Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2691/16.1T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 2.º SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
BEM IMÓVEL
HERDEIRO
COMPROPRIEDADE
ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
VALOR LOCATIVO
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 04/21/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A utilização de um imóvel da herança pelo cabeça de casal para sua habitação não integra um ato de administração da herança.

II. A utilização por qualquer herdeiro dos bens da herança em proveito próprio, nas situações em que o cabeça de casal não exerça os seus poderes de administração sobre os bens da herança, deve considerar-se sujeita ao regime do artigo 1406.º do Código Civil, face à ausência de uma previsão específica no direito sucessório deste tipo de situações.

III. A utilização de um determinado bem da herança por um dos herdeiros só determina uma privação do uso pelos outros consortes, para os efeitos do artigo 1406.º do Código Civil, se ela contrariar a vontade manifestada de algum deles lhe dar outra utilização.

IV. Ocorrendo uma ocupação por um herdeiro de um imóvel pertencente a uma herança, impeditiva do seu uso por outro herdeiro, o prejuízo causado a este último corresponde à parte do valor locativo daquela unidade predial no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar tal ocupação, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança.

Decisão Texto Integral:

I - Relatório

A Autora intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra o 1.º Réu, peticionando a sua condenação nos seguintes termos:

1) Deverá ser reconhecido o direito de propriedade da herança aberta por óbito de DD;

2) Deverá o R. ser condenado no pagamento de uma indemnização correspondente à renda que seria devida pelo gozo do imóvel pelo R. correspondente, no mínimo, a 1/15 do VPT dos imóveis, o que correspondente a um mínimo de € 61. 224, 80 (sessenta e um mil duzentos e vinte e quatro euros e oitenta cêntimos);

3) Deverá o R. ser condenado no pagamento de uma indemnização correspondente à capitalização dos montantes não recebidos desde 2009 até à data da citação, que se deverá fixar numa taxa não inferior a 4% ao ano, a aplicar sobre o montante que se venha a fixar a título de indemnização devida pelo gozo exclusivo do imóvel;

4) Deverá o R. ser condenado no pagamento de juros de mora contados desde a citação na presente ação até efetivo e integral pagamento;

5) Deverá o R. ser condenado no pagamento das rendas vincendas até à realização da partilha dos imóveis;

6) Deverá o R. ser condenado a, alternativamente, no prazo de dois meses a contar do trânsito em julgado da sentença, a celebrar com a A. um contrato de arrendamento nos termos dos artigos 1022.º e seguintes do Código Civil, do qual resulte a renda fixada por este Tribunal e o prazo de pagamento da renda, que deverá corresponder ao primeiro dia útil do mês a que disser respeito, ou, no mesmo prazo, deixar o imóvel livre de pessoas e bens;

7) Por fim, deverá o R. ser condenado nas custas e demais encargos legais e em procuradoria.

Alegou, para tanto e em síntese, o seguinte:

 - No dia 25 de Fevereiro de 2009 faleceu o filho da autora e do 1º Réu, DD, no estado de solteiro, tendo deixado como únicos herdeiros os seus pais.

- O de cujus deixou como herança a fração designada pela letra  ... do prédio sito na Praceta ..., ..., ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...85, da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...30, da mesma freguesia e ...91 das áreas comuns do condomínio onde está inserido o prédio sito na Urbanização ..., ..., na ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15, da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...19 da mesma freguesia.

- Correu termos a ação especial de inventário para partilha da herança deixada por óbito de DD, tendo o cabeçalato sido deferido ao 1º Réu, a qual correu termos no Tribunal da Comarca ... – ... – Instância Local, Secção Cível, J..., sob o n.º 7181/11...., e onde foi determinada a remessa para os meios comuns a discussão da propriedade da referida fração, a qual vem sendo habitada pelos Réus e respetiva família, sem que tenha sido efetuado qualquer pagamento pela ocupação, nem tendo sido facultado o acesso à mesma à Autora.

- Ora, a referida fração era propriedade do de cujus, à data da sua morte, pelo que os respetivos herdeiros têm direito a exigir a sua quota nos rendimentos da herança e a exigir a respetiva partilha nos termos dos artigos 2092.º e 2101.º do Código Civil. Do mesmo modo, a Autora tem direito a exigir a devida compensação pela utilização do 1.º Réu da coisa comum, a qual impede a sua própria utilização, nos termos do artigo 1407.º do Código Civil.

- Considerando o valor patrimonial tributário da fração e ao parâmetro mínimo supletivo introduzido pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, de 1/15 do VPT dos imóveis, no presente caso, a renda mensal total deveria situar-se no valor de € 1.345,60, pelo que a Autora teria direito a receber metade desse valor, sendo a mesma devida desde a data da morte do de cujus, ou seja, 25 de Fevereiro de 2009, num total de 91 meses, a que corresponde a quantia de € 61 224,80. A este valor deverá acrescer uma indemnização de capitalização de valor não inferior a 4% ao ano.

Mais deverá o réu ser condenado a celebrar um contrato de arrendamento ou, alternativamente, a deixar o imóvel livre de pessoas e bens.

O Réu apresentou contestação, na qual se defendeu por exceção, invocando a ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, na medida em que a fração em causa nos autos corresponde à sua casa de morada de família.

Mais se defendeu por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte:

- A sua mulher CC celebrou um contrato-promessa que teve por objeto a fração em causa nos autos, no âmbito do qual a Autora emitiu um cheque no valor de € 30.790,00 a título de sinal.

- Porquanto o Banco não concedeu o crédito para a sua aquisição, por forma a não perder a referida quantia, o Réu pediu ao de cujus que aceitasse figurar como comprador e mutuário, ao que o mesmo acedeu, tendo sido celebrado um contrato de cessão de posição contratual entre a mulher do Réu e o de cujus, pelo valor do sinal já entregue, sendo que o referido pagamento nunca chegou a ser feito pelo de cujus.

- Foi o Réu quem sempre procedeu ao pagamento do preço e de todos os encargos, porque na verdade era o seu proprietário.

Concluiu pela improcedência da ação ou, caso assim não se entenda, peticiona que o Tribunal declare uma situação de enriquecimento sem causa da herança, condenando a mesma a devolver os imóveis em causa ao 1.º Réu e, em consequência, que se ordene o respetivo registo a seu favor.

Após convite, o Réu apresentou nova contestação reformulada, em que deduziu pedido reconvencional de condenação da Autora na devolução do imóvel em causa ao Réu, ordenando-se o registo do mesmo a seu favor.

