Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10348/14.1T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
ELEVADOR
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
DENÚNCIA
PRAZO RAZOÁVEL
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA PENAL
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES – DIREITO DAS COISAS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / FIXAÇÃO CONTRATUAL DOS DIREITOS DO CREDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL / PRESTAÇÃO DE SERVIÇO / MANDATO / REVOGAÇÃO E CADUCIDADE DO MANDATO.
Doutrina:
-Calvão da Silva, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 135.º, 2005, p. 127;
-Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil português, volume I, Tomo I, 2.ª edição, 2000, p. 415 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2, 349.º, 762.º, N.º 1, 812.º, N.º 1, 1156.º, 1170.º E 1172.º, ALÍNEA C).
REGIME DE MANUTENÇÃO E INSPECÇÃO DE ASCENSORES, MONTA-CARGAS, ESCADAS MECÂNICAS E TAPETES ROLANTES, APROVADO PELO DL N.º 320/2002, DE 28 DE DEZEMBRO: - ARTIGOS 2.º, ALÍNEA B), 4.º, N.º 1, 5.º, N.º 1, ALÍNEA B), 9.º E 10.º.
REGIME JURÍDICO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, APROVADO PELO DL N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGO 22.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E M).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 15-01-2913, PROCESSO N.º 600/06.5TCGMR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. As presunções judiciais não podem ser extraídas pelo Supremo Tribunal de Justiça, competindo-lhe apenas verificar da legalidade do seu uso.

II. Tendo os factos sido declarados como não provados, não é possível o uso de presunções judiciais para a sua prova.

III. O contrato é de adesão, quando o núcleo essencial das suas cláusulas é pré-elaborado e os destinatários indeterminados se limitam a aceitá-lo.

IV. O prazo concreto de noventa dias em relação ao termo do prazo do contrato de prestação de serviço manutenção de elevadores, com a duração de cinco anos, apresenta-se como razoável para a denúncia do contrato, em face dos interesses dos respetivos contraentes.

V. Face ao valor concreto do pedido, a título de cláusula penal, correspondente a 25 % do valor abstrato, a cláusula não é desproporcionada, tendo em consideração a razão de ser da fixação do prazo para a denúncia do contrato.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


    AA, elevadores, Lda., instaurou, em 21 de maio de 2014, na então Grande Instância Cível de …, Comarca da Grande Lisboa-Noroeste (Juízos Centrais Cíveis de …, Comarca de Lisboa Oeste), contra Condomínio do Edifício n.º … da …, Tapada das Mercês, Mem Martins, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 40 409,33, acrescida de juros vencidos, no montante de € 2 857,40, e juros vincendos.

Para tanto, alegou, em síntese, ter celebrado com o R. um contrato de conservação de elevadores, denominado “Manutenção Completa AA”, obrigando-se a conservar, por períodos de cinco anos, os elevadores instalados no edifício, pelo valor mensal inicial de  18 050$00, acrescido de IVA, que, com as sucessivas atualizações, passou a ter o valor atual de € 422,55 (IVA incluído); em 3 de dezembro de 2012, o R. resolveu o contrato, que vigorava até dezembro de 2017, razão pela qual lhe faturou a sanção contratual; o R. deixou de pagar diversas faturas de conservação e reparação dos elevadores, no valor de € 12 236,00.

Contestou o R., por exceção, alegando o incumprimento da A., e por impugnação, e concluiu, pela improcedência parcial da ação. Deduzindo reconvenção, pediu a condenação da A. na quantia de € 6 998,03, alegando, para o efeito, os prejuízos causados.

A A. replicou, concluindo pela sua absolvição do pedido reconvencional.

Realizou-se a audiência prévia, na qual se procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 19 julho de 2016, sentença, julgando-se a ação parcialmente procedente e condenando o Ré a pagar à Autora a quantia de € 12 236,00 (a)), acrescida de juros de mora, desde a data de vencimento de cada uma das faturas até efetivo e integral pagamento, calculados nos termos do DL n.º 32/2003, de 17 de fevereiro (b)), e a pagar ainda a quantia de € 12 887,90, acrescida de juros desde 28 de dezembro de 2012 até efetivo e integral pagamento (c)); e a reconvenção improcedente, com a absolvição da Autora do pedido.

