Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
91832/12.3YIPRT-A.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
REQUISITOS
EXIGIBILIDADE
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
CRÉDITO HIPOTÉTICO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES / COMPENSAÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, II Volume, 5.ª edição, pp. 195, 208.
- J. Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, pp. 348/349.
- Menezes Cordeiro, Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, 2003, pp. 113 a 115.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, 224.º,432.º, 433.º, 434.º, N.º1, 847.º, N.º 1, ALS. A) E B), 848.º, N.º1, 854.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 266.º, N.º2, AL. C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25.1.1998, IN BMJ, 477- 460.
Sumário :
I - A exigibilidade do crédito para efeito de compensação – art. 847.º, n.º 1, al. a), do CC – não significa que o crédito (passivo) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito existe na esfera jurídica do compensante e preenche os requisitos legais “não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade”.

II - Realidade distinta da exigibilidade judicial do crédito, imposta pelo art. 847.º, n.º 1, al. a), do CC, é o respectivo reconhecimento judicial, não obstante só possa operar a compensação caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem.
Decisão Texto Integral:

Proc. 91832/12.3YIPRT-A.C1.S1

R-502[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

            AA, Lda., requereu injunção contra:

             BB, Lda.

           Pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de € 81.408,71, sendo € 75.592,57 de capital e € 5.563,14 de juros, por fornecimento de embalagens para hotelaria/cosmética, na sequência de contrato entre ambas celebrado. 

           Na contestação, veio a Ré impugnar e invocar a excepção de compensação, alegando ter um crédito sobre a Autora no montante de € 192.000,00, com base em incumprimento do mesmo contrato, uma vez que a Autora o resolveu ilicitamente.

           A Autora respondeu, pugnando, além do mais, pela inadmissibilidade da compensação deduzida, uma vez que o crédito invocado pela Ré é meramente hipotético e incerto, já que ainda não foi reconhecido judicialmente e a Autora, aliás, não o aceita.

***

           

            Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção da compensação, e determinou o prosseguimento dos autos para julgamento.

***

           

            Inconformada, a Ré BB, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por Acórdão de 24.2.2015 – fls. 109 a 112 verso – julgou o recurso procedente, assim revogando a decisão recorrida, e consequentemente, admitindo a compensação de créditos deduzida pela Ré.

***

           Inconformada a Autora AA, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

           1. Reportam-se as presentes alegações ao recurso interposto pela Autora e ora Recorrente, da decisão proferida pela Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiu revogar o despacho saneador proferida pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande (que conhecendo da excepção deduzida pela Ré em sede de contestação, e, nessa sede, decidiu julga-la improcedente), e em consequência determinou que deveria ser admitida a excepção de compensação de créditos deduzida pela BB- … Lda.

            2. A sociedade BB vem defendendo a existência de um alegado crédito sobre a AA, resultante de uma alegada resolução ilícita de contrato, que lhes daria direito a uma indemnização que, o que permitiria – na versão daqueles – efectuar-se a compensação de créditos, ao abrigo do art. 847º ss Código Civil.

           3. A compensação de créditos é inadmissível, quando este se funda em indemnização por responsabilidade civil cujo valor não foi já reconhecido judicialmente, pois não poderá ser invocada a existência de um crédito controvertido, hipotético e ainda incerto para fazer operar a compensação, como acontece no caso dos autos.

           

           4. Para que o crédito pudesse ser efectivamente compensado nos termos pretendidos pela recorrida, teria de existir uma decisão já transitada em julgado a decidir pela condenação da Autora no pagamento de uma indemnização pela alegada resolução ilícita de um contrato (que esta não aceita), desta forma encontrando-se cumprido os requisitos legais de reconhecimento judicial e exigibilidade do crédito.

           5. A apreciação da resolução do contrato que existiu entre as partes, nomeadamente quanto à licitude ou ilicitude da mesma, será o pedido principal de qualquer acção que vise o pagamento de uma indemnização, sendo que a condenação num quantum será definida apenas e caso aquele seja julgado procedente e mediante a prova da responsabilidade da Recorrente.

           6. Para, com a excepção invocada, ser considerado extinto o crédito referido, parece-nos inequívoco que aquele terá sempre de ser certo e efectivo, não se podendo basear na expectativa de vir a ser exigível, porquanto sequer se encontra ainda reconhecido judicialmente (nem aqui poderá vir a ser) e, em consequência, não poderá ser exigível nessa sede.