A Autora deduziu réplica em que se pronunciou pela não admissibilidade do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho de não admissão da reconvenção deduzida pelo Réu e admitido o incidente de intervenção principal provocada de CC, entretanto requerido pela Autora, tendo aquela sido citada para contestar a ação.

A chamada aderiu ao articulado de contestação, com exceção dos pontos 1 a 8.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu o seguinte:

Nos termos supra expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decide o Tribunal:

A. Declarar que a fração autónoma composta por Bloco ... – habitação –  ... com uma arrecadação com o n.º ... e 2 lugares de estacionamento, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15..., da freguesia ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...30 (com origem no artigo ...20), faz parte da herança deixada por óbito de DD;

B. Declarar que 5/1091 avos do prédio urbano sito em ... “...”, lote ...47, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...12, da freguesia ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...29 (com origem no artigo ...19), faz parte da herança deixada por óbito de DD;

C. Absolver os RR. do demais contra si peticionado;

D. Condenar A. e RR. nas custas devidas, na proporção de 21 % para a A. e 79% para os RR.”.

Desta decisão recorreu a Autora.

O Tribunal da Relação ... proferiu acórdão em que se decidiu:

Pelo exposto acorda-se em julgar procedente a apelação revogando-se parcialmente a sentença recorrida e consequentemente: Mantém-se o decidido em A e B. Condenam-se os RR. a pagar à A. metade do que vier a ser apurado em liquidação de sentença como o valor mensal que seria possível obter num arrendamento das frações supra identificadas desde o óbito do falecido (25/2/2009) e até ao presente. Mais vão condenados a pagar à recorrente metade dos valores mensais que se vencerem até à partilha (ou à desocupação).

Sobre os valores a pagar incidirão juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada prestação mensal e até integral pagamento. Custas pelos recorridos”.

Não se resignando, o Réu interpôs recurso de revista deste Acórdão.

Termina as suas alegações, concluindo:

I. O Tribunal da Relação ..., no douto Acórdão recorrido, defende que a ocupação do imóvel pertencente à herança por parte do Recorrente é abusiva e que causou um prejuízo manifesto à Recorrida enquanto co-herdeira, merecendo este prejuízo a tutela do direito sob pena do outro co-herdeiro se locupletar injustificadamente.

II. Mais defendeu o Tribunal a quo que o Recorrente, por ter atuado em violação do disposto no art.º 2086, n.º 1, b) do Código Civil., incorreu em responsabilidade civil ao fazer um uso exclusivo e em seu benefício dos bens da herança devendo indemnizar o outro co-herdeiro pelo valor correspetivo.

III. Por um lado, o Tribunal a quo qualificou o facto dos Réus viverem na casa que pertence à herança como abusiva, considerando que, por outro lado, o Recorrente não administrou o bem com prudência e zelo (artigo 2086.º n.º 1 alínea b) do CC), mas, ao invés do que é defendido no douto acórdão recorrido, não conseguimos retirar da matéria de facto provada que a ocupação do imóvel é abusiva e que a administração do cabeça-de-casal não foi prudente nem zelosa.

IV. O facto de o Recorrente viver no imóvel, de não ter pago qualquer quantia à Recorrida pela sua ocupação e de não ter dado acesso ao imóvel a esta última não configura, por si só, uma administração imprudente e sem zelo.

V. Com efeito, para determinar a responsabilidade civil do Recorrente, os factos dados como provados nas alíneas G, H e I, são meramente conclusivos e não demonstrativos da sua eventual ilicitude.

VI. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, dispõe o artigo 483.º n.º 1 do Código Civil.

VII. Os pressupostos da responsabilidade civil são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e ao nexo de causalidade do facto ao dano.

VIII. Pratica um ato ilícito quem age com culpa, com dolo ou mera culpa, dispõe o artigo 483.º n.º 1 ab initio do Código Civil.

IX. Ora, transpondo a análise da ilicitude no caso sub judice, o Recorrente não praticou qualquer ato doloso ou, ao invés, praticou-o com mera culpa ou negligência?

X. A falta de factos demonstrativos da culpa do Recorrente prejudica, desde logo, a subsunção que o Tribunal a quo retira dos factos provados para concluir que existe responsabilidade do Recorrente em pagar uma indemnização à Recorrida pela ocupação do imóvel que faz parte do acervo hereditário.

XI. Por outro lado, o Tribunal a quo configura a administração do Recorrente, na qualidade de cabeça-de-casal, como imprudente e com falta de zelo nos termos previstos no artigo 2086.º n.º 1 alínea b) do Código Civil, ou seja, qualifica a administração como ilícita.

XII. Para determinar se um património hereditário não foi administrado com prudência e zelo, necessariamente terá de se saber concretamente, terá de ser provado nos autos, que a administração de um determinado património hereditário foi imprudente e que o cabeça-de-casal desempenhou as suas funções com falta de zelo, não existindo manifestamente, factos, porque não foram alegados nem provados, que o permitam demonstrar essa imprudência e a falta de zelo.

XIII. A obrigação de indemnizar pressupõe a prática de um facto ilícito, o que no caso concreto não se verificou.

XIV. Ademais, a Recorrida não alegou e, por isso, não provou qualquer facto demonstrativo do seu propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização e que o Recorrente obstou a essa mesma utilização.

XV. O facto de o Recorrente residir no bem imóvel não constitui, por si só, um facto ilícito que fundamente o dever de indemnizar a Recorrente, tal como esta peticiona.

XVI. Acompanhamos, pois, o Tribunal de 1.ª instância quando considera que a Recorrida não alegou factos demonstrativos de, na qualidade de co-herdeira, ter pretendido exercer os seus direitos sobre o acervo hereditário e disso ter sido impedida pelo Recorrente.

XVII. Também concordamos com o Tribunal de 1.ª instância quando considera que a não concessão de acesso ao imóvel e o facto do Recorrente ai residir, considerados por si sós sem a respetiva motivação subjetiva (a culpa, a ilicitude) do Recorrente não podem servir o propósito de a Recorrida em receber uma indemnização, pois, não estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil (falta a ilicitude) previstos nos artigos 483.º n.º 1 do Código Civil, a nível geral, e 2086.º n.º 1 alínea b) do mesmo diploma, a nível concreto.

XVIII. Com efeito, para aquilatar ou sindicar a diligência da administração do acervo hereditário é necessário alegar factos ilícitos que consubstanciam a obrigação de indemnizar, o que a Recorrida não logrou fazer nos presentes autos, inquinando, necessária e irremediavelmente, a decisão tomada pelo Venerando Tribunal da Relação ..., que decidiu sem factos que consubstanciem a ilicitude dos atos praticados pelo Recorrente nos termos previstos nos artigos 483.º n.º 1 do Código Civil, a nível geral, e 2086.º n.º 1 alínea b) do mesmo diploma, a nível concreto.

