Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14706/14.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACTAS
ATAS
Data do Acordão: 10/01/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / ESPÉCIES DE ACÇÕES – PROCESSO DE EXECUÇÃO / TÍTULO EXECUTIVO / ESPÉCIES DE TÍTULOS EXECUTIVOS.
Doutrina:
- Pedro Gonçalves, Risa Maria Rocha e Maria Malta Fernandes, Revista Jurídica Portucalense, n.º 18, 2015.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 10.º, N.º 5 E 703.º, N.º 1, ALÍNEA D).
REGIME DA PROPRIEDADE HORIZONTAL, APROVADO PELO DL N.º 268/94, DE 25-10: - ARTIGO 6.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 14-10-2014, PROCESSOS N.º 4852/08.8YYLSB-AS.L1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 22-03-2018, PROCESSO N.º 7606/16.4T8ALM-A.L1-8.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 07-02-2017, PROCESSO N.º 454/15.0T8CVL.C1;
- DE 23-01-2018, PROCESSO N.º 7956/15.7T8CBR-A.C1;
- DE 08-05-2018, PROCESSO N.º 772/14.5TBCBR-A.C1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 02-05-2019, PROCESSO N.º 4010/15.5T8LLE-A.E1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário : A ata da assembleia de condóminos da qual consta uma deliberação que se limita a reconhecer a existência de uma dívida dos condóminos/executados relativa à falta de pagamento de contribuições, referida como existente pela administração, não constitui título executivo nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do DL n.º 268/94, de 25-10.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



 O Condomínio do Prédio sito na Avenida … intentou, em 18-12-2014, execução comum contra AA, BB e CC, visando obter dos executados o pagamento da quantia de € 30.220,65.

Alegou para o efeito:

1. O exequente é administrador do condomínio do prédio urbano sito na Av.ª Grão Vasco, nº 4, em Lisboa.

2. Os executados são proprietários das frações autónomas identificadas pelas letras “C”,…; “D” …; “F” …; “H” …; “J” …; “N” …; “P” …; e “R” … do prédio urbano sito na Avenida …, nº 4, em Lisboa.

3. Desde o mês de Janeiro de 2013, até à presente data, os executados não tem procedido ao pagamento das quotizações do condomínio, incluindo as do fundo de reserva respeitante ao mesmo período.

4. No dia 13 de Outubro de 2014, nos termos e para os efeitos no nº 6 do art. 1432 do C. Civil, o exequente comunicou aos executados as deliberações tomadas em assembleia Geral de Condóminos, interpelando-os a proceder à liquidação dos montantes que se encontram em dívida ao condomínio e melhor discriminados na ata em anexo à interpelação, contudo os executados não rececionaram a carta remetida tendo a mesma sido devolvida com a menção de “objeto não reclamado”

5. Contudo, apesar de para tanto interpelados, os executados não procederam até hoje ao pagamento daquela dívida, mesmo que parcialmente.

6. Assim, a executada deve ao exequente as seguintes quantias:

a) Fração designada pela Letra “C” que corresponde ao 1º andar, a quantia de €2.771,16 (…), correspondente ao condomínio e fundo de reserva dos meses de Janeiro de 2013, a Setembro de 2014, a que acresce a quantia de €3.656,76 (…) correspondente à comparticipação no pagamento das quantias que a administração de condomínio pagou pela executada para fazer face à insuficiência de receitas, quantia essa que, também é devida pela executada. A estas quantias acrescem, ainda, os juros de mora (cfr. doc.1).

b) Fração designada pela Letra “D” que corresponde ao 2º andar direito, a quantia de €1.355,34 (…), correspondente ao condomínio e fundo de reserva dos meses de Janeiro de 2013, a Setembro de 2014, a que acresce a quantia de €1.788,63 (…) correspondente à comparticipação no pagamento das quantias que a administração de condomínio pagou pela executada para fazer face à insuficiência de receitas, quantia essa que, também é devida pela executada. A estas quantias acrescem, ainda, os juros de mora … (cfr. doc.1).

