Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
77/09.3TBSVC.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 09/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO DECLARATIVA - RECURSOS.
Doutrina:
- João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2008, pag.146, nota 308.
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, 2008, p. 1638.
- Pedro Martinez, ..., pp.205/213.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 289.º, N.º1, 433.º, N.º1, 496.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 674.º, Nº 1, ALÍNEA B),E Nº 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10/11/87 (TJ 37 -1988);
-DE 17/12/2009 E DE 12/03/2009.
Sumário :
I - Decorre do próprio instituto da resolução do contrato, cujo efeito está equiparado ao das invalidades, que devem restituir-se, em espécie ou em valor correspondente, as prestações efectuadas, nos termos do n.º 1 do art. 289.º do CC.

2 - Vem sendo a jurisprudência dominante deste STJ que na responsabilidade contratual são indemnizáveis os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do CC).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. AA, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB e mulher, CC, peticionando que se declare verificada a resolução do contrato de empreitada celebrado entre a autora e o réu e se condenem os réus a pagar-lhe a quantia de €43.315,00 a titulo de danos materiais, acrescido dos montantes que entretanto se vierem a apurar como gastos pela A. para conclusão das obras e €1.500,00 a titulo de danos morais, num total de €44.815,00, acrescidos dos juros vincendos a contar desde a data da citação até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que no dia 25/10/2006 celebrou com o réu um contrato de empreitada mediante o qual este se obrigou a construir duas moradias mediante o preço de €189.000,00; que deste valor a autora já pagou ao réu €170 000,00; que decorrido o prazo acordado para a execução da obra, esta ainda não estava concluída; que em Outubro de 2008, a autora dirigiu ao réu uma interpelação admonitória para cumprir o contrato sob pena de incumprimento definitivo; que o réu abandonou a obra a partir dessa data; que o incumprimento do contrato causou prejuízos patrimoniais e morais à autora; que esta contraiu um empréstimo bancário para pagar a obra, sendo que os últimos 5% do empréstimo só seriam entregues quando a obra estivesse completa; que como essa quantia ficou retida a autora teve de pagar juros a mais no valor de €7 000,00; que para terminar a obra a autora terá de gastar €49 840,00; que teve de contratar um engenheiro para elaborar relatório de trabalhos inacabados, por cujo serviço pagou €I.OOO; que por causa dos factos em litígio, a autora teve de recorrer a uma advogada a quem pagou €2.000,00; que reside habitualmente em Londres, pelo que teve de deslocar-se várias vezes à Madeira tendo gasto em viagens €500,00; que esperava arrendar uma das moradias nos meses de Verão de 2008, se estivesse pronta, e não podendo fazê-lo, deixou de ganhar €900,00; e que o não andamento dos trabalhos causou-lhe um profundo desgosto e inquietação, devendo ser indemnizada pelos danos morais sofridos numa quantia de €1.500,OO.
Os réus contestaram, defendendo-se por excepção e impugnação, tendo invocado a excepção de não cumprimento do contrato, por falta de cumprimento do plano de pagamentos faseado do preço acordado e que por essa razão recusou continuar a execução da obra. Alegam que os atrasos se ficaram, assim, a dever ao não cumprimento pela autora dos pagamentos devidos.
Concluíram pela improcedência da acção.
As partes, na sequência de convite, aperfeiçoaram os seus articulados.
Foi proferido despacho saneador, organizados os factos assentes e a base instrutória,
Pelo requerimento de fls. 271/273, a autora peticionou a condenação dos réus como litigantes de má-fé, em multa e em indemnização no valor de €10.000,00.
Para tanto alegaram que os réus sabem e têm o dever de saber que receberam através de cheques, nas respectivas datas de emissão, a quantia global de €170.000,00; que os réus ratificaram ­pela aceitação do pagamento - a alteração das condições de pagamento da empreitada; e que ao virem alegar que não concluíram a empreitada por não terem sido respeitadas as condições de pagamento constantes do contrato de empreitada actuam com manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente por provada e em conformidade declarar resolvido o contrato de empreitada celebrado entre a autora e o réu e A absolver os réus da restante parte do pedido…
Inconformada, apelou a autora.
Na sequencia do recurso de apelação veio a ser proferido acórdão no qual se decidiu julgar, em parte, procedente a apelação, condenando-se os réus/apelados no pagamento à autora/apelante da quantia de vinte e quatro mil, quinhentos e oitenta e dois euros e vinte e três cêntimos (€24.582,23) - sendo €22.932,23 a título de restituição, por força da resolução do contrato de empreitada e €1650,00 a título de indemnização, acrescida dos juros de mora, à taxa legal dos juros civis, desde a citação dos réus e até integral pagamento e julgar improcedente o pedido de condenação da apelante como litigante de má fé, absolvendo-se a mesma desse pedido.