XIX. A tutela do direito no âmbito da responsabilidade civil não pode fundar-se em ses, porque não existem, nem foram alegados ou sequer provados, factos que permitam o Tribunal a quo concluir pela ilicitude (analisando subjetiva e concretamente o dolo) dos atos praticados.

XX. Entende-se, pois, que não basta a simples privação, em si mesma entendida, sendo necessário ainda que a lesada, no caso, a Recorrida, alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando ainda que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela atuação ilícita de outrem, o lesante, no caso, o Recorrente.

XXI. A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto.

XXII. O dano da privação do uso reside essencialmente na impossibilidade de usar a coisa, causada pelo ato ilícito, prolongando-se enquanto durar.

XXIII. In casu, a Recorrida não logrou fazer esta prova, a prova do ato ilícito cometido pelo Recorrente.

XXIV. Na verdade, a Recorrida não alegou que tivesse interpelado o Recorrente com o objetivo de aceder à casa e que tenha visto ser-lhe impedida, por qualquer forma ou circunstância, de aceder à mesma, ou que tenha interpelado o Recorrente para este desocupar a casa e que este se recusou a sair, ou ainda que tenha interpelado o Recorrente para, na qualidade de cabeça-de-casal, colocar a casa no mercado de arrendamento e dessa forma obter rendimento a favor da herança.

XXV. A administração da herança indivisa cabe, até à sua liquidação e partilha, ao Cabeça-de-casal, nos termos do disposto no artigo 2079.º do Código Civil.

XXVI. O regime aplicável à administração da herança indivisa ou da comunhão hereditária, está previsto nos artigos 2079.º e 2093.º do Código Civil, constituindo, assim, um regime especialmente previsto que afasta a aplicação do artigo 1404.º do Código Civil, mormente quanto à aplicação das regras da compropriedade ao caso em apreço.

XXVII. A administração do acervo hereditário que cabe ao Cabeça-de-casal pode ser sindicada por qualquer herdeiro através do pedido de remoção promovido nos termos do artigo 2086.º do Código Civil, ou através, do pedido de prestação de contas nos termos do artigo do artigo 2093.º do mesmo diploma.

XXVIII. Incumbe ao Cabeça-de-casal administrar a herança com prudência e zelo, sob pena de ser removido dessa qualidade, nos termos do artigo 2086.º n.º 1 alínea b) do Código Civil.

XXIX. Defende o Tribunal a quo que a com a dedução do incidente de remoção do cabeça-de-casal não era o adequado para a Recorrida obter a indemnização pela alegada ocupação indevida (não provada), mas não concordamos.

XXX. Pelo contrário, o incidente de remoção de cabeça-de-casal apenso aos autos de inventário é, pelo contrário, o pressuposto e o prévio meio judicial, o adequado, para fundamentar de facto e de direito a uma ação de condenação ao pagamento de uma indemnização pela ocupação indevida do património hereditário.

XXXI. A administração do acervo hereditário que cabe ao Cabeça-de-casal pode ser sindicada por qualquer herdeiro através do pedido de remoção promovido nos termos do artigo 2086.º do Código Civil, ou através, do pedido de prestação de contas nos termos do artigo do artigo 2093.º do mesmo diploma.

XXXII. Ora, no caso em concreto, o Tribunal da Relação ... não podia arbitrar uma indemnização calculada com base no valor mensal que seria possível obter num arrendamento das frações a ser paga pelo Recorrente à Recorrida à revelia das regras próprias da entrega de rendimentos e prestação de contas a que está adstrito, por lei, o Cabeça-de-casal.

XXXIII. Ao hipotético valor mensal que seria possível obter caso as frações estivessem arrendadas deverá, antes de ser distribuído pela Recorrida na qualidade de herdeira, ser deduzido a quantia necessária para pagar os custos e os encargos dos ditos imóveis.

XXXIV. E só havendo saldo positivo, os rendimentos líquidos (após a dedução dos custos e encargos) poderão ser entregues aos herdeiros, dispõe o artigo 2093.º n.º 3 do Código Civil.

XXXV. Concluímos, pois, que a condenação no pagamento de uma indemnização atendendo ao valor mensal que seria possível obter caso as frações estivessem arrendadas não tem em atenção e dispõe o contrário do que é preceituado nos artigos 2092.º e 2093.º do Código Civil quanto ao regime específico da distribuição de rendimentos no âmbito de uma herança antes da sua partilha.

XXXVI. Por último, sendo o Recorrente cabeça-de-casal da herança do filho, detendo, nesta qualidade, tal como a douta sentença de 1.ª instância referiu, os bens imóveis que a compõem, com a obrigação legal de os administrar, zelando pela sua conservação e manutenção, não tem qualquer cabimento legal, no caso de não se conseguir provar a ilicitude dos seus atos e também o de não conseguir provar que tenha administrado de forma imprudente e com falta de zelo lesiva da herança, como pretende a Recorrida, ter-lhe de pagar um valor pela sua utilização calculado com base no seu valor locativo.

XXXVII. A utilização dos bens imóveis pelo Recorrente não pode ser considerada ilícita, por falta de factos que consubstanciam essa ilicitude, tal como o Tribunal de 1.ª instância concluiu, não tendo a Recorrida, que não logrou provar qualquer facto em sentido contrário, direito a qualquer tipo de compensação ou indemnização, devendo, pelo exposto, o presente recurso de revista ser julgado procedente.

XXXVIII. Mesmo que assim não se entenda, o que não concedemos e por mera hipótese se admite, somente com a exigência do imóvel da herança e o pagamento de uma indemnização pela sua utilização, ocorrida com a citação do Recorrente nestes autos, se logra encontrar o contexto de onde se retire o propósito da Recorrida de proceder à utilização do mesmo, tendo pedido o valor locativo a título de indemnização pela privação de uso

XXXIX. Só na presente ação, e não antes, é que a Recorrida efetuou a interpelação admonitória ao Recorrente, exigindo-lhe uma indemnização pela sua utilização, devendo, caso V. Exas. assim o entendam (posição com a qual não concordaremos, pois, não foram provados atos ilícitos que consubstanciem essa condenação), condenar o Recorrente e esposa a pagar, apenas, à Recorrida metade do que vier a ser apurado e liquidação de sentença como o valor mensal líquido que seria possível obter num arrendamento das frações da herança, depois de deduzido custos e encargos da herança (cf. artigo 2093.º n.º 3 do Código Civil não desde a morte do de cujus, como determinado pelo Tribunal a quo mas desde a citação expedida nos presentes autos (no dia 28 de Setembro de 2016) até ao presente e, igualmente, metade dos valores mensais líquidos que se vencerem até à partilha (ou até à desocupação)”.