c) Fração designada pela Letra “F” que corresponde ao 3º andar direito, a quantia de €1.355,34 (…), correspondente ao condomínio e fundo de reserva dos meses de Janeiro de 2013, a Setembro de 2014, a que acresce a quantia de €1.788,63 (…) correspondente à comparticipação no pagamento das quantias que a administração de condomínio pagou pela executada para fazer face à insuficiência de receitas, quantia essa que, também é devida pela executada. A estas quantias acrescem, ainda, os juros de mora … (cfr. doc.1).

d) Fração designada pela Letra “H” que corresponde ao 4º andar direito, a quantia de €1.355,34 (…), correspondente ao condomínio e fundo de reserva dos meses de Janeiro de 2013, a Setembro de 2014, a que acresce a quantia de €1.788,63 (…) correspondente à comparticipação no pagamento das quantias que a administração de condomínio pagou pela executada para fazer face à insuficiência de receitas, quantia essa que, também é devida pela executada. A estas quantias acrescem, ainda, os juros de mora … (cfr. doc.1).

e) Fração designada pela Letra “J” que corresponde ao 5º andar direito, a quantia de €1.355,34 (…), correspondente ao condomínio e fundo de reserva dos meses de Janeiro de 2013, a Setembro de 2014, a que acresce a quantia de €1.788,63 (…) correspondente à comparticipação no pagamento das quantias que a administração de condomínio pagou pela executada para fazer face à insuficiência de receitas, quantia essa que, também é devida pela executada. A estas quantias acrescem, ainda, os juros de mora … (cfr. doc.1).

f) Fração designada pela Letra “N” que corresponde ao 6º andar Esqº, a quantia de €1.355,34 (…), correspondente ao condomínio e fundo de reserva dos meses de Janeiro de 2013, a Setembro de 2014, a que acresce a quantia de €1.788,63 (…) correspondente à comparticipação no pagamento das quantias que a administração de condomínio pagou pela executada para fazer face à insuficiência de receitas, quantia essa que, também é devida pela executada. A estas quantias acrescem, ainda, os juros de mora … (cfr. doc.1).

g) Fração designada pela Letra “P” que corresponde ao 7º andar Esqº, a quantia de €1.355,34 (…), correspondente ao condomínio e fundo de reserva dos meses de Janeiro de 2013, a Setembro de 2014, a que acresce a quantia de €1.788,63 (…) correspondente à comparticipação no pagamento das quantias que a administração de condomínio pagou pela executada para fazer face à insuficiência de receitas, quantia essa que, também é devida pela executada. A estas quantias acrescem, ainda, os juros de mora … (cfr. doc.1).

h) Fração designada pela Letra “R” que corresponde ao 8º andar Esqº, a quantia de €1.054,20 (…), correspondente ao condomínio e fundo de reserva dos meses de Janeiro de 2013, a Setembro de 2014, a que acresce a quantia de €1.391,16 (…) correspondente à comparticipação no pagamento das quantias que a administração de condomínio pagou pela executada para fazer face à insuficiência de receitas, quantia essa que, também é devida pela executada. A estas quantias acrescem, ainda, os juros de mora … (cfr. doc.1).

7. Pelo que, os executados devem à exequente a quantia total de €30.220,65 (CAPITAL EM DÍVIDA = €27.737,10 + JUROS = €2.483,55), a que acrescerão ainda os juros vincendos, até integral e efetivo pagamento, …

8. A Ata da Assembleia Condóminos nº 1/2013, junta como doc. 1, constitui título executivo nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 703 do CPC, por força do art. 6 do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro.

Juntou: Acta nº 1/2014 e uma carta para que remete.


Convidado, por despacho de 02.03.2016, a juntar as atas relativas às assembleias em que as contribuições que peticiona foram aprovadas e que fixaram o respetivo prazo de pagamento – o exequente veio juntar aos autos a Ata nº 1/2013, referente à AG de 9.7.2013, bem como a carta enviada aos condóminos fixando-lhes prazo para liquidação das contribuições em atraso.