           7. Só após apreciação, em sede própria, dos pressupostos da responsabilidade civil, e a concluir-se pela sua existência, se definirá o valor indemnizatório a considerar como crédito, porquanto o mesmos resulta da violação de obrigações contratuais que terão de ser cabalmente demonstradas e provadas, podendo inclusive e a e a entender-se pela procedência dessa acção, ser o devedor condenado a montante indemnizatório muito inferior ao peticionado naquela lide. Só após a fixação desse valor (reconhecimento judicial) ê que existe uma verdadeira exigibilidade no pagamento.

           8. A existência do contra-crédito invocado pela Recorrida mostra-se dependente de prévia decisão judicial, pois esta terá de o reconhecer como tal, declarando a sua existência e o seu montante, pois que se tratam de créditos indemnizatórios emergentes de responsabilidade civil. Assim, nunca aquele poderia ser considerado como exigível, atendendo que o mesmo sequer se encontra definido, não é certo nem líquido.

           9. Nos presentes autos se não verifica a existência de dívidas recíprocas para que se possa admitir a apreciação da excepção de compensação de créditos, que não é mais do que uma garantia de pagamento baseada nessa reciprocidade de créditos.

           10. O despacho saneador é, por todo o exposto, claro e linear não merecendo, por isso qualquer censura, devendo o mesmo manter-se na íntegra, o que se espera, mantendo-se, em consequência a decisão de improcedência da excepção peremptória de compensação, nos termos e com os fundamentos nele constantes naquele, revogando-se, por isso, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra e assim prosseguindo a instancia os seus demais termos.

           11. O Acórdão recorrido violou, entre outros, o artigo 847º do Código Civil.

            Termos e nos melhores de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra e, em consequência, deve manter-se a decisão de improcedência da excepção de compensação, seguindo os autos os demais termos até final.

           A Ré/Recorrida contra-alegou, sustentando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, porquanto tendo sido revogado o despacho saneador e ordenado que deveria ser admitida a excepção da compensação – “…Atendendo ao que vem determinado pelo Acórdão recorrido, é forçoso concluir que o presente recurso não poderá ser admitido, uma vez que a decisão recorrida não põe termo ao processo – antes ordena que o processo prossiga os seus termos até decisão final, decisão essa que se pronunciará acerca da existência ou não de um contra crédito da Ré para com a Autora.

               Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo. – art. 400º,nº 1, c), do Código de Processo Penal”.

***

           

          Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação operou com os factos a que se reporta o relatório.

            Fundamentação:

            Quanto à questão prévia.

           Sustenta a recorrida que, do Acórdão da Relação, não cabe recurso de revista, porquanto, ao revogar a decisão proferida, no despacho saneador sobre o requisito “exigibilidade” da compensação de créditos, que considerou não se poder considerar verificado, apenas se pronunciou sobre a excepção não pondo termo ao processo.

           Salvo o devido respeito, não se nos afigura que assim se possa considerar. A Relação, ao apreciar a apelação interposta do despacho saneador na parte que julgou improcedente a excepção invocada pela Ré, decidiu sobre um dos requisitos de uma excepção peremptória, não pondo termo ao processo, ordenando ao Tribunal que o apreciasse.

           Se a parte vencida não tivesse interposto recurso, a decisão transitava em julgado.

            O art. 671º, nº1, do Código de Processo Civil define que cabe revista do acórdão da Relação, sobre decisão da 1ª Instância, que “conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo”.

            No caso, o acórdão conheceu parcialmente do mérito da causa, revogando a decisão apelada, admitindo que a Ré preenche um dos requisitos de que depende a compensação de créditos, no caso, a exigibilidade do contra-crédito sobre a Autora. Assim sendo, julgou parcialmente do mérito e não sendo caso de aplicação do nº4 do citado normativo, a decisão é passível de recurso de revista.