A Autora contra-alegou, pugnando, em suma, pela improcedência da revista.

                                                          *

II – O objeto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar se sobre o Réu recai uma obrigação de indemnização pela utilização em seu proveito que vem fazendo do imóvel em causa nos presentes autos.

                                                              *

III – Os factos

São os seguintes os factos provados neste processo:

A. DD encontra-se registado como filho do 1.º Réu e da Autora e faleceu no dia 25 de Fevereiro de 2009, em ....

B. Por escritura pública de “Habilitação de herdeiros”, datada de 1 de Abril de 2009, outorgada no Cartório Notarial ..., o 1.º Réu declarou que é cabeça de casal na herança aberta por óbito de seu filho DD, tendo-lhe sucedido o Réu e a Autora como únicos herdeiros por vocação legal, conforme documento 2 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

C. Foi participado o óbito de DD ao Serviço de Finanças ..., tendo sido indicado como ativo a quota de 5/...91 do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...19 da freguesia ... e concelho ..., sob a verba n.º 1, e a quota de 1/1 do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...20 da freguesia ..., concelho ..., sob a verba n.º 2, cfr. documento 4 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

D. Mostra-se registada a aquisição por sucessão hereditária de DD sem determinação de parte ou direito a favor de AA e BB da fração autónoma composta por Bloco ... – habitação –  ... com uma arrecadação com o n.º ... e 2 lugares de estacionamento, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15..., da freguesia ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...30 (com origem no artigo ...20), sob a AP ...52 de 2010/01/11, que tem um valor patrimonial tributário de € 239 963, 25 cfr. documentos 5 e 6 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

E. Mostra-se registada a aquisição por sucessão hereditária de DD sem determinação de parte ou direito a favor de AA e BB de 5/1091 avos do prédio urbano sito em ... “...”, lote ...47, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...12, da freguesia ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...29 (com origem no artigo ...19), sob a AP ...52 de 2010/01/11, que tem um valor patrimonial tributário de € 489 880,00 cfr. documentos 7 e 8 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

F. No inventário por óbito de DD que correu termos sob o n.º 7181/11.... na então Instância Local - Secção Cível - J... de ... da Comarca ..., em 5/03/2015, foi proferida decisão (cfr. documentos 9 a 16 juntos com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais):

Nos presentes autos de inventário que AA instaurou na sequência do óbito de seu filho, DD, veio a requerente apresentar reclamação contra a não apresentação da relação de bens, por entender que os bens imóveis referidos pelo cabeça-de-casal como não pertencendo à herança devem ser ai incluídos por se encontrarem registados em nome do de cujus.

Em resposta, veio o cabeça-de-casal afirmar que os prédios lhe pertencem.

Cumpre apreciar.

A questão que ora se coloca é determinar o aditamento de verbas relativas a imoveis, sobre as quais se questiona o direito de propriedade das mesmas.

Ora, os factos alegados e a natureza da questão trazida a juízo não permitem uma decisão fundamentada da reclamação apresentada, já que tal decisão necessita de averiguações não compatíveis com a natureza incidental da presente reclamação, no âmbito da qual não podem as partes alegar e requerer diligências de prova mais aturadas.

Com efeito, nos termos do art. 1350°, n° 1 do CPC, “Quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente, nos termos do nº 2 do artigo 1336º, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns”.

Por seu turno, dispõe o art. 1336°, n° 2 do CPC que “Só é admissível a resolução provisória, ou a remessa dos interessados para os meios comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes”.

Da análise dos factos alegados e da sua conjugação com os requerimentos apresentados pelas partes, entende-se que o caso dos autos se subsume aos preceitos citados, impondo-se ao Tribunal a remessa das partes para os meios comuns, já que, no âmbito do presente inventário, não se afigura possível analisar aprofundadamente a complexa matéria de facto subjacente à aquisição dos aludidos imóveis e apurar se os mesmos devem ou não integrar os bens a partilhar.

Constata-se, assim, que a realização de qualquer diligência probatória se assume como claramente dilatória, já que nunca poderá o Tribunal decidir de forma conscienciosa a questão trazida a juízo, face à precariedade de factos alegados.

Acresce que, não tendo a decisão proferida nos autos nº 4777/10.... resolvido a questão da propriedade do imóvel, inexiste qualquer situação de caso julgado quanto ao caso vertente.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 1350º, nº 1 do CPC, decide-se não conhecer a presente reclamação relativamente à existência de bens imóveis e determinar, nesta parte, a remessa dos interessados para os meios comuns.

Custas por interessada reclamante e cabeça-de-casal, na proporção de metade para cada.

Notifique.

Face à decisão ora proferida, e considerando a inexistência de outros bens relacionados ou a relacionar, nos termos do art. 277º, al. e) do CPC, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Custas pelos herdeiros na proporção de metade para cada.

Notifique e Registe”.

G. Desde a morte do de cujus até à presente data, o prédio referido em D) vem sendo habitado pelo 1.º Réu e respetiva família.

H. O 1.º Réu nunca efetuou qualquer pagamento à Autora pela ocupação dos imóveis.

I. Nunca foi concedido à Autora acesso aos imóveis.

J. BB contraiu matrimónio com CC no dia 29 de Outubro de 1999, sob o regime imperativo da separação de bens.

K. Por documento denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 9 de Agosto de 2004, outorgado por G..., SA, na qualidade de promitente vendedora e CC, na qualidade de promitente compradora, aquela prometeu vender a esta a fração autónoma a constituir, que será designada pela letra  ... a que corresponde, no ... um apartamento destinado a habitação, composto por hall, sala comum, dois quartos com casa de banho privativa que integra o edifício em construção no prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha ...85 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana da citada freguesia sob o artigo ...10 e ainda 5/1091 avos indivisos do predito descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha ...15 artigo 4942, pelo preço global de € 307 900,00, tendo sido convencionado o pagamento da quantia de € 30 790,00 naquela data a título de sinal e como primeiro pagamento, tendo sido dada a correspondente quitação, cfr. documento 2 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

L. G... SA emitiu um recibo a favor de CC, no qual atesta o recebimento da quantia de € 30.790,00, correspondente ao valor do sinal da fração autónoma a constituir que será designado pela letra  ... no Bloco ... o  ... do Condomínio “...” cfr. documento 3 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