Por despacho de 18.03.2016 foi proferido novo despacho a determinar a junção da ata da assembleia de condóminos anterior, na qual terão sido aprovadas as contribuições relativas aos meses de Janeiro a Julho de 2013, o qual foi notificado ao exequente em 21.3.2016 (fls. 106).

Em 20.10.2017 foi proferido despacho a ordenar a notificação do exequente para dar cumprimento à primeira parte do despacho proferido no dia 18/03/2016, sob pena de ser rejeitada a execução no que diz respeito às peticionadas despesas de condomínio do ano de 2013.

Em 3.11.2017 a exequente juntou, de novo, aos autos a Ata nº 1/2013, referente à AG de 9.7.2013 (fls. 137 e ss.).

Em 4.4.2018 foi proferido despacho que, de harmonia com o disposto nos arts. 6º, 726º, nº 4 e 734º, todos do CPC, determinou a notificação do exequente para “juntar aos autos as atas das reuniões das assembleias de condóminos que tiverem deliberado o montante da quota-parte dos condóminos executados para as despesas comuns, bem como o respetivo prazo de pagamento, podendo esses elementos constarem de anexos para onde as atas remetam, dado que as atas juntas aos autos de execução, pelas razões apontadas, não constitui título executivo, nos termos do art. 6º do Dec. Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, sob pena de ser rejeitada a execução, nos termos do disposto no art. 734º do CPC”.

Em 16.4.2018, o exequente veio “1. Requerer a junção aos autos das atas da assembleia de condóminos de 1997, 1999, 2004, 2010 e 2011, que comprovam que a Administração de condomínio apresenta anualmente em Assembleia Geral, um orçamento elaborado com base no valor das quotizações e do fundo comum de reserva (docs. 1 a 5). 2. Informar que o orçamento é aprovado e apurado o montante a liquidar por cada um dos condóminos, em função da permilagem da sua fração autónoma (cfr. docs. 1 a 5). 3. Esclarecer que o prazo para o pagamento das despesas de condomínio está estabelecido no Regulamento do Condomínio (doc. 6 que igualmente se junta)”.

Pronunciaram-se os executados no sentido de serem desentranhados os documentos juntos, e a exequente condenada como litigante de má-fé.


Em 6.6.2018 foi proferido o seguinte despacho, no qual se declarou extinta a execução, por se considerar que os documentos que servem de base à execução não constituem títulos executivos.


Na sequência e no âmbito de apelação do exequente, a Relação de Lisboa revogou tal decisão e ordenou o prosseguimento da execução.


Inconformados, interpuseram os executados o presente recurso de revista, no qual formularam as seguintes conclusões:

1ª - O douto acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação da norma do art.º 6.º, n.º 1do Decreto-Lei n.º 268/94 de 25 de Outubro ao ter perfilhado a posição de que “constitui título executivo a ata em que se delibere que um condômino é devedor, àquela data, de determinado montante (aí expressamente referido) a título de contribuições e/ou despesas devidas e não pagas”.

2ª - Tal norma devia antes ter sido interpretada e aplicada conforme fez o douto despacho revogado. Ou seja, no sentido de que «títulos executivos seriam as atas que aprovassem e fixassem o valor mensal ou trimestral a pagar daí em diante e para o futuro, correspondente à quota-parte dos executados nas contribuições e nas despesas comuns».

3ª - O legislador claramente diz que [a ata] «constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.» (cfr. art.° 6.°, n.º 1 in fine, do Decreto-Lei n.º 268/94 de 25 de Outubro).

4ª - Estamos assim apenas e só perante a ata da assembleia de condóminos como «documento que cria a obrigação de efetuar pagamentos futuros» (cfr. Ac. STJ, 14- 10-2014, Relator: FERNANDES DO VALE).