Inconformado, o R. apelou para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão de 8 de junho de 2017, julgando procedente a apelação, alterou a alínea b) do dispositivo da sentença, no que tange ao cálculo de juros, a fazer de acordo com a cláusula 6.1 do contrato, e a alínea c), condenando o Réu a pagar à Autora a quantia de € 6 466,22, acrescida de juros desde 28 de dezembro de 2012 até efetivo e integral pagamento.


Inconformado ainda, o Réu recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:


a) O acórdão recorrido é ilegal, por ter violado as disposições do DL n.º 446/85, de 25 de outubro, DL n.º 320/2002, de 28 de dezembro, e os arts. 811.º, n.º 3, 483.º, 799.º, 795.º, 798 e 762.º, todos do Código Civil.

b) Com o contrato de manutenção, pretendia o R. ter os seus elevadores em funcionamento.

c) É à A. que assinou um contrato de manutenção total que cabe a prova dos factos que justifiquem a circunstância dos elevadores terem sido selados e um deles se ter mantido inoperacional por mais de um ano.

d) Assim que o R. rescindiu o contrato com a A. e contratou outra empresa para a mesma manutenção os elevadores passaram a funcionar devidamente.

e) O contrato celebrado entre A. e R. é de adesão, pré elaborado pela A. e sem espaço para se introduzirem cláusulas diferentes das impressas, ao qual se aplica o regime do DL n.º 446/85, de 25 de outubro.

f) É a A. que tem o ónus da prova das circunstâncias que determinem a aplicação de cláusulas das quais pretenda prevalecer-se.

g) A A. não teve nenhum dano emergente da rescisão do contrato, não tendo direito a indemnização por esse facto.

h) A cláusula que estabelece um prazo dilatado de pré-aviso para a denúncia do contrato é injustificada e abusiva e deve ser desconsiderada.

i) Pretender impor uma renovação automática por mais cinco anos, em caso de atraso na denúncia do contrato para o seu termo, é tremendamente abusivo, sendo nula.

j) O mesmo se diga da cláusula penal prevista pela inobservância do prazo de pré-aviso, em caso de denúncia.

k) A A. foi condenada em diversas ações inibitórias que a impedem de se prevalecer das cláusulas indicadas.

l) O comportamento da A., no decurso do contrato, revela cumprimento defeituoso que o R. não é obrigado a aceitar, sendo legítima a invocação da exceção de não cumprimento deste contrato sinalagmático.

m) Decorrido mais de um ano sem que a A. substituísse uma peça essencial dos elevadores (roda da coroa) a que se havia obrigado e mantendo-se um dos elevadores imobilizado, é mais do que justa a causa para a rescisão imediata e unilateral do contrato.

n) Não tendo sido prestados os serviços e o fornecimento contratados, não pode a A. exigir o respetivo pagamento. 


Com a revista, o Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição do pedido e a condenação da Autora a indemnizá-lo pelos danos que o seu incumprimento contratual causou e que venham a provar-se em execução de sentença.


A A. contra-alegou, nomeadamente no sentido da improcedência do recurso.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está essencialmente em discussão o incumprimento de contrato de prestação de serviço de conservação de elevadores, e em particular a validade da cláusula penal nele prevista.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:


1. A A. tem, como atividades principais, o fornecimento, montagem e conservação de elevadores.

2. Com data de 19 de dezembro de 1992, o R. celebrou com a A. um contrato de conservação dos elevadores, denominado “Manutenção Completa AA”, constante de fls. 10 e 11.

