, a sentença fixou a indemnização global em € 65.809,59 e o acórdão recorrido reduziu-a para € 53.087,07. Deste modo, no que se refere ao recurso da A. não existe o obstáculo da dupla conformidade entre as decisões; no que se refere ao recurso dos RR., tal dupla conformidade é descaracterizada pela verificação de fundamentação essencialmente diferente a respeito dos critérios adoptados para fixar a indemnização por danos patrimoniais futuros (ou “dano biológico”).

Conclui-se, assim, pela admissibilidade de ambos os recursos.


4. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção da Relação):

A) No dia 8 de Março de 2009, pelas 17h00, na estrada municipal n° 309, ao km 13,200, na freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, ocorreu um acidente de viação.

B) Foram intervenientes neste acidente:

  a) o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ...-...OC (doravante apenas identificado por "OC "), propriedade de DD e por ele conduzido; e

  b) o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ...-...-JO (doravante apenas identificado por JO), propriedade de BB e na altura conduzido pela sua mulher CC.

C) Nas circunstâncias acima descritas, o "OC" transitava no sentido "Vila Nova Famalicão - Fradelos " e o "JO " transitava no sentido "Fradelos - Vila Nova de Famalicão ".

D) A A. era transportada no "OC" como passageira, seguindo no banco dianteiro ao lado do condutor.

E) Na altura em que se deu o acidente, era dia e o tempo estava limpo.

F) O local onde ocorreu o acidente configura um cruzamento entre a referida EM 309, a Rua António José Barros Faria e a Rua do Monte.

G) Nesse local, a estrada, no próprio cruzamento, e alguns metros antes e alguns metros depois, apresenta uma curva para a esquerda, tendo em conta o sentido "Fradelos - Vila Nova de Famalicão ".

H) Nesse local, o piso era em alcatrão e encontrava-se em razoável estado de conservação, tendo a largura de 6,9 metros, com bermas de ambos os lados;

I) O proprietário do veículo "JO" não tinha transferido por contrato válido e em vigor para terceiro - designadamente, para empresa de seguros - a responsabilidade emergente dos danos provenientes da sua circulação.

J) A partir de 14/11/2009 e até 31/10/2010, o "Instituto de Seguros de Portugal - FGA " pagou à A. 5 205 € a título de perdas salariais.

L) O "Instituto de Seguros de Portugal - FGA " entregou ainda à A., por via do embate em causa, as seguintes quantias:

- 970 € a título de despesas de transportes; e

- 725,55 € a título de despesas médicas e medicamentosas

M) O "Instituto de Seguros de Portugal - FGA " entregou ainda ao Centro Hospitalar do Médio Ave, por via do embate em causa, a quantia de 10 263,45 €

N) Na sequência do aludido embate, os RR. entregaram à A. a quantia de 1.416,50 €.

O) A A. nasceu em 09/12/1966.

P) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.° 90…9, a responsabilidade civil emergente de acidente de viação em que fosse interveniente o veículo "...-...OC" havia sido transferida, à data do embate, para "EE, SA "

Da prova produzida em audiência provaram-se os seguintes factos elencados por referência aos pontos da base instrutória a fls 159 e seg. (indicando-se aqui, para facilidade de localização, o respectivo número de ordem de apresentação - n°s 1 a 75 dos factos provados).

Da dinâmica do acidente:

Versão da autora:

1. A condutora do JO circulava com expressa autorização do marido que lhe facultou a utilização do veiculo, (pto 2º da biparcialmente)

2. Ao chegar ao aludido cruzamento da "EM 309" com a Rua António José Barros Faria e com a Rua do Monte, a condutora do veículo "JO" pretendeu mudar de direcção para a sua esquerda, para a Rua do Monte (pto 4º da bi)

3. Ao efetuar a manobra de mudança de direcção para a Rua do Monte, o veículo "JO" não deixou passar o veículo "OC", cortando a sua linha normal de trânsito (pto 5º da bi)

4. Tendo ocorrido embate na parte lateral frontal esquerda do "OC" (pto 6º da bi)

5. Tal embate ocorreu a 1,20 metros contados do eixo da via, na hemifaixa direita da mesma, atento o sentido de marcha do veículo "OC" (pto 7°da bi)

Versão da ré:

6. O condutor do "OC" antes do acidente travou deixando rastos de travagem de 13,70metros (pto76°parcialmente e 77° da bi)

7. Antes do cruzamento onde ocorreu o embate, a metade direita da faixa de rodagem, tendo em conta o sentido de marcha do "...-...OC", estava marcada com 12 (doze) listras transversais com 50 (cinquenta) centímetros de largura, (pto 81° da bi)

8. Antes do cruzamento existia um sinal triangular que assinalava na berma da estrada a proximidade de um cruzamento (pto 82°da bi)

9. No local do embate existem casas de habitação e estabelecimentos comerciais de um e de outro lado da estrada (pto 83°da bi)

10. Aquando do embate, o "OC" transitava a uma velocidade de 50 km/h quilómetros por hora. (pto 84° da bi parcialmente)

Dos danos físicos e morais:

11. Por força do aludido embate, a A. recebeu os primeiros socorros no local do acidente, tendo de imediato sido transportada imobilizada por ambulância para o Centro Hospitalar do Médio Ave, EFE, em Vila Nova de Famalicão (pto 8º da bi)

12. Tendo sofrido, por força do embate, fraturas múltiplas no braço - no úmero - direito (pto 9º da bi)

13. Tendo tido internamento imediato (pto 10°da bi)

14. Foi operada ao braço direito 4 dias depois, em 11 de Março de 2009 (pto 11° da bi)

15. Com fixação óssea interna com duas placas e parafusos, e ainda um fixador externo, dada a instabilidade da mesma fractura (pto 12° da bi)

16. Esteve internada no referido Hospital durante dez dias, desde 08/03/2009 até 18/03/2009 (pto 13° da bi)

17. Continuou a ser observada em consulta externa de Ortopedia do referido Hospital e também no Centro de Saúde de Ribeirão (pto 14° da bi)

18. Em 1-5-2009, foi submetida a nova intervenção cirúrgica para extracção de material de osteossíntese do fixador externo, (pto 15° da bi)

19. Posteriormente, efectuou controlos radiográficos em 21 de Setembro de 2009 e 30 de Novembro de2009 (pto 16°da bi)

20. Iniciou tratamento de Fisioterapia após Janeiro de 2010 (pto 17° da bi)

21. Em 15 de Novembro de 2010, efectuou "Raio-X" que revelou uma consolidação viciosa com grande calo por presença de um longo 3.° fragmento ósseo (pto 18° da bi)