5ª - Donde, para que uma ata da assembleia de condóminos possa valer como título executivo, é necessário que o montante das contribuições ali expressas sejam devidas daí por diante (in futurum). Isto assim, desde logo, «em homenagem ao elemento literal da interpretação da lei, já que a expressão empregue pelo legislador foi a de "deixar de pagar", o que consente uma projeção “in futurum” (ibidem).

6ª - É esta a solução do legislador. Podendo discordar-se da bondade da mesma, tal não autoriza, contudo, o intérprete e aplicador a fazer uma qualquer interpretação corretiva do preceituado. Isto assim, pois as regras legais de interpretação sempre impõem que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art.º 9.°. n.º 3 CC).

7ª - Com a interpretação do acórdão recorrido, e como bem se nota no despacho revogado, « [sempre se estaria a reconhecer] legitimidade à assembleia de condóminos para, em qualquer altura reunir-se, apenas com a finalidade de certificar a existência de uma dívida por parte de um condómino relapso, e, a partir dessa reunião, criar um título executivo. A aceitar-se esta tese seria admitir-se um título que se limita a fazer um mero exercício de liquidação/contabilidade, o que poderia ser feito no próprio requerimento executivo (cfr. art. 716°, n° 1, do CPC).»

8ª - Ora o título executivo é «o documento pelo qual o requerente de realização coativa da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos» (RUI PINTO, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013. p. 143.

9ª - Daí que o legislador se refira à «ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado» (cfr. art.º 6.°. n.º 1 do Decreto-Lei n.º 268/94 de 25 de Outubro).

10ª - Apenas e só a ata que contenha uma deliberação, enquanto declaração expressa que exprime a vontade da assembleia de condóminos, pode demonstrar a aquisição do direito pelo condomínio àquela prestação.

11ª - Uma ata que se limita a fazer menção de um quantitativo em dívida por um determinado condómino não é, assim, em rigor, uma deliberação.

12ª - Se a ata da assembleia de condóminos não expressa uma deliberação que seja constitutiva do direito (exequendo) então é manifesto que não pode ser considerada um título executivo à luz do art.º 6.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 268/94 de 25 de Outubro.

13ª - Como diz RUI PINTO «o título executivo ao demonstrar a aquisição de um direito a uma prestação, nos termos legalmente tabelados, constitui o direito à execução: somente a demonstração da aquisição do direito a prestação segundo a forma / formalidades fixadas na lei permite a dedução de um pedido executivo» (ob.cit., p. 149.

14ª - Sem isso não pode haver execução, como está bem expresso no brocardo latino nulla executio sine titulo e que o legislador plasmou no art.º 10.°, n.º 5 do Código de Processo Civil quando ali diz que «toda a execução tem por base um titulo».

15. «Apenas» um conjunto restrito de espécies de títulos de executivo podem servir de base à execução (cfr. art.º 703.°, n.º 1 CPC). Trata-se de «um rol taxativo, não se admitindo o seu alargamento por interpretação extensiva e, muito menos, por analogia» (RUI PINTO, ob. cit., p. 149/150).

16ª - Não se estando, in casu, perante uma ato que satisfaça os requisitos do disposto no art.° 6°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 268/94 de 25 de Outubro tal implica que estejamos então perante a «ausência de uma verdadeira condição da ação, porque o título não possui um dos requisitos necessários à exequibilidade.» (Ac. STJ, 4-4- 2006, Relator: JOAO CAMILO), qual seja, desde logo, demonstrar a deliberação de aquisição do direito exequendo.

17ª - O acórdão recorrido ao concluir que «a ata dada à execução não foi impugnada (art. 1433° do CC), e da mesma constam os montantes em dívida» e que assim «consubstancia título executivo bastante» está a retirar de um juízo sobre a existência da dívida um juízo de verificação sobre a condição de exequibilidade do título (rectius: condição de ação), o que não é, de rodo, aceitável.

18ª - Assim, bem se decidiu no despacho revogado quando ali se declarou «extinta a execução, em virtude dos documentos que servem de base à execução não constituírem títulos executivos.» .