3.  Nos termos desse contrato, a A. obrigava-se a assegurar a manutenção dos elevadores sitos no edifício para habitação na Tapada das Mercês, Lote B-…, pelo prazo de cinco anos, compreendendo os seguintes: a) Serviços: - visitas periódicas mensais destinadas a vistoriar regularmente o estado dos cabos, encravamentos mecânicos e elétricos, freios e todos os dispositivos de segurança dos aparelhos e a lubrificar, utilizando para tal os lubrificantes especificados, todas as partes e componentes dos aparelhos que pela sua natureza e trabalho disso necessitem; - visitas periódicas semestrais para verificação metódica da instalação elétrica e órgãos mecânicos, nomeadamente dos cabos e dos paraquedas, tendo em vista a manutenção preventiva dos elevadores; - visitas periódicas anuais para limpeza do poço, da caixa e da cobertura da cabine, da casa das máquinas e dos locais das rodas de desvio; - reparação de avarias: a pedido do(s) proprietário(s) ou seu representante a AA intervirá em caso de avarias que surjam entre as avarias periódicas; - reparação e substituição de peças quando estejam sujeitas a desgaste, não estejam incluídas pelas cláusulas 2. e 3., a fim de garantir o regular funcionamento dos elevadores, incluindo: - elementos de redutor, sem fim e rodas da coroa; - induzidos elétricos de motores, bobines, retificadores, disjuntores de quadro de manobras e eletrofrelos; - freios e suas sapatas de frenagem; - polias de qualquer tipo; retentores e rolamentos para polias, motores, geradores e maquinas; - limitadores de velocidade; - cabos de aço de tração da cabine, compensação, limitador de velocidade e seletor de pisos; correntes ou fita metálica para acionamento dos seletores de piso; - fechaduras das portas de piso e cabina e o elemento de acionamento das portas automáticas e semiautomáticas; - dispositivos elétricos e mecânicos do paraquedas de segurança; - seletor de pisos, tanto nas suas partes mecânicas como elétricas; - condutores elétricos para manobra, incluindo os da sinalização luminosa, tanto fixos como móveis; - dispositivos de manobra da cabine e patamares; - guias para deslizamento de portas e funcionamento horizontal e suas suspensões; - visitas especiais por um supervisor de manutenção a fim de proceder a um exame periódico e completo das instalações e ainda visitas especiais a fim de prestar a assistência que seja requerida pela Direção Geral de Energia. b) Exclusões - substituição dos acessórios das cabines, dos elementos decorativos aí existentes e dos vidros e elementos decorativos das portas; - conservação das instalações do edifício, mesmo que elas tenham sido executadas especialmente para o estabelecimento dos elevadores, tais como circuitos de força motriz, de iluminação, de terra, de alimentação ao quadro da casa das máquinas e respetiva proteção, dispositivo antiparasitagem, alvenaria e pinturas e ainda que em consequência de trabalhos de reparação; - reparação ou substituição de peças ou órgãos deteriorados por vandalismo ou uso anormal; - alterações das características iniciais nem a substituição de acessórios por outros de melhores características, assim como alterações por obrigações legais ou administrativas e eventuais exigências das empresas seguradoras. c) Mais excluía o contrato o funcionamento dos elevadores por causas estranhas e fora do seu controlo, como: - infiltração de água e/ou inundação na caixa, casa das máquinas ou poço; - utilização dos elevadores com carga superior à indicada; - utilização dos elevadores para fins diferentes dos previstos; - quedas de tensão ou frequência de energia elétrica, diferindo mais de 5 % dos valores nominais ou quaisquer cortes de fornecimento de energia elétrica; - greves, atos de vandalismo, alterações de ordem pública, faltas de meios de transporte ou mobilização; - deficiências de construção civil ou alterações posteriores da estrutura do edifício; - deflagração de incêndios na caixa ou na casa das máquinas dos elevadores ou em qualquer zona do edifício.

4. Os serviços contratados tinham o valor inicial mensal de 18 050$00, o qual sofreu as atualizações anuais, sendo em 2012 de € 391,26 (IVA incluído).

5. Nos termos da cláusula 7.4 estabeleceu-se que “uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços aqui convencionados é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da AA, em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo(s) proprietário(s) ou seu representante a AA terá direito a uma indemnização por danos que será imediatamente faturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado para contratos com duração até 5 anos, no valor de 50 % das prestações do preço para contratos com a duração entre 5 e 10 anos e no valor de 25 % do preço para contratos com a duração entre 10 e 20 anos.”

6. Desde o início do contrato que a A. foi procedendo às reparações e manutenções dos elevadores do prédio (alterado pela Relação).

7. Por carta de 3 de dezembro de 2012, o R. enviou à A. a comunicação, da qual constava: “Dada a situação insustentável de o prédio continuar sem os elevadores a funcionar há mais de um ano e sem solução visível, vimos pela presente carta comunicar que rescindimos por justa causa o contrato de manutenção de elevadores, com efeitos imediatos, motivado por assistência deficiente, incumprimento do contrato, conduta/procedimentos inapropriados por parte da AA e pelo insucesso de um acordo nas várias matérias, conforme é comprovado em todo o historial. Da rescisão iremos dar conhecimento às entidades competentes: Desde esta data fica vedado o acesso ao prédio à AA ou qualquer outra entidade particular por esta indigitada. Independentemente da não continuidade do contrato de manutenção, proponho e é de todo importante que se efetue mais uma tentativa para um acordo para a resolução/apuramento dos valores em dívida (….)”.