II. Deste acórdão foi interposto pelos RR o presente recurso de revista.
Das conclusões da sua alegação, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, às quais respondeu a A em contra alegações, resultam colocadas as seguintes questões:
a) a de saber se estavam ou não reunidos os pressupostos legais necessários à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto por parte da Relação;
b) a de saber se a A tem, nesta situação em que optou pela resolução do contrato, direito a ser indemnizada pelo interesse contratual positivo, nomeadamente por danos não patrimoniais;

III. Factos provados:
1. Em 25 de Outubro de 2006, a autora celebrou com o réu BB um acordo, através do qual este se obrigou a construir duas moradias geminadas a edificar no prédio rústico, ao sítio dos ..., inscrito na matriz sob o art. …, actualmente P ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …, pelo montante de 189000,00 euros, a ser pago nos termos previstos na cláusula quarta do acordo, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais - alínea A.
2. No âmbito do acordo referido em A), o R, BB obrigou-se a edificar duas moradias conforme projecto executando os seguintes trabalhos: Revestimento total, por dentro e por fora; Colocação de ar condicionado; Aspiração Central; Colocação de Portões automatizados no exterior das moradias; Cozinhas equipadas com esquentador a gás; placa de fogão; forno; exaustor e com armários em madeira carvalho; Pintura por dentro e por fora; Carpintaria completa; dois WC completos, tendo o WC do rés-do-chão poliban e o do primeiro andar banheira; Construção de uma cave e de um acesso, na traseira das moradias, à referida cave; Acabamentos dos arredores com pedra calçada Portuguesa; O primeiro andar de cada moradia e as escadas de acesso ao primeiro andar seria revestido em madeira a escolher e o rés-do-chão seria em mosaico, tudo a escolher pela autora - resposta ao quesito 1°.
3. A edificação seria executada em conformidade com o projecto de arquitectura, o qual à data do contrato, havia já sido aprovado pela Câmara Municipal de ... ­alínea B.
4. Em 25 de Outubro de 2006, a autora entregou ao réu BB a quantia de 5 000,00 euros – alínea C.
5. Em 4 de Julho de 2007, a autora entregou ao réu BB a quantia de 25.000,00 euros - alínea D.
6. Em 10 de Setembro de 2007, a autora entregou ao réu BB a quantia de 20.000,00 euros - alínea E.
7. Em 22 de Novembro de 2007, a autora entregou ao réu BB a quantia de 10.000,00 euros – alínea F.
8. Em 5 de Janeiro de 2008, a autora entregou ao réu BB a quantia de 10.000,00 euros - alínea G.
9. Em 9 de Fevereiro de 2008, a autora entregou ao réu BB a quantia de 25.000,00 euros - alínea H.
10. Em 27 de Março de 2008, a autora entregou ao réu BB a quantia de 10.000,00 euros – alínea L
11. Em 5 de Maio de 2008, a autora entregou ao réu BB a quantia de 15.000,00 euros – alínea J.
12. Em 5 de Fevereiro de 2007, a autora entregou ao réu BB a quantia de 20.000,00 euros - alínea I
13. O réu BB obrigou-se a entregar a obra pronta a habitar, conforme contrato que constitui fls. 99/104 - resposta ao art. 2°.
14. Nesse contrato foi estipulado o prazo de 12 meses para a execução e entrega da obra - resposta ao art. 4°.
15. Os trabalhos teriam o seu início assim que a respectiva licença de construção fosse emitida pela câmara Municipal de ... – resposta ao art. 3°.
16. O que consta do documento de fls. 99 a 104 cujo teor se dá aqui por reproduzido - ­resposta conjunta aos quesitos 1 a 4.
17. A licença para a construção das moradias foi emitida pela Câmara Municipal de ... mediante alvará n." ..., de 14 de Novembro de 2006 – resposta ao quesito 5.