19ª - O acórdão recorrido violou, com a sua decisão e pelas razões supra apontadas, a norma do art.º 6.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 268/94 de 25 de Outubro conjugada com o art.º 10.°, n.º 5 e art.º 703.°, n.º 1, al, d) ambos do Código de Processo Civil, pois que fez uma errada interpretação e aplicação destes preceitos legais.

20ª - Note-se ainda, que a ATA de 2013 nunca foi junta aos autos, não obstante os sucessivos despachos do Tribunal da 1ª Instância nesse sentido.

Termos em que - e, nos melhores do Direito, sempre com o vosso mui douto suprimento - deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente e, em conformidade, alterada a decisão recorrida de forma a que seja declarada extinta a execução, com todas as demais legais consequências, o que aqui se pede para que se faça justiça.


O exequente contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista.


Colhidos os vistos, cumpre decidir:


Em face do conteúdo das conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto da revista, a questão de que cumpre conhecer consiste em saber se, conforme se considerou no acórdão recorrido, a ata nº 1/2014 de 23.09.2014, que foi dada à execução, constitui título executivo.

  Para o efeito, haverá que atender à factualidade constante do relatório supra, conjugado com o teor da referida ata (fls. 7 e seguintes).


Com a execução, intentada em 18.12.2014, o exequente, ora recorrido, pretende obter o pagamento da quantia de € 30.220,65, invocando como título executivo a referida ata nº 1/2014 de 23-09.2014, da qual consta, para além de outros pontos previstos na ordem de trabalhos (ora sem interesse) e no âmbito do ponto relativo a “outros assuntos de interesse geral”, que a administração esclareceu que “encontra-se em dívida ao condomínio as despesas comuns devidas pelos condóminos proprietários das frações “C”, “D”, “E”, “F”, “H, “J”, “N”, “P” e “R””.

Tais frações são ali indicadas como sendo pertencentes a “Herdeiros de DD e Outros” e relativamente a cada uma das referidas frações são indicados os valores que ali se declarou estarem em dívida, nos termos referidos no nº 6 do relatório supra.

E, da referida ata, consta ainda que “submetidos a votação da Assembleia os montantes acima referidos como condomínios e fundos de reserva devidos ao Condomínio, com identificação nominal dos Condóminos devedores, foram aprovados por unanimidade dos votos do Condomínio presentes, representando 52,40% do valor total do capital investido”.


Resulta assim que da ata apresentada como título executivo (e que foi como tal considerada no acórdão recorrido) não consta qualquer deliberação relativa à fixação dos montantes das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, mas apenas e tão só uma deliberação relativa ao reconhecimento da existência de valores em dívida.


Aliás, na mesma nem sequer são identificados os executados como sendo os proprietários das frações em questão, sendo ali apenas indicados, como proprietários, os “Herdeiros de DD e Outros”.


Nos termos do nº 5 do art. 10º do CPC “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da ação executiva”.

Assim, é pelo título que se estabelecem, quer os limites objetivos (que têm a ver com a definição do crédito exequendo), quer os limites subjetivos da execução (o que tem a ver com a afirmação/identificação das partes e, como tal, com a legitimidade destas).

Conforme bem se salienta no acórdão de 08.05.2018 da Relação de Coimbra (processo nº 772/14.5TBCBR-A.C1, in www.dgsi.pt) o título “estabelece os seus limites objetivos e subjetivos (art.º 45º, n.º1 do CPC de 1961, atual art.º 10º, n.º5, do CPC de 2013), apresentando-se como requisito essencial da ação executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, i. é, documento suscetível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo”.


Para além disso, estabelece o art. 703º, nº 1 al. d) do CPC que podem servir de base à execução, para além do mais (ora sem interesse) “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.

Ora a disposição especial (aqui enquadrável) com interesse específico para o caso dos autos, é a que consta do nº 1 do art. 6º do D.L. nº 268/94, de 25.10 (que disciplina o regime da propriedade horizontal), onde se estabelece:

“ A ata de reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação, fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.