M. BB emitiu um cheque sob o n.º ...37 do ... datado de 11 de Agosto de 2004 no valor de € 30.790,00 à ordem de G... SA, cfr. documento 4 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

N. Por documento denominado “Contrato de Cessão de Posição Contratual”, datado de 30 de Agosto de 2005, outorgado por CC, na qualidade de cedente e 1.ª outorgante, DD, na qualidade de cessionário e 2.º outorgante e G..., SA, na qualidade de promitente vendedora e 3.º outorgante, a primeira declarou ceder ao segundo a posição contratual de promitente compradora no contrato referido em H), pelo valor global de € 30.790,00, tendo sido conferida a correspondente quitação pelo 2.º outorgante, cfr. documento 5 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

O. Por documento escrito denominado “Procuração Pública n.º ...”, emitida pelo Consulado Geral de Portugal em ..., datada de 2/06/2006, DD declarou constituir seu bastante procurador seu pai, BB, a quem confere poderes para comprar à G... SA a fração autónoma designada pela letra  ... a que corresponde o  ... – Bloco ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Urbanização ..., Praceta ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., ficha n.º ...85 e inscrito na matriz sob o artigo ... e de 5/1091 avos indivisos do prédio urbano sito na Urbanização ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., ficha n.º ...15 e inscrito na matriz sob o artigo ... e para contrair empréstimo junto do BCP, dele se confessar devedor, pagar o preço, outorgar e assinar a escritura de compra e venda, cfr. documento 6 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

P. Por escritura pública nominada “Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança”, datado de 5 de Junho de 2006, em que intervieram EE, na qualidade de procurador de G..., SA, e os RR., o primeiro por si e na qualidade de procurador de DD e FF, na qualidade de procurador de Banco Comercial Português, o primeiro declarou vender pelo preço global de € 307.900,00 a fração autónoma designada pela letra  ..., que constitui o Bloco ...,  ... e dois lugares de estacionamento do prédio urbano descrito sob o número ...85 da ... Conservatória do Registo Predial ..., descrito na matriz sob o artigo ... e 5/1091 avos do prédio urbano destinado a ginásio e parque de estacionamento e estruturas de recreio, descrito na Conservatória do Registo Predial ... , sob o número ...15, inscrito na matriz sob o artigo .... Mais declarou o segundo outorgante em nome do seu representado que o confessa devedor ao “Banco Comercial Português SA” da importância de € 277.010,00, que do mesmo Banco recebeu a título de empréstimo e que vai ser aplicada na aquisição. Mais declararam os segundos outorgantes em nome próprio que afiançam todas as obrigações que o representado assumir a título do presente empréstimo e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores se obrigam perante o Banco ao cumprimento das mesmas, cfr. documento junto em 11/09/2017 e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais

                                               *

IV – O direito aplicável

No processo de inventário por morte de DD, do qual são herdeiros os seus pais (a Autora e o 1.º Réu), perante a divergência sobre se uma fração predial e uma quota de 5/1091 das áreas comuns do condomínio onde está inserida aquela fração, integravam a herança do de cujus, foram os interessados remetidos para os meios comuns, nos termos do artigo 1350.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, então aplicável.

A Autora interpôs então a presente ação em que, além do pedido de simples apreciação de reconhecimento do direito de propriedade da herança sobre aqueles bens, também pediu a condenação do 1.º Réu a pagar-lhe uma indemnização equivalente a metade do valor locativo do imóvel que este e a sua família utilizam como sua habitação desde a morte do DD, até à partilha do mesmo.

Os Réus contestaram, mantendo a posição que já havia assumido no processo de inventário, ou seja, a de que aqueles bens não pertenciam à herança, sendo propriedade exclusiva do 1.º Réu.

Na sentença proferida no tribunal de 1.ª instância foi decidido que os bens objeto do litígio, integravam a herança por morte de DD.

Não tendo esta decisão sido objeto de recurso, a mesma transitou em julgado.

Já quanto ao pedido indemnizatório, a decisão de improcedência da 1.ª instância foi objeto de recurso para o Tribunal da Relação que a revogou, condenando os Réus a pagar à A. metade do que vier a ser apurado em liquidação de sentença como o valor mensal que seria possível obter num arrendamento das frações supra identificadas desde o óbito do falecido (25/2/2009) e até ao presente. Mais vão condenados a pagar à recorrente metade dos valores mensais que se vencerem até à partilha (ou à desocupação). Sobre os valores a pagar incidirão juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada prestação mensal e até integral pagamento.

Enquanto a sentença da 1.ª instância entendeu que a utilização dos bens da herança pelo Réu e a sua família para habitação, apenas poderia justificar a sua remoção do cargo de cabeça de casal da herança e uma exigência de prestação de contas da administração daqueles bens, não reconhecendo a existência de qualquer direito de indemnização à Autora, o Acórdão da Relação arbitrou a indemnização peticionada com fundamento na má administração desses bens pelo Réu.

Ambas as decisões partem do equívoco que a utilização pelo 1.º Réu daqueles bens da herança se traduz num exercício dos poderes de administração da herança que são atribuídos pelo artigo 2079.º do Código Civil ao cabeça de casal.

Além daqueles poderes especificamente atribuídos, como sejam os previstos nos artigos 2089.º e 2090.º do Código Civil, assim como muitos outros que constam de disposições legais dispersas, a competência do cabeça de casal para administrar os bens da herança atribui-lhe os poderes necessários para a prática de atos e de negócios jurídicos de conservação e frutificação normal dos bens administrados [1], neles não se incluindo, seguramente, a utilização dos bens da herança para seu exclusivo proveito, designadamente a utilização de um imóvel da herança para nele habitar com a sua família. Nesta situação, o cabeça de casal não administra (bem ou mal) aquele imóvel, mas serve-se dele em seu exclusivo benefício.

Daí que, nesses casos, não haja lugar a prestação de contas relativas a uma administração que não se exerceu, além de que a utilização de um bem da herança pelo cabeça de casal não se traduz em qualquer receita ou despesa para a herança, mas sim numa poupança do cabeça de casal e, portanto, numa receita indireta para ele próprio. Por igual razão, o cabeça de casal não pode ser responsabilizado por falta de zelo no exercício de funções que não assumiu, uma vez que, na sua ótica, aqueles bens pertenciam-lhe.

Estamos, pois, perante uma situação de uso de bens de uma herança, em proveito próprio, por um dos herdeiros que, irrelevantemente para o desfecho desta ação, era o cabeça de casal.