8. A A. respondeu a essa comunicação por carta de 7 de janeiro de 2013, constante de fls. 12 v.

9. Porque os elevadores reclamavam intervenções não incluídas no contrato a A. enviou ao R., a pedido deste, vários orçamentos., bem como propostas com vista à renegociação do contrato, os quais não foram aceites pelo R.

10. O R. não procedeu ao pagamento das seguintes faturas:

Tipo de fatura n.º da fatura Data de venci/to Valor
Conservação FCC1002...5 01-02-2010 € 336,62
Conservação FCC1003…2 01-03-2010 € 336,62
Conservação FCC1006…3 01-06-2010 € 336,62
Conservação FCc1008…8 01-08-2010 € 339,43
Conservação FCC1009…0 01-09-2010 € 339,43
Conservação FCC1010…1 01-10-2010 € 339,43
Conservação FCC1011…6 01-11-2010 € 339,43
Conservação FCC1001…5 01-01-2010 € 336,62
Conservação FCC1007…7 01-07-2010 € 339,43
Conservação FCC1012…8 01-12-2010 € 339,43
Conservação FCC1101…5 01-01-2011 € 362,28
Conservação FCC1103…8 01-03-2011 € 362,28
Conservação FCC1104…7 01-04-2011 € 362,28
Conservação FCC1105…4 01-05-2011 € 362,28
Conservação FCC1106…1 01-06-2011 € 362,28
Conservação FCC1107…4 01-07-2011 € 362,28
Conservação FCC1108…3 01-08-2011 € 362,28
Conservação FCC1109…9 01-09-2011 € 362,28
Conservação FCC1110…6 01-10-2011 € 362,28
Conservação FCC1111…2 01-11-2011 € 362,28
Conservação FCC1112…8 01-12-2011 € 362,28
Conservação FCC1201…8 25-01-2012 € 391,26
Conservação FCC1202…4 29-02-2012 € 391,26
Conservação FCC1203…7 25-03-2012 € 391,26
Conservação FCC1204…3 25-04-2012 € 391,26
Conservação FCC1205…1 25-05-2012 € 391,26
Conservação FCC1206…9 25-06-2012 € 391,26
Conservação FCC 1212…7 25-11-2012 € 391,26
Conservação FCC1208…9 25-08-2012 € 391,26
Conservação FCC1211…3 25-10-2012 € 391,26
Conservação FCC1209…1 25-09-2012 € 391,26
Conservação FCC1207…9 25-07-2011 € 391,26
Reparação FRZ1104…9 24-11-2011 €115,62
Reparação FRZ1101…1 18-03-2011 €86,10

 



11. A A. procedeu ainda à emissão da fatura RCC129…2, com data de vencimento de 28/12/2012, a título de sanção contratual pela resolução do contrato, no valor de € 25 775,81, que o R. não pagou.

12. A A. procedeu ainda em 16/05/2013 à emissão da fatura NDJ1300…5, referente a nota de juros, no valor de € 2 395,52, que o R. não pagou.

13. A A. efetuou diversas reparações nos elevadores do condomínio R., reparações que, passado algum tempo, voltavam a ser necessárias.

14. Em 26 de abril de 2010, o elevador n.º 2 apresentava uma avaria, roda de coroa partida.

15. Em 10 de novembro de 2011, os elevadores do prédio do condomínio R. foram selados após nova inspeção da Câmara Municipal de ….

16. Já a 11 de março de 2011 os elevadores haviam sido sujeitos a inspeção periódica, levada a cabo pela Câmara Municipal de …, da qual havia resultado a indicação de avarias tipo C2 e C3 no elevador n.º 1.

17.  Não obstante os elevadores se encontrarem selados, a A. procedeu à faturação dos serviços de manutenção contratualizados, tendo-se deslocado ao prédio com vista à manutenção.

18. Desde a selagem dos elevadores que houve diversa troca de correspondência entre A. e R.

19.  A 30 de março de 2011, a A. apresentou ao R. a proposta de orçamento SSC76…1, para reparação dos dois elevadores, no valor de € 29 640,00.

20.  A 25 de outubro de 2012, a A. apresentou nova proposta de orçamento SSC76…2, para reparação dos dois elevadores, no valor de € 19 140,00, com a nota dele constante.

21.  O R. procedeu à reparação das portas dos elevadores.

22.  O R. procedeu à reparação da máquina do elevador.

23. A ferrugem e a oxidação das portas dos elevadores ao nível do patamar, assim como as folgas nas dobradiças, resultaram de uma inundação no prédio.



***



2.2. Delimitada a matéria de facto provada, importa então conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente do incumprimento do contrato de prestação de serviço de conservação de elevadores e da validade de certas cláusulas previstas no contrato, designadamente da cláusula penal.

O Recorrente, no essencial, insiste no incumprimento do contrato, imputável à Recorrida, e na invalidade da cláusula onde se prevê o aviso prévio para a denúncia do contrato e da cláusula penal, o que implica a sua absolvição do pedido.

Por sua vez, a Recorrida, refutando qualquer incumprimento contratual da sua parte e defendendo a validade da cláusula penal, conclui no sentido do acórdão recorrido.

Esquematizados, em traços largos, os termos da controvérsia emergente dos autos, impõe-se tomar posição.


Na verdade, em 19 de dezembro de 1992, entre a Recorrida e o Recorrente, foi celebrado por escrito um contrato de prestação de serviço de conservação de elevadores do edifício para habitação, denominado de “Manutenção Completa AA”, cuja cópia consta de fls. 10 e 11, sucessivamente renovado por períodos de cinco anos.

Esse contrato veio a inserir-se numa das espécies previstas na alínea b) do n.º 1 do art. 5.º do DL n.º 320/2002, de 28 de dezembro, diploma que estabeleceu, designadamente, o regime de manutenção e inspeção de ascensores, monta-cargas, escadas mecânicas e tapetes rolantes, após a sua entrada em serviço.

O contrato de manutenção entre o proprietário dos ascensores e a empresa de manutenção de ascensores (EMA) é obrigatório (art. 4.º, n.º 1), visando-se manter tal instalação em boas condições de segurança e funcionamento (art. 2.º, alínea b)).

A manutenção dos elevadores em boas condições de segurança e funcionamento constituía, sem qualquer dúvida, a finalidade do contrato de prestação de serviço celebrado, correspondendo ao interesse imediato do proprietário.

Incorre em incumprimento contratual o devedor que não realiza a prestação a que estava vinculado – art. 762.º, n.º 1, do Código Civil (CC).

A prestação a realizar pelo devedor há de encontrar-se na economia do instrumento de vinculação jurídica, como o contrato, partindo-se dessa especificação para se verificar a situação de incumprimento.

Como facto constitutivo do direito, compete a quem se arroga o ónus da prova sobre o incumprimento, nos termos do disposto no art. 342.º, n.º 1, do CC.

Embora o Recorrente impute à Recorrida o incumprimento do contrato de prestação de serviço de conservação de elevadores de edifício de habitação, o certo é que não logrou realizar a prova do incumprimento, sendo certo que lhe cabia o ónus da prova.

Para tal efeito, o Recorrente aponta os seguintes factos:

- A A. efetuou diversas reparações nos elevadores do Condomínio R., reparações que passado algum tempo, voltavam a ser necessárias (13.);

- Em 26 de abril de 2010, o elevador n.º 2 apresentava uma avaria, roda de corroa partida (14.);

- Em 10 de novembro de 2011, os elevadores do prédio do Condomínio R. foram selados após nova inspeção da Câmara Municipal de … (15.).

Estes factos, todavia, devem ser interpretados tendo em consideração o contexto da sua alegação, nomeadamente na contestação. Por si só, estes factos não são demonstrativos do incumprimento da obrigação a que a Recorrida se vinculara contratualmente.

Alguns dos factos especificados provam que houve avarias nos elevadores e que a Câmara Municipal de … selou os elevadores em 10 de novembro de 2011. Não ficou demonstrado, porém, que a Recorrida não tivesse realizado as reparações a que se obrigara pelo contrato, designadamente quanto à roda de coroa. Pelo contrário, provou-se até que a Recorrida efetuou diversas reparações nos elevadores.

Por outro lado, como consta do acórdão recorrido, não se provou a falta de qualquer reparação incluída no contrato celebrado, ao contrário do alegado na contestação (artigo 9.º), assim como também não ficou provado que a selagem dos elevadores, ocorrida em 10 de novembro de 2011, fosse o “resultado da deficiente manutenção”, como se alegara no mesmo articulado (artigo 10.º).

Nestas circunstâncias, por falta de prova, à Recorrida, não é possível imputar-lhe a falta de reparação de qualquer avaria contemplada no âmbito do contrato, assim como também não se lhe pode atribuir a causa da selagem dos elevadores.

Nesta matéria, o Recorrente, sem o afirmar expressamente, apela ao uso de presunções judiciais para a prova de factos que consubstanciam o alegado incumprimento do contrato pela Recorrida.

No entanto, a razão não lhe assiste. Com efeito, as presunções judiciais, que correspondem as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349.º do CC), não podem ser extraídas pelo Supremo Tribunal de Justiça. Tratando-se de um tribunal de revista, não conhece, por regra, de matéria de facto, no âmbito da qual se coloca o uso de presunções judiciais. Ao Supremo compete apenas verificar da legalidade do uso das presunções judiciais.

De qualquer modo, tendo os factos que consubstanciavam o incumprimento do contrato sido declarados como não estando provados, como se referiu, não seria também possível fazer uso das presunções judiciais (CALVÃO DA SILVA, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 135.º, 2005, pág. 127).

A prova de tais factos, tendentes a justificar a resolução do contrato ou a exceção de não cumprimento, competia ao Recorrente, nomeadamente nos termos do disposto no art. 342.º, n.º s 1 e 2, do CC.

Assim, perante a insuficiência de factos que se manifesta, não é possível imputar o incumprimento do contrato de prestação de serviço de conservação de elevadores à Recorrida, pelo que o Recorrente continua adstrito à sua prestação contratual e carece de fundamento legal a declarada resolução do contrato.


O contrato de prestação de serviço de conservação de elevadores, constante de fls. 10 e 11, corresponde a um contrato de adesão, porquanto na sua regulação, dispõe de uma série numerosa de cláusulas contratuais gerais, encimadas pela expressão “condições gerais de assistência e conservação de elevadores”.

Na verdade, trata-se de um conjunto de proposições pré-elaboradas, nomeadamente pela Recorrida, e que os destinatários indeterminados se limitam a aceitar. As cláusulas contratuais gerais caracterizam-se, sobretudo, pela sua generalidade e rigidez, advindo a generalidade da circunstância de se destinarem a um conjunto indeterminado de interessados, enquanto a rigidez resulta de serem elaboradas sem prévia negociação, sendo aceites em bloco pelos aderentes (A. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo 1, 2.ª edição, 2000, págs. 415 e segs.).

O contrato, contudo, contém ainda algumas cláusulas particulares, nomeadamente sobre o preço concreto da prestação de serviço, o mês da faturação, a duração concreta do contrato e o período concreto da sua renovação. Todavia, essas cláusulas, sujeitas a negociação prévia, não sendo cláusulas contratuais gerais, não retiram tal natureza ao conjunto das demais cláusulas, não só pela dimensão que estas assumem como também pela vastidão das matérias abrangidas, constituindo, claramente, o núcleo essencial modelador do contrato celebrado, nos termos usados no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 15 de janeiro de 2013 (600/06.5TCGMR.G1.S1), acessível em www.dgsi.pt.

Tratando-se, pois, de um contrato de adesão, a validade das suas cláusulas está sujeita a controlo jurisdicional, nomeadamente nos termos especificados no DL n.º 446/85, de 25 de outubro.

Neste âmbito, o Recorrente alega a nulidade da cláusula 7.4. (“uma vez que a natureza, âmbito e dos serviços aqui convencionados é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da OTIS, em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo Proprietário ou seu representante, a OTIS terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente faturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado para contratos com a duração até cinco anos, no valor de 50 % das prestações do preço para contratos com a duração entre cinco e dez anos e no valor de 25 % do preço para contratos com a duração entre dez e vinte anos”), por considerar uma limitação abusiva e injustificada à liberdade contratual do Recorrente.

Segundo a cláusula 7.3., o contrato podia ser “denunciado por qualquer dos contraentes com, pelo menos, noventa dias de antecedência do termo do prazo que então estiver em curso”, sendo certo que o Recorrente pôs termo imediato ao contrato, por carta de 3 de dezembro de 2012, quando o prazo, sem renovação, terminava em 31 de dezembro de 2012.

Não se tendo provado o incumprimento do contrato imputável à Recorrida, a declaração do Recorrente, de pôr termo ao contrato, tanto pode valer como revogação do contrato, com a obrigação de indemnizar (arts. 1156.º, 1170.º e 1172.º, alínea c), do CC), como valer como denúncia. Neste caso último caso, é manifesto não ter sido observado qualquer prazo, pois a denúncia foi declarada com efeitos imediatos, quanto mais no prazo de noventa dias previsto no contrato.

É este condicionamento que o Recorrente considera abusivo e injustificado, assim como excessiva a sanção penal prevista para o incumprimento do prazo da denúncia.

É normal os contraentes fixarem certo prazo para a denúncia do contrato, nomeadamente de prestação de serviço, de modo a que o outro contraente possa acautelar e adequar convenientemente a sua atividade em função da nova realidade que se perspetiva. Tal pode acontecer com a atividade empresarial de conservação de elevadores, pois a prestação desse tipo de serviço carece, naturalmente, de planeamento, tanto em termos de meios humanos como materiais, independentemente da dimensão da empresa.

O prazo concreto de noventa dias em relação ao termo do prazo do contrato, com a duração de cinco anos, não sendo excessivo, apresenta-se como razoável para a denúncia do contrato, em face dos interesses de ambos os contraentes, permitindo, por um lado, que a empresa acautele a alteração anunciada e, por outro lado, que o proprietário disponha de tempo suficiente para encontrar outra empresa que lhe preste o serviço de conservação dos elevadores.

De resto, o Recorrente escusa-se a indicar o prazo que consideraria razoável para a denúncia do contrato, sendo certo que, em concreto, pôs termo imediato ao contrato, por carta de 3 de dezembro de 2012, e estar em causa o prazo excessivo para a denúncia do contrato e não a sua inexistência.

Nestas condições, a cláusula 7.3., quanto ao prazo de denúncia do contrato, não se enquadrando no âmbito do disposto no art. 22.º, n.º 1, alíneas a) e m), do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais previsto no DL n.º 446/85, de 25 de outubro, por não ser abusiva, não está proibida de ser usada.


Por sua vez, a cláusula 7.4. estabelece uma cláusula penal, em caso de denúncia antecipada do contrato.

Não obstante o valor nela fixado, a Recorrida apenas pediu o correspondente a 25 %, nomeadamente a quantia de € 6 466,24 (fls. 298), como se refere no acórdão recorrido (fls. 513).

Face ao valor concreto do pedido, a título de cláusula penal, é manifesto que a cláusula 7.4. do contrato acaba por não se mostrar desproporcionada, tendo em consideração a razão de ser da fixação do prazo para a denúncia do contrato, já anteriormente explicitada.

Com esta perspetiva, é manifesto que tal cláusula, não se revelando demasiado elevada ou excessivamente onerosa, podia ser utilizada, sem ofensa do disposto na alínea m) do n.º 1 do art. 22.º do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais previsto no referido DL n.º 446/85.

O acórdão recorrido, perspetivando a questão apenas à luz do disposto no art. 812.º, n.º 1, do CC (afastada a natureza de contrato de adesão), concluiu também no sentido da cláusula não ser desproporcionada, condenando no seu pagamento, nomeadamente pelo valor peticionado.  


Nos termos descritos, não se provando o incumprimento imputável à Recorrida e a proibição de cláusulas contratuais, está o Recorrente obrigado a pagar a quantia pecuniária em que foi condenada no acórdão recorrido, por efeito do contrato de prestação de serviço dos autos. Por outro lado, o recorrente não tem direito a qualquer indemnização.



Assim, não relevando as conclusões, nega-se a revista.


2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. As presunções judiciais não podem ser extraídas pelo Supremo Tribunal de Justiça, competindo-lhe apenas verificar da legalidade do seu uso.

II. Tendo os factos sido declarados como não provados, não é possível o uso de presunções judiciais para a sua prova.

III. O contrato é de adesão, quando o núcleo essencial das suas cláusulas é pré-elaborado e os destinatários indeterminados se limitam a aceitá-lo.

IV. O prazo concreto de noventa dias em relação ao termo do prazo do contrato de prestação de serviço manutenção de elevadores, com a duração de cinco anos, apresenta-se como razoável para a denúncia do contrato, em face dos interesses dos respetivos contraentes.

V. Face ao valor concreto do pedido, a título de cláusula penal, correspondente a 25 % do valor abstrato, a cláusula não é desproporcionada, tendo em consideração a razão de ser da fixação do prazo para a denúncia do contrato.


2.4. O Recorrente, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.


2) Condenar o Recorrente (Réu) no pagamento das custas.


Lisboa, 20 de dezembro de 2017


Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

José Sousa Lameira