Tal disposição atribui assim força executiva à ata da assembleia de condóminos relativamente às deliberações que reúnam os requisitos ali enunciadas (salientados a negrito), por forma a evitar o recurso à ação declarativa.


Perante o teor daquela disposição está em causa saber se na mesma se enquadra ou não a situação dos autos em que a deliberação em causa não respeita à fixação das contribuições ou despesas a pagar pelos condóminos ao condomínio, mas sim ao reconhecimento do montante das contribuições em dívida pelos executados, ou seja, saber se, in casu, ocorrem os requisitos a que se refere aquela disposição (o que tem a ver com a determinação pelo título do fim e dos limites objetivos da execução).


   Conforme bem salientam as instâncias, a jurisprudência tem vindo a seguir orientações distintas: uma, no sentido de considerar que a situação dos autos se não enquadra na previsão do supra transcrito nº 1 do art. 6º do DL nº 268/94, de 25.10 (orientação que foi seguida pela 1ª instância); e outra, no sentido de considerar o contrário (entendimento seguido no acórdão recorrido.

     Para sustentar o seu entendimento, diz o acórdão recorrido:

  “Ao contrário do tribunal recorrido, perfilhamos a segunda posição, “tendo em conta a letra do artigo 6º, nº 1, do decreto-lei nº 268/94, que alude ao montante das contribuições devidas e não à fixação dessas contribuições, tendo em conta a teleologia dessa previsão expressa no preâmbulo do citado decreto-lei e tendo ainda em conta que a detenção de um título executivo em que o devedor não teve intervenção não altera as regras gerais de distribuição do ónus da prova, cabendo por isso ao Administrador do Condomínio demonstrar os factos constitutivos do crédito exequendo, quando os mesmos sejam impugnados pelo devedor, …” - Ac. da RC de 20.06.2012, referido na nota 4.

A ata dada à execução não foi impugnada (art. 1433º do CC), e da mesma constam os montantes em dívida.

Por tudo quanto se deixa escrito, conclui-se que a ata dada à execução consubstancia título executivo bastante.

            Uma última observação:

   Se se analisarem as atas nºs 1/2010, 1/2011, 1/2013 e 1/2014 juntas aos autos, facilmente se conclui que os montantes de comparticipação devidos pelos condóminos se vêm mantendo inalterados, sendo determinados por referência a determinado montante de despesa mensal, dos quais uma parte é para o Fundo de Reserva, e determinados na proporção da respetiva permilagem, aprovados sempre pela totalidade dos condóminos presentes, sendo certo que na ata nº 1/2013 consta estarem presentes 95,50% do capital investido.”


  É contra tal entendimento que se manifestam os executados recorrentes, nos termos das conclusões recursórias supra transcritas.

           

E, a nosso ver, com inteira razão, na medida em que se nossa figura que a situação dos autos se não enquadra na previsão da norma em questão.

   Com efeito, nos termos desta, para que a ata possa ser tida como título executivo, necessário se torna que em causa esteja uma deliberação sobre o montante das contribuições e/ou despesas que devem ser pagas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e a fixação do prazo de pagamento respetivo – conforme bem se considerou no acórdão da Relação de Évora de 02.05.2019 (processo nº 4010/15.5T8LLE-A.E1, in www.dgsi.pt).

E, conforme ali bem se salienta apenas a ata com tal conteúdo “demonstrará a constituição de uma obrigação, bem como a data do seu vencimento, e assim documentará uma prestação que é certa e exigível e que poderá ser liquidada através do requerimento executivo, no qual se discriminarão as ditas prestações não pagas e que estão em dívida, de acordo co o preceituado nos arts. 713º e 716º, nº 1 do CPC”

                       

   Não é o que sucede com a ata em questão, na qual os condóminos presentes na assembleia se limitam a aprovar “os montantes acima referidos como condomínios e fundos de reserva devidos ao Condomínio” que haviam sido indicados pela administração como estando em dívida.