18. Em 20 de Novembro de 2006 o réu iniciou a obra – resposta ao quesito 6.
19. A autora entregou ao réu BB o montante de 5.000,00 euros titulados pelo cheque n." …, datado de 21/12/2007 - resposta ao quesito 7.
20. Em 14 de Outubro de 2006, a autora transferiu para a conta bancária da R. BB o montante de 15.000,00 euros - resposta ao quesito 8.
21. A autora entregou ao réu BB, por conta das obras referidas em I, um total de 170.000,00 euros - resposta ao quesito 9.
22. Em 10 de Fevereiro de 2009 faltava executar os trabalhos mencionados no documento de fls. 116 a 125, cujo teor se dá aqui por reproduzido, com excepção da cave e dos trabalhos a mais que não haviam sido acordados inicialmente, aí mencionados, sem prejuízo daqueles que constam da resposta ao quesito 53, que foram realizados ­resposta conjunta aos quesitos 10 e II.
23. No período compreendido entre 24/03/2008 e Setembro de 2008, o representante da autora, DD, interpelou pessoal e telefonicamente a R. BB para avançar com a obra.
24. A autora viu-se forçada a requerer junto da Câmara Municipal a prorrogação do alvará para finalizar a obra - resposta ao quesito 14. 25.
25. No dia 17 /I 0/2008 a autora remeteu ao réu a carta registada com A.R. fotocopiada a fls. 128, cujo teor se dá por reproduzido, que foi recepcionada por este nesse mês, e na qual aquela interpela este para no prazo de 30 dias a contar da recepção da carta proceder à da obra devidamente concluída e refere que decorrido esse prazo sem que o ora réu proceda ao acabamento e entrega da obra, considera o contrato de empreitada definitivamente incumprido - resposta aos quesitos 15° e 16°.
26. O réu recebeu da parte da mandatária da autora o envio de correspondência mencionada a fls, 130 a 131, cujo teor se dá aqui por reproduzido - resposta ao quesito 17.
27. Pelo menos a partir de Outubro de 2008 o réu deixou de executar trabalhos na obra, tendo em data não apurada do ano de 2009 retirado da mesma as máquinas e ferramentas de sua propriedade que aí se encontravam - resposta aos quesitos 19° e 20°.
28. Encontra-se ultrapassado o prazo de prorrogação concedido pela Câmara Municipal de ... para terminar a obra - resposta ao quesito 21.
29. A autora contraiu junto à Caixa Geral de Depósitos o empréstimo de 145000,00 euros para construção das moradias referidas em A, junto a fls, 134 a 148, cujo teor se dá aqui por reproduzido - resposta ao quesito 22.
30. Na data de celebração do acordo referido em 25, foi entregue à autora a quantia de 58.000,00 euros - resposta ao quesito 23.
31. A parte do montante emprestado que ficou retida, no valor de 87.000,00 euros, seria creditada na conta da autora por uma ou mais vezes, na sequência de vistorias a efectuar pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. e em função do grau de realização do investimento financiado - resposta ao quesito 24.
32. A importância correspondente aos últimos 5% da quantia emprestada não será entregue sem que a autora faça prova perante a Caixa Geral de Depósitos, S.A. de haver feito o averbamento de construção no registo - resposta ao quesito 25.
33. Para terminar a obra a autora recorreu a outros profissionais, implicando tal um custo de €41.932,23, que a mesma já pagou - resposta conjunta aos quesitos 27 a 31.
34. A autora sentiu necessidade de contratar um engenheiro para elaborar relatório de trabalhos inacabados, por cujo serviço pagou 1.000,00 euros - resposta ao quesito 32.
35. A autora sentiu necessidade de recorrer a advogada para efeitos de aconselhamento jurídico e preparação, interposição e acompanhamento da presente acção, cujos honorários foram de pelo menos 2.000,00 euros - resposta ao quesito 33.