22. A alta clínica da A. foi considerada pelos Serviços Clínicos do "Instituto de Seguros de Portugal - FGA " a partir de 17/11/2010 (pto 19° da bi)

23. Apesar dessa alta, a A. ainda efetua tratamentos de Fisioterapia esporádicos para musculação do membro superior direito e ainda continua a ser observada em consulta externa no Hospital de Vila Nova de Famalicão (pto 20° da bi)

24. A A., na data do acidente, gozava de boa saúde e não apresentava qualquer defeito físico (pto 21°dabi)

25. Sofreu dores, quer no momento do acidente, quer antes e depois das operações a que foi sujeita, bem como na fase de tratamentos a que foi submetida desde essa data (pto 22° da bi)

26. Ficou retida no leito do Hospital no dia do episódio de urgência e ulteriormente durante dez dias consecutivos a contar da primeira cirurgia (pto 23° da bi)

27. E ficou ainda retida no leito durante um dia por ocasião da segunda das intervenções a que foi sujeita (pto 24° da bi)

28. Além disso, a A. ficou retida em casa, para convalescença, com privação de movimentos, durante seis meses consecutivos (pto 25°da bi)

29. Passando, depois, a movimentar o braço direito com muita dificuldade e sempre assistida por outros meios de ajuda (pto 26° da bi)

30. No período de convalescença, a A. sentiu depressão, impaciência e irritabilidade (pto 27° da bi)

31. Apresentava agressividade e comportamentos de aversão em relação a terceiros (pto 28° da bi)

32. Desde a data do acidente e até ao mês de Março de 2010, a A. teve necessidade de ajuda de terceira pessoa para as actividades da vida diária e para as lides doméstica (pto 29° da bi)

33. Experimentando, por esse motivo, sentimento de impotência (pto 30° da bi)

34. A A, tinha uns longos cabelos dos quais se orgulhava muito (pto 31°da bi)

35. Devido às suas limitações físicas no braço direito, não os conseguia pentear, nem lavar (pto 32° da bi)

36. Por força dessas limitações, viu-se forçada a cortar o cabelo, que lhe causou desgosto (pto 33° e 34°da bi)

37. Durante o período de convalescença, a A. teve se ser auxiliada pelo seu marido, pela mulher-a-dias e pelos filhos para se vestir, calçar e para realizar a sua higiene pessoal (pto 35° da bi)

38. Que lhe trouxe constrangimento, tendo com isso sentido tristeza (pto 36°da bi)

39. As lesões acima descritas fizeram com que a A. sentisse limitações na sua vida íntima e sexual, sentindo-se por isso diminuída (pto 31° da bi)

40. A A. ficou com cicatrizes no braço direito, sendo uma com 23 cm, no antebraço, outra com 4 cm, e ainda mais três pequenas cicatrizes no braço e duas pequenas no antebraço (pto 38° da bi)

41. Tendo com isso sofrido desgosto e tristeza (pto 39° da bi)

42. A A. continua a sentir fortes dores no braço direito, com maior incidência nas mudanças de tempo (pto 40°da bi)

43. A A. acorda diversas vezes a meio da noite com dores no braço e pontadas, o que lhe causa angústia e aflição (pto 41°da bi)

44. A A. perdeu força e limitação funcional marcada por rigidez articular, sobretudo no cotovelo direito (pto 42° da bi)

45. Em consequência das lesões sofridas no acidente a A. ficou com uma incapacidade permanente genérica de 17,550pontos (pto 43°da bi)

46. Ficou impedida de conduzir qualquer tipo de viatura durante mais de um ano (pto 44° da bi)

47. Actualmente, por força das suas limitações no braço, apresenta muitas dificuldades na condução automóvel (pto 45° da bi)

48. A A. tinha prazer em cuidar da sua casa e das lides domésticas (pto 46° da bi)

49. Desde o acidente está impedida de realizar essas tarefas (pto 47° da bi)

50. Tem dificuldades em escrever, em deitar-se, levantar-se, vestir-se e calçar-se (pto 48° e 49° da bi)

51. As lesões sofridas em virtude do acidente provocaram-lhe um quantum doloris de grau 6 numa escala de 1 a 7 (pto 50°e 53°da bi)

52. E provocaram-lhe um dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7 (pto 51°da bi)

53. E provocaram-lhe um prejuízo de afirmação sexual e pessoal de grau 2 numa escala de 1 a 7 (pto 52°e 54°da bi)

54. A A não poderá retomar as tarefas que anteriormente desempenhava com a celeridade que as desempenhava antes do sinistro, nomeadamente, em todas as que impliquem o esforço dos braços (pto 70°da bi)

55. Em virtude de exercer tarefas que, para além de implicarem o uso intensivo dos braços e das mãos, implicam a realização de movimentos em série que implicam produção cronometrada em termos de custos (pto 72°e 73 da bi).

56. A A. não tem possibilidade de reconversão profissional na empresa onde trabalhava, pois não tem formação para outro tipo de actividade profissional que aí possa exercer (pto 74° da bi)

51. A circunstância de a A. não poder exercer a sua profissão causa-lhe sofrimento (pto 75° da bi)

Da perda de rendimentos:

58. À data do acidente, a A. era funcionária da sociedade "FF - Confecções, Lda. ", com a categoria de costureira qualificada (pto 55°da bi)

59. Auferia o vencimento base mensal de 450,00 € (pto 56°da bi)

60. A A., desde a data da ocorrência do acidente, nunca mais trabalhou e que desde essa data está impedida de exercer a sua actividade profissional de costureira (pto 57° e 71° da bi)

61. Em virtude do acidente e para avaliar a sua situação clínica no âmbito dos presentes autos, a A. teve de despender a quantia de 510,00 € referentes a consultas médicas e perícia médico-legal, na "Cl póvoa" (pto 58° da bi).