   Tal deliberação apenas tem por objeto o “reconhecimento” da existência de uma dívida, pelo próprio “credor”, que não pelos pretensos “devedores” – sem se saber qual a origem ou causa dessa dívida, ou seja, a deliberação ou deliberações da assembleia de condóminos na qual tenha sido aprovado o montante das despesas a pagar (nos termos do disposto no art. 142º do C. Civil) de acordo com o disposto no nº 1 do art. 1431º do mesmo diploma.

   Em suma, a deliberação constante da ata em questão não se enquadra nos limites objetivos da norma em questão (nº 1 do art. 6º do DL nº 268/94) na medida em que, nos termos da mesma, nada foi deliberado sobre “o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação, fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”.


Subscrevemos assim o entendimento da 1ª instância quando diz que “para essa ata poder valer como título executivo para as contribuições que fossem devidas daí por diante (não podia valer como título executivo para as prestações já vencidas entre Janeiro de 2013 e Junho de 2013), seria necessário que dela constasse para além das despesas e receitas para o resto desse ano (como consta), ainda a quota-parte a pagar pelos condóminos executados em função da permilagem que as suas frações ocupam no seu todo (o que não consta).

E, chegados a 2014, teria de ser realizada outra assembleia geral onde fossem aprovadas as contas de 2013 e se apresentam as despesas e receitas para o novo ano de 2014, devendo mais uma vez constar dessa ata qual a quota-parte de cada condómino a pagar daí em diante.”


O entendimento da 1ª instância, que de todo sufragamos, é aquele que, de resto, se nos afigura ser o que tem vindo a obter maior acolhimento na jurisprudência (para além da que é referida no próprio acórdão recorrido, e do acórdão da Relação de Évora supra referido, vide os acórdãos do STJ de 14.10.2014 – proc. nº 4852/08.8YYLSB-AS.L1.S1, da Relação de Lisboa de 22.03.2018 – proc. nº 7606/16.4T8ALM-a.l1-8 e da Relação de Coimbra de 07.02.2017 – proc. nº 454/15.0T8CVL.C1 e de 23.01.2018 – proc. nº 7956/15.7T8CBR-A.C1).

No mesmo sentido, vide Pedro Gonçalves, Risa Maria Rocha e Maria Malta Fernandes, in Revista Jurídica Portucalense nº 18 de 2015, onde se expende:

“Em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 6º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de outubro, a atas de reunião da assembleia de condóminos podem servir de base à execução. Não obstante, este efeito só se verifica nos casos em que tiver sido deliberado o montante exato das contribuições devidas ao condomínio…”


Acresce ainda que, conforme resulta da ata em questão e supra referimos, da mesma nem sequer consta a identificação dos executados como sendo eles os proprietários das frações em causa (atualmente ou, com particular relevância, à data do vencimento das dívidas invocadas) e, como tal, os devedores das contribuições em dívida.

Assim, para além da falta de definição dos limites objetivos da execução, a mesma também não define os limites subjetivos da mesma – razão pela qual sempre se poderia colocar a questão (não abordada pelas instâncias) da ilegitimidade dos executados.


Procedem assim as concussões recursórias - razão pela qual, reconhecendo-se que a ata em questão, dada à execução, não constitui título executivo, se impõe a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão da 1ª instância que declarou extinta a execução.


Em síntese:

A ata da assembleia de condóminos da qual consta uma deliberação que se limita a reconhecer a existência de uma dívida dos condóminos/executados relativa à falta de pagamento de contribuições, referida como existente pela administração, não constitui título executivo nos termos e apara efeitos do disposto no nº 1 do art. 6ª do DL nº 268/94 de 25 de outubro.



Termos em que, concedendo-se a revista, se acorda em revogar o acórdão recorrido e em repristinar a decisão da 1ª instância que, com base na falta de título, declarou extinta a execução.


Custas pelo recorrido.


Lisboa, 01 de outubro de 2019


Acácio das Neves                              

Fernando Samões                                  

Maria João Vaz Tomé