Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15189/02.6.DLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/29/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: DENEGADA A REVISÃO
Sumário :
I - O recurso de revisão, previsto no art. 449.° do CPP, assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigência da justiça. Trata-se de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta (aparentemente injusta) que essa própria paz jurídica ficaria posta em causa – cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 04-07-2007, Proc. n.º 2264/07 - 3.ª.
II - Na revisão pro reo, prevista na al. d) do art. 449.º, n.º 1, do CPP, o êxito do recurso fica dependente de «se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per se ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação». O que significa, desde logo, que a estabilidade do julgado se sobrepõe à existência de uma mera dúvida sobre a justiça da condenação: pode existir dúvida sem que se imponha a revisão da sentença. A dúvida sobre determinado ponto pode, assim, coexistir, e coexistirá muitas vezes com o julgado, por imperativo de respeito pelos valores de certeza e de estabilidade.
III - A dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste. E, se assim é, não será uma indiferenciada “nova prova” ou um inconsequente “novo facto” que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada.
IV - Hão-de, também, esses novos factos e (ou) provas, assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida que hão-de guarnecer e que constitui a essência do pressuposto da revisão em apreço. Há-de, pois, tratar-se de “novas provas” ou “novos factos” que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e (ou) relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.
V - Por outro lado, a existência de factos ou meios de prova novos tem de ser entendida no sentido de que, à data do julgamento, deles o arguido não tinha conhecimento ou não os podia apresentar – cf. Ac. STJ de 09-04-2008, Proc. n.º 675/08 - 3.ª.
VI - Ora, em concreto, o recorrente limita-se a questionar a validade probatória ou valoração de provas já existentes à data da decisão recorrida, sendo que uma delas – o reconhecimento por fotografia em inquérito – nem sequer foi considerada como fundamento da decisão. Impõe-se, pois, a denegação da revisão.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Nos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, supra referenciados, das Varas Criminais de Lisboa, o condenado AA, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso extraordinário de revisão de sentença, ao abrigo do disposto nos artigos 449º nº 1, alíneas d) e e) do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007 de 29/8, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - Por parecer datado de 6 de Outubro de 1977, emitido pelo Conselho Médico - Legal de Coimbra, proferido no âmbito dos Autos de Querela nº 73/76, que correram termos no 1º Juízo, 2º Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, o arguido, ora recorrente, foi declarado inimputável;
2ª - Reza tal parecer, designadamente a fis. 3, que «( ... ) estamos perante uma personalidade anormal, do tipo psicopatia, verificando-se uma tendência para a reincidência e certa habitualidade dos seus actos delinquentes. Embora o examinado pareça ter a noção da ilicitude e punibilidade dos seus actos, não parece valorizar o carácter reprovável dos mesmos»;
3ª - Concluindo tal parecer ser o recorrente portador de psicopatia (sublinhado nosso);
4ª - Facto que, por ser objectiva e substantivamente novo, cabe no âmbito do definido no are 449º n° 1, alínea d) do C. P. Penal e é, como tal, susceptível de ser invocado para apreciação, no presente recurso extraordinário de revisão de sentença.
5ª - O conceito actual de psicopatias refere-se a um transtorno caracterizado por actos anti-sociais contínuos e, principalmente, por uma inabilidade em seguir normas sociais em muitos aspectos do desenvolvimento da adolescência e da vida adulta (sublinhado nosso);
6ª - Sublinhe-se que os portadores deste transtorno, não apresentam quaisquer sinais de anormalidade mental - alucinações, delírios, ansiedade excessiva, etc ... -, o que toma muito difícil o reconhecimento desta condição;
7ª - O Prof. Dr. Figueiredo Dias (in Direito Penal- Parte Geral, Tomo I - Coimbra Editora 2004, pp 532), define as psicopatias como «peculiaridades do carácter devidas à própria disposição natural e que afectam de forma sensível, a capacidade de levar uma vida social ou de comunicação normal»;
8ª - No caso em apreço, foi diagnosticada ao recorrente tal doença, no relatório médico-legal efectuado e confirmada no parecer emitido pelo Conselho Médico-Legal de Coimbra, reunido em pleno;
9ª - Fazendo-se uma análise atenta do percurso criminal do recorrente, verifica-se que o mesmo só praticou ilícitos desta natureza ou de natureza idêntica, o que indicia além da suficiência, a existência, na sua personalidade, de uma disfunção grave que se prende com a referida inabilidade para seguir regras sociais, sintoma evidente, da psicopatia de que padece;
10ª - De acordo com os ensinamentos do Prof. Dr. Figueiredo Dias (ob. cit., pp 526), «a inimputabilidade constitui, mais do que uma causa de exclusão, verdadeiramente um obstáculo à determinação da culpa»;
11ª - É para a problemática da culpa que se remete, porque se não há pena sem culpa, os inimputáveis não podem ser punidos, mesmo que imperativos de prevenção o exigissem;
12ª - Decorrência directa do disposto no artigo 40 n° 2 do Código Penal sem admitir qualquer tipo de derrogações, já que, estabelecendo-se que a pena tem a culpa como limite, onde esta inexiste não haverá lugar a punição;
13ª - No caso em apreço e face ao acima expendido e à concreta situação do recorrente, deve existir, pelo menos a possibilidade de se dever saber qual a verdadeira extensão da sua inimputabilidade, já declarada por um Tribunal, apenas e só, sem que tenha sequer ordenado o seu tratamento;
14ª - Ou seja, o mal que então dominava o recorrente não foi tratado e, por isso, permanece na sua personalidade e no seu percurso posterior;
15ª - Impõe-se, na modesta opinião do recorrente, dada a actual tendência da legislação para admitir a psicopatia, conferindo-lhe o estatuto de doença, para efeitos de irresponsabilização ou, pelo menos, de atenuação da pena e adopção de medidas de tratamento, que, pelo menos, o recorrente seja objecto de avaliação psiquiátrica;
16ª - Já que, conforme se lê na, aliás douta, sentença constante da certidão que se junta, ( ... ), «uma pessoa só pode ser responsável criminalmente pela prática de um facto, desde que, a par de o haver cometido, qualquer que seja a sua forma de comparticipação, se possa afirmar também a existência do que é vulgar designar-se por causalidade psíquica»;
17ª - E continua dizendo que «para se poder punir alguém pela prática de um facto, indispensável é que ele se possa "lançar à sua conta" (Da lnimputabilidade Penal do Direito Português, pág. 27, de José dos Santos Silveira). Se o facto não poder haver-se como o resultado de uma actividade livre e consciente, por o seu autor não disfrutar da necessária capacidade de querer e entender e da possibilidade de se determinar de harmonia com essa capacidade, jamais se poderá responsabilizar o agente que o leva a cabo»;