           O Conselheiro Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil” – 2013 – pág. 279, em anotação ao vigente art. 671º, depois de referir que no NCPC não existe definição sobre o conceito de decisão sobre o mérito da causa (por contraponto ao estatuído no art. 691º, nº2, do Código de Processo Civil, antes da reforma de 2007), afirma:          

            “Tal expressão delimita os acórdãos em que a Relação se tenha envolvido efectivamente na resolução material do litígio, no todo ou em parte, mesmo quando para o efeito aprecie a procedência ou improcedência de excepção peremptória. Inversamente, não conhecem do mérito da causa os acórdãos da Relação que tenham redundado na apreciação de uma excepção dilatória ou de qualquer outro aspecto de natureza puramente formal ou adjectiva”. (destaque nosso)

           

           Assim, cabe recurso do Acórdão da Relação que decide parcialmente do mérito da causa, desde que outros obstáculos legais não impeçam a recorribilidade, como é caso, da dupla conformidade, da sucumbência impeditiva ou de restrição legal a um terceiro grau de recurso.

           

           Destarte, desatende-se a questão prévia, sendo de apreciar a revista.

            Sendo pelo teor das conclusões das alegações que, em regra, se delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, importa saber, agora como antes na apelação, se, tendo a Ré oposto a excepção da compensação de crédito, alegando que a Autora resolveu o contrato invocado como causa de pedir, resolução que considera infundamentada e, por tal, dela exige uma indemnização, se acha verificado o requisito da exigibilidade do contra crédito previsto no art. 847º,nº1, a) do Código Civil.

           A Ré pretende compensar o crédito que lhe advirá pela infundada resolução do contrato com o crédito peticionado pela Autora.

           A decisão da 1ª Instância, analisando aquele requisito, considerou que, tendo em conta que a Autora não aceitou a existência do contra-crédito, invocado pela Ré, e que não foi alegado o prévio reconhecimento judicial da responsabilidade civil e respectivo montante creditório/indemnizatório excepcionado, não se encontram reunidos, no caso, os pressupostos de admissibilidade e operância da compensação excepcionada, daí o ter-se julgado não poder a Ré invocá-la.

           Já a Relação, perfilhando entendimento antagónico, considerou que “ocorre exigibilidade judicial do contra-crédito (art. 847º, nº1, a), do Código Civil) quando ao credor respectivo assiste o direito de exigir em tribunal o cumprimento, seja através de acção executiva, por dispor de título executivo, seja de acção declarativa para reconhecimento da existência e exigibilidade da obrigação”.

           Desde já, importa referir que as teses, em inconciliável dissonância, encontram apoio doutrinal e jurisprudencial, como decorre da fundamentação das decisões das Instâncias.

            Vejamos:

           A Autora, que recorreu, inicialmente, ao processo injuntivo, demandou a Ré, alegando incumprimento de contrato de prestação de serviços e compra e venda, pedindo a condenação no capital que considera em dívida e juros de mora.

           Na oposição, a Ré invocou deter sobre a demandante um crédito no valor de € 192.000,00, resultante da resolução do contrato pela Autora, sem motivo, invocando a compensação dos créditos recíprocos.

“A compensação é exacta­mente o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultâ­nea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor. Logo que se verifiquem determinados requisitos, a lei pres­cinde do acordo de ambos os interessados, para admitir a extinção das dívidas compensáveis, por simples imposição de um deles ao outro. Diz-se, quando assim é, que as dívidas (ou os créditos) se extinguem por compensação legal (unilateral).” – Professor Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, II Volume, pag.195, 5ª edição.

A compensação de créditos é um dos meios de extinção das obrigações, que se torna efectiva através da declaração de uma das partes à outra – art. 848º, nº1, do Código Civil – feita judicial ou extrajudicialmente – arts. 217º, 224º e 854º do Código Civil e 266º, nº2, c) do NCPC do Código de Processo Civil. 

           Diz-se que se trata de um “acerto de contas”, por não ser razoável, nem equitativo, que quem é simultaneamente credor e devedor haja, reciprocamente, de pedir o pagamento do seu crédito sem reconhecer que também deve ao impetrante; receberia dele para depois lhe pagar.

O art. 847º do Código Civil define os requisitos da compensação, do seguinte modo.

1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.

3. A iliquidez da dívida não impede a compensação”

           O crédito será exigível judicialmente quando o titular do direito de crédito o invoca em acção judicial, por via de acção, excepção ou de reconvenção, com vista ao seu reconhecimento judicial.

            Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral, vol. II, pág. 208, sob a epígrafe “Validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito (do compensante), do crédito activo”, ensina:

           “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra crédito) que se arroga contra este. A alínea a) do n.° 1 do artigo 847.° concretiza esta ideia, explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material (…).

           Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817.°) (…) – requisito que não se verifica nas obrigações naturais (art. 402.°), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda não se tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra”.

            Menezes Cordeiro, in “Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário”, 2003, págs. 113 a 115 – sobre o requisito da exigibilidade do crédito distingue em relação aos créditos activos e passivos:

           “Podemos, agora, reescalonar a exigibilidade como requisito da compensação. No fundo, ela traduz a necessidade de que os créditos em presença possam ser cumpridos. Quanto ao crédito activo, isso implica: - que seja válido e eficaz; que não seja produto de obrigação natural; que não esteja pendente de prazo ou de condição; que não seja detido por nenhuma excepção; que possa ser judicialmente actuado; que se possa extinguir por vontade do próprio […].

           No tocante ao crédito passivo, podemos dispensar, dos apontados requisitos, o não ser obrigação natural, a pendência do prazo, quando estabelecido a favor do compensante, numa asserção extensiva à compensação, por analogia e o problema das excepções: estando tudo isso na disponibilidade do compensante, ele prescindirá, necessária e automaticamente, das inerentes posições, quando pretenda compensar”.

           A exigibilidade do crédito para efeito de compensação não significa que o crédito (passivo) do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito, que se pretende ver compensado, existe na esfera jurídica do compensante, e preenche os demais requisitos legais; sendo exigível, não procedendo contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade – als. a) e b) do nº1 do art. 847º do Código Civil.

            No caso, a Ré, sustentando que a Autora, sua credora, resolveu sem fundamento legal ou contratual, o contrato que as vinculava, pretende ser por ela indemnizada e, opor o seu crédito indemnizatório à Autora por essa resolução do contrato, exercendo o direito de compensação de créditos recíprocos.

            Poder-se-á argumentar que tal crédito é ainda hipotético, não se sabendo sequer se a parte que, na contestação, invoca a compensação, verá o Tribunal atribuir-lhe uma indemnização pela alegada ilicitude da resolução, e por isso, se não deve admitir a compensação.

           Se a todo o direito corresponde uma acção e se a Ré, demandada como devedora considera ter contra o seu credor um contra-crédito adveniente da resolução contratual por aquela decretada, por razões de equidade, não pode considerar-se que, pelo facto do crédito ainda não ter sido judicialmente reconhecido sequer no seu quantum, está impedida de excepcionar a compensação, tendo de recorrer, previamente, a uma acção autónoma que defina o seu direito.

           Mais a mais, no caso, o crédito (passivo), invocado pela Ré decorre da mesma relação jurídico-contratual, considerando a Autora que existe justa causa para resolução do contrato – art. 432º do Código Civil – a que procedeu, e a Ré, diversamente, que deve ser indemnizada por a resolução carecer de fundamento, já que, na sua perspectiva, não deu causa à resolução por incumprimento.

“O direito de resolução do contrato previsto nos artigos 432º e seguintes do Código Civil é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, que é “o facto do incumprimento ou a situação de inadimplência”. Daí que inexista direito de resolução sem o “juízo de inadimplemento” [...]. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.1.1998, in BMJ, 477-460.


A resolução pode ser fundada na lei – art. 432º, nº1, do Código Civil – ou estabelecida contratualmente, implica em princípio – arts. 433º e 434º, nº1, do Código Civil –, a destruição retroactiva do vínculo negocial, obriga à restituição de tudo quanto tiver sido prestado e confere o direito à indemnização pelos danos causados.            

           “O direito de resolução é um direito potestativo extintivo e dependente de um fundamento – tem de verificar-se um facto que crie esse direito, ou melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo.

Tal facto ou fundamento é o facto do incumprimento ou situação de inadimplência – J. Baptista Machado – “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, págs. 348/349.

            O invocado crédito não deixa de ser exigível, muito embora no momento em que é oposto não esteja reconhecido, nem judicialmente, nem pelo credor, o que conduz, inexoravelmente, a uma decisão judicial que os reconheça.

           Distinta da exigibilidade judicial do crédito, imposta pelo art. 847º, n.º 1) a) do Código Civil é o respectivo reconhecimento judicial, não obstante só possa operar-se a compensação, caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem.

            Pelo quanto dissemos, o Acórdão recorrido não merece censura.

            Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

           

            Decisão:

            Nega-se a revista.

            Custas pela Autora/recorrida

         Supremo Tribunal de Justiça, 2 de Julho de 2015

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

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[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.