Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
576/07.1PASTS-A.P1-A.S2
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OFENSA DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Resulta do artigo 854.º do CPC que não há lugar a recurso de revista no âmbito do processo executivo, excepto nos casos em que o recurso é sempre admissível.

II. Sendo manifesto que não se verifica o fundamento específico de recorribilidade da ofensa de caso julgado, não pode o recurso de revista ser admitido ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO


1. Nos autos de execução de sentença para pagamento de quantia certa em que é exequente AA e executado BB, instaurados por apenso ao processo comum singular em que este último foi condenado a pagar ao primeiro a quantia de € 7,75 a título de danos patrimoniais e a quantia de € 500,00 a título de danos morais, acrescida, em ambos os casos, de juros de mora à taxa legal até efectivo pagamento, foi proferida decisão a julgar extinta a execução nos termos do artigo 88.º n.º 3 do CIRE.

2. Interposto recurso de apelação pelo exequente, veio a ser proferido um Acórdão em Conferência no Tribunal da Relação ….. em que se decidiu:

Pelo exposto, por legalmente inadmissível, acordam os juízes deste Tribunal da Relação …. em rejeitar o recurso interposto pelo exequente AA”.

3. Interpôs, então, o exequente recurso de revista, concluindo as suas alegações nos termos seguintes:

l) Nos termos do n° 2 do art. 637 do CPC, nas conclusões da alegação de recurso, deve ser indicado o fundamento especifico da recorribilidade;

2) Invoca-se, como fundamento do recurso, a ofensa do caso julgado;

3) A douta decisão de fls.64 ofendeu o caso julgado da douta decisão de fls.59;

4) Em acção executiva é admissível recurso com fundamento na ofensa de caso julgado, mesmo tratando-se de caso julgado formal, ainda que a causa, pelo seu valor, esteja dentro da alçada do Tribunal de comarca;

5) 0 recurso para o Tribunal da Relação teve por fundamento a violação de caso julgado (formal), sendo irrelevante que possam existir outros argumentos, razões ou fundamentos;

6) A decisão de fls. 59 e a decisão de fls. 64, foram proferidas na vigência da mesma lei- o art 88 do CIRE na redacção dada pela lei n° 16/2012 de 20 de Abril - e na ocorrência dos mesmos factos: ter sido declarada a insolvência do executado e o processo da insolvência ter encerrado por insuficiência da massa insolvente;

7) Tais factos e o mesmo direito, já existiam quando foi proferida a decisão de fls.59;

8) Assim pois, a decisão de fls. 59 e a decisão de fls.64 decidiram a mesma questão concreta;

9) A decisão de fls.59 não foi objecto de qualquer reacção, tendo transitado em julgado;

10) Pelo que há ofensa de caso julgado (formal) da decisão de fls.59 pela decisão defls64;

11) A decisão de fls.64 violou o art 620 n° l do CPC;

12) 0 douto acórdão da Relação, ao rejeitar o recurso, e assim mantendo a decisão de fls.64, violou o art. 620 n° l do CPC;

13) A norma do art 853 n° 2 conjugada com os arts. 551 n° l e 629 n° 2 al. a) in fine, do CPC, interpretada no sentido de que, estando a causa, pelo seu valor, dentro da alçada do Tribunal de comarca, não é admissível recurso na acção executiva com fundamento em violação de caso julgado formal, é inconstitucional por violar o princípio constitucional de acesso aos Tribunais;

14) A norma do art.854, segmento inicial, conjugada com os arts. 551 n° l e 629 n° 2 al. a) in fine, do CPC, interpretada no sentido de que estando a causa, pelo seu valor, dentro da alçada do Tribunal de comarca, não é admissível recurso na acção executiva com fundamento em violação de caso julgado formal para o STJ, é inconstitucional por violar o princípio constitucional de acesso aos Tribunais.

15) A norma do art. 620 n° l do CPC, interpretada no sentido de que havendo 2 decisões que dentro do mesmo processo decidem a mesma questão concreta, com os mesmos factos e mesmo direito que já existiam à data da prolação quer de uma quer da outra, tendo a primeira, que transitou em julgado, decidido a suspensão da instância e a segunda a sua extinção, não é pela segunda decisão violado o caso julgado (formal) da primeira, é inconstitucional por ofender o art 20 n° l primeira parte ,da Constituição da República Portuguesa.

16) Deve o douto acórdão recorrido e a dota decisão de fls.64 serem revogados”.

4. O Exmo. Desembargador Relator do Tribunal da Relação … proferiu um despacho não admitindo o recurso de revista.

5. Deste despacho veio o exequente AA reclamar para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 643.º do CPC.

6. Apreciando a reclamação, proferiu a presente Relatora uma decisão singular com o teor seguinte:

Está em causa uma execução para pagamento de quantia certa, a que se aplica a disciplina vertida, em especial, nos artigos 724.º e s. do CPC (artigos 810.º e s. do CPC revogado).

No artigo 854.º do CPC (artigo 922.º-C do CPC revogado[1]) dispõe-se a regra de que, no âmbito do processo executivo, não cabe recurso de revista, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível[2].

Estes últimos são os casos previstos no artigo 629.º, n.º 2, do CPC (artigo 678.º, n.º 2, do CPC revogado).

O presente recurso só é, portanto, admissível se se verificar que cabe neste grupo de casos.

Verifica-se que o exequente/ora reclamante invoca como fundamento do recurso de revista a ofensa do caso julgado (cfr. conclusão 1), o que remete, justamente, para a norma do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC [artigo 678.º, n.º 2, al. a), do CPC revogado].

Tendo por fundamento a ofensa do caso julgado, o recurso de revista seria de admitir ainda que não respeite as exigências do n.º 1 do artigo 629.º do CPC (n.º 1 do artigo 678.º do CPC revogado), ou seja, ainda que a causa não tenha valor superior à alçada do Tribunal da Relação e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade desta alçada.

A verdade é que é manifesta a improcedência desta alegação, portanto, a admissibilidade do recurso ao abrigo deste fundamento específico.

Alega o exequente / ora impugnante que “a douta decisão de fls.64 ofendeu o caso julgado da douta decisão de fls.59” (cfr. conclusão 3).

Consultada a certidão que instrui a presente reclamação, verifica-se que a decisão de fls. 59 é um despacho do Tribunal de 1.ª instância que determina a suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 88.º do CIRE e a decisão de fls. 64 é um despacho, também do Tribunal de 1.ª instância, que determina a extinção da instância, nos termos do artigo 88.º, n.º 3, do CIRE.

Ora, uma decisão de extinção da instância não contende, em princípio, com uma decisão de suspensão. A decisão de suspensão é provisória por natureza, correspondendo à solução que a lei prevê para situações ainda não completamente definidas. Alterando-se as circunstâncias que justificaram a suspensão ou definindo-se aquela situação, não só pode como deve adoptar-se outra solução – a solução definitiva para a situação que, entretanto, se definiu.

Além disso, na certidão que instrui a presente reclamação não é certificado o trânsito em julgado da decisão de fls. 59.

Compulsados os autos, verifica-se que, tendo-se suscitado dúvidas sobre o trânsito em julgado da decisão de fls. 59, foi proferido, em 23.07.2020, um despacho (Ref. …) do qual resulta expressamente que esta não chegou a ser notificada nem ao exequente nem ao executado.

Ora, em conformidade com o disposto no artigo 638.º, n.º 1, do CPC (artigo 685.º, n.º 1, do CPC revogado), o prazo para interposição de recurso conta-se a partir da notificação da decisão e, em conformidade com o artigo 628.º do CPC (artigo 677.º do CPC revogado), a decisão só transita em julgado quando não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, pelo não resta senão concluir que a decisão de fls. 59 ainda não transitou em julgado.

A conclusão não pode deixar, pois, de ser a da inadmissibilidade do recurso[3].

Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação e mantém-se o decidido no despacho reclamado.


*


Custas pelo reclamante”.


7. Notificado desta decisão, vem agora o reclamante apresentar reclamação para a conferência, nos termos e com os fundamentos seguintes:

I

Ao manter o douto despacho a não admitir o recurso, a douta decisão sumária assentou em duas proposições:

PRIMEIRA: que a decisão de suspensão da instância é provisória por natureza;

SEGUNDA: que o despacho de fls. 59 não transitou em julgado.

Afigura-se porém ao recorrente do contexto da douta decisão sumária que a primeira proposição se reporta a simples “obter dictum“ não constituindo a verdadeira razão pela qual foi tomada a douta decisão sumária, pois o normal é que, cessada a suspensão da instância, o processo prossiga, retome a sua marcha e não que se extinga.

E o quadro de facto e de direito do despacho de fls. 59 e do despacho de fls. 64 é o mesmo, não havendo circunstância, facto ou acontecimento posterior ao despacho de fls. 59 ou alteração do quadro legal, que alterasse o estado das coisas entre o despacho de fls. 59 e a prolacção do despacho de fls. 64.

Outrossim, a menção no douto despacho de fls. 64 “do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente” nada acrescenta ou altera, pois os pressupostos em que assenta a alínea d) do nº 1 do art. 230 do CIRE são a constatação da insuficiência da massa insolvente “para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente”.

Quanto à segunda proposição da douta decisão sumária que o recorrente entende ser a razão pela qual foi tomada a douta decisão sumária, ressalvado o devido respeito não é correcta; o despacho de fls. 59 transitou mesmo em julgado.

II

Para não admitir o recurso interposto do douto acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça a Mma. Desembargadora Relatora fundamentou que, para o recurso ser admissível, tinha de ser o douto acórdão de 20/11/2013 a violar diretamente o caso julgado e não a decisão da 1ª Instância.

Assim na reclamação deduzida para o Supremo Tribunal de Justiça, o que está em causa é saber se tal fundamento tem ou não razão de ser, e não já a apreciação pelo Tribunal “ad quem” de matéria nova em conformidade até com o princípio “jura novit curia”.

Destarte, salta aos olhos que um tal fundamento não tem qualquer razão de ser como até logo se vê pelo teôr literal do nº 2 al. a) “in fine” do art 629, do CPC: “É sempre admissível recurso com fundamento na ofensa de caso julgado “.

III

Em 10/9/201O o exequente instaurou acção executiva pretendendo obter do executado o pagamento coercivo da indemnização que lhe foi arbitrada em processo crime pela prática pelo executado na pessoa do exequente do crime de ofensas corporais previsto e punido pelo art. 143 nº 1, do Código Penal.

Encontrando-se pendente a acção executiva foi publicada em 20 de Abril de 2012 a Lei nº 16/2012 que aditou ao art. 88 do CIRE os nºs 3 e 4.

Em face à insolvência declarada do executado por douta sentença transitada em julgado em 24/3/2010 foi proferido em 18/12/2012 pelo Mmo Juiz da 1ª Instância na acção executiva

0 douto despacho de fls. 59 com o teôr seguinte: ”Nos termos do disposto pelo art. 88 do CIRE,
suspendo a presente instância.”

Entretanto ocorrendo mudança do Mmo. Juiz titular do Juizo onde corria termos a acção executiva, a nova Mma Juiza titular proferiu a fls. 64 este outro despacho com o seguinte teôr: ”Nos presentes autos de execução, em que é exequente AA e executado BB, em face da declaração de insolvência do executado e do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, extingo a instância nos termos do art. 88º, nº 3 do CIRE. Custas pelo executado. Registe e notifique.”

Com fundamento na ofensa de caso julgado do douto despacho de fls. 59 pelo douto despacho de fls. 64, foi pelo exequente interposto o recurso.

Poque a lei é clara de que é sempre admissível recurso com esse fundamento (cfr. nº 2 al. a) “in fine” do art 629, do CPC ) foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do douto acórdão da Relação …. de 20/11/2013.

Não tendo o recurso sido admitido por douto despacho de 25/5/2020 proferido pela Mma. Desembargadora Relatora, o exequente deduziu a presente reclamação ao abrigo do nº do art. 643, do CPC.

O que está pois em causa é a admissibilidade do recurso, pois a sua procedência como é evidente é já de uma fase posterior.

IV

Sem prejuízo do supra referido sobre o fundamento em apreciação na reclamação, vejamos o que já competiria à fase posterior de conhecimento da procedência do recurso: se há ofensa de caso julgado do douto despacho de fls. 59 pelo douto despacho de fls. 64.

Concordámos com a douta decisão sumária de que o douto despacho de fls. 59 tenha de transitar em julgado, mas já não concordámos de que não tenha transitado em julgado.

Observa a douta decisão sumária de que da certidão a instruir a reclamação consta um despacho do Mmo Desembargador de turno, proferido em sede de instrução da certidão e por conseguinte já depois de proferido o douto despacho a não admitir o recurso, no qual manda informar que nem o exequente nem o executado foram notificados do despacho de fls. 59.

Sucede que nem o Mmo Desembargador de turno nem a Secção enviou com a certidão o requerimento que o reclamante produziu sobre essa questão que refere o douto despacho do Mmo Desembargador de turno, o que prejudicou como é evidente o reclamante.

Efectivamente o reclamante requereu, uma vez que a reclamação não subia nos autos, que fosse certificado o trânsito em julgado do despacho de fls. 59.

E não só a Secção da Relação não enviou para o Supremo Tribunal de Justiça o requerimento que o reclamante produziu sobre essa questão como não aguardou como devia pela ultimação dessa questão da certificação.

Reza o o nº 6 do art. 157, do CPC que “os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes“.

Deve pois ser declarada nula a certidão a instruir a reclamação e ordenado que seja correctamente feita a certidão.

Por conseguinte o recorrente não póde ser prejudicado por não ir certificado com a certidão o trânsito em julgado do douto despacho de fls. 59 nem de não ser enviado com a certidão o requerimento que o reclamante produziu sobre essa questão como da Secção não ter aguardado como devia pela ultimação da certificação.

V

Coloca-se pois a questão do trânsito em julgado do despacho de fls. 59.

Ora o exequente teve conhecimento do despacho de fls. 59, como o mostram além do mais os requerimentos, alegações, e reclamação que produziu ao intervir nos autos depois de proferido o despacho de fls. 59, não tendo arguido a nulidade da falta de notificação no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do despacho de fls. 59, pelo que a nulidade da falta de notificação se sanou e o despacho de fls. 59 transita em julgado.

Diz o nº 1 segunda parte do art. 199, do CPC “…o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo…”

Por conseguinte tendo o recorrente intervindo no processo com conhecimento do despacho de fls. 59, sem que tenha arguido a falta de notificação no prazo de 10 dias do conhecimento, a nulidade se sanou e o despacho de fls. 59 transita em julgado.

E o executado é revel pelo que não tinha de ser notificado.

Estabelece o art. 620 do CPC com a epígrafe “caso julgado formal“:

“(…)

1.As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

(…) “

VI

E será que o despacho de fls. 64 ofende o caso julgado do despacho de fls. 59 ?

O douto despacho de fls. 59 dava ao exequente um bem, um beneficio, qual seja o beneficio de ter direito a prosseguir com a acção executiva, para satisfação coerciva do legitimo crédito do exequente, desde que demonstrasse que o seu direito de crédito não viesse a ficar extinto por ao insolvente ser concedida a exoneração do passivo restante nem que viesse a ser pago com violação do principio da paridade dos créditos da insolvência.

Efectivamente o despacho de fls. 59 dava ao exequente a possibilidade, caso viessem a verificar-se os pressupostos para tanto, de prosseguir com a execução.

Ora o douto despacho de fls. 64 tira ao exequente esse bem, esse beneficio, essa possibilidade, que lhe facultava o despacho de fls. 59, o que é dizer que ofende o caso julgado daquele.

Efectivamente encontrando-se findos o processo de insolvência e seus apensos, inclusive findo o período da cessão na sequência de, ao insolvente ter sido concedida a exoneração do passivo restante e feito o rateio final, nada tendo o exequente recebido em pagamento do seu crédito e o crédito do exequente subsistir mesmo tendo sido concedida a exoneração do passivo restante ao insolvente (cfr. art. 245 nº 2 als. b) e c), do CIRE) há a possibilidade (cfr. art. 90 “a contrario” e art. 242 nº 1 “a contrario”, do CIRE) que o despacho de fls. 59 faculta, de prosseguir com a execução; o que o despacho de fls. 64 não permite se não fôr revogado – doc. nº 1.

É pois este direito que o despacho de fls. 59 dá ao exequente e que o despacho de fls. 64 lhe retira que importa considerar para que se deva concluir que o despacho de fls. 64 ofende o caso julgado do despacho de fls. 59 .

Ad cavendum nada justifica em atenção ao principio da economia processual que seja instaurado novo processo executivo.

Se o exequente póde instaurar nova execução para pagamento do crédito exequendo, por maioria de razão deve poder prosseguir com a presente.

Escreve Artur Dionisio Oliveira no nº 9 da revista julgar pág. 179:

“(…)

Tratando-se de uma pessoa singular, a execução deverá ser extinta se o crédito tiver sido satisfeito na insolvência. No caso contrário, nada obstará ao seu prosseguimento.

Este prosseguimento poderá, todavia, estar impedido pelo regime da exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no art. 242.º, onde se dispõe que «não são permitidas quaisquer execuções sobre os bens do devedor destinadas à satisfação dos créditos sobre a insolvência, durante o período de cessão». Após este período haverá que ter em conta os efeitos da exoneração, previstos no art. 245.º (onde se referem quais os créditos que se extinguem e quais os que não se extinguem), para concluir pela extinção ou pelo prosseguimento da execução…”

VII

Consta do texto do acórdão (cfr. sua parte final) do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/10/2016 (proc. 1169/13.0TBPTL.G1) in www.dgsi.pt :

“(…)

Com o mesmo fundamento, ou seja o do encerramento do processo de insolvência mas aplicando … a referida norma (art. 88, nº 3, do CIRE), foi agora, contudo, decidido extinguir a instância.

Contrariou esta, manifestamente, aquela primeira decisão, uma vez que ambas são relativas à relação processual…

Consequentemente, desrespeitou-se a força obrigatória no processo da primeira decisão decorrente do caso julgado formal, conforme art. 620.

Não devia, pois, a decisão recorrida ter sido proferida por ofender a primeira a que o Tribunal estava vinculado…”

VIII

A norma do art . 643, do CPC, interpretada no sentido de que a apreciação da reclamação prevista nesse normativo e em que está em causa a admissibilidade de recurso interposto por ofensa de caso julgado formal, de que não basta para o deferimento da reclamação a verificação da alegação séria do recorrente daquela ofensa, mas de que é necessário a demonstração dos pressupostos de procedência do recurso, é inconstitucional por violação dos princípios do acesso aos Tribunais e da proporcionalidade consagrados na Constituição da República Portuguesa.

A norma extraída dos arts. 199 nº 1 segunda parte, 149 nº 1, 628, e 620 nº 1, do CPC, na interpretação segundo a qual tendo a parte intervindo no processo mostrando ter conhecimento de despacho nele proferido sem arguir no prazo de 10 dias a contar do conhecimento a nulidade decorrente da falta de notificação do despacho, sendo a contraparte revel pelo que não tem que ser notificada, de que o despacho não transita em julgado, é inconstitucional por violação do princípio do processo equitativo consagrado no nº 4 do art. 20 da Constituição da República Portuguesa.

A norma extraída dos arts . 620 nº 1, e 629 n? 2 ai. a) “in fine”, do CPC, e 88 e 245 nº 2 al. c), do CIRE, interpretada no sentido de que numa acção executiva para pagamento de crédito de indemnização por prática de crime pelo executado, tendo vindo à execução conhecimento da declaração de insolvência do executado, é primeiro proferido despacho a decretar a suspensão da instância e a seguir com o mesmo quadro de facto e de direito, despacho de extinção da instância, de que não ocorre ofensa do caso julgado do despacho primeiramente proferido, é inconstitucional por violação do princípio do processo equitativo consagrado no nº 4 do art. 20 da Constituição da República Portuguesa.

A norma extraída dos arts. 620 nº 1, e 629 nº 2 al. a) “in fine”, do CPC, e 88 e 245 n? 2 al. c), do CIRE, interpretada no sentido de que numa acção executiva para pagamento de crédito de indemnização por prática de crime pelo executado, tendo vindo à execução conhecimento da declaração de insolvência do executado, é primeiro proferido despacho com fundamento no art. 88 do CIRE a decretar a suspensão da instância e a seguir com fundamento em declaração de insolvência do executado e do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, é proferido despacho de extinção da instância nos termos do art. 88 nº 3 do CIRE, de que não é o mesmo o quadro de facto e de direito de ambos os despachos e de que não ocorre ofensa do caso julgado do despacho primeiramente proferido pelo último despacho, é inconstitucional por violação do princípio do processo equitativo consagrado no nº 4 do art. 20 da Constituição da República Portuguesa.

REQUER: 1 - seja solicitado à Relação cópia do requerimento que o reclamante produziu sobre o douto despacho do Mmo Desembargador de turno, proferido em sede de instrução da certidão da reclamação que refere o art. 643 do CPC deduzida para o Supremo Tribunal de Justiça e por conseguinte proferido já depois do douto despacho a não admitir o recurso;

2 - seja solicitada a permissão para acesso através do sistema informático de suporte à actividade dos Tribunais (plataforma citius) aos autos principais, de modo a que seja verificado que o exequente teve conhecimento do despacho de fls. 59, como o mostram além do mais os requerimentos, alegações, e reclamação que produziu, não tendo arguido a nulidade da falta de notificação no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do despacho de fls. 59, pelo que a nulidade da falta de notificação se sanou e o despacho de fls. 59 transita em julgado; e o executado é revel pelo que não tinha de ser notificado.

JUNTA:- 1 documento e documento comprovativo do pagamento da multa por a reclamação para a Conferência ser apresentada no 3º dia útil que refere a al. c) do nº 5 do art. 139, do CPC.

Efectivamente na reclamação para a Conferência a taxa de justiça como se verifica do final da Tabela II do RCP é de 0,25 a 3 UC, sendo pois taxa de justiça variável, pelo que a taxa de justiça é do seu valor mínimo como estabelece o art. 6 nº 6 do RCP.

Por sua vez a al. c) do nº 5 do art. 139, do CPC refere que a multa é fixada em 40% da taxa de justiça correspondente ao acto da reclamação, por conseguinte 40% de 0,25 da UC ( cfr. Tabela II do RCP, art. 6 nº 6 do RCP, e al. c) do nº 5 do art. 139, do CPC ) .

Assim pois a multa devida é de € 10,20 ( 0,25 X 102 = € 25,50 x 40% = € 10,20 )”.

8. Este requerimento foi notificado ao Ministério Público, que não respondeu, tendo o reclamante vindo, posteriormente, requerer a anulação desta notificação.