62. Tendo já gasto a quantia global de 152,65 € a título de taxas moderadoras e despesas médicas (pto 60° da bi)

63. Em consequência do acidente e após a data da alta, a A. necessitou de se deslocar por várias vezes ao Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, em Vila Nova de Famalicão, para tratamentos de fisioterapia e outros e ao Centro de Saúde de Ribeira para tratamentos e consultas (pto 62° e 63° da bi)

64. No que gastou em combustíveis, a quantia de 250,00 € (pto 64°da bi)

65. Desde a data do acidente até ao mês de Março de 2010, a A. teve necessidade de ajuda de terceira pessoa para as actividades da vida diária, tais como realizar a sua higiene pessoal, vestir-se, calçar-se, pentear-se, alimentar-se e realizar as atividades domesticas (pto 65° e 66° da bi)

66. Para a realização das lides domésticas contratou mulher-a-dias, durante um ano, que trabalhava 4 horas por dia (pto 67° e 69° da bi)

67. E auferia a quantia de 4,00 € à hora (pto 68°da bi)

Dos valores já recebidos pela autora:

68. Os 2°s. RR., além da quantia referida em N), entregaram à A. as quantias de €1.869,05 e €3.627,52 (pto 87° da bi)

69. O Centro Distrital de Braga da Segurança Social entregou à A. em consequência do acidente acima referido e a título de subsídio de doença por incapacidade temporária para o trabalho, entre o período de 7-5-2009 e 13-11-2009, a quantia global de €2 431,04 (pto 106°da bi)

Dos danos sofridos e situação pessoal da Ré CC:

70. A R. CC, à data do acidente, era uma mulher saudável (pto 90° da bi)

71. Após o embate, a R. CC foi transportada para o Centro Hospitalar do Médio Ave EPE, onde foi observada na "urgência" (pto 91°da bi)

72. Tendo então gasto a quantia de €108,00. (pto 92° da bi parcialmente) 13. A Ré CC era cozinheira (pto 97°da bi)

74. A co-R. CC sentiu inquietação, angústia e forte susto a quando do embate, durante o transporte para o hospital e nos três dias seguintes (pto 100° da bi) do processo apenso A)

75. O CHMA EPE emitiu 27faturas entre 2.10.2010 e 4.03.2012 referentes a tratamentos prestados à autora no valor global de 1517.90 tendo sido calculados os juros pela mora até à data da pi em 149,60 euros.


Foram dados como não provados os seguintes factos:

Quanto ao sinistro

76. Nas circunstâncias acima descritas, o veículo "OC" circulava a uma velocidade não superior a 40 Km/h (pto 3°da bi)

11. A condutora do veículo JO se encontrava na altura do acidente acima referido a caminho da casa dos seus pais por delegação do marido BB, (pto 1 e 2° da bi)

78. No momento anterior ao embate acima referido, o condutor do "OC" entrou em derrapagem (pto 76°parcialmente da bi)

79. E invadiu em 20 centímetros a metade esquerda da faixa de rodagem, tendo em conta o sentido em que seguia (pto 78° da bi)

80. Vindo a embater, nesse local, com a sua parte da frente na parte da frente esquerda do "JO" (pto 79°da bi)

81. A condutora do JO aguardava na metade direita da faixa de rodagem que o OC passasse de forma a entrar na rua do Monte situada à sua esquerda tendo em conta o seu sentido de marcha (pto 80° da bi)

82. Aquando do embate, a A. não usava o cinto de segurança, (pto 85° da bi)

83. Se a A. usasse o cinto de segurança, não contrairia nenhuma das lesões que apresenta como consequência do acidente, (pto 86° da bi)

Danos da autora

84. Ainda que em virtude deste sinistro, e dos tratamentos que necessitou de receber, a A. foi também interpelada para pagar ao Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, a quantia de 110,40 € acho que foi pago pelo FGA (pto 61° da bi)

Versão da Ré CC

85. Os RR. entregaram as quantas monetárias referidas em n) e 87 com o objectivo de ajudá-la a superar as dificuldades financeiras que lhe advieram do embate, (pto 88° da bi)

86. Tendo a A. se comprometido a devolver-lhes tais quantias logo que ultrapassadas essas dificuldades financeiras, (pto 89° da bi)

Quanto aos danos sofridos e situação pessoal da R CC:

87. Do embate em causa resultaram para a Co-R. CC vários hematomas, traumatismos musculares vários por todo o corpo, nomeadamente na frente do tórax e por via dessas lesões, sentiu dores, (pto 93°, 94°e 95°da bi)

88. Por virtude de indisposição e mau estar daí decorrentes, a co-R. CC esteve sem poder trabalhar durante três dias. (pto 96° da bi)

89. A Ré CC era … e trabalhava 8 horas por dia com um salário de 10 € à hora e permaneceu em estado de ansiedade que a impediu de trabalhar nos três dias subsequentes ao acidente (pto 98° e 99° e 101°da bi)

90. Para reparação do veículo "JO", os co- RR. BB e CC despenderam 1 000,00 € (pto 102° da bi)

91. Tal reparação demorou 15 dias, período, em que os co-RR. estiveram impossibilitados de usar essa viatura, (pto 103° e 104° da bi)

92. Da colisão acima referida resultou para o veículo "JO" uma desvalorização de 1 000 € (pto 105° da bi)


5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, estão em causa nestes recursos as seguintes questões:

Recurso dos RR.:

- Culpa da A. na produção do acidente;

- Montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros da A.;

- Montante indemnizatório por danos não patrimoniais da A.

Recurso da A.:

- Montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros da A.


As questões serão conhecidas pela seguinte ordem:

- Culpa da A. na produção do acidente;

- Montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros da A.;

- Montante indemnizatório por danos não patrimoniais da A.


6. Relativamente à questão da alegada culpa da A. na produção do acidente, assinale-se que, na medida em que está em causa a apreciação do respeito por regras de conduta legais, constantes do Código da Estrada, constitui aquela uma questão de direito, sindicável por este Supremo Tribunal (art. 674º, nº 1, do CPC).

Relevam os seguintes factos provados:

A) No dia 8 de Março de 2009, pelas 17h00, na estrada municipal n° 309, ao km 13,200, na freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, ocorreu um acidente de viação.

B) Foram intervenientes neste acidente:

  a) o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ...-...OC (doravante apenas identificado por "OC "), propriedade de DD e por ele conduzido; e

  b) o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ...-...-JO (doravante apenas identificado por JO), propriedade de BB e na altura conduzido pela sua mulher CC.

C) Nas circunstâncias acima descritas, o "OC" transitava no sentido "Vila Nova Famalicão - Fradelos " e o "JO " transitava no sentido "Fradelos - Vila Nova de Famalicão ".

D) A A. era transportada no "OC" como passageira, seguindo no banco dianteiro ao lado do condutor.