Esta realidade, que na vida corrente sucede com alguma frequência, não se mostra especificamente prevista e regulada pelas regras do direito sucessório, dispondo, contudo, o artigo 1406.º do Código Civil, inserido no capítulo da compropriedade, que, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.

O facto de ser entendimento, algo consolidado na nossa doutrina e jurisprudência, que, nas situações habitualmente apontadas como de comunhão em mão comum, designadamente na comunhão sucessória [2], os direitos dos contitulares não incidem sobre cada um dos elementos que constituem o património coletivo, mas sim sobre todo ele, como um todo unitário [3], não é um obstáculo à aplicação subsidiária daquela regra à utilização dos bens da herança pelos herdeiros, em situações alheias à sua administração pelo cabeça de casal, nos termos permitidos e até induzidos pelo artigo 1404.º do Código Civil.

Tenha-se em atenção que, relativamente à posse sobre os bens da herança, a qual após a morte do possuidor continua nos seus sucessores (artigo 1225.º e 2050.º do Código Civil) [4], apesar de nos encontrarmos perante uma posse “jurídica”, porque não exige a prática de atos materiais, qualquer dos herdeiros, além da ação de petição de herança (artigo 2075.º e seg. do Código Civil), pode utilizar os meios de defesa da posse relativamente a cada um dos bens da herança (artigos 1276.º e seg.), inclusivamente contra o cabeça de casal que não se encontre no exercício dos poderes de administração (artigo 2088.º, n.º 2, do Código Civil), sendo subsidiariamente aplicável a uma situação de composse, o que sucede sempre que se verifica uma pluralidade de herdeiros, o disposto no artigo 1406.º do Código Civil [5].

Daí que seja compreensível e adequada a aplicação subsidiária, com as necessárias adaptações, do disposto no artigo 1406.º do Código Civil à utilização pelos herdeiros dos bens da herança em proveito próprio, nos casos em que o cabeça de casal não exerça os seus poderes de administração sobre os bens da herança, face à ausência de uma previsão específica no direito sucessório deste tipo de situações [6].

Na hipótese sub iudice, não se provou que tenha existido qualquer acordo expresso entre a Autora e o Réu sobre a utilização dos bens da herança, pelo que este último só os poderia utilizar desde que não os empregasse para fim diferente daquele a que os mesmos se destinavam e não privasse a outra consorte do uso a que igualmente tem direito.

A utilização de uma fração predial destinada à habitação, atenta a privacidade inerente a tal uso, não permite que a mesma possa ser utilizada, em simultâneo, por herdeiros com diferentes agregados familiares. No entanto, a sua utilização por um dos herdeiros só determina uma privação do uso pelos outros consortes, para os efeitos do artigo 1406.º do Código Civil, se ela contrariar a vontade manifestada de algum deles lhe dar outra utilização [7]. Enquanto não se manifestar uma vontade de utilização do bem incompatível com o uso exclusivo que vem sendo feita pelo co-herdeiro em seu proveito não é possível concluir que esse uso tenha sido excludente do direito de uso dos demais herdeiros [8]. A privação só ocorre com a existência de uma vontade não satisfeita.

Mas, manifestada uma oposição a esse uso, a manutenção daquela ocupação passa a ser ilícita, uma vez que priva o herdeiro contestatário da posse de um bem comum, devendo este, e apenas ele, ser indemnizado da privação sofrida.

Assim, ocorrendo uma ocupação por um herdeiro de um imóvel pertencente a uma herança, impeditiva da sua posse por outro herdeiro e, portanto, ofensiva da composse sobre esse bem, o prejuízo causado a este último corresponde à parte do valor locativo daquela unidade predial no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar tal ocupação, correspondendo essa parcela à quota desse herdeiro na herança.

Deve, pois, ser esse o quantum da indemnização a pagar pelo herdeiro ocupante ao herdeiro privado do uso, nos termos dos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil.

No presente caso, não foi alegado e, consequentemente, não se provou que a Autora antes da propositura da presente ação tenha manifestado a sua oposição a que o Réu utilizasse os bens da herança, fazendo deles a sua habitação. Apenas com a propositura desta ação há conhecimento dessa posição da Autora, pelo que, só com a citação do Réu para contestar se constitui o dever de indemnizar, o qual se mantém até à desocupação do imóvel ou, caso esta não se verifique, até á cessação da situação de contitularidade do domínio e da posse sobre ele, através da partilha da herança.

Não se conhecendo o valor locativo do imóvel deve a liquidação do valor indemnizatório ser relegada para incidente a ser deduzido posteriormente, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

O acórdão recorrido condenou os Réus a pagar à Autora metade do que vier a ser apurado em liquidação de sentença como o valor mensal que seria possível obter num arrendamento das frações supra identificadas desde o óbito do falecido (25/2/2009) e até ao presente. Mais vão condenados a pagar à recorrente metade dos valores mensais que se vencerem até à partilha (ou à desocupação).

Sobre os valores a pagar incidirão juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada prestação mensal e até integral pagamento.

Atenta a fundamentação acima desenvolvida e não sendo objeto do recurso a responsabilidade da Interveniente no pagamento desta indemnização, deve manter-se aquela decisão condenatória, alterando-se apenas a data do início do período de ocupação, relativamente ao qual deve ser calculada a perda do valor locativo, passando aquela a ser a data da citação do Réu para a presente ação e não a data do óbito do autor da herança, mantendo-se o demais decidido.

                                               *

Decisão

Pelo exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de revista e, em consequência, mantém-se o decidido pelo acórdão recorrido, alterando-se apenas a data do início do período de ocupação, relativamente ao qual deve ser calculada a perda do valor locativo, passando aquela a ser a data de citação do Réu na presente ação.

                                               *

Custas da ação e dos recursos pela Autora e pelo Réu em igual proporção.

                                               *

Notifique.

                                               *

Lisboa, 31 de março de 2022

João Cura Mariano (por vencimento)

Fernando Baptista

Catarina Serra (com declaração de voto vencida em anexo)


***



Declaração de voto 



1. Votei vencida por entender que o instrumento adequado para atingir a solução justa não é, com o devido respeito, nem o instituto da responsabilidade civil (como pretendia a autora), nem a aplicação do regime da composse (como se decide no presente Projecto), mas sim a acção de prestação de contas.


2. Entendo que o instituto da responsabilidade civil não é aplicável à situação em apreço, pois depende de requisitos que, ín casu, não podem dar-se como provados (designadamente, a ilicitude e a culpa).