36. A autora encontra-se a residir em Inglaterra - resposta ao quesito 34.
37. A autora tencionava proporcionar a terceiros, durante os três meses de Verão de 2008, o gozo temporário de uma das moradias, pela renda mensal de €300,00, o que não pôde fazer por a obra não estar então totalmente concluída - resposta conjunta aos quesitos 36 a 38.
38. Pelo facto da obra não ter sido concluída no prazo inicialmente previsto no contrato de empreitada, nem no prazo de validade da licença de construção, após a sua prorrogação até ao dia 24/03/2008, a autora ansiava, a cada dia que passava, o andamento das obras, causando-lhe tal inquietação, desgosto e desassossego - respostas aos artºs. 39° a 41° da base instrutória.
39. A autora ligava na maior parte dos dias para o seu representante na Região Autónoma da Madeira a fim de que o mesmo lhe fornecesse informação sobre o estado das obras - resposta ao quesito 42°.
40. Pelo menos em Março de 2008 o réu já tinha concluído a cobertura das moradias ­resposta ao quesito 47.
41. Na ocasião da troca de telefonemas mencionada na resposta ao quesito 12, o réu comunicou ao representante da autora que pretendia que aquela cumprisse os pagamentos acordados - resposta ao quesito 50.
42. Entre 24 de Março de 2008 e Setembro desse ano o representante da autora informou o réu que não pagava a parte do preço da empreitada em falta enquanto a obra não estivesse concluída - resposta ao quesito 51°.
43. A cave referida em 1 não foi edificada por não constar do projecto referido em B ­resposta ao quesito 52.
44. O réu, no decurso da obra e por acordo das partes, efectuou os seguintes trabalhos, que não estavam inicialmente previstos: aumento da construção da calçada nas portas das duas cozinhas; desaterro do logradouro; colocação de um portão em ferro; uma escada em cimento; um roof-mate para as paredes exteriores de caixa-de-ar - resposta ao quesito 53.
IV. Do mérito –
A primeira questão suscitada no presente recurso consiste em saber se houve ou não violação pela Relação das normas processuais que lhe permitem (ou não) a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida em 1ª Instancia.
Afirmam os recorrentes neste preciso ponto que a apelante não cumpriu no recurso de apelação os requisitos legais que permitiriam essa reapreciação.
Sobre esta questão, suscitada em momento próprio e no Tribunal da Relação pelos apelados, aqui recorrentes, recaiu despacho do Desembargador relator (considerando verificados os pressupostos legais para a reapreciação da decisão de facto), despacho esse que não foi notificado à parte sendo por isso mesmo ineficaz.
Independentemente da questão da não notificação do despacho em que o M.mo Desembargador relator[1] considerou reunidos os pressupostos legais constantes do artigo 685º- B CPC, verdade é que quer da leitura das alegações da apelação quer da própria reapreciação efectuada no acórdão recorrido, concretamente do ponto III desse acórdão, resulta evidente o cumprimento pelo recorrente do ónus que sobre ele recai nos termos do nº 1, alíneas a) e b) daquela referida disposição legal; a apelante indica expressamente os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os meios de prova que impunham, em seu entender, decisão diversa.
Não existe qualquer violação ou errada aplicação de lei de processo – artigo 674º nº 1 alínea b) CPC (ex artigo 722º) – nem existe qualquer situação fundamentadora da revista prevista no nº 3 da mesma disposição legal.
Não merece censura o acórdão recorrido na parte em que considerou reunidos os pressupostos legais para a reapreciação de facto efectuada em 2ª Instancia.