E) Na altura em que se deu o acidente, era dia e o tempo estava limpo.

F) O local onde ocorreu o acidente configura um cruzamento entre a referida EM 309, a Rua António José Barros Faria e a Rua do Monte.

Da dinâmica do acidente:

Versão da autora:

2. Ao chegar ao aludido cruzamento da "EM 309" com a Rua António José Barros Faria e com a Rua do Monte, a condutora do veículo "JO" pretendeu mudar de direcção para a sua esquerda, para a Rua do Monte (pto 4º da bi)

3. Ao efetuar a manobra de mudança de direcção para a Rua do Monte, o veículo "JO" não deixou passar o veículo "OC", cortando a sua linha normal de trânsito (pto 5º da bi)

4. Tendo ocorrido embate na parte lateral frontal esquerda do "OC" (pto 6º da bi)

5. Tal embate ocorreu a 1,20 metros contados do eixo da via, na hemifaixa direita da mesma, atento o sentido de marcha do veículo "OC" (pto 7°da bi)

Versão da ré:

6. O condutor do "OC" antes do acidente travou deixando rastos de travagem de 13,70metros (pto 76° parcialmente e 77° da bi)

7. Antes do cruzamento onde ocorreu o embate, a metade direita da faixa de rodagem, tendo em conta o sentido de marcha do "...-...OC", estava marcada com 12 (doze) listras transversais com 50 (cinquenta) centímetros de largura, (pto 81° da bi)

8. Antes do cruzamento existia um sinal triangular que assinalava na berma da estrada a proximidade de um cruzamento (pto 82°da bi)

9. No local do embate existem casas de habitação e estabelecimentos comerciais de um e de outro lado da estrada (pto 83°da bi)

10. Aquando do embate, o "OC" transitava a uma velocidade de 50 km/h quilómetros por hora. (pto 84° da bi parcialmente)


Foram dados como não provados os seguintes factos:

Quanto ao sinistro

76. Nas circunstâncias acima descritas, o veículo "OC" circulava a uma velocidade não superior a 40 Km/h (pto 3°da bi)

78. No momento anterior ao embate acima referido, o condutor do "OC" entrou em derrapagem (pto 76° parcialmente da bi)

79. E invadiu em 20 centímetros a metade esquerda da faixa de rodagem, tendo em conta o sentido em que seguia (pto 78° da bi)

80. Vindo a embater, nesse local, com a sua parte da frente na parte da frente esquerda do "JO" (pto 79°da bi)

81. A condutora do JO aguardava na metade direita da faixa de rodagem que o OC passasse de forma a entrar na rua do Monte situada à sua esquerda tendo em conta o seu sentido de marcha (pto 80°da bi)


A Relação fundamentou a decisão nos seguintes termos:

“2. Análise da culpa na produção do acidente:

A sentença recorrida concluiu que a ocorrência do acidente se ficou a dever exclusivamente à conduta da Ré CC, condutora do veículo JO, por ter cortado a linha de trânsito do veículo OC, que seguia na sua hemifaixa direita, quando a mesma pretendia mudar de direcção para a sua esquerda, infringindo, assim, o disposto nos art°s 35° e 44° do Código da Estrada.

Os RR./recorrentes insurgem-se contra a sentença recorrida, alegando que o condutor do veículo OC é o único e exclusivo culpado do acidente em causa, pois invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem tendo em conta o seu sentido de marcha (V.N.Famalicão-Fradelos) e transitava dentro de uma povoação (Vilarinho das Cambas) a uma velocidade superior a 61 km/hora, numa zona de curva e contra curvas, de cruzamentos e entroncamentos, o que levou a que se despistasse e perdesse a direcção para o seu lado esquerdo, tendo em conta o sentido de marcha V.N.Famalicão-Fradelos, invadindo a metade esquerda da faixa de rodagem, tendo em conta o seu sentido de marcha, e embatesse frontalmente com o veículo JO, violando assim as regras do Código da Estrada que enunciam.

Mesmo que se considere intocável a decisão sobre a matéria de facto, pretendem os recorrentes, subsidiariamente, que se considere que há uma concorrência de culpas, atribuindo a percentagem de 70% de culpa ao condutor do OC (mesmo dando-se como provado que ele transitava a uma velocidade de 50 Km/hora, consideram que é excessiva atentas as particularidades do local e o facto dele circular à velocidade máxima permitida dentro das localidades) e os restantes 30% à condutora do veículo JO.

Ora, salvo o devido respeito, entendemos que não assiste razão aos recorrentes.

De facto, da prova produzida na audiência de julgamento e da que foi carreada para os autos, não podia resultar outra decisão senão aquela que foi proferida pelo Tribunal "a quo" e que agora está sob censura.

Refere-se na sentença recorrida que "com recurso à baliza que é apontada pelo critério de «bónus pater familiae», supondo este a diligência de um condutor normal, isto é sem ter especial capacidade e dotes na condução, mas também sem ter inabilidade, tal que o impeça naturalmente de circular sem causar danos, por infracção de regras, ou regulamentos estradais ou seja, exigindo, aquele critério, apenas a qualidade que baste a um condutor medianamente capaz, é de decidir pela existência de conduta grosseiramente culposa por parte da condutora do veículo segurado na ré", pelo que bem andou o Tribunal "a quo" ao concluir que assiste à A. o direito a ser indemnizada, incumbindo à Ré a obrigação de indemnizar.

Improcede, também nesta parte, o recurso interposto pelos RR. BB e CC.”


Em sede de revista, os RR. Recorrentes BB e CC retomam a pretensão da apelação, alegando, em síntese, o seguinte: “Ora, concatenada a factualidade provada com as normas legais ínsitas no Código da Estrada (vg os art. 3.°, 11.°, 13.°, 24.° e 25.°) entendem os Recorrentes que sempre haveria que considerar-se que, no acidente dos autos, há uma comparticipação de culpas; Competindo a parcela maior da culpa, de 70% (setenta por cento), ao condutor do "OC" (o DD, marido da A. AA); De facto, o condutor do "OC" não se conteve e não obstante todos os circunstancialismos portadores da necessidade de moderar a velocidade (tal qual exige - expressamente - o Código da Estrada), transita à velocidade máxima prevista pelo legislador para transitar numa povoação e não conseguiu dominar o seu veículo por virtude da velocidade excessiva.

Vejamos.