3. Entendo que o artigo 1406.º do CC é inaplicável à situação em apreço porque a natureza da comunhão em que se consubstancia a herança indivisa é incompatível com o disposto nesta norma.

Dispõe-se no artigo 1406.º do CC, com a epígrafe “uso de coisa comum”, que:

1. Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.

2. O uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título[1].

O artigo 1404.º do CC determina a aplicação das regras da compropriedade a outras formas de comunhão; mas, como é usual neste tipo de normas, sempre salvaguardando as especialidades de cada uma das situações e na medida em que não sejam incompatíveis com estas.

Ora, em primeiro lugar, a situação dos autos não respeita à contitularidade de um prédio mas sim de uma herança indivisa. Não deve confundir-se a herança indivisa com os bens – ou o único bem – que ela integra.

Em segundo lugar, do ponto de vista das relações entre os titulares, a herança indivisa qualifica-se como comunhão de tipo germânico ou comunhão de mão comum.

Na comunhão de mão comum, ao contrário do que acontece na comunhão de tipo romano, a propriedade de cada um dos bens não se reparte por quotas ideais, tendo os titulares apenas direito a uma quota de liquidação aquando da partilha.

Descrevendo a comunhão de mão comum e distinguindo-a da compropriedade, Manuel de Andrade dizia, de forma mais completa e incisiva:

Várias pessoas, cada uma das quais tem ou pode ter o seu património próprio, são titulares de um património que globalmente lhes pertence. Ocorre notar que a massa patrimonial em questão não se reparte entre essas pessoas por quotas ideais, como na compropriedade ou comunhão de tipo romano. Antes, como na antiga comunhão de tipo germânico (Gemeinschaft zur gesammten Hand: comunhão de mãos reunidas ou de mão comum), ela pertence em bloco e só em bloco a todas estas pessoas, à colectividade por elas formada. Pertence-lhes solidariamente. Cada uma delas não tem qualquer fração de direito que lhe corresponda individualmente e de que, como tal, possa dispor. Só ao grupo é que compete a massa patrimonial em questão, nenhum direito tendo de per si sobre ela, nem sobre os singulares elementos que a integram, cada um dos respectivos membros. Trata-se, em suma, não de uma compropriedade ou comunhão por assim dizer individualista, como a de tipo romano, mas duma propriedade colectiva – duma comunhão colectivística, sem repartição de quotas[2].

De forma igualmente clara, embora mais sucinta, dizia Antunes Varela:

Na propriedade colectivacontitularidade de duas (ou mais) pessoas num único direito, tal como na compropriedade (art. 1403.º); mas, além de conter um único direito, na propriedade colectiva, há ainda um direito uno, enquanto na compropriedade há um aglomerado de quotas dos vários comproprietários [3].

Na jurisprudência, veja-se, a propósito da comunhão conjugal mas com validade para a herança indivisa, o AUJ n.º 12/2015, proferido em 2.07.2015 (Proc. 899/10.2TVLSB.L2.S1):

No património de mão comum, os direitos dos contitulares não incidem sobre cada um dos elementos que constituem o património – mas sobre todo ele, como um todo unitário. Aos titulares do património colectivo não pertencem direitos específicos – designadamente uma quota sobre cada um dos bens que integram o património global, não lhes sendo lícito dispor desses bens ou onerá-los, total ou parcialmente”.

E veja-se, também deste Supremo Tribunal de Justiça (2.ª Secção), o Acórdão de 28.03.2019 (Proc. 459/13.6TCFUN.L1.S1):

Os bens comuns do casal integram um património coletivo ou um património de mão comum que se mantém indiviso enquanto persistir o casamento (art. 1689º do CC), não podendo nenhum dos cônjuges, por si ou através de procurador, dispor de qualquer quota ideal relativa aos bens comuns ou a algum dos bens da comunhão[4].

Transpondo estas considerações para o caso dos autos, quer isto dizer, numa palavra: autora e réu não têm cada um direito a metade do prédio[5].

Não tendo as partes direito a metade do prédio (ou a uma quota ideal do prédio), é impossível repartir o uso do prédio pelas partes consoante as quotas de cada um.

Quer dizer: é impossível atribuir metade do direito de uso do prédio a cada um e considerar que, na falta de acordo, o herdeiro utilizador tem a obrigação de compensar, nessa medida, o herdeiro não utilizador.


4. Quanto à figura da composse, convocada no presente Projecto para enquadrar a situação em apreço, tenho dúvidas de que ela possa ser convocada sem mais e, sobretudo, que ela tenha aptidão para fundamentar a obrigação de indemnização.


4.1. No presente Projecto, enquadra-se a situação em apreço na composse mas não se indica – ou, pelo menos, não se descortina – o fundamento da obrigação de indemnização arbitrada.

Seria possível pensar na defesa judicial da posse e equacionar a hipótese de uma acção possessória (cfr. artigo 1277.º do CC), mais precisamente, de uma acção de restituição (cfr. artigo 1278.º do CC), destinada a obter a recuperação da posse efectiva e pôr fim ao esbulho e que permitiria ainda ao possuidor restituído o direito a ser indemnizado dos prejuízos causados pelo esbulho, nos termos do artigo 1284.º do CC.

O problema é que a presente acção não se apresenta, em rigor, como uma acção possessória; ainda que fosse uma acção possessória, ela sempre estaria sujeita ao regime das acções possessórias, designadamente à regra do artigo 1282.º do CC.

Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela:

Segundo este preceito [artigo 1284.º do CC], o possuidor perturbado ou esbulhado (…) não pode pedir a indemnização dos prejuízos sofridos se não pedir simultaneamente a manutenção ou a restituição da posse e a procedência daquele pedido dependerá da procedência deste último[6].


4.2. Seja como for, no meu entender, o recurso à figura da composse não resolveria qualquer problema.

A posse é exercida nos mesmos termos do direito real, logo, a aplicação do artigo 1406.º do CC depara exactamente com os mesmos obstáculos apontados à propriedade colectiva.

Como explica, com notável clareza, Manuel Henrique Mesquita:

A composse pode existir em relação a qualquer direito real susceptível de posse. Se o direito real é divisível (propriedade, usufruto), também a composse o será. Se o direito real é indivisível (servidão, enfiteuse) os compossuidores sê-lo-ão in solidum; haverá como que uma titularidade colectiva da posse e não uma posse de quotas ideais do direito possuído [7].

Veja-se também o que se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.11.2008[8]:

Como escreveu Rabindranath Capelo de Sousa ("Lições de Direito das Sucessões", pág. 185), citado no referido acórdão, 'nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a realização da partilha, uma vez que até aí a herança indivisa constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota-parte do património hereditário'”[9].