A segunda e fundamental questão que vem colocada neste recurso de revista prende-se com a discordância dos recorrentes relativamente ao facto de o acórdão recorrido ter alegadamente considerado o direito da A ser indemnizada pelo interesse contratual positivo ou seja pela frustração do beneficio que lhe traria a execução efectiva do contrato; começam por afirmar nas conclusões da alegação que ao condenar os RR recorrentes no pagamento de €22932,23 (a titulo de restituição em espécie) por força da resolução do contrato de empreitada o acórdão recorrido considera erradamente que existiu uma (injustificada) deslocação patrimonial do dono da obra para o empreiteiro quando é certo que este recebeu apenas o valor da parte realizada da obra.
Concluem que não ficou provado qualquer facto revelador de um acréscimo patrimonial que seria obtido não fora a existência do contrato incumprido e que tendo a A optado pela resolução do contrato não tem direito a indemnização pelo interesse contratual positivo.
Sobre esta matéria diz-se expressamente no acórdão recorrido que segundo se apurou, do preço da empreitada a autora liquidou ao réu €170.000,OO, faltando-lhe liquidar na data da resolução do contrato a quantia de €19.000,OO. Todavia, para concluir a obra a autora teve de desembolsar a quantia de €41.932,23. Destes dados de facto deduz-se que o preço pago pela autora excedeu o valor da obra realizada pelo réu (materiais empregues e mão-de-obra), pelo que este deve restituir à dona da obra o preço a mais recebido como contrapartida daqueles trabalhos. Na verdade, se o réu se obrigou a concluir a obra pelo preço de €189.000,OO e se, face ao estado em que aquele deixou a obra, para a sua conclusão foi necessário despender a quantia de €41.932,23, infere-se que as obras executados pelo réu têm para a autora um valor não superior a €147.067.77 (€189.000 - €€41.932,23). Tendo o mesmo recebido da dona da obra a quantia de €170.000,OO por conta dos trabalhos da empreitada, e não podendo aquela devolver os mesmos, significa que recebeu "a mais" a quantia de €22.932,23 (€170.000,OO - €147.067,77) e que terá de restituir àquela, por força da resolução. No fundo é como se tratasse de uma restituição em espécie. Ainda que se entendesse que, relativamente ao valor despendido pela autora para concluir a obra, se trata de um dano de cumprimento (interesse contratual positivo), ainda assim os interesses em jogo sempre reivindicariam o seu ressarcimento”.
Assim e de acordo com este raciocínio fundamentador, apesar de se ter entendido no acórdão recorrido que a resolução do contrato era (pelo menos nalguns casos) conciliável com a indemnização por danos conexionados com o respectivo incumprimento ligados, nessa medida, ao interesse contratual positivo, verdade é, no entanto que decisão pelo reconhecimento de um direito à restituição parcial do preço já pago ao empreiteiro se fundou não num qualquer direito à indemnização pelo interesse positivo tendo antes sido outorgado o direito reclamado com fundamento no disposto nos artºs. 433º e nº 1 do 289º, nº 1 CC; atribuiu-se desse modo e com tal fundamento à A um direito de conteúdo pecuniário correspondente ao diferencial entre o montante por ela pago os RR e o valor da obra até ali realizada (montante cujo valor é idêntico ao que pela via indemnizatória era contido materialmente no pedido formulado).
Independentemente da deficiente precisão terminológica que é utilizada no acórdão recorrido, e independentemente da possível admissibilidade de formulação de um autónomo pedido de indemnização por danos ligados ao interesse contratual positivo[2] cuja admissibilidade vimos entendendo admissível em algumas situações excepcionais, verdade é que a decisão recorrida se não funda, como tivemos ocasião de referir, em qualquer direito a indemnização pelo interesse contratual positivo antes reconhecendo que decorre do próprio instituto da resolução do contrato, cujo efeito está equiparado ao das invalidades ou seja que, por força e em consequência da resolução, devem restituir-se, em espécie ou em valor correspondente, as prestações efectuadas, isto nos termos do nº1 do art. 289º do CC[3].
De acordo com a factualidade provada e conforme o raciocínio efectuado no acórdão recorrido o valor a restituir (22.932,23€) mais não é do que a quantia que excede o valor dos trabalhos realizados pelos RR e que deve, assim, ser restituída[4].
Este concretamente segmento da decisão não é merecedora de censura sendo, face aos seus fundamentos, completamente irrelevante qualquer argumento e consequentemente qualquer apreciação em concreto sobre a possibilidade ou não de haver lugar a indemnização por eventual interesse contratual positivo.

