Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26175/15.6T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR
TUTELA DA PARENTALIDADE
PARECER PRÉVIO DA CITE
Data do Acordão: 06/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS / PARENTALIDADE / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / MODALIDADES DE DESPEDIMENTO / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR.
Doutrina:
-ANA LAMBELHO/LUÍSA ANDIAS GONÇALVES, Manual de Direito do Trabalho, Da teoria à prática, Coimbra Editora, 2014, p. 290;
-GUILHERME DRAY, Anotação ao artigo 63.º do Código do Trabalho, Código do Trabalho Anotado, PEDRO ROMANO MARTINEZ e outros, Almedina, 11.ª ed., Coimbra, 2017, p. 236;
-MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, no Relatório sobre Portugal, in The Implementation of Parental Leave Directive 2010/38 in 33 European Countries, Coord. por Maria do Rosário Palma Ramalho, Petra Foubert, Susanne Bourri, European Network of Legal Experts in the Field of Gender Equality, 2015, p. 186 ; Tratado de Direito do Trabalho, parte II, Situações Laborais Individuais, Almedina, Coimbra, 6.ª ed., 2016, n. 250, p. 375;
-PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 4.ª ed. revista e atualizada, Cascais, 2017, p. 198;
-VIRGÍLIA FERREIRA/ROSA MONTEIRO, Trabalho, Igualdade e Diálogo Social, Estratégias e desafios de um percurso, CITE, Lisboa, 2013, pp.77 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 63.º, N.º 3 E 356.º, N.º 1.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA N.º 76/207/CEE, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA DIRECTIVA N.º 2002/73/CE: - ARTIGO 98.º, N.º 4.
DIRECTIVA N.º 92/85/CEE, DO CONSELHO DE 19 DE OUTUBRO DE 1992: - ARTIGO 10.º.
DIRECTIVA N.º 2010/18/EU DO CONSELHO DE 8 DE MARÇO DE 2010.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 26-02-2015, PROCESSO N.º 3194/08.3TBPTM.E1.S1;
- DE 16-11-2016, PROCESSO N.º 06B3346.
Jurisprudência Internacional:

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):

- DE 19-09-2013, PROCESSO C-5/12, MARCO BETRIU MONTULL C. INSTITUTO NACIONAL DE LA SEGURIDAD SOCIAL;
- DE 27-02-2014, PROCESSO C-588/12, LYRECO BELGIUM NV CONTRA SOPHIE ROGIERS;
- DE 28-02-2018, PROCESSO C-103/16.
Sumário :
I. O trabalhador pai que tenha terminado o gozo de licença parental e tenha regressado ao serviço não goza da especial tutela do artigo 63.º do Código do Trabalho.

II. Em sede de despedimento por facto imputável ao trabalhador, o legislador foi sensível à especial vulnerabilidade em que o trabalhador se encontra no próprio procedimento disciplinar, por se encontrar no gozo de licença, vulnerabilidade essa que justifica a intervenção da CITE e que se reflete sobretudo na fase de defesa do trabalhador.

III. O parecer prévio a solicitar à CITE deve ser solicitado, de acordo com a lei, «depois das diligências probatórias referidas no n.º 1 do artigo 356.º, no despedimento por facto imputável ao trabalhador» [alínea a) do n.º 3 do artigo 63.º do Código do Trabalho].

IV. Consequentemente, o que deve ser decisivo é saber se o trabalhador esteve ou não no gozo da licença até ao momento em que se concluem as diligências probatórias, momento em que legalmente se deve pedir o referido parecer à CITE.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 4.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

AA intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento contra BB, S.A., pessoa colectiva nº ..., com sede na Av. …, nº …, … Lisboa.

A Ré alegou que o Autor, admitido ao seu serviço em 15 de Dezembro de 2008, foi sujeito a processo disciplinar e despedimento por, no período compreendido entre 18 de Março de 2013 e 20.11.2014, ter movimentado para seu próprio benefício, com recurso à falsificação de assinatura e utilização de contas “mula”, valores pertencentes a cliente da Ré, CC, de 93 anos de idade, no total de € 451.000,00 (dos quais foi possível recuperar € 350.000,00).

Concluiu pela violação pelo Autor, de forma consciente e intencional, dos seus deveres profissionais, nomeadamente os de obediência, zelo, diligência, probidade e honestidade, a que se reportam as alíneas a), c), e) do n.º 1 do art.º 128.º do CT e alíneas b) e d) do n.º 1 da cl.ª 22.ª, 104.ª e 106.ª, n.º 1, al. f) do AE, que pela sua gravidade e consequências tornaram impossível a subsistência da relação de trabalho.

Notificado do articulado de motivação do despedimento, o Autor apresentou contestação por excepção e impugnação, alegando, em síntese: o despedimento é ilícito porquanto a Ré lhe aplicou a sanção disciplinar quando este se encontrava no gozo da licença parental inicial, sem pedir o parecer prévio da CITE; é inválido o procedimento disciplinar porquanto quer a deliberação de instauração do processo disciplinar, quer a deliberação do despedimento do requerente, foram proferidas após ter ocorrido a prescrição do poder disciplinar previsto no nº 2 do art.º 329 CT; o requerente não praticou os factos que lhe são imputados. Concluiu pela declaração de ilicitude do despedimento.

Após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Por todo o exposto, decide este Tribunal julgar a presente acção totalmente improcedente, e, em consequência, absolver a ré BB, S.A., do pedido formulado pelo Autor AA.

           Condena-se o Autor AA como litigante de má-fé na multa de nove UCS.”

           Inconformado o Autor interpôs recurso de apelação em que pedia que fosse alterada a decisão recorrida, declarando-se o despedimento ilícito e condenando-se a Recorrida, BB, S. A., nos termos por ele peticionados (n.º 61 das Conclusões do recurso de apelação) e revogada a decisão de condenação como litigante de má fé em multa de nove UCS (números 62.º e 63.º das Conclusões do recurso de apelação).

A Ré apresentou contra-alegações defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Realizado o julgamento o Tribunal da Relação proferiu Acórdão com o seguinte teor:

“Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelo Recorrente, revoga-se a sentença recorrida e declara-se a ilicitude do despedimento do Autor; reconhece-se o direito do Autor a ser reintegrado no mesmo estabelecimento da empresa Ré, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e na indemnização por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, a calcular em execução de sentença; tendo ainda direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, nos termos dos artigos 389º e 390º do Código do Trabalho.”

Sublinhe-se que o Tribunal afirmou igualmente que “face à procedência deste fundamento da acção, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões, designadamente a condenação do Recorrente como litigante de má-fé, da qual deverá ser absolvido”.

Inconformada a Ré interpôs recurso de revista. Nesse recurso invocou, desde logo, a nulidade do Acórdão recorrido por, por um lado, ter sido proferida decisão não fundamentada, obscura e contraditória quanto à questão da condenação do Autor como litigante de má fé e, por outro lado, por omissão de pronúncia face ao disposto no artigo 387.º n.º 4 do Código do Trabalho. Invocou, depois, que o despedimento não era ilícito, porquanto o Autor não estava no gozo da licença parental quando a instrução terminou, momento que a lei fixa para o pedido de parecer prévio da CITE, pelo que não era no caso vertente legalmente necessário tal Parecer (cf. os números 11 a 14 e 18 das Conclusões). Pedia, assim, que fosse revogado o Acórdão recorrido e julgada a licitude do despedimento, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos contra ela formulados na presente ação.

O Autor contra-alegou e apresentou, também, um pedido de ampliação do objeto do recurso. No seu recurso o Autor nega a existência de quaisquer nulidades do Acórdão recorrido (Alegações números 2 a 3, Conclusões 1.ª a 10.ª), reitera a necessidade de parecer prévio da CITE (Alegações números 4 a 17, Conclusões 11.ª a 26.ª), por, designadamente, não ter qualquer apoio, nem na letra da lei, nem no seu espírito, o entendimento de que o parecer só seria exigível se o trabalhador se encontrasse no gozo da licença desde o procedimento disciplinar até à sua conclusão (Alegação n.º 6 e Conclusões 12.ª e 13.ª) e sublinha, entre outros factos, que o Relatório final do processo disciplinar só foi elaborado em 27 de agosto de 2015 quando o Autor já se encontrava no gozo efectivo da licença parental (Alegação n.º 15, al. a) e Conclusão 24.º alínea a). Apresenta, depois, um pedido de ampliação do objecto do recurso “às questões por si invocadas na apelação que não foram conhecidas pela relação de Lisboa” (Alegação n.º 18 e Conclusão 27.ª). Sustenta que deve ser dada diferente redacção ao n.º 15 dos factos dados como provados (Conclusões 28.ª a 33.ª) e impugna, pedindo que sejam eliminados da matéria provada, os factos constantes dos números 53, 54, 59, 60, 61, 62, 63, 66, 67, 68, 77, 78 e 79 (Conclusão 61.ª). Para tanto censura a apreciação da prova testemunhal realizada pela 1.ª instância (conclusões 31.ª e 32.ª), põe em causa a credibilidade de várias testemunhas (Conclusões 37.ª, 38.ª, 49.ª) e o valor e sentido da confissão do Autor relativamente a alguns dos factos dados como provados (Cláusula 52.ª). Critica, ainda, a decisão de não ser permitido o visionamento das imagens gravadas (Cláusulas 54.ª a 60.ª). Afirma, igualmente, ter-se limitado a exercer o direito de acesso à justiça, não tendo assumido qualquer comportamento que possa integrar o conceito de litigância de má fé (Conclusão 64.ª) e conclui, pedindo que seja negado provimento ao recurso.

A Ré respondeu defendendo a inadmissibilidade da ampliação do objecto do pedido nos termos do artigo 632.º, n.º 2 do CPC porque essa norma pressupõe que o Tribunal a quo tenha conhecido efectivamente o fundamento em que a parte vencedora decaiu o que não sucedeu. Sublinha também que na sua impugnação da matéria de facto o Autor não cumpre os ónus previstos no artigo 640.º do CPC e que toda a matéria impugnada, ou seja, os factos constantes dos números 53, 54, 59, 60, 61, 62, 63, 66, 67, 68, 77, 78 e 79, foi dada como provada também com fundamento em outros depoimentos e documentos juntos aos autos, como resulta da fundamentação da matéria de facto. Quanto ao visionamento das imagens refere que do documento 3 junto em anexo ao requerimento apresentado pelo Autor consta a deliberação da CNPD n.º .../2015, a qual não indefere o pedido do Autor, mas estabelece que na medida em que o visionamento pretendido implique o acesso a dados pessoais de terceiros, a Ré só facultará o acesso se para o efeito tiver obtido o respectivo consentimento.

Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido de ser julgado lícito o despedimento.    

 

Fundamentação

De Facto

1. O Autor encontra-se ao serviço da Ré, vinculado por “contrato de trabalho” desde 15 de Dezembro de 2008, tendo exercido funções na Agência de ... entre 15.12.2008 a 27.10.2013 e na agência de ... a partir de 28.10.2013.

2. O Autor encontra-se classificado, ao serviço da Ré, com a categoria profissional de Administrativo, e colocado na agência de ... da Ré.

3. Em 20.11.2014 foi efectuada, na Agência de ..., uma mobilização parcial, no valor de € 350.000,00, do depósito nº 6, pertencente à conta de depósitos a prazo nº …, para crédito da conta à ordem associada, nº …, titulada por CC.

4. De seguida, por débito na aludida conta à ordem, foi efectuada uma transferência do mesmo valor para crédito de uma conta do DD, sediada na Agência de ..., titulada por EE.

5. A mobilização parcial, de € 350.000,00 do depósito nº 6, pertencente à conta de depósitos a prazo nº ..., para crédito da conta à ordem associada, e a transferência subsequente do mesmo valor para o DD, foram efectuadas, no terminal a cargo do empregado, FF, em 20.11.2014, respectivamente às 10:41horas e 10:43 horas, a pedido do empregado AA, ora Autor, alegando não estar familiarizado com os procedimentos informáticos necessários à transferência.

6. O empregado, FF, questionou o Autor AA sobre se a cliente estava presente na agência e sobre o motivo da transferência, tendo-lhe este dito que a mesma se encontrava presente no seu gabinete e que a transferência de destinava a uma ajuda financeira.

7. A titular da conta do DD, EE, solicitou à respectiva entidade bancária a emissão de um cheque bancário, no valor de € 350.000,00, a favor dos CTT, que aquela entidade emitiu.

8. O gerente da referida Agência do DD, HH, após questionar a titular da conta para a qual foi efectuada a transferência do valor de € 350.000,00, EE, sobre a proveniência do referido valor e ter emitido o cheque bancário a favor dos CTT, informou, em 21.11.2014, a agência da Ré sita na Rua … (agência de domicílio da conta identificada em 3, titulada por CC) na pessoa de II, de que a cliente titular da conta na qual foi creditado o valor de 350.000,00 € era uma jovem que trabalhava numa ... em ... e que quando a questionou sobre a proveniência da aludida verba, esta alegou que respeitava à herança de um amigo e que iria ser aplicada em Certificados de Aforro, motivo pelo qual tinha solicitado a emissão de um cheque bancário, no valor de € 350.000,00, a favor dos CTT.

9. Na sequência da informação referida em 8, a agência da Ré sita na Rua …, na pessoa de II, contactou telefonicamente e por correio electrónico a Agência de ..., na pessoa do subgerente JJ, para se certificar que os movimentos tinham sido efectivamente ordenados pela única titular das contas, CC, de 92 anos de idade, que conhecia e sabia ter dificuldades de locomoção.

10. O subgerente JJ, que não estava presente na agência no momento em que foi efectuada a transferência, questionou o empregado AA sobre a transferência em causa, tendo-lhe este comunicado que a transferência tinha sido efectuada a pedido da cliente CC, que a mesma estava acompanhada por terceira pessoa, que a tinha identificado através de documento de identificação e que a mesma não apresentou sinais de desconforto durante o atendimento.

11. O subgerente JJ informou então o colega II da agência da Ré sita na Rua … da informação que lhe havia sido transmitida pelo ora Autor AA.

12. No dia 21.11.2014, sexta-feira, o subgerente JJ deslocou-se com o ora Autor AA ao KK, sita na Rua …, em ..., onde reside a titular da conta identificada em 3, CC, a fim de confirmarem a regularidade da transferência.

13. No KK, o subgerente JJ foi informado pelos responsáveis do lar e funcionários de que a cliente CC não poderia ter saído no dia 20.11.2014 do lar por ter muitas dificuldades de locomoção.

14. O subgerente JJ apesar de não ter falado com CC, esteve na presença da mesma, encontrando-se esta de cadeira de rodas e com uma aparência física muito debilitada, ficando aquele com dúvidas que a mesma tivesse discernimento para tomar decisões.

15. Durante a visita à KK, o Autor AA foi autorizado a falar com a cliente CC, na presença de funcionárias da lar/casa de repouso, tendo transmitido ao subgerente JJ que a mesma havia confirmado ter ido ao Banco no dia anterior (20.11.2014).

16. CC sofre de demência e de uma doença degenerativa visual.

17. Apresenta dificuldade de locomoção, deslocando-se de cadeira de rodas, falta de memória, dificuldade em assinar o seu nome e escrever, por as suas mãos estarem trémulas, e necessita de ajuda de terceiros para efectuar as rotinas diárias (levantar, deitar).

18. Devido ao seu estado de saúde, a direcção do lar/casa de repouso em Março de 2014 deslocou-a do seu apartamento individual para um piso térreo onde estão cerca de 6/8 residentes, ao qual apenas acedem os funcionários do lar ou pessoas autorizadas e sempre acompanhadas por funcionários.

19. A casa de repouso tem controlo e registo de todas as pessoas que entram e saem, não tendo sido registada nenhuma saída ou entrada da cliente CC nem de visitas para esta no dia 20.11.2014.

20. A mesma não sai do lar desde Março de 2014 (data em que sofreu uma queda e esteve internada em unidade hospitalar entre 17 a 26 de Março 2014), não recebe visitas há alguns anos e não lhe são conhecidos familiares.

21. Os documentos de identificação de CC estão guardados no cofre à guarda da casa de repouso.

22. As assinaturas apostas nos documentos de ordem de transferência referida em 3 e 4 (fls. 144 e 147 volume I do processo disciplinar apenso) não apresentam o mesmo tipo de desenho de letras, o mesmo grau de inclinação, o mesmo espaçamento, nem o mesmo posicionamento da linha de base da escrita, que a assinatura da cliente CC que consta da ficha de assinaturas da conta à ordem nº …., cuja cópia se encontra a fls. 24 do vol. I do processo disciplinar apenso.

23. Em 26.11.2014, através de contacto telefónico com o Gerente da Agência de ... do DD, HH, a Ré tomou conhecimento de que a beneficiária da transferência tinha autorizado a devolução do valor da transferência à conta de origem.

24. No dia 26 de Novembro, pelas 17:23horas, a conta à ordem nº …, titulada pela cliente CC, foi creditada pelo valor de € 350.000,00, em virtude de a transferência SEPA ter sido devolvida por motivo de “recusado pelo devedor”.

25. Apesar de o Autor AA ter afirmado ter atendido presencialmente, no dia 20.11.2014, a cliente CC, na companhia de uma outra senhora, nenhum dos colaboradores da Agência de ... da Ré viu a cliente dentro das instalações.

26. Apesar de os € 350.000,00 terem regressado à conta de origem, em 26.11.2014, os serviços da Ré (DAI), contactaram telefonicamente a cliente CC, tendo a conversação sido breve devido à dificuldade de audição da cliente.

27. A cliente CC consentiu que a DAI a visitasse na KK, a fim de conversar sobre a movimentação das suas contas.

28. Em 27.11.2014, cerca das 14:30h, a responsável pelas averiguações da Ré, Dr.ª LL, o Inspector Chefe, MM, e o Gerente da Agência …, II, deslocaram-se ao KK, a fim de falar com a cliente CC.

29. A visita não foi permitida, por ordens da Administração da KK, tendo o Director de Operações, Dr. NN, e a Psicomotricista, Dra. OO, explicado que essa decisão se devia ao facto de a visita dos colegas da Agência de ..., em 21.11.2014, ter gerado muita perturbação/agitação à D. CC.

30. No final da reunião, no âmbito da qual foram prestadas as informações constantes dos pontos 16, 17, 18, 19, 20 e 21, relativas ao estado de saúde de CC e das rotinas desta, foi entregue uma carta da Ré, dirigida à Administração do KK, e subscrita pelo Inspetor Chefe, MM, através da qual foi solicitado o acesso à D. CC, a fim de a esclarecer sobre as razões pelas quais a Caixa entende ser necessário tomar medidas cautelares em relação ao seu património.

31. A Administração do KK veio a autorizar a realização de uma reunião entre a Dr.ª LL (funcionária da Ré responsável pelo processo de averiguações) e a cliente CC, que teve lugar na KK, em 01.12.2014, na presença de elementos da Administração da referida instituição, tendo a Dr.ª LL constatado que a mesma apresentava grande debilidade física e falta de memória.

32. A Dr.ª LL voltou a reunir com a cliente CC, na KK, em 20.02.2005, na presença de técnicos daquela instituição, no âmbito da qual lhe foi solicitado que tentasse escrever qualquer coisa, tendo esta apenas conseguido escrever o que consta da cópia de fls. 262 do Volume IV do processo disciplinar apenso, que se assemelha a “M…”.

33. Na sequência das averiguações desencadeadas pela Ré em 21.11.2014, motivadas pela transferência referida em 3) e pela comunicação referida em 8), esta procedeu, através da DAI, à análise da movimentação das contas da cliente CC, no período compreendido entre 01.01.2010 e 27.11.2014, tendo apurado os seguintes movimentos na conta à ordem nº … e na conta de depósitos a prazo nº ... (depósito nº 6), que a seguir se discriminam:

a) Em 20.11.2012, às 11:30 horas, na Agência da Ré no ... e no terminal a cargo da empregada, PP, foi requisitado, sobre a conta à ordem nº …, um livro de 5 cheques cruzados, com pedido de entrega na Agência de ...;

b) Em 21.12.2012, na Agência da Ré de ..., foi efectuada, no terminal a cargo do ex-empregado, QQ, a entrega do livro de 5 cheques acima referenciado, constituído pelos cheques nºs …, …, …, … e …;

c) Em 18.03.2013, às 10:24 horas, na Agência da Ré de ... e no terminal a cargo do aludido QQ, foi depositado, através do serviço “Depósito Expresso”, na conta nº …, titulada por RR, o cheque nº …, no valor de € 6.500,00, sacado sobre a conta nº …, titulada pela cliente CC, pertencente ao livro de 5 cheques referenciado na alínea a) precedente;

d) Em 10.05.2013, às 10:37 horas, na Agência da Ré de ... e no terminal a cargo da empregada nº …, SS, foi depositado na aludida conta nº …, titulada por TT, através do serviço “Depósito Expresso”, o cheque nº …, no valor de € 9.500,00, sacado sobre a conta nº …, titulada pela cliente CC, também pertencente ao livro de 5 cheques referenciado na alínea a), requisitado na Agência do ...;

e) Em 17.03.2014, às 15:04 horas, na Agência da Ré de ... e no terminal a cargo do empregado nº …, UU, foi depositado na conta nº …, titulada por TT, o cheque nº …, no valor de € 10.000,00, sacado sobre a aludida conta à ordem titulada pela cliente CC, também pertencente ao livro de cheques referenciado na alínea a) precedente;

f) Em 05.11.2014, às 12:30 horas, na Agência da Ré de ... e no terminal a cargo do aludido empregado UU, foi efectuado um levantamento, de € 75.000,00, em numerário, por débito da conta DP nº ..., depósito nº 6 (nº de via do título 2), titulada pela cliente CC.

34. A assinatura que consta do documento de requisição de cheques referida em 33 al. a), constante de fls. 102 do Volume I do processo disciplinar apenso, não apresenta o mesmo tipo de desenho de letras, o mesmo grau de inclinação, o mesmo espaçamento, nem o mesmo posicionamento da linha de base da escrita, que a assinatura da cliente CC que consta da ficha de assinaturas da conta à ordem nº …., cuja cópia se encontra a fls. 24 do volume I do processo disciplinar apenso.

35. O documento de quitação relativo à entrega do livro de 5 cheques referida em 33 b), constituído pelos cheques nºs ..., ..., …, … e … não foi encontrado.

36. Em 02.12.2014, a Ré, através da DAI, deu instruções à Agência … para cancelar os dois cheques que ainda se encontravam activos (nº ... e nº …), pertencentes ao livro de cheques referenciado no ponto 33 alínea a), por haver indícios de ter sido requisitado com recurso à falsificação da assinatura da titular da conta.

37. A assinatura de “saque” aposta no cheque referido no ponto 33 al. c), cuja cópia se encontra a fls. 114 do Volume I do processo disciplinar apenso, não apresenta o mesmo tipo de desenho de letras, o mesmo grau de inclinação, o mesmo espaçamento, nem o mesmo posicionamento da linha de base da escrita, que a assinatura da cliente CC que consta da ficha de assinaturas da conta à ordem nº …, cuja cópia se encontra a fls. 24 do volume I do processo disciplinar apenso.

38. A assinatura de “saque” aposta no cheque referido no ponto 33 al. d), cuja cópia se encontra a fls. 120 do Volume I do processo disciplinar apenso, não apresenta o mesmo tipo de desenho de letras, o mesmo grau de inclinação, o mesmo espaçamento, nem o mesmo posicionamento da linha de base da escrita, que a assinatura da cliente CC que consta da ficha de assinaturas da conta à ordem nº …., cuja cópia se encontra a fls. 24 do volume I do processo disciplinar apenso.

39. A assinatura de “saque” aposta no cheque referido no ponto 33 al. e), cuja cópia se encontra a fls. 129 do Volume I do processo disciplinar apenso, não apresenta o mesmo tipo de desenho de letras, o mesmo grau de inclinação, o mesmo espaçamento, nem o mesmo posicionamento da linha de base da escrita, que a assinatura da cliente CC que consta da ficha de assinaturas da conta à ordem nº …, cuja cópia se encontra a fls. 24 do volume I do processo disciplinar apenso.

40. As assinaturas que constam no documento de levantamento a que se refere o ponto 33 f), e na Declaração de Justificação, constantes de fls. 184 e 187, respectivamente, do Volume I do processo disciplinar apenso, em que o motivo aposto foi “Pagamento de Lar e Finanças”, não apresentam o mesmo tipo de desenho de letras, o mesmo grau de inclinação, o mesmo espaçamento, nem o mesmo posicionamento da linha de base da escrita, que a assinatura da cliente CC que consta da ficha de assinaturas da conta à ordem nº …, cuja cópia se encontra a fls. 24 do volume I do processo disciplinar apenso.

41. Dois dias antes do levantamento da quantia de 75.000,00, em 03.11.2014, o Autor efectuou as seguintes operações:

a) Às 12:14 horas, consultou o saldo da conta de depósitos a prazo nº ... e os movimentos do depósito nº 6;

b) Às 12:51 horas, consultou o saldo da conta à ordem nº …;

c) Às 12:52 horas, consultou, com recurso ao número da conta à ordem acima referenciada, a assinatura da cliente CC, através da transacção “CNTASS”;

d) Às 13:01 horas, inicializou um título do depósito nº 6 pertencente à conta de depósitos a prazo acima referenciados, através da emissão de uma segunda via, cancelando a cobrança da respectiva comissão;

e) Às 13:02 horas, volta a consultar o saldo da conta DP nº ....

42. Não foi encontrado documento subscrito pela titular da conta a solicitar a emissão da segunda via do título a que se reporta o ponto 41 alínea d).

43. No dia seguinte (04.11.2014), o Autor AA consultou a morada, os documentos de identificação e as intervenções da cliente CC (fls. 91 a 94, vol. III).

44. A Agência de ... não deu conhecimento à Agência ..., Balcão Gestor da cliente CC, dos movimentos a débito efectuados nas respectivas contas à ordem e de depósitos a prazo, correspondentes ao levantamento de € 75.000,00, em numerário, e da transferência de € 350.000,00 para o DD, apesar de, nesta última, o Autor ter mencionado no respectivo documento de suporte que foi dado conhecimento do movimento, via fax, à Agência de domicílio da conta e de ter comunicado ao subgerente JJ, quando questionado por este, que o tinha feito.

45. Em 10.05.2013, a empregada, SS, aceitou para depósito o cheque nº …, de € 9.500,00, sacado sobre a conta nº …, titulada pela cliente CC.

46. Em 17.03.2014, o empregado, UU, aceitou para depósito o cheque nº …, no valor de € 10.000,00, sacado sobre a conta à ordem titulada pela cliente CC.

47. Em 05.11.2014, às 12:30h, o empregado UU, a pedido do Autor, efectuou um levantamento de € 75.000,00, em numerário, por débito da conta DP nº ..., depósito nº 6, titulada pela cliente CC, que entregou ao Autor AA.

48. O empregado UU efectuou o levantamento dos € 75.000,00, em numerário, sem ter, pessoalmente, obtido, junto de dois elementos da Gerência, validação/autorização prévia para efectuar o pagamento.

49. A Gerência da Agência de ... tomou conhecimento da realização do levantamento de € 75.000,00 e da transferência, de € 350.000,00, para o DD, no próprio dia em que os mesmos ocorreram, no entanto, o conhecimento/sancionamento foi efectuado após a realização dos movimentos e não previamente como impõem as regras internas da Ré.

50. Os documentos de suporte das operações acima referenciadas encontram-se rubricados por: - Levantamento de € 75.000,00 e respectiva Declaração de Justificação: subgerentes JJ e VV; - Transferência de € 350.000,00 da conta DP para a conta à ordem associada: Subgerente JJ; -Transferência de € 350.000,00 para o DD: Subgerente JJ e Gerente XX.

51. Os três cheques, de € 6.500,00, € 9.500,00 e € 10.000,00, pertencentes ao livro que foi requisitado, na Agência do ..., foram depositados na conta nº …, titulada por RR, cozinheira/ajudante de cozinha.

52. TT procedeu ao levantamento das respectivas importâncias, em numerário, embora sem ser na sua totalidade, da seguinte forma: a) Após o depósito, em 18.03.2018, às 10:24h, do cheque nº …, de € 6.500,00: - 18.03.2013, às 11:22h, levantamento de € 2.000,00, na Agência de ... (0008);- 18.03.2013, às 11:49h, levantamento de € 4.441,52, na Agência de ... (0542); b) Após o depósito, em 10.05.2013, às 10:39h, do cheque nº …., de € 9.500,00: - 10.05.2013, às 11:29h, levantamento de € 4.000,00, na Agência de... (0542); - 11.05.2013, às 10:48h, levantamento de € 5.000,00, na Agência Loja … (0412); c) Após o depósito, em 17.03.2014, às 15:04h, do cheque nº …, de € 10.000,00: - 18.03.2014, às 11:30h, levantamento de € 9.700,00, na Agência de Nova ... (0542).

53. Os três cheques, de € 6.500,00, € 9.500,00 e € 10.000,00, foram depositados na conta de TT (os dois primeiros através do serviço Depósito Expresso e o terceiro directamente ao Balcão pela titular da conta) a pedido do Autor AA, que TT conheceu através da rede social “Facebook” e depois pessoalmente e que se apresentou com o nome ZZ.

54. Os levantamentos das verbas dos três cheques, descritos no ponto 52, foram efectuados por TT, durante a sua hora do almoço, a pedido do Autor AA, a quem entregou o dinheiro, e que a acompanhou até às Agências, aguardando no exterior das mesmas enquanto aquela efectuava os levantamentos.

55. Em 02.12.2014, cerca das 15.00 horas, teve lugar uma reunião, nas instalações da Agência de ..., em que estiveram presentes a responsável pelas averiguações, Dr.ª LL, a Gerente XX, a cliente TT e o companheiro desta, AAA.

56. Perante a exibição de várias fotografias de empregados da Ré, do sexo masculino, TT reconheceu a pessoa que conhecia como ZZ quando viu a fotografia do empregado AA.

57. Durante a reunião, o Autor AA foi chamado à mesma, tendo sido reconhecido presencialmente por TT como a pessoa que conhecia como ZZ e que lhe havia pedido para depositar os três cheques na sua conta e a quem entregou os respectivos valores.

58. O Autor (c 090897) efectuou, fora do âmbito das suas funções, as seguintes consultas à conta titulada por TT: a) Na Agência 0209 – ... (dia em que foi depositado, às 10.37 horas, na referida conta o cheque no valor de € 9.500,00): - 10.05.2013, às 09:34 horas: saldo da conta à ordem; - 10.05.2013, às 09:35h: contactos da cliente. b) Agência 0549 – ... (em 17.03.2014, segunda-feira, foi depositado, na referida conta, o cheque no valor de € 10.000,00): - 14.03.2014 (sexta-feira), às 12:55h: saldo da conta à ordem.

59. EE, titular da conta na qual foi creditada a transferência de € 350.000,00 a que se referem os pontos 3 e 4, abriu a respectiva conta, com o NIB …, domiciliada no DD, a pedido do Autor AA, que conhecia pelo nome de “AA” e como cliente do seu local de trabalho, a ... “...”, sita em ....

60. O Autor AA frequentava, como cliente, a ... “...” e em data não concretamente apurada, pediu a EE para utilizar a sua conta bancária a fim de efectuar uma transferência bancária.

61. EE acedeu ao pedido, tendo combinado com o ora Autor AA abrir uma conta bancária para efectuar a respectiva transferência e depois levantar o respectivo montante através de cheque a emitir à ordem dos CTT, o que fez.

62. Para o efeito abriu a conta bancária identificada no ponto 59 e forneceu ao Autor o respectivo NIB para o mesmo efectivar a transferência.

63. Efectuada a transferência dos 350.000,00 a que se refere o ponto 3 e 4, EE deslocou-se ao Banco, em 21.11.2014, solicitando, conforme instruções do ora Autor, a emissão de um cheque bancário, no mesmo montante, a favor dos CTT, que a entidade bancária emitiu e que esta entregou ao Autor, que aguardava no exterior da entidade bancária por esta.

64. No mesmo dia, EE foi contactada por um funcionário da Agência do DD de ..., alertando-a para a hipótese de a transferência em causa ser fraudulenta e aconselhando-a a proceder à devolução da mesma, o que esta veio a aceitar.

65. EE deu instruções por escrito ao Banco, em 24.11.2014, para cancelar o cheque nº …, de € 350.000,00, cuja emissão, a favor dos CTT, tinha solicitado, solicitou a devolução da transferência à procedência (conta da BB) por não lhe pertencer e autorizou a retenção de tal verba na sua conta até à efectivação da devolução.

66. Dias depois de EE ter entregue ao Autor o cheque bancário identificado em 63, este procurou-a e pediu-lhe para ir novamente à Agência do DD de ... para cancelar o cheque de € 350.000,00, que lhe entregou para o efeito, e efectuar a transferência do respectivo valor para outra conta bancária, cujo identificação (NIB) lhe forneceu através do documento cuja cópia se encontra a fls. 84 do Volume II, do processo disciplinar, titulada por BBB.

67. EE deslocou-se novamente à Agência do DD de ... entregou o cheque ao Banco, não tendo solicitado a transferência bancária que o Autor lhe havia solicitado, por já ter aceitado o aconselhamento do Banco para proceder à devolução do valor transferido à conta de origem.

68. Quando saiu do Banco, o Autor aguardava no exterior por ela, tendo-lhe esta comunicado que havia ordenado a devolução do valor de € 350.000,00 à conta de origem.

69. Em data não concretamente apurada mas não posterior a 24.11.2014, o Autor AA contactou o seu amigo BBB e pediu-lhe para que fosse efectuada uma transferência para a sua conta bancária e este acedeu ao pedido, facultando-lhe a respectiva identificação (…, PT …).

70. Mais tarde, em momento não concretamente apurado, o Autor contactou o seu amigo BBB dizendo-lhe que já não iria utilizar a sua conta bancária para a transferência de dinheiro.

71. Num contacto posterior com BBB, o Autor AA pedindo-lhe que em caso de vir a ser contactado sobre o assunto da transferência para a sua conta bancária para dizer que não o conhecia.

72. O Autor AA no período em que exerceu funções na Agência da Ré de ..., e posteriormente na agência de ..., efectuou várias consultas ao saldo e movimentos das contas da cliente CC, bem como à assinatura e documentos de identificação desta, em concreto, nas seguintes datas: - 03.11.2014; 04.11.2014; 05.11.2014;16.03.2011; 17.08.2012; 20.08.2012; 21.08.2012; 23.08.2012; 27.08.2012; 28.08.2012; 29.08.2012; 30.08.2012; 12.10.2012; 08.05.2013; 30.05.2014; 29.10.2014; 17.11.2014; 18.11.2014; 20.11.2014; 21.11.2014; 24.11.2014; 25.11.2014; 26.11.2014; 27.11.2014; 18.11.2014.

73. No âmbito das consultas referidas em 72, o Autor AA tomou conhecimento dos valores existentes nas contas bancárias da cliente CC.

74. Era do conhecimento do Autor que a cliente CC não tinha familiares conhecidos.

75. O documento denominado “Declaração de Justificação” relativo ao levantamento dos € 75.000,00, a que se reporta o ponto 33 al. f), inserto a fls. 187 do Volume I do processo disciplinar apenso, foi preenchido pelo Autor AA.

76. Em reunião realizada em 09.14.2014 nas instalações da Ré, promovida pela DAI, a titular da conta para a qual foi efectuada a transferência dos € 350.000,00, EE, reconheceu, com recurso à fotografia do Autor AA, cuja cópia se encontra a fls. 64 do Volume II do processo disciplinar apenso, ser esta a pessoa que lhe pediu o favor de receber a referida transferência na sua conta bancária e solicitar a emissão de cheque, no mesmo valor, à ordem os CTT.

77. O Autor AA fez seus os valores monetários identificados no ponto 52 (que haviam sido depositados na conta bancária titulada por TT e por esta levantados) bem como o valor de € 75.000,00 a que se reporta o movimento de levantamento referido em 33 f).

78. O Autor AA pretendia fazer sua a quantia de € 350.000,00 a que se reporta o movimento mobilização e transferência descritos nos pontos 3 e 4.

79. O Autor AA aproveitou-se da confiança que os colegas de trabalho nele depositavam para facilitar a realização dos movimentos bancários nas contas da cliente CC descritos, sem a observância, por aqueles, das regras internas implementadas na Ré de conhecimento/sancionamento dos movimentos monetários.

80. Através de e-mail enviado, em 21.11.2014, para a mail box DAI-Fraudes, cuja cópia se encontra a fls. 1 do Volume I do processo disciplinar apenso, o Gerente da Agência ..., II, deu conhecimento da mobilização parcial referida em 3 e da ordem da transferência referida em 4, e solicitou a análise, por parte da DAI (Direcção de Auditoria Interna), de tais movimentos.

81. A DAI (Direcção de Auditoria Interna) elaborou o relatório de inspecção constante de fls. 204 a 222 do Volume IV do processo disciplinar apenso.

82. Por deliberação de 29 de Abril de 2015, cuja cópia se encontra a fls. 201 do processo disciplinar (volume IV), o Conselho Delegado de Pessoal, Meios e Sistemas (CDPM), órgão no qual a administração da Ré delegou a competência disciplinar, decidiu instaurar procedimento disciplinar ao Autor AA.

83. Por carta registada com A/R, de 19 de Maio de 2015, que o Autor AA recebeu a 20 de Maio de 2015, foi este notificado de lhe ter sido instaurado um processo disciplinar por despacho do Conselho Delegado de Pessoal, Meios e Sistemas da BB, de 29 de Abril de 2015, tendo sido deliberado, pelo mesmo despacho, suspender preventivamente o Autor.

84. Juntamente com a carta referida em 83, foi enviada ao Autor AA a nota de culpa, cuja cópia se encontra a fls. 237 e seguintes do Volume IV do processo disciplinar apenso e cujo teor se dá por reproduzido, na qual a Ré afirma ser sua intenção proceder ao despedimento do Autor.

85. O Autor respondeu à nota de culpa nos termos constantes de fls. 280 e seguintes do Volume IV do processo disciplinar apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, requerendo a inquirição de seus pais, CCC e DDD e de UU, e o visionamento das imagens gravadas pelas câmaras de vigilância instaladas nas imediações do seu posto de trabalho.

86. Foram inquiridas as testemunhas arroladas na nota de culpa, que prestaram as declarações constantes de fls. 315, 318, 319, 320, 321, 323, 324 do Volume IV do processo disciplinar apenso, e as testemunhas arroladas pelo Autor na resposta à nota de culpa, que prestaram as declarações constantes de fls. 321, 328 e 330 do processo disciplinar apenso (Volume IV e V), nas datas constantes dos respectivos autos.

87. O Autor solicitou à Comissão Nacional de Protecção de Dados pedido de autorização de visionamento das imagens captadas pela BB, tendo a referida entidade emitido o projecto de deliberação constante de fls. 339 a 340 do Volume V do processo disciplinar apenso, datado de 10 de Agosto de 2015.

88. O Autor informou a Ré, em 13 de Agosto de 2015, do teor do projecto referido em 87 e de que não iria reagir ao mesmo.

89. Foi elaborado o relatório final cuja cópia se encontra a fls. 345 e seguintes do Volume V do processo disciplinar apenso, cujo teor se dá por reproduzido.

90. Em 27.08.2015 foi remetido à Comissão de Trabalhadores da BB, S.A. cópia integral do processo disciplinar para emissão de Parecer.

91. A Comissão de Trabalhadores da BB, S.A. emitiu o parecer constante de fls. 298 do processo disciplinar apenso (volume V).

92. A Comissão executiva da Ré, deliberou, em 16 de Setembro de 2015, aplicar ao Autor AA a pena disciplinar de despedimento sem qualquer indemnização ou compensação.

93. O Autor foi notificado da decisão referida em 94, através de carta registada com a/R, datada de 21 de Setembro de 2015, que este recebeu em 23 de Setembro de 2015.

94. O Autor tem dois filhos, EEE e FFF, nascidos, respectivamente, em … de …de 20… e … de … de 2015.

95. Aquando do nascimento do filho FFF, o Autor requereu à Segurança Social a atribuição do subsídio de proteção social na parentalidade, nos termos constantes de fls. 204 dos autos.

96. Por carta datada de 1 de Abril de 2015, o Autor, requereu também, juntamente com a sua companheira, à Ré a concessão da licença parental inicial, na qualidade de pai, nos períodos de 30.03.2015 a 13.04.2015, de 14.04.2015 a 27.04.2015 e de 24.08.2015 a 22.09.2015.

97. Após ter solicitado ao Autor documento comprovativo do nascimento, a Ré, por carta datada de 20 de Abril de 2015 comunicou ao Autor que “nos termos da legislação em vigor, lhe foi autorizado o gozo de 10 dias úteis de gozo obrigatório de licença parental exclusiva, no período de 30/03/2015 a 13/04/2015, bem como o gozo de 10 dias úteis de gozo facultativo no período de 14/04/2015 a 27/04/2015. Foi, igualmente, autorizado o gozo de 30 dias de licença parental inicial de 24/08/2015 a 22/09/2015”.

98. O Autor é sócio do STEC – Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo BB.

De Direito

A primeira questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se era necessário no caso vertente que o empregador solicitasse parecer prévio à CITE, sob pena de ilicitude do despedimento, face ao disposto no artigo 63.º n.º 1 do CT.

Tratou-se do despedimento de um trabalhador que foi pai e gozou um segmento da licença parental antes do início do procedimento disciplinar, tendo gozado um segundo segmento depois de concluída a instrução. A decisão de despedimento foi tomada quando estava no gozo da segunda parte da licença, mas só lhe foi comunicada (e, portanto, o despedimento só se tornou eficaz) quando já tinha regressado do gozo da licença. Nesta situação poderá dizer-se que o trabalhador foi despedido “durante o gozo de licença parental inicial” para efeitos de aplicação do artigo 63.ª n.º 1 do CT?

A 1.ª instância respondeu negativamente, sublinhando que o Autor foi despedido em um momento em que já não estava no gozo da licença parental, entendimento aliás igualmente sufragado pelo douto Parecer do Ministério Público, junto aos autos neste Tribunal.

O Acórdão recorrido divergiu, afirmando que se tal entendimento prevalecesse “constituiria um modo de a entidade empregadora se furtar ao cumprimento da sua obrigação legal” e sublinhando que tanto a elaboração do Relatório final enviado à Comissão de Trabalhadores a 27 de agosto de 2015, como a própria decisão de despedir tomada pela Ré, em 16 de Setembro de 2015, ocorreram quando o trabalhador se encontrava no exercício efetivo do direito ao gozo da licença parental, pelo que se deveria considerar que o despedimento teve lugar durante o gozo da licença pelo trabalhador, sendo, por conseguinte, necessário o pedido de parecer prévio à CITE, sob pena de ilicitude do despedimento.

A questão colocada, respeitando à intervenção preventiva da CITE através da elaboração do referido parecer e à interpretação da lei quando se reporta a um despedimento de trabalhador “no gozo de licença parental”, exige que previamente se aclare a sua teleologia e história. Relativamente a esta última, aliás, há que ter presente que a intervenção da CITE se processou inicialmente no âmbito da tutela da maternidade, para só depois abranger a proteção do trabalhador pai, no que hoje o legislador designa por proteção na parentalidade (artigo 35.º do CT e, mais genericamente, toda a Subsecção IV do Capítulo I do Título II do Livro I do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009).

A proteção da maternidade não é um tema recente em Direito do Trabalho, como demonstra o facto de uma das primeiras Convenções da OIT, a Convenção n.º 3, lhe ter sido dedicada há quase um século (mais precisamente em 1919). Conheceu, no entanto, uma significativa expansão, nas suas várias vertentes (segurança e saúde da trabalhadora, tutela contra o despedimento e, em geral, contra os tratamentos discriminatórios), passando a incorporar uma faceta preventiva, muito particularmente por influência do direito europeu. Aliás, e como recentemente decidiu o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, processo C-103/16, GGG c. HHH SA e outros, a correta transposição do artigo 10.º da Diretiva 92/85/CEE impõe uma tutela preventiva das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, não se bastando com uma tutela reparadora, mesmo que esta última conduza à reintegração da trabalhadora despedida e ao pagamento dos salários não recebidos em virtude do despedimento.

 Esta tutela preventiva está assegurada pela nossa legislação, tendo sido, estendida ao trabalhador pai que exerce os seus direitos em matéria de parentalidade.

Já a Lei n.º 17/95 de 9 de Junho introduziu na Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, um novo artigo, o artigo 18.º-A, cujo n.º 1 estabelecia que “a cessação do contrato de trabalho promovida pela entidade empregadora carece sempre, quanto às trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, de parecer favorável dos serviços do Ministério do Emprego e da Segurança Social com competência na área da igualdade”[1]. Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 332/95, de 23 de Dezembro, veio, no n.º 1 do seu artigo 30.º, esclarecer que “é competente para emitir o parecer prévio ao despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, nos termos do artigo 18.º-A da Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego”. A necessidade deste Parecer prévio foi reafirmada no artigo 53.º do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, tendo sido feita a exigência de Parecer, relativamente ao trabalhador pai, pela Lei n.º 35/2004 de 29 de Julho, que regulamentou a mencionada Lei n.º 99/2003. Com efeito, a Lei n.º 35/2004 – a qual, de resto, também transpôs a Directiva 76/207/CEE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2002/73/CE – mais precisamente o n.º 4 do seu artigo 98.º, afirmou que “o pai tem direito, durante o gozo da licença por paternidade, à mesma proteção no despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante”[2].

O Código do Trabalho atualmente em vigor adotou, como é sabido, uma outra linguagem – falando agora de parentalidade e de licenças por parentalidade – com o recurso a uma terminologia que tem sido, de resto, objeto de críticas, por uma parte da doutrina. Com efeito, e como refere MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, não só o termo “parentalidade” pode revelar-se algo infeliz porque na língua portuguesa parentes não são apenas os progenitores, como, e sobretudo, “porque introduz uma confusão considerável na designação e na identificação das várias licenças associadas à maternidade e à paternidade que a lei contempla”[3]. E mesmo que a expressão se possa dever ao reforço da igualdade de género, “a gravidez e o parto são fenómenos exclusivamente femininos”[4].

No direito da União Europeia há uma clara diferenciação entre a licença de maternidade e a licença parental. Basta ler algumas das considerações preliminares da Diretiva 92/85/CEE do Conselho de 19 de Outubro de 1992, para disso tomar consciência. Aí se afirma, com efeito, que “as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes devem ser consideradas, sob diversos pontos de vista, como um grupo sujeito a riscos específicos” e que “o risco de serem despedidas por motivos relacionados com o seu estado pode ter efeitos prejudiciais no estado físico e psíquico das trabalhadoras grávidas, lactantes e puérperas” (considerando 15.º). Em conformidade, no seu Acórdão de 19 de setembro de 2013, processo C-5/12, Marco Betriu Montull c. Instituto Nacional de la Seguridad Social, o Tribunal de Justiça admitiu que a licença de maternidade pode ser partilhada com o pai, mas destacou que a trabalhadora grávida, lactante e puérpera se encontra em uma “situação específica de vulnerabilidade” e que a licença de maternidade se destina “a assegurar, por um lado, a proteção da condição biológica da mulher durante e após a sua gravidez e, por outro, a proteção das relações especiais entre a mulher e o seu filho durante o período subsequente à gravidez e ao parto, evitando que essas relações sejam perturbadas pela acumulação de encargos resultantes do exercício simultâneo de uma atividade profissional”. E coerentemente o Tribunal de Justiça, no seu recente e já mencionado Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, destacou também que a tutela preventiva contra o despedimento das trabalhadoras grávidas, lactantes e puérperas “reveste uma importância específica no âmbito da Diretiva 92/85”.

Focando agora o direito português vigente, importa atender ao artigo 63.º n.º 1 do CT o qual estabelece que “o despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental carece de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres” e à alínea d) do artigo 381.º do CT que prevê a ilicitude do despedimento por iniciativa do empregador “[e]m caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres”. Sublinhe-se que esta última norma reserva a cominação da ilicitude do despedimento para as situações em que não é solicitado o parecer prévio da CITE tratando-se de despedimento de trabalhador que tenha lugar durante o gozo de licença parental inicial e apenas desta.

Como se vê, a trabalhadora mãe é protegida sempre que esteja grávida, nos 180 dias posteriores ao parto e enquanto estiver a amamentar, desde que tais situações sejam comunicadas ao empregador ou este delas tenha conhecimento, esteja ou não no gozo de uma licença. Fora dessas situações, a mãe terá esta proteção se estiver no gozo de uma licença, o mesmo valendo quanto ao pai que esteja igualmente no gozo de uma licença. Enquanto a gravidez, o estado de puérpera e a própria amamentação são situações por assim dizer contínuas, o gozo da licença pode ser interrompido ou fraccionado, como sucedeu no caso dos autos.

Um aspeto que importa sobremaneira ter presente é que a lei exige o parecer prévio relativamente a trabalhadores que sejam despedidos no gozo da licença parental, sendo que, como referimos, a ilicitude do despedimento por falta do pedido de parecer prévio da CITE só ocorre se o trabalhador for despedido durante o gozo de licença parental inicial. A letra da lei inequivocamente não abrange situações em que o trabalhador despedido o seja, por exemplo, quando já está ao serviço, depois de ter regressado do gozo de uma licença parental, mesmo que inicial, que já findou. Dir-se-ia, no entanto, que também nesta situação há o risco de represálias pelo exercício de direitos constitucionalmente consagrados. E, aliás, o próprio direito da União Europeia visa proteger, não apenas os trabalhadores que estão no gozo de licença parental, mas também aqueles que a pediram[5] (e por hipótese até já a gozaram). Mas o legislador nacional não sentiu necessidade de estender a proteção especial prevista no artigo 63.º n.º 1 do CT a essas situações, porventura porque a proteção geral acordada aos trabalhadores no caso de despedimento disciplinar é já muito intensa, e mesmo uma das mais intensas ao nível do direito comparado e atendendo ao que o próprio Tribunal de Justiça tem exigido nesta sede[6]: assim, não só cabe sempre ao empregador o ónus da prova da existência de justa causa, como a ilicitude do despedimento acarreta, em princípio, o direito à reintegração e se o despedimento, ou outra sanção disciplinar, se ficar a dever, na realidade, ao exercício de direitos conexos com a parentalidade, constituirá uma sanção abusiva para efeitos da aplicação do artigo 331.º, mormente do seu n.º 4. Aliás, o regime “comum” de proteção já é tão intenso que se pode questionar da utilidade prática do artigo 63.º, n.º 2, como entre nós sublinha, por exemplo, GUILHERME DRAY[7].

Portanto, e em suma, o trabalhador pai[8] que tenha terminado o gozo de licença parental e tenha regressado ao serviço não goza da especial tutela do artigo 63.º do CT, ainda que exista, também nesta situação, um risco de ser despedido (ou de outro modo sancionado ou prejudicado) por ter exercido os seus direitos em matéria de parentalidade. Assim, se a lei exige para que o artigo 63.º do CT seja aplicável que o despedimento ocorra durante o gozo da licença parental é porque visa, não apenas combater o risco de discriminação que existe em outras situações, mas uma especial vulnerabilidade em que o trabalhador se encontra durante o referido gozo de tal licença. Acresce que importa ter presente que quando seja legalmente necessário solicitar o parecer à CITE, tal parecer deve ser solicitado, de acordo com a lei, “depois das diligências probatórias referidas no n.º 1 do artigo 356.º, no despedimento por facto imputável ao trabalhador” (alínea a) do n.º 3 do artigo 63.º). O legislador poderia simplesmente ter estabelecido que o pedido teria que ser realizado antes da tomada de decisão, mas esclareceu que, no despedimento por motivo disciplinar, o momento procedimentalmente adequado para pedir o parecer é o momento em que estão concluídas as diligências probatórias (designadamente também as solicitadas pelo próprio trabalhador). Tal corrobora que o legislador foi sensível, outrossim, à especial vulnerabilidade em que o trabalhador se encontra no próprio procedimento disciplinar, por se encontrar no gozo da licença, vulnerabilidade que se reflete sobretudo na fase da defesa do trabalhador. O gozo da licença nessa fase implica que o trabalhador está ocupado e empenhado em outras funções sociais de enorme relevância, o que pode perturbar a sua disponibilidade e capacidade para uma defesa adequada no próprio procedimento disciplinar. A intervenção da CITE, que analisará a motivação aduzida, mas também a prova produzida, para verificar se existe um risco de que, por detrás das alegações apresentadas pelo empregador na nota de culpa, se esconda uma verdadeira intenção de prejudicar o trabalhador pelo exercício dos direitos que a lei lhe atribui em matéria de parentalidade, justifica-se por aquela especial vulnerabilidade em que se encontra o trabalhador que pode prejudicar a qualidade da sua defesa. Consequentemente, o que deve ser decisivo é saber se o trabalhador esteve ou não no gozo da licença até ao momento em que se concluem as diligências probatórias, momento em que legalmente se deve pedir o referido parecer à CITE. Se o gozo da licença é posterior à fase da instrução tal parecer não é necessário – o trabalhador não foi em nada prejudicado no exercício da sua defesa pelo gozo de uma licença parental e beneficiará da tutela que a lei concede aos trabalhadores que sejam alvo de um procedimento disciplinar (como ocorre também com aqueles trabalhadores relativamente aos quais o procedimento só se inicie após terem regressado do gozo da licença parental).

Atentemos agora à cronologia dos factos no caso dos autos:

No presente caso o Autor foi pai a 27 de março de 2015 (ponto 94 dos factos assentes), tendo requerido à Ré, conjuntamente com a sua companheira, a concessão de licença parental inicial, na qualidade de pai, de 30 de março de 2015 a 13 de abril de 2015, de 14 de abril de 2015 a 27 de abril de 2015 e de 24 de agosto de 2015 a 22 de setembro de 2015 (ponto 96 dos factos assentes), tendo-lhe sido comunicado pelo empregador que: “Nos termos da legislação em vigor, lhe foi autorizado o gozo de dez dias úteis de gozo obrigatório de licença parental exclusiva, no período de 30/03/2015 a 13/04/2015, bem como o gozo de dez dias úteis de gozo facultativo no período de 14/04/2015 a 27/04/2015. Foi, igualmente, autorizado o gozo de 30 dias de licença parental inicial de 24/08/2015 a 22/09/2015” (ponto 97 dos factos assentes).

Face ao disposto no artigo 43.º n.º 1 e n.º 2 do CT quanto à duração da licença exclusiva do pai, há que concluir que o período de 24/08/2015 a 22/09/2015 corresponde a um período de licença parental inicial[9], como, de resto, consta da resposta do empregador. A licença parental inicial pode ser gozada simultaneamente em certos períodos (n.º 2 do artigo 40.º) e pode ser partilhada pela mãe e pelo pai, sendo que “em caso de partilha do gozo da licença, a mãe e o pai informam os respetivos empregadores, até sete dias após o parto, do início e do termo dos períodos a gozar por cada um, entregando, para o efeito, declaração conjunta” (n.º 5 do artigo 40.º do CT). Quando, por força do acordo de partilha, um dos progenitores, por exemplo a mãe, esteja no gozo da licença, e o outro, o pai, a trabalhar não se pode, como é evidente, dizer que este último esteja no gozo da licença. No caso vertente, por conseguinte, o Recorrido esteve no gozo da licença parental exclusiva do pai (a qual, em rigor, não é classificada como licença inicial) até 27/04/2015, tendo cessado esse período de gozo e reiniciado a prestação de trabalho, sendo que o gozo da licença parental inicial só terá começado a 24/08/2015 e terá findado a 22/09/2015.

A Ré decidiu instaurar procedimento disciplinar ao Autor por deliberação datada de 29 de abril de 2015 (facto n.º 82). Por carta registada datada de 19 de maio de 2015 (e que o Autor recebeu a 20 de maio de 2015) a Ré notificou o Autor de que lhe havia sido instaurado um procedimento disciplinar, tendo procedido ao envio da nota de culpa com comunicação da intenção de despedir e, simultaneamente, à suspensão preventiva do trabalhador (factos n.º 83 e n.º 84). Procedeu-se depois a uma série de diligências probatórias, tendo sido pedido parecer à Comissão de Trabalhadores a 27/08/2015, que o emitiu (factos 85 a 91). A Comissão executiva da Ré deliberou em 16 de setembro de 2015 aplicar ao Autor a pena disciplinar de despedimento sem qualquer indemnização ou compensação (facto 92) e o Autor foi notificado dessa decisão (por lapso no Acórdão recorrido menciona-se a decisão referida em 94) por carta registada com aviso de receção datada de 21 de setembro de 2015 e que o Autor recebeu a 23 de setembro de 2015.

Por conseguinte, no caso vertente, o trabalhador despedido não estava a gozar a licença parental quando o procedimento disciplinar teve início. Com efeito, quer se considere que o procedimento disciplinar teve início com a nota de culpa, quer, como defende um segmento da doutrina, com a decisão de instaurar o procedimento disciplinar[10], a verdade é que a licença parental do Autor findara a 27/04/2015 e que a deliberação de instaurar o procedimento disciplinar foi tomada a 29/04/2015 e a nota de culpa chegou ao poder do Autor a 20/05/2015. E não esteve no gozo da licença parental durante todo o período de resposta à nota de culpa e até à conclusão das diligências probatórias (sendo que o Relatório final elaborado pelo empregador não é uma diligência probatória). Ora, sendo certo que o pedido de emissão de parecer à CITE pode ser realizado antes de obtido o parecer dos representantes dos trabalhadores (neste caso da Comissão de Trabalhadores), a conclusão das diligências probatórias face aos factos 86, 87 e 88, ocorreu antes de o trabalhador entrar no gozo (ou regressar ao gozo) da licença parental.

Assim sendo, há que concluir, face ao atrás exposto, que não é necessário o pedido de parecer prévio à CITE e o despedimento ocorrido não é ilícito por este motivo.

No seu recurso o Recorrido veio pedir a ampliação do objeto do recurso defendendo que “devem ser eliminados da matéria de facto provada os factos constantes dos números 53, 54, 59, 60, 61, 62, 63, 66, 67, 68, 77, 78 e 79” (n.º 61 das Conclusões). Não sendo este Supremo Tribunal uma 3.ª instância – cfr. Acórdão do STJ de 16/11/2016 (OLIVEIRA RAMOS, processo 06B3346) – e prevendo a lei apenas um grau de recurso no julgamento da matéria de facto, “não cabe (…) no âmbito do recurso de revista analisar a apreciação que as instâncias fizeram relativamente à prova testemunhal, pericial, ou outra que esteja igualmente sujeita ao princípio da livre apreciação da prova”, como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/02/2015 (MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA, processo 3194/08.3TBPTM.E1.S1.), não se verificando a situação excecional a que se referem os artigos 674.º n.º 3 e 682.º n.º 2 parte final.

Considerando, no entanto, que o recurso de apelação em sede de matéria de facto do Autor não foi conhecido pelo Tribunal da Relação que o considerou prejudicado pela decisão que tomou – e que agora se revoga – no sentido da ilicitude do despedimento, porque seria necessário parecer prévio da CITE, há que mandar baixar o processo ao Tribunal da Relação para que tal recurso seja conhecido, tanto mais que o artigo 665.º do CPC não é, no essencial, aplicável ao recurso de revista (cf. artigo 679.º CPT). Só depois do julgamento do recurso em matéria de facto é que será possível apurar se existiu, ou não, justa causa para o despedimento realizado pela Ré.

No seu recurso, por seu turno, o empregador suscitou uma nulidade por omissão de pronúncia do Acórdão recorrido, mais precisamente não se ter o Acórdão recorrido, como devia, face à disposição do n.º 4 do artigo 387.º do CT, pronunciado quanto à verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento, apesar de ter declarado ilícito o despedimento por entender existir um vício formal.

Como este Supremo Tribunal decide pelo presente Acórdão, ao invés, pronunciar-se pela desnecessidade de aviso prévio no caso dos autos, revogando nessa parte o Acórdão recorrido, a questão da referida nulidade fica prejudicada, além de ser agora inútil e, portanto, abrangida pela proibição de prática pelos Tribunais de atos inúteis (artigo 130.º do CPC). Por outro lado, a absolvição do Autor da acusação de litigância de má fé foi apresentada pelo Tribunal da Relação como mero corolário da decisão que agora se revoga, devendo o Tribunal da Relação pronunciar-se também sobre ela.

Decisão: Concedida a Revista, revogando-se o Acórdão recorrido na parte em que decidiu que o despedimento era ilícito por não ter sido precedido de pedido de parecer prévio da CITE e em que, consequentemente, absolveu o Autor da acusação de litigância de má fé, ordenando-se que o processo baixe ao Tribunal da Relação para que proceda ao julgamento do recurso interposto pelo Autor em matéria de facto e decida, depois, de direito face à matéria de facto apurada.

Custas da Revista pelo Autor.

Lisboa, 6 de Junho de 2018

Júlio Gomes (Relator)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

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[1] Posteriormente, com a nova numeração introduzida pela Lei n.º 142/99, de 31 de Agosto, passou a ser o artigo 24.º
[2] Sobre a história da legislação portuguesa nesta matéria cfr. VIRGÍLIA FERREIRA/ROSA MONTEIRO, Trabalho, Igualdade e Diálogo Social, Estratégias e desafios de um percurso, CITE, Lisboa, 2013, pp.77 e ss.
[3] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, parte II, Situações Laborais Individuais, Almedina, Coimbra, 6.ª ed., 2016, n. 250, p. 375.
[4] ANA LAMBELHO/LUÍSA ANDIAS GONÇALVES, Manual de Direito do Trabalho, Da teoria à prática, Coimbra Editora, 2014, p. 290.
[5] A Directiva 2010/18/EU do Conselho de 8 de Março de 2010, que transpõe o Acordo Quadro revisto sobre licença parental celebrado entre a BUSINESSEUROPE, a UEAPME, o CCEP e a CES refere na Cláusula 5.ª n.º 4 do Acordo-Quadro a que dá aplicação que “[a] fim de garantir que os trabalhadores possam exercer o seu direito à licença parental, os Estados-Membros e/ou os parceiros sociais tomam as medidas necessárias para proteger os trabalhadores contra um tratamento menos favorável ou despedimento com fundamento no pedido ou no gozo da licença parental, nos termos da legislação, das convenções colectivas e/ou das práticas nacionais”. O legislador português não sentiu necessidade de transpor formalmente esta Directiva possivelmente por acreditar que o actual nível de proteção legislativa concedida em geral aos trabalhadores já era suficiente para realizar esse escopo, como faz notar MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, no Relatório sobre Portugal, in The Implementation of Parental Leave Directive 2010/38 in 33 European Countries, Coord. por Maria do Rosário Palma Ramalho, Petra Foubert, Susanne Bourri, European Network of Legal Experts in the Field of Gender Equality, 2015, p. 186.
[6] No Acórdão do TJ de 27 de fevereiro de 2014, Processo C-588/12, Lyreco Belgium NV contra Sophie Rogiers, decidiu-se que a cláusula 2 n.º 4 do Acordo-Quadro sobre a licença parental celebrado em 14 de Dezembro de 1995 que figura em anexo à Directiva 96/34 deve ser interpretada à luz dos objetivos prosseguidos pelo Acordo-Quadro e pelo n.º 6 da mesma cláusula no sentido de que se opõe a que a indemnização fixa de proteção devida ao trabalhador que goza uma licença parental a tempo parcial, em caso de rescisão unilateral pela entidade patronal, sem justa causa ou sem motivo suficiente do contrato de trabalho celebrado com esse trabalhador por tempo indeterminado e a tempo inteiro seja determinada com base na remuneração reduzida auferida por este à data do seu despedimento. Note-se, contudo, que no número de margem 37 se afirma que a atribuição ao trabalhador em complemento da indemnização devida por motivo da rescisão do seu contrato de uma indemnização fixa de proteção igual a 6 meses de remuneração poderia ser incluída nas medidas necessárias para proteger os trabalhadores contra o despedimento com fundamento no pedido ou no gozo da licença parental. Parece que para o Tribunal seria suficiente se tivesse sido calculada com base na remuneração auferida a tempo completo.
[7] GUILHERME DRAY, Anotação ao artigo 63.º do Código do Trabalho, Código do Trabalho Anotado, PEDRO ROMANO MARTINEZ e outros, Almedina, 11.ª ed., Coimbra, 2017, p. 236: “eventualmente o regime de favor em apreço é mais aparente do que efetivo”.
[8] Ou mãe, desde que não esteja grávida, nem seja lactante ou puérpera.
[9] De acordo com o artigo 39.º do CT a licença parental compreende as seguintes modalidades (sem prejuízo de outras licenças previstas nos artigos 51.º e seguintes que não relevam para o caso dos autos): licença parental inicial; licença parental inicial exclusiva da mãe; licença parental inicial a gozar pelo pai por impossibilidade da mãe; e licença parental exclusiva do pai.
[10] Neste sentido cfr., por todos, PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 4.ª ed. revista e atualizada, Cascais, 2017, p. 198.