Atendendo aos factos provados relativos à conduta do condutor do veículo OC (marido da A.) não é possível atribuir-lhe culpa na produção do acidente. Provando-se apenas que “No local do embate existem casas de habitação e estabelecimentos comerciais de um e de outro lado da estrada” não é possível entender-se que a condução à velocidade máxima permitida nas povoações (50 km/h) tenha violado a obrigação legal de adaptar a velocidade às condições da via (cfr. arts. 24º e 25º, do Código da Estrada). Não merece, assim, censura o juízo das instâncias que atribui a ocorrência do acidente exclusivamente a culpa da condutora do veículo JO, a qual, como ficou provado, “pretendeu mudar de direcção para a sua esquerda, para a Rua do Monte” e “Ao efetuar a manobra de mudança de direcção (…) não deixou passar o veículo "OC", cortando a sua linha normal de trânsito”, tendo o embate tido lugar dentro da hemi-faixa de rodagem do veículo OC.

Conclui-se, assim, que a culpa pela produção do acidente coube apenas à condutora do veículo JO, aqui R. Recorrente.


7. Antes de apreciar as questões relativas aos montantes indemnizatórios por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, convém recordar os seguintes critérios gerais a seguir (acompanhando-se essencialmente os termos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/01/2016, proc. n º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, relatado pela relatora do presente acórdão):

- “O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do Código Civil). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do nº 1, do art. 566º, do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564º, nº 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no nº 2, do art. 566º, do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”). Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nº 3, do art. 566º, do CC)”;

- “A compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), não pode – por definição – ser feita através da fórmula da diferença. Deve antes ser decidida pelo tribunal, segundo um juízo de equidade (art. 496º, nº 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494º, do CC”;

- “Como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos em www.dgsi.pt), «a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’»; se é chamado a pronunciar-se sobre «o cálculo da indemnização» que «haja assentado decisivamente em juízos de equidade», não lhe «compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto ‘sub iudicio’»;

- “A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição». Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.””;

- “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt)”.

Tendo presentes os critérios gerais que aqui sumariámos, passamos a aplicá-los ao caso dos autos.


8. Quanto à indemnização por danos patrimoniais futuros da A., são relevantes os seguintes factos provados:

O) A A. nasceu em 09/12/1966.

24. A A., na data do acidente, gozava de boa saúde e não apresentava qualquer defeito físico

40. A A. ficou com cicatrizes no braço direito, sendo uma com 23 cm, no antebraço, outra com 4 cm, e ainda mais três pequenas cicatrizes no braço e duas pequenas no antebraço

44. A A. perdeu força e limitação funcional marcada por rigidez articular, sobretudo no cotovelo direito

45. Em consequência das lesões sofridas no acidente a A. ficou com uma incapacidade permanente genérica de 17,550 pontos

54. A A não poderá retomar as tarefas que anteriormente desempenhava com a celeridade que as desempenhava antes do sinistro, nomeadamente, em todas as que impliquem o esforço dos braços

55. Em virtude de exercer tarefas que, para além de implicarem o uso intensivo dos braços e das mãos, implicam a realização de movimentos em série que implicam produção cronometrada em termos de custos

56. A A. não tem possibilidade de reconversão profissional na empresa onde trabalhava, pois não tem formação para outro tipo de actividade profissional que aí possa exercer

58. À data do acidente, a A. era funcionária da sociedade "FF - Confecções, Lda. ", com a categoria de costureira qualificada

60. A A., desde a data da ocorrência do acidente, nunca mais trabalhou e que desde essa data está impedida de exercer a sua actividade profissional de costureira


     Resulta dos factos provados que a A. ficou a padecer de incapacidade permanente genérica de 17,550 pontos. O que se traduziu em incapacidade para o exercício da profissão habitual de costureira e sem possibilidade de reconversão profissional dentro da empresa em que trabalhava à data do acidente. A A. ficou incapacitada para exercer a profissão habitual, mas (conforme admitido na p.i. – cfr. artigo 110º) com possibilidade para exercer outras actividades profissionais, desde que compatíveis com as suas qualificações, experiência, e sempre com as limitações funcionais decorrentes dos 17,550 pontos de IGP.

        Vejamos os termos em que a sentença decidiu a questão:

A IPP de que sofre fixou-se em 17,55% o que atento o facto de ter nascido em dezembro de 1966 e ter o acidente ocorrido em março de 2009, portanto quando a mesma tinha 43 [42] anos de idade lhe faculta indemnização por recurso aos critérios de equidade supra enunciados no montante que se calcula pelo seguinte modo: de euros 51.965,55 (450.00 X 14 X [43- 80]X17,55%).

Do exposto decorre que em sede de danos patrimoniais a autora teve um prejuízo global de 56.418,20 (912,65+3.840,00+51.965,55) euros.

A autora já recebeu por conta deste prejuízo o valor global de:

a- Do FGA: a quantia global de 1.695,55 euros (970,00+725,55), sendo certo que não há aqui que deduzir o valor de 5.205,00 euros alínea J) supra, uma vez que foram prestados pelo FGA a fim de ressarcir perdas salariais aqui, não ponderadas, atentos os factos provados quanto aos danos patrimoniais sofridos pela autora.

b- Dos RR CC e outro, euros 6.913,07=(1416,50 +1.869,05+3.627,52).

Daí que a autora se encontre efectivamente prejudicada neste segmento no valor global de euros 47.809,58 euros [56.418,20-8.608,62 (1.695,55 +6.913,07)], que é o valor equivalente à indemnização devida neste segmento.”


       Os RR. apelaram da decisão da 1ª instância nesta matéria.

     A Relação reapreciou a questão de forma desenvolvida, da seguinte forma:

No que se refere aos danos patrimoniais futuros (dano biológico) decorrentes da Incapacidade Permanente Genérica:

Conforme resulta do preceituado no art°. 564°, n°. 2 do Código Civil, como já se referiu, na fixação da indemnização pode ainda o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, recorrendo à equidade se não for possível apurar-se o valor exacto dos danos, dentro dos limites que tiver por provados (art°. 566°, n°. 3 do mesmo Código).

A equidade, na medida em que remete para as particularidades do caso concreto, permite ter em consideração as especiais condições de cada lesado.