Uma última questão tem a ver com a discordância dos recorrentes relativamente ao segmento do acórdão em que se decide pela sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor de €750 por danos não patrimoniais e no pagamento de uma quantia de €900 alegadamente resultante de não ter podido arrendar a casa por um período de 3 meses (v. ponto 37 dos factos provados).
Após se consagrar um (actualmente maioritário) entendimento no sentido de serem indemnizáveis na responsabilidade contratual os danos não patrimoniais merecedores de tutela do direito e de se afirmar que não obstante o acto resolutivo levado a cabo pela autora, em face das especificidades do caso e dos interesses em jogo…, justifica-se uma ampliação do circulo de danos a ressarcir à contraente lesada com o incumprimento, aceitando-se a relevância do interesse contratual positivo, por a consideração do mesmo não levar a qualquer situação geradora de desequilíbrios ou benefícios injustificados, permitindo-se à autora libertar-se do contrato sem para tal ter que renunciar aos danos sofridos pelo seu não cumprimento entendeu-se no acórdão recorrido estarem apurados factos suficientemente relevantes para justificarem a indemnização por danos não patrimoniais (diz-se que pelo facto da obra não ter sido concluída no prazo inicialmente previsto no contrato de empreitada, nem no prazo de validade da licença de construção, após a sua prorrogação até ao dia 24/03/2008, a autora ansiava, a cada dia que passava, o andamento das obras, causando-lhe tal inquietação, desgosto e desassossego e que destes factos deriva que os danos sofridos pela autora saem da mediania e que afectaram a mesma na sua saúde psíquica, sendo, por isso, merecedores da tutela do direito).
Sem pormos em causa (no seguimento do que vem sendo a jurisprudência dominante deste STJ) que na responsabilidade contratual são indemnizáveis os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito (artigo 496º nº 1 CC) não concordamos, todavia, com a valoração efectuada dos factos pertinentes apurados que conclui tratar-se de factos com suficiente relevância para fundamentarem uma indemnização por danos não patrimoniais.
Esses factos apurados (concretamente os referidos nos pontos 34 a 39 da factualidade provada) situam-se, em nosso entender e tendo nomeadamente em conta as incertezas e riscos de que se revestem cada vez mais as relações contratuais, no plano dos incómodos, transtornos e preocupações que são com (indesejável) frequência sofridos pelo dono da obra em caso de não conclusão tempestiva dos trabalhos pelo empreiteiro, não revelando, até pela sua imprecisão, a gravidade que nos termos legais devem revestir os danos não patrimoniais indemnizáveis.