Quer dizer: tal como o direito de propriedade que acompanha, esta posse, exercida sobre a herança indivisa, é incompatível com o disposto no artigo 1406.º do CC.

Trata-se, além do mais, de uma posse causal, em que o (com)possuidor é simultaneamente (con)titular do direito a que a posse corresponde. Nestes casos, a invocação da (com)posse pouco ou nada acrescenta para o efeito da protecção dos interesses do(s) sujeito(s) em causa[10].


5. Dito isto, não se põe em causa – bem-entendido – que a autora participe nas vantagens efectivas que o réu teve com o uso do prédio integrante da herança.

É justo que a autora participe nestas vantagens efectivas. Advêm elas do facto de o réu ter poupado, evitando as despesas relacionadas com a habitação em prédio alternativo.

Mas o réu também terá despendido dinheiro seu ou tido despesas com a administração da herança. Antes de qualquer coisa, deve, portanto, apurar-se o valor líquido das receitas / poupanças, através da dedução do valor correspondente às despesas que o réu suportou.

Tudo isto desde a data da propositura da acção, dado que só com esta propositura, a autora manifestou a sua oposição ao uso do prédio pelo réu.

Em conclusão, na minha opinião, o uso do prédio pelo réu pode e deve ser considerado para o efeito do apuramento das contas da administração da herança pelo cabeça-de-casal[11] e o instrumento adequado, que está na disponibilidade da autora, é a acção de prestação de contas (cfr. artigo 2093.º do CC), mais precisamente a acção de prestação provocada (cfr. artigos 942.º a 945.º do CPC).

Cabe nesta acção de prestação de contas discriminar as receitas e as despesas efectivamente ocorridas enquanto a herança se mantiver indivisa e sob a administração do cabeça-de-casal.

Com esta acção de prestação de contas atinge-se, no meu entender, e sempre com o devido respeito, a solução justa através do Direito. E havendo instrumentos disponíveis no Direito não deve a solução justa ser procurada para lá deles.


Pelo exposto, concederia a revista e repristinaria a decisão do Tribunal de 1.ª instância.


Lisboa, 21.04.2022



Catarina Serra

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Notas de rodapé do acórdão:


[1] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, II, Coimbra Editora, 1980, pág. 78-79
[2] JOÃO GOMES DA SILVA, Herança e Sucessão por Morte. A Sujeição do Património do De Cujus a um Regime Unitário no Livro V do Código Civil, Universidade Católica Editora, 2002, pág. 164, refere, contudo, que a herança indivisa nacional é um meio termo entre a comunhão germânica e romana.
[3] Contudo, ELSA VAZ DE SEQUEIRA, na sua tese de doutoramento, Da Contitularidade de Direitos no Direito Civil. Contributo para a sua análise morfológica, Universidade Católica Editora, 2015, expõe convincentes argumentos no sentido de as disparidades entre o modelo romano e germânico de comunhão não justificarem uma apartação ontológica, verificando-se até uma coincidência morfológica, constituindo duas espécies do mesmo género (pág. 503). Nesta linha, sustenta que, relativamente a cada um dos bens da herança, também se verifica uma situação de contitularidade de direitos, tal como ocorre na compropriedade, afastando-se, assim, da perspetiva de que na comunhão sucessória o direito comum incide apenas sobre o património hereditário como um todo e não sobre cada um dos bens que o integram.
[4] Sobre a posse dos herdeiros sobre os bens da herança, JOÃO GOMES DA SILVA, ob. cit., pág. 206 e seg.
[5] MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. XIII, Almedina, 2022, pág. 688.
[6] No mesmo sentido decidiu o recente Acórdão do S.T.J. de 15.02.2022, Proc. 929/14 (Rel. Maria João Tomé).
  Aplicou também o disposto no artigo 1406.º, embora o seu n.º 2, numa situação de uso de um bem de uma comunhão em mão comum (comunhão conjugal), o Acórdão do S.T.J. de 11.03.2021, Proc. 3944/16 (Rel. Rosa Tching).
[7] ELSA SEQUEIRA SANTOS, Código Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2018, pág. 218, e os Acórdãos do S.T.J. de 14.01.2014, Proc. 7244/04 (Rel. Gregório de Jesus) e de 15.02.2022, Proc. 929/14 (Rel. Maria João Tomé), onde se descortina uma posição de tolerância de anuência ao gozo do imóvel como exteriorizadora de uma vontade permissiva.
[8] Acórdão do S.T.J. citado na nota 6.

***


Notas de rodapé da declaração de voto vencida :


[1] Meus sublinhados.
[2] Cfr. Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. I – Sujeitos e objecto, Coimbra, Almedina, 1983, p. 225 (sublinhados do autor).
[3] Cfr. Antunes Varela, Direito da Família, 1.º volume, Lisboa, Petrony, 1996 (4.ª edição), p. 455 (sublinhados do autor).
[4] Veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8.07.2021 (Proc. 4897/19.2T8CBR-A.C1): “[n]a verdade, o direito à meação e o direito à herança são direitos que incidem sobre uma quota ideal de determinado património ou universalidade (o património comum do casal e a herança) e que não incidem sobre cada um dos bens concretos que integram esse património; a apreensão e venda desses direitos não equivale, portanto, à apreensão e venda – autónoma e individualizada – de cada um dos bens que integram a herança ou o património comum do casal”.
[5] Leiam-se, a propósito, as palavras de Francisco Pereira Coelho / Guilherme de Oliveira [Curso de Direito da Família, Volume I – Introdução. Direito matrimonial, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016 (5.ª edição), p. 600], discorrendo a propósito da comunhão conjugal, que tem a mesma natureza da herança indivisa: “não se trata de cada cônjuge ter direito a metade de cada bem concreto do património comum – o que não corresponde ao conceito de património colectivo que a comunhão é (…). O direito a metade é, assim, um direito ao valor de metade”.
[6] Cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 60.
[7] Cfr. Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais – Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra, 1967, p. 89.
[8] In: Colectânea de Jurisprudência, 2008, n.º 211, Tomo III.
[9] Meus sublinhados.
[10] Cfr., em sentido próximo, Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Parede, Principia, 2020, p. 469.

[11] Cfr., por todos, neste sentido, Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça (2.ª Secção) de 10.09.2015 (Proc. 233/142TBAMT.P1.S1), onde se diz: “(…) relativamente à área ocupada pela Ré e sua família […], acolhemos, aqui, os argumentos do acórdão recorrido no sentido [de] que a utilização da Ré [de] parte da casa, se insere no exercício da administração”.