Tendo resultado provado nos autos que na sequência do acidente, a A. ficou com sequelas que a impedem de exercer a sua profissão de costureira, sendo que desde a data do acidente nunca mais trabalhou, não tendo possibilidade de reconversão profissional na empresa onde trabalhava, pois não tem formação para outro tipo de actividade profissional que aí possa exercer, e ficou com uma incapacidade permanente genérica de 17,55 pontos, sendo que, por força das suas limitações no braço, apresenta muitas dificuldades na condução automóvel e está impedida de realizar as tarefas domésticas que impliquem o esforço dos braços, não subsistem dúvidas que este dano biológico determina uma alteração na sua vida, com afectação da sua potencialidade física e a consequente perda de faculdades, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta circunstância tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição da indemnização.

No caso da IPG (ora denominado Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica) ter reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respectiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais - danos futuros - a que se refere o art°. 564°, n°. 2 do Código Civil. 

Pode, no entanto, a IPG não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua actividade profissional não é especificamente afectada pela incapacidade, quer porque, embora afectado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua actividade habitual com um esforço suplementar.

Em todos estes casos pode discutir-se se a IPG (ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica) constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.

É entendimento pacífico na nossa jurisprudência que o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido (cfr. acórdãos do STJ de 20/05/2010, proc. n°. 103/2002 e da RG de 3/07/2014, proc. n°. 333/12.3TCGMR, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

Reportando-nos ao caso dos autos, estando em causa um dano biológico, traduzido num défice funcional permanente de 17,55 pontos, a repercussão negativa centra-se na diminuição da condição física da A. e numa penosidade, dispêndio e desgaste físico acrescidos na execução de tarefas antes desempenhadas, sem o mesmo esforço, no seu dia-a-dia, bem como na impossibilidade de continuar a exercer a sua actividade profissional de costureira, devendo esta realidade incontornável ser vertida no montante da indemnização a atribuir.

Assim, a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas físicas e psíquicas, deverá compensá-lo - para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. 

Isso porque "a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais" (cfr. acórdão do STJ de 10/10/2012, relator Cons. Lopes do Rego, proc. n°. 632/2001, citado no acórdão da RG de 3/07/3014 supra referido, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

Afigura-se-nos que a incapacidade funcional em causa constitui uma desvalorização efectiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos, com a consequente necessidade de recurso à equidade e dentro da factualidade que resultou provada, para fixar a correspondente indemnização.  

No que concerne ao dano biológico referente à perda ou diminuição da capacidade para o trabalho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, a jurisprudência tem considerado que uma justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida (não a vida activa do lesado, já que não é razoável ficcionar-se que a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades), posto que só assim se logrará, na verdade, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 19/02/2004, proc. n°. 03A4282 e de 25/09/2007, proc. n°. 07A2727, acessíveis em www.dgsi.pt).

Na sequência do que atrás se deixou dito, há muito que se tem entendido que não é a idade da reforma que conta para efeitos de cálculo da indemnização, mas sim a esperança média de vida, isto é, o tempo provável de vida do lesado.

A referência ao tempo provável de vida do lesado é opção seguida nos acórdãos do STJ de 28/09/1995, CJ. STJ - Ano III, Tomo III, pág. 36, de 16/03/1999, CJ. STJ - Ano VII, Tomo I, pág. 167 e de 25/07/2002, CJ. STJ - Ano X, Tomo II, pág. 128, mencionados no acórdão da RC de 15/02/2011, proc. n°. 291/07.6TBLRA, acessível em www.dgsi.pt

Ora, na sentença recorrida, o cálculo da indemnização pela perda da capacidade de ganho (danos futuros), teve por base a idade da Autora à data do acidente (43 anos, existindo aqui um lapso quanto à sua idade, pois tendo o acidente ocorrido em 8/03/2009 e a A. nascido em 9/12/1966, aquela à data tinha 42 anos de idade), a IPG de 17,55% de que ficou a padecer, uma remuneração mensal de € 450 e a esperança média de vida de 80 anos, tendo chegado ao montante de € 51 965,55 (€ 450 x 14 meses x [80 - 43 = 38] x 17,55%).

Os RR./recorrentes alegam que, para o cálculo desta indemnização, deve ser considerado apenas o tempo de trabalho até à idade da reforma (65 anos).

Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a posição por eles defendida.

A premissa da reforma aos 65 anos de idade é cada vez mais questionável em razão do aumento da esperança de vida e das sucessivas reformas em matéria de segurança social.

A incapacidade funcional da A. perdurará para além dessa idade e até ao fim da sua vida, embora progressivamente mitigada e limitada geralmente às tarefas do seu quotidiano, pelo que já não é apenas a vida activa que deverá ser considerada para efeitos do cálculo da indemnização, mas sim o tempo de vida que previsivelmente (isto é, seguindo as estatísticas da esperança média de vida) a lesada tinha ainda pela sua frente. Não é indiferente sofrer uma lesão incapacitante aos 42 anos de idade e ter ficado impedida de exercer a sua profissão habitual, sem possibilidade de reconversão profissional na empresa onde trabalhava, dado não ter formação para exercer outro tipo de actividade profissional.

Finda a vida activa do lesado por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com ela todas as necessidades, é que atingida a idade de reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como é das regras da experiência comum (Jorge Arcanjo, in Notas sobre a Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação, Revista do CEJ, 2.° Semestre 2005, pág. 57).

Naturalmente, cabe ao lesado trazer aos autos factos que permitam valorizar e exprimir o grau da sua lesão (se auferia proventos do seu trabalho e o respectivo quantitativo, se deixou de realizar determinadas tarefas ou movimentos, se as sequelas com que ficou em consequência do acidente tiveram repercussão no desempenho da sua actividade profissional, etc). Para atribuir uma justa compensação, o Tribunal deverá considerar o padrão médio de uma mulher de 42 anos de idade (e não 43 anos como, por lapso, se refere na sentença recorrida), que sofre de uma IPG de 17,55 pontos percentuais, de acordo com a prudência e as regras da experiência comum.

Conforme já foi referido, importa ter presente, neste caso, a esperança média de vida, isto é, durante quanto tempo é que a Autora previsivelmente sofrerá com esta incapacidade funcional. Ora, tendo em consideração os dados estatísticos obtidos na Base de Dados Portugal Contemporâneo (PORDATA), no ano de 2014 (últimos dados conhecidos) a esperança média de vida homem/mulher é de 80,4 anos, pelo que será levada em consideração por este Tribunal de recurso a esperança média de vida indicada na sentença recorrida (80 anos), a qual não foi posta em causa pela Autora.