Não existe fundamento factual que permita arbitrar indemnização por danos não patrimoniais.

Do mesmo modo não existe qualquer fundamento para a condenação dos RR no pagamento de uma indemnização no valor de €900 a título de frustração de uma expectativa/intenção de cedência do gozo da casa pelo período de três meses não concretizada pelo facto de o contrato não ter sido cumprido.
Estamos, no quadro da decisão tomada no acórdão recorrido, perante uma indemnização concedida pelo interesse contratual positivo, concretizada numa frustração de benefício que traria a efectiva realização do contrato.
Não acompanhamos neste concreto ponto o acórdão recorrido uma vez que consideramos de todo incompreensível ou injustificável que a factualidade provada (em particular o que consta do ponto 37 dos factos provados) possa a qualquer titulo justificar a conclusão por um prejuízo sofrido pela A em consequência do não cumprimento do contrato; refere-se ali uma mera intenção de cedência do gozo de uma das moradias pelo período de três meses e por um montante de 300€ mensais sendo que a frustração dessa intenção ou expectativa (concretizável ou não no caso de a moradia estar atempadamente concluída) é em todo e qualquer caso insuficiente para fundamentar o eventual direito à indemnização.

Sumário: 1. decorre do próprio instituto da resolução do contrato, cujo efeito está equiparado ao das invalidades, que devem restituir-se, em espécie ou em valor correspondente, as prestações efectuadas, nos termos do nº1 do art. 289º do CC;
2. Vem sendo a jurisprudência dominante deste STJ que na responsabilidade contratual são indemnizáveis os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito (artigo 496º nº 1 CC).


V. Decisão – nos termos expostos acorda-se em conceder parcial provimento à revista condenando-se os RR a pagar à A a quantia de €22932,23 acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os no mais.


Custas nas instâncias e neste recurso por A e RR na proporção do vencimento.


Lisboa, 9 de Setembro de 2014

Mário Mendes (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves

_________________________
[1] O vício da falta ou insuficiência de fundamentação da matéria de facto considerada não provada não se ajusta ao vício da nulidade a que alude o art. 668°, n," 1, al., d) do CPC, podendo tão-só determinar a que a Relação ordene a baixa do processo à la instância para que fundamente a mesma (art. 712°, n." 5, do CPC), a requerimento do recorrente.
[2]     A limitação da indemnização, nos casos de resolução, ao interesse contratual negativo não é unívoca nem pacífica tanto na doutrina como na jurisprudência, admitindo-se que – em casos pontuais e materialmente justificados – a indemnização a arbitrar à parte lesada possa ultrapassar o estrito círculo dos danos integrados no interesse contratual negativo – sendo esta ressalva especialmente justificável nos casos em que, afinal, a resolução do contrato não tem eficácia retroactiva ou esta se encontra especialmente mitigada ou restringida (veja-se, em referência às posições que admitem alguma amenização da referida tese clássica, aceitando como indemnizáveis determinados danos decorrentes do incumprimento, não obstante ter ocorrido resolução do contrato, com referência a relevantes argumentos no plano do direito comparado, Pedro Martinez, ob. cit., pags.205/213; e João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2008, pag.146, nota 308). Mais recentemente, Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, 2008), dá nota que a tradicional posição que veda ao credor que resolve o contrato exigir simultaneamente uma indemnização por não cumprimento se encontra em claro recuo estando hoje quase isolada (intencionalmente abandonada no direito alemão seu principal protagonista ao longo e todo o século XX) ob. cit. pag. 1638. Sobre este assunto acórdãos desta secção de 17/12/2009 (Conselheiro Sebastião Póvoas) e de 12/03/2009 (Conselheiro Moreira Alves).
[3] Os efeitos da resolução do contrato de empreitada regulam-se pelas regras gerais constantes dos artigos 432º e seguintes, tendo-se entendido no acórdão deste STJ, de 10/11/87 (TJ 37 -1988) que apesar de o contrato de empreitada não ser, em rigor, um contrato de execução continuada, é-lhe aplicável a regra do artigo 434º nº 2.
[4] De acordo com alguma jurisprudência e doutrina em consequência do instituto do enriquecimento sem causa.