18º - Ainda segundo o douto aresto, de entre as causas susceptíveis de poder levar à exclusão da imputabilidade se contam as doenças mentais ou psicoses e as personalidades anormais, subdividindo-se estas últimas em dois grupos, dependendo do campo em que a anormalidade se faz sentir. Assim temos o grupo dos débeis mentais, no qual aquela se faz sentir sobre a inteligência e o dos psicopatas, desenvolvendo-se e afectando aquela, os domínios afectivo e volitivo;
19ª - É precisamente neste último campo que tal doença afectou e afecta a personalidade do arguido ora recorrente, que é possuidor de um desvio (doença), que é necessário reparar.
20ª - Constituindo preocupação central a cura da doença, como aliás resulta do direito à saúde, consagrado constitucionalmente - art° 64° CRP -, afigura-se que aos peritos médicos deve caber papel decisivo, já que o inimputáve1 é insusceptível de um juízo de culpa, ou seja, trata-se de alguém que não pode nem deve ser responsabilizado pelo acto que cometeu.
21ª - De acordo com o art° 20 do C. Penal de 1982 (que veio substituir o art 26° do C. Penal de 1886), designadamente com o seu nº 1, a inimputabilidade surge como impossibilidade de avaliar a ilicitude ou de se determinar de acordo com essa avaliação, sendo que as consequências dessa impossibilidade se extraem através da conjugação dos art°s 40°, nºs 2 e 3 e 91, todos do referido Diploma Legal.
22ª - Face ao até aqui expendido, resulta à saciedade que o arguido, ora recorrente, tendo já sido declarado inimputável, por decisão proferida por um Tribunal, não foi submetido a qualquer espécie de tratamento que mitigasse, ou até pusesse fim, ao distúrbio de personalidade de padece e as consequências são devastadoras, observando-se, a partir daí, que tal desvio de personalidade o levou a uma vida de crimes e a todas as consequências que daí advieram e continuam a advir para si e para a sua família.
23ª - Urge, por isso, pôr fim a esta situação, sendo necessário que o recorrente seja avaliado psiquicamente, em termos de personalidade e tratado, como aliás impõem o respeito pela dignidade humana e o direito à saúde, ambos consagrados no texto fundamental do nosso Ordenamento Jurídico.
24ª - Mantendo-se a ilicitude dos seus actos a existência de culpa é, no mínimo, discutível face à declaração de inimputabilidade de que foi objecto e, sem culpa, não pode haver pena.
2Sª - Importa determinar a condição psíquica do recorrente, isto se se não considerar, face aos elementos ora juntos, que o mesmo é inimputável e, nessa medida, não sujeito a medidas de natureza criminal, até porque, se estabelece no art° 163° n° 1 do C. P. Penal, como regra geral, que as conclusões dos peritos se presumem subtraídas à livre convicção do julgador.
26ª - A segunda, e igualmente essencial, questão prende-se com a violação do disposto no art° 147° do C. P. Penal.
27ª - Compulsados os autos principais, verifica-se que, a fls. 126, o ora recorrente é identificado, na fase de inquérito, por um tal BB, em 29 de Abril de 2003, através de fotografia exibida (sublinhado nosso).
28ª - O que sucede também, é que esse reconhecimento não obedece ao prescrito no referido art° 147º do C. P. Penal.
2911 - Reza tal norma, no seu n° 1, na versão então em vigor, que «quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação» .
30ª - Nada disto foi feito, conforme se alcança dos autos principais.
Apenas é feita, a fls. 144, uma reinquirição a este indivíduo e nada mais, ou seja não existe confirmação do reconhecimento efectuado através de fotografia.
31ª - É com base nesta diligência, apenas, que é deduzida acusação contra o ora recorrente e é com base nela também que é condenado nos autos principais.
32ª - Segundo o, aliás douto, Acórdão desse Colendo Tribunal, proferido em 15/3/2007 (www.stj.pt/?idm=43), «a nossa lei processual penal não se refere ao reconhecimento fotográfico enquanto meio de prova. E bem, na medida em que este acto não é verdadeiramente um meio de prova, mas uma técnica inicial de investigação: é um ponto de partida para a investigação propriamente dita; mas, em si mesmo, o seu valor probatário é, em princípio nulo (sublinhado nosso)>>.
33ª - Verifica-se, nos autos principais, que ao tal BB, que nem sequer é parte interessada nos autos, é exibida apenas uma fotografia do recorrente;
34ª - No mesmo sentido, o, aliás douto, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22/11/2004, em cujo sumário se pode ler <<I - ( ... ) no baseado no depoimento da ofendida, designadamente por esta ter afirmado que havia reconhecido o arguido através de fotografias que lhe haviam sido exibidas pela PSP na fase do inquérito. II - Porém, esta forma de reconhecimento carece de validade como meio de prova. III - Na verdade consciente da falibilidade da prova por reconhecimento de pessoas, se não forem tomadas as devidas precauções, o nosso legislador optou por o regulamentar cuidadosamente no art° 147° do Código de Processo Penal. Por isso que as formalidades estabelecidas o são sob pena de invalidade do reconhecimento - cfr. o n° 4 daquele preceito C (... )>>;
35ª - Nem em sede de Inquérito, nem em sede de julgamento foram cumpridas as formalidades previstas no art° 147º do C. P. Penal, o qual resultou, por isso violado, não havendo sequer um «auto de reconhecimento»;
363 - Conforme escreve Maia Gonçalves (in «Código de Processo Penal Anotado», 1994, 6a edição, Almedina, p.p. 276), referindo-se a este meio de prova, "se for realizado com preterição de alguma das formalidades impostas por este art° 147°, não valerá como tal e não pode ser levado em linha de conta como meio de prova ( n° 4). Trata-se certamente de um caso pontual de inexistência";
37ª - Constata-se portanto que foi deduzida uma acusação contra uma pessoa, assente num meio de prova nulo, ou até inexistente que, por seu turno, conduziu à sua condenação;
38ª - Sendo pacífico que esta forma de reconhecimento (através de fotografia), não constitui sequer um meio de prova, verifica-se que a sua utilização inquinou todo o processado subsequente, tal como prescreve a célebre teoria da «árvore envenenada», sendo que a acusação fundada em tal meio de prova não devia sequer ter sido recebida pelo Mm° Juiz;
39ª - Nessa medida, é de forçosa conclusão que deveria ter sido anulado todo o processado posterior ao reconhecimento efectuado nos autos, com as legais consequências,
40ª - Não obstante ter-se formado caso julgado, esta é uma questão de direito e, conforme é entendido maioritariamente pela Jurisprudência, o caso julgado não abrange os fundamentos de direito da decisão, mas tão somente esta;
NESTES TERMOS, e nos mais de Direito que V. Ex3a doutamente suprirá, pelos fundamentos supra expostos, deverá o presente recurso extraordinário de revisão proceder, com as legais consequências, assim se fazendo inteira e merecida,

Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, concluindo:

1) O arguido encontra-se a cumprir a pena única de 7 (sete) anos de prisão nos presentes autos;
2) Vem interpor recurso extraordinário de revisão de sentença invocando o conhecimento de novos factos: declaração de inimputabilidade nos Autos de Querela n° 73/76, 1° Juízo/2ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, por despacho de 13.12.1977, devidamente notificado e transitado em 21.12.1977;
3) A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (artº 449°, n 1. do C.P.P.);
4) Os factos novos, para efeitos de revisão, têm de ser novos também para o requerente/recorrente - novos, porque os ignorava de todo ou porque estava impossibilitado de fazer prova sobre eles;
5) Caso contrário, tal posição será insustentável, por contrariar a natureza excepcional do recurso de revisão que não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa ou estratégias de defesa incompatíveis com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais;
6) O julgamento dos presentes autos culminou com acórdão proferido em 19.04.2006;
7) O despacho judicial que declarou o recorrente inimputável nos Autos de Querela foi proferido em 13.12.1977, devidamente notificado e transitado em 21.12.1997, pelo que, o recorrente dele tinha conhecimento ao tempo do julgamento nos presentes autos, não o podendo invocar como "novo";
8) O recorrente invocou, ainda, inadmissibilidade legal da prova por reconhecimento efectuado;
9) Não se verifica nenhuma das provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do art.° 126, do C.P.P. (cfr, alínea e), do nº 1, do artº 449º do C.P.P.);
10) São, pois, de negar as diligências peticionadas e concluir-se pela inadmissibilidade do recurso de revisão.

A Mma Juíza remeteu o processo a este Supremo Tribunal, acompanhada da informação sobre o mérito do pedido no nos termos do artº 454º nº 1 do CPP. entendendo que “não deverá proceder o presente recurso de revisão.”

Neste Supremo, a Digma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer onde refere:

“1. - Os factos novos por si suscitados serão referentes ao acórdão proferido na 1 a Vara Criminal de Lisboa, mas "não" se poderá enquadrar na al. d) do n° 1 do art. 449º do CPP, porque será uma decisão de 1977, do seu perfeito conhecimento e susceptível de ser invocada/apresentada em qualquer altura até ao julgamento.
2. - A questão de direito que o arguido pretende levantar quanto a provas, além de serem invocados factos investigatórios de outra decisão condenatória, segundo nos parece, também não foi prova fundamento da condenação, e por isso não poderá ser conhecido em revisão.
Por outro lado não será prova proibida só por si, nem está abrangida pelo disposto no art. 1260 do CPP.
A declaração de inimputabilidade proferida pelo Tribunal de Leiria em 13.12.1977 teve por fundamento um Parecer do Conselho Médico-Legal de Coimbra que declarava inimputável o arguido AA.
Este mesmo parecer teve porém um voto de vencido, pois foi revisto o parecer/relatório de exame mental que considerava o mesmo arguido imputável diminuído.
É que a questão levantada pela psicopatia do arguido além de não ser uniforme quanto às consequências psiquiátricas, também o não era quanto aos graus de imputabilidade, quando o Conselho Médico Legal de Coimbra, só aceitava pronunciar-se sobre imputabilidade ou inimputabilidade.
Passado 32 anos ou melhor 31 anos e 6 meses e continuando o arguido/recorrente AA, ainda que psicopata, a viver da "burla", "abuso de confiança", "cheques sem provisão" e "falsificação" parece-nos que o mesmo deveria ser submetido a novo exame pericial pois os conhecimentos médico/científicos também evoluíram. Por outro lado também haveria/haverá que equacionar no caso de inimputabilidade o eventual intemamento (art. 91º) ou a aplicação do regime p. no n° 1 do art. 104º do CP.
Assim, embora directamente o arguido o não tenha requerido, parece-nos que, antes de ser proferida decisão, deveria ser solicitada à 1ª instância a diligência acima referida - exame médico/legal do arguido AA, e a posterior remessa ao STJ do processo principal e do recurso de revisão em apenso, conforme dispõe o art. 455º do CPP.

Foi o processo a vistos, após o que seguiu para conferência, nos termos do artigo 455º nºs 1 e 2 do CPP.

Cumpre apreciar e decidir:

O recurso de revisão é abrangido pelas garantias de defesa, constitucionalmente consagrado, no artigo 29º nº 6, da Constituição da República Portuguesa ao dispor que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos
Em casos de injustiça notória, as legislações contemporâneas não tornam perene o caso julgado, sendo certo, por outro lado, que face à razão de ser do instituto do caso julgado, também não aceitam ad libitum a revisão de sentença transitada, outrossim, acolhendo as legislações “uma solução de compromisso entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, solução que se revê na consagrada possibilidade limitada de revisão de sentenças penais.” (Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição, p. 159 e 1060)

Nos termos do artigo 449º nº 1 do Código de Processo Penal:
A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos os meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado relacionado com o exercício da sua função no processo,
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação,
d) Se se descobrirem novos factos ou meios de prova que de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.
e)Se descobrir que serviram de fundamento à condenação novas provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do artigo 126º:
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

As alíneas e) a g) foram aditadas pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto.
O requerente fundou o pedido de revisão no disposto na alínea d) (descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação) e alínea e) (fundamento à condenação em novas provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do artigo 126º:)

Dispõe o artº 453º do CPP.
1. Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 449º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas.
2. O requerente pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.
No prazo de oito dias após ter expirado o prazo de resposta ou terem sido completadas as diligências, quando a elas houver lugar, o juiz remete o processo ao Supremo Tribunal de Justiça acompanhado de informação sobre o mérito do pedido.- artº 454º do CPP
Mas, somente após a remessa do processo do recurso de revisão ao Supremo Tribunal de Justiça, após completadas as diligências, e, acompanhado de informação sobre o mérito do pedido, é que o Supremo Tribunal, em sede de apreciação do recurso de revisão, poderá aquilatar sobre a pertinência dessa diligência, como decorre do artº 455ºnº 4 do CPP: Se o tribunal entender que é necessário proceder a qualquer diligência, ordena-a, indicando o juiz que a ela deve presidir.
Realizada a diligência, o tribunal delibera sem necessidade de novos vistos.- nº 5 do artº 455º

Como se sabe, e consta por exemplo, do acórdão deste Supremo de 14-12-2006 in Proc. n.º 4541/06, na revisão pro reo prevista na al. d) do art. 449.º, n.º 1, do CPP, o êxito do recurso fica dependente de “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per se ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. O que significa, desde logo, que, não obstante o já exposto, a estabilidade do julgado, sobrepõe-se à existência de uma mera dúvida sobre a justiça da condenação. Pode haver essa dúvida sem que se imponha a revisão da sentença. A dúvida sobre esse ponto pode, assim, coexistir, e coexistirá muitas vezes com o julgado, por imperativo de respeito daquele valor de certeza e estabilidade.
A dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste. E, se assim é, logo se vê, que não será uma indiferenciada “nova prova” ou um inconsequente “novo facto” que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade, razoavelmente reclamada, por uma decisão judicial transitada.
Hão-de, também, esses novos factos e (ou) provas, assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida que hão-de guarnecer e que constitui a essência do pressuposto da revisão que ora nos importa. Há-de, pois, tratar-se de “novas provas” ou “novos factos” que, no concreto quadro de facto em causa, se revelem tão seguros e (ou) relevantes - seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis - que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.
Como se disse no Acórdão deste Supremo e desta Secção de 04-07-2007, in Proc. n.º 2264/07, o recurso de revisão, previsto no art. 449.° do CPP, assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigência da justiça. O legislador criou o recurso de revisão como mecanismo que, pretendendo operar a concordância possível entre esses interesses contraditórios, admite, em casos muito específicos e limitados, a modificação de sentença transitada. Trata-se de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta (aparentemente injusta) que essa própria paz jurídica ficaria posta em causa.
Uma das situações-tipo previstas na lei é a da posterior descoberta de factos novos ou novos meios de prova que suscitem graves dúvidas (não apenas “dúvidas”) sobre a justiça da condenação.

Ora, como resulta da informação prestada pelo juiz instrutor do processo de revisão:
“O recorrente encontra-se a cumprir uma pena de sete anos de prisão, em que foi condenado nos autos principais, por acórdão proferido em 19 de Abril de 2006, confirmado por Acórdão do S.T.J. proferido em 20-12-2006, e transitado em julgado em 05 de Março de 2007. “

“No presente recurso extraordinário de revisão o recorrente invoca dois fundamentos para a procedência desta.
O primeiro é o facto de ter sido declarado inimputável por parecer datado de 06 de Outubro de 1977, proferido no âmbito dos Autos de Querela n. 73/76, que correram termos no 1.° Juízo (2ª Secção) do Tribunal Judicial de Leiria, concluindo, por isso, o recorrente, que se impõe determinar a sua condição psíquica, isto, se não se considerar que o mesmo é inimputável e, nessa medida, não sujeito a medidas de natureza criminal.
O segundo fundamento é o facto de o recorrente ter sido identificado, na fase de inquérito, por "um tal" BB, em 29 de Abril de 2003, através de fotografia exibida. Alega que tal levou à dedução de uma acusação assente num meio de prova nulo, ou até inexistente, que, por seu turno, conduziu à sua condenação. Invocando a teoria da árvore envenenada, conclui o recorrente que deveria ter sido anulado todo o processado posterior ao reconhecimento efectuado nos autos, com as legais consequências. “

“Juntou certidão passada em 20-01-2007 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, constituída por Exame às Faculdades Mentais, passado pelo Centro de Saúde Mental de Leiria em 31-01-1977, bem como três Pareceres do Conselho Médico-Legal de Coimbra, datados de 01-06-1977, 06-10-1977 e 16-11-1977, apensos aos autos de Querela nº 73/76, que correram termos no 1.° Juízo, 2ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, e ainda decisão proferida, em 13-12-1977, por este Tribunal, julgando o arguido criminalmente inimputável.
Por despacho judicial de fls. 41, determinou-se a junção aos autos de certidões das decisões condenatórias quanto aos processos referidos nas al.s c) a h) do § 58 dos factos provados do acórdão condenatório de fls. 951-1009 dos autos principais.
(…)
Encontram-se juntas aos autos todas as certidões acima referidas, constatando-se que o arguido não foi considerado inimputável em nenhuma das respectivas decisões condenatórias, sendo certo que estas são posteriores à decisão supra mencionada de 13-12-1977. “
(…)
Seria, efectivamente, de reputar elemento novo de prova, para este efeito, a perícia médico-legal, ao nível psiquiátrico, realizada após a condenação do arguido, considerando-o inimputável, em consequência de grave afecção mental de que já padecesse na data dos factos e que o impossibilitasse de avaliar a gravidade dos mesmos e de se auto-determinar em função dela.
Acontece que os factos dos autos principais ocorreram em 2002 o recorrente nunca invocou em julgamento a sua inimputabilidade, salientando-se ainda que o mesmo já foi condenado noutros processos, não se tendo igualmente colocado essa questão.”
Daí que a situação de inimputabilidade invocada pelo recorrente como fundamento de recurso de revisão não constitui um facto novo nos termos da supra citada alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP:
Era já do seu conhecimento a decisão sobre a mesma, à data do julgamento que originou a decisão revidenda.
Como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público nas conclusões 6) e 7) da resposta à motivação de recurso: O julgamento dos presentes autos culminou com acórdão proferido em 19.04.2006; O despacho judicial que declarou o recorrente inimputável nos Autos de Querela foi proferido em 13.12.1977, devidamente notificado e transitado em 21.12.1997, pelo que, o recorrente dele tinha conhecimento ao tempo do julgamento nos presentes autos, não o podendo invocar como "novo";
Ou, como salienta a Dig.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo:
“Os factos novos por si suscitados serão referentes ao acórdão proferido na 1ª Vara Criminal de Lisboa, mas "não" se poderá enquadrar na al. d) do n° 1 do art. 449º do CPP, porque será uma decisão de 1977, do seu perfeito conhecimento e susceptível de ser invocada/apresentada em qualquer altura até ao julgamento.
Na verdade, fundamento de procedência da revisão pretendida tem de ser a existência de factos ou meios de prova, novos, no sentido de que à data do julgamento deles o arguido não tivesse conhecimento, ou não pudesse apresentá-los (v. por ex. acórdão deste Supremo e desta Secção, de 09-04-2008, in Proc. n.º 675/08
Como salienta Maia Gonçalves in Código de Processo Penal anotado e legislação complementar – 17ª edição, 209, p. 1062:
“Como se vinha entendendo pacificamente nos últimos anos de vigência do CPP de 1929, deve também agora entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados no processo que conduziu à acusação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar. A lei não faz qualquer restrição e seria inviável fazer-se, pois isso conduziria a uma flagrante injustiça(…)”
Por outro lado, compete em exclusivo ao tribunal de instância ajuizar da necessidade de realização de determinada perícia, pois que a existência ou inexistência de dúvidas quanto à integridade mental do arguido, bem como a necessidade de submissão dele a perícia médico-legal e psiquiátrica constitui matéria de facto excluída dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, (Acs. do STJ de 28 de Janeiro de 1993, proc. 43 539, e de 10 de Julho de 1997 in proc. nº 315/97 – 5º)
Em qualquer altura do processo pode a autoridade judiciária competente determinar, oficiosamente ou a requerimento, quando isso se revelar de interesse para a descoberta da verdade que seja realizada nova perícia ou renovada a perícia anterior a cargo de outro ou outros peritos – artº 158º nº 1 b) do CPP, sendo que qualquer das pessoas indicadas no nº 4 do artº 153º do CPP, podia requerer perícia psiquiátrica daquele.

O recorrente não requereu diligências de prova, nem o juiz instrutor procedeu a diligências que considerasse indispensáveis para a descoberta da verdade.
O recorrente apenas entende ser necessário que seja avaliado psiquicamente, importando determinar a sua condição psíquica.

Sobre a questão do reconhecimento fotográfico do arguido na fase de inquérito, verifica-se que, como bem assinala a informação prestada nos autos pela Senhora Juíza
“Analisando a fundamentação do acórdão proferido nos autos principais, facilmente constatamos que a condenação do arguido não assentou no facto de o mesmo ter sido reconhecido por fotografia.
(…), não foi o reconhecimento fotográfico do arguido que determinou directamente a obtenção da prova determinante para a sua condenação, sendo certo que nem sequer consta na fundamentação do acórdão como meio de prova utilizado.”

Também, face ao disposto no artigo 126º nºs 1 e 3 do CPP, não ocorreram provas proibidas, que se as houvesse, certamente este Supremo ter-se-ia pronunciado sobre elas no Acórdão do S.T.J. proferido em 20-12-2006, e transitado em julgado em 05 de Março de 2007.
O recorrente no presente recurso de revisão não indica novos factos, nem novas provas que de per si ou combinadas com as existentes, infirmem alguma destas que fossem relevantes para a decisão da causa, e, repristina questões já decididas, que poderiam, se fosse caso disso, ser discutidas e examinadas em contraditório no julgamento que originou a decisão cuja revisão se pretende – v. artsº 339º nº2,340º nºs 1 e 2, 351º, 355ºe 360º nº 4 do CPP, ou até passíveis de integrarem objecto de recurso ordinário, se houvesse motivo para tal
O recorrente limita-se a questionar a validade probatória ou valoração de provas já existentes à data da decisão recorrida.(sendo que uma delas, o reconhecimento por fotografia em inquérito nem sequer foi considerado como fundamento da decisão)
Porém, o recurso de revisão, como recurso extraordinário, não visa a correcção do decidido, nem a sua alteração, mas um novo julgamento. – V. Ac. deste Supremo de 25-09-2008. Proc. n.º 1781/08 - 5.ª Secção.
Esse novo julgamento, decorrente de recurso de revisão, apenas se justifica quando procedem, os pressupostos do recurso de revisão, sendo certo que este é um recurso extraordinário, cuja tramitação obedece aos precisos termos legais processualmente previstos.

Ponderando todo o exposto, conclui-se assim, que não ocorrem situações fáctico-jurídicas que inviabilizem o julgado quanto à condenação do arguido, e por isso se entende que não se afigura necessário proceder a qualquer diligência, não procedendo os fundamentos fáctico-legais pressupostos da revisão, invocados pelo recorrente, pelo que há que denegar a revisão.
Termos em que, decidindo:

Acordam os da 3ª Secção deste Supremo Tribunal, em denegar a revisão, requerida pelo condenado AA.

Tributam o requerente em 3 Ucs de taxa de justiça

Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Abril de 2009

Pires da Graça (Relator)
Raul Borges
Pereira Madeira