Assim, considerando que a A. tem uma esperança de vida até aos 80 anos, daqui decorre que, em termos meramente estatísticos, as lesões previsivelmente a afectarão durante pelo menos 38 anos (desde a data do acidente, altura em que tinha 42 anos de idade, até ao termo da esperança média de vida).

No caso em apreço, e com relevante interesse nesta matéria, há que ter em atenção a seguinte factualidade que resultou provada:

- antes deste acidente, a A. gozava de boa saúde e não apresentava qualquer defeito físico;

- à data do acidente, a A. tinha 42 anos de idade (nasceu em 9/12/1966);

- na sequência do acidente, a A. ficou com uma incapacidade permanente genérica fixável em 17,55 pontos;

- as descritas sequelas resultantes das lesões que sofreu em consequência do acidente são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, não tendo a A. possibilidade de reconversão profissional na empresa onde trabalhava;

- à data do acidente, a A. trabalhava como costureira numa empresa de confecções e auferia o vencimento base mensal de € 450.

Assim, no cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros correspondentes à perda da capacidade de ganho, ter-se-á em conta que a Autora, à data do acidente, auferia um rendimento anual de € 6 300,00 (€ 450 x 14 meses). 

Ora, multiplicando o valor de € 6 300,00 pelos 38 anos de esperança de vida da lesada e por 17,55% relativos à IPG de que a A. padece, chegamos ao montante de € 42 014,70 (€ 6 300 x 38x17,55%).

Acresce referir que tem sido defendido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores que, após determinação do capital, há que proceder a um "desconto" ou "dedução" em função da antecipação do pagamento da indemnização, porquanto o lesado receberá a indemnização de uma só vez, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, impondo-se que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação, a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% (cfr. acórdãos do STJ de 25/11/2009, proc. n°. 397/03.0GEBNV e da RC de 15/02/2011, proc. n°. 291/07.6TBLRA, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

No cálculo deste desconto adicional em função da antecipação do pagamento da indemnização, há que ponderar o seguinte:

Caso a A. não tivesse sofrido o acidente e inerentes lesões, teria obtido tais rendimentos futuros, mas só os receberia ao longo da sua vida. Porém, com o pagamento da indemnização haverá uma antecipação desse recebimento, pelo que se justifica realizar um desconto no valor alcançado, sob pena de se gerar em parte um enriquecimento indevido (recebimento antecipado dos valores da remuneração).

Afigura-se, pois, equitativa a dedução de uma parcela equivalente a 1/4 ou 25%, ficando o capital de € 42 014,70 reduzido a € 31 511,03 (€ 42 014,70 x 25%), valor este inferior ao fixado na sentença recorrida.

Assim, tudo visto e ponderado, tendo presente que só o uso da equidade permite alcançar o montante que, mais justa e equilibradamente, compense a perda da capacidade aquisitiva da A. e a impossibilidade de continuar a exercer a sua profissão de costureira, entendemos ser adequado atribuir-lhe o valor de € 35 000,00.

Como bem referem os RR./recorrentes, a esta quantia indemnizatória deverá ser deduzido o valor entregue por aqueles à A. AA, no total de € 6 913,07 (€ 1 416,50 + € 1 869,05 + € 3 627,52), o que, aliás, também é referido na sentença recorrida, sendo de € 28 087,07 o valor equivalente à indemnização devida neste segmento.

Não assiste razão à Autora ao defender, no seu recurso subordinado, que não deve ser deduzida a quantia de € 3 627,52, por a mesma ter sido entregue pelos 2°s RR. para reparação da viatura OC, propriedade do marido da A., e não para indemnização da IPG ou danos futuros da Autora, porquanto tal afirmação não tem assento na matéria de facto provada enunciada na sentença recorrida.

Com efeito, apenas resultou provado que, na sequência do aludido embate, os 2°s RR. entregaram à A. a quantia de € 1 416,50 (alínea N) dos factos provados) e que, além desta quantia, entregaram-lhe as quantias de € 1 869,05 e € 3 627,52 (ponto 68 dos factos provados), não constando da factualidade provada descrita na sentença recorrida que aqueles RR. tivessem entregue os € 3 627,52 para reparação da viatura do marido da Autora, improcedendo, nesta parte, o recurso subordinado interposto pela Autora.

Em face do acima exposto, consideramos adequada, segundo as regras da equidade, a atribuição à A. de uma indemnização no valor € 28 087,07 por danos patrimoniais futuros, mais concretamente pela perda da capacidade de ganho devido à IPG de 17,55 pontos percentuais de que padece, pelo que deverá proceder parcialmente, quanto a esta matéria, o recurso interposto pelos RR. BB e CC.”


A Relação reviu o cálculo da indemnização dos danos patrimoniais futuros, chegando ao valor de € 42.014,70 (€ 6.300 x 38 x 17,55%), ao qual entendeu ser de descontar 25% pelo facto de o valor ser recebido de uma só vez, antecipadamente. Assim, reduziu a indemnização para € 35.000,00, valor que, após dedução do montante de € 6.913,07, já liquidado pelos RR., se situa em € 28.087,07.

Invocam os RR. Recorrentes que, ainda assim, o montante indemnizatório está “inflacionado e desajustado face à realidade factual fixada nos presentes autos” – designadamente por levar em conta a esperança de vida da A. e não a sua idade de reforma – devendo ser reduzido para € 20.000.

Inversamente pretende a A. Recorrente que, nesta parte, seja repristinada a decisão da 1ª instância (que fixou a indemnização por perda de rendimentos futuros em € 51.965,55) considerando-a mais justa e equitativa do que a decisão da Relação e entendendo que o ‘desconto’ de 25% não tem razão de ser, uma vez que, na sentença, a indemnização fora fixada segundo critérios equitativos. Em qualquer caso, a admitir-se que se faça tal desconto, deverá o mesmo ser menor.

Vejamos.

    Tanto a 1ª instância como a Relação utilizaram como critério-base para o cálculo do montante indemnizatório uma das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade (neste caso parcial) para o exercício da profissão habitual, adoptando a taxa de incapacidade laboral parcial de 17,55%, com base na IGP (Incapacidade Geral Permanente) fixada em 17,55 pontos.

      Este procedimento não pode ser aceite. Os índices de Incapacidade Geral Permanente não se confundem com índices de Incapacidade Profissional, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro. Nas palavras do preâmbulo deste diploma legal, na incapacidade geral avalia-se “a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia”, a qual pode ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde (cfr. da autoria da relatora do presente acórdão, Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, I, págs. 148-149).

      No caso dos autos, recorde-se ter sido provado que a A. ficou incapaz para o exercício da profissão habitual de costureira e sem possibilidade de reconversão profissional dentro da empresa em que trabalhava à data do acidente. Resta-lhe a possibilidade de exercer outras actividades profissionais, desde que compatíveis com as suas qualificações, experiência, e, naturalmente, com as limitações funcionais inerentes à sua incapacidade geral: “A A. perdeu força e limitação funcional marcada por rigidez articular, sobretudo no cotovelo direito”; “A A não poderá retomar as tarefas que anteriormente desempenhava com a celeridade que as desempenhava antes do sinistro, nomeadamente, em todas as que impliquem o esforço dos braços”.

      Estão em causa os danos patrimoniais resultantes do denominado “dano biológico” que descrevemos supra, como “as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais”.

       A fixação da indemnização não pode aqui seguir – como se faz no acórdão recorrido – a teoria da diferença (prevista no art. 566º, nº 2, do Código Civil) como se tais danos patrimoniais fossem determináveis, quando aquilo que está em causa é a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais indetermináveis, a qual (segundo o nº 3, do mesmo art. 566º, do CC) deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados.

Não existindo, no caso sub judice, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou completar o resultado obtido pela aplicação de fórmulas financeiras criadas em função da aplicação de taxas de incapacidade laboral permanente.

No caso dos autos relevam a idade da lesada à data do sinistro (42 anos), a esperança média de vida (para as mulheres nascidas em 1966, se situará no ano de 2009 – ano do acidente – entre 70 e 80 anos), o índice de incapacidade geral permanente (17,55 pontos), assim como a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com as qualificações e competências da A. lesada (neste sentido, ver os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2011, proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, de 10/10/2012, proc. nº 632/2001.G1.S1, de 07/05/2014, proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1, de 19/02/2015, proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 04/06/2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 07/04/2016, proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1, e de 14/12/2016, proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt).  

Não procede o argumento dos RR. segundo o qual, em vez da esperança média de vida, seria de ter em conta a previsível idade da reforma da A. lesada. Com efeito, a perda de capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado. Quer porque, prejudicando a sua carreira contributiva, vem a reduzir (ou até a excluir) a pensão de reforma, quer porque sempre condicionará a possibilidade de obtenção de ganhos no exercício de actividades económicas alternativas (isto é, não estritamente profissionais) a realizar para além da idade da reforma.

Sabendo-se que as qualificações da A. são reduzidas (facto provado 56) e que as suas competências assentavam na destreza, mobilidade e força dos braços, a afectação de todos estes parâmetros terá consequências muito negativas na possibilidade efectiva de aquela vir a exercer actividade profissional alternativa, como se comprova por ter ficado provado que a A. “desde a data da ocorrência do acidente, nunca mais trabalhou”.

Encontrando-se este Tribunal limitado pelo pedido da A. em sede de revista, fixa-se o montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros em € 51.965,55, ao qual se tem de deduzir o valor de € 8.608,62, já liquidado pelos RR. (factos provados L), N) e 68).

Conclui-se que o montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros da A. deve ser fixado em € 43.356,93.


9. Relativamente ao montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pela A., assinale-se ter sido o mesmo fixado pela sentença de 1ª instância em € 18.000, decisão de que a A. apelou. A Relação veio a dar razão à A. fixando o valor em € 25.000. Em sede de recurso de revista vêm os RR. invocar a redução para € 10.000.

       É o seguinte o teor da fundamentação da decisão do acórdão da Relação:


“No caso em apreço, os factos provados descritos nos pontos que identificámos com os n°s 12 a 21, 23, 25 a 33 e 35 a 54 que aqui damos por reproduzidos, importam para a A. danos de natureza não patrimonial que merecem tutela jurídica.

No âmbito da factualidade apurada supra referida, basta atentarmos na natureza e gravidade das lesões sofridas pela A., as dores e o sofrimento sentidos aquando do acidente e nos períodos de tratamento e convalescença (e que ainda continua a sentir), o facto de ter sido submetida a duas intervenções cirúrgicas, o período de internamento, o longo período de doença e de recuperação funcional na qual esteve incapacitada para o trabalho, os tratamentos e exames a que foi sujeita (e que continua a ter de realizar), as sequelas que acompanharão a A. pelo resto da vida e a repercussão que tiveram a nível pessoal e profissional, o quantum doloris que é bastante significativo e o dano estético, bem como os incómodos, a tristeza, o desgosto e a depressão decorrentes do acidente, das lesões que sofreu e das sequelas com que ficou.

Sem questionar a gravidade das lesões e do sofrimento da A. e ponderando todos os elementos apurados, o Tribunal "a quo" entendeu ser de arbitrar à A. uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos no montante de € 18 000.

Todavia, não se poderá olvidar que a A., à data do acidente, tinha 42 anos de idade, gozava de boa saúde e não apresentava qualquer defeito físico e que as sequelas físicas e psicológicas resultantes das lesões que lhe advieram do acidente irão acompanhá-la ao longo da sua vida, não podendo, ainda, desconsiderar que a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências de igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso (cfr. acórdãos do STJ de 24/09/2009, proc. n°. 09B0037 e de 30/09/2010, proc. n°. 935/06.7TBPTL, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

Por tudo o que se deixou exposto, consideramos justa e adequada ao caso concreto a atribuição à Autora de uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de € 25 000,00 por ela peticionado no seu recurso subordinado, revogando-se nesta parte a sentença recorrida.”


Cabendo a este Supremo Tribunal a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o juízo equitativo da Relação, entende-se serem, no caso, tais limites e pressupostos correctos, pelo que se conclui ser de manter o montante indemnizatório de € 25.000 por danos não patrimoniais sofridos pela A.


10. Pelo exposto, julga-se o recurso dos RR. improcedente e o recurso da A. procedente, decidindo-se:

a) Revogar parcialmente o acórdão recorrido, condenando os RR. a pagar à A. o montante de € 43.356,93 (quarenta e três mil trezentos e cinquenta e seis euros e noventa e três cêntimos) a título de danos patrimoniais futuros;

b) No mais, manter o acórdão recorrido.


Custas da acção na proporção do decaimento.

Custas do recurso dos RR. pelos Recorrentes.

Custas do recurso da A. pelos Recorridos.


Lisboa, 09 de Novembro de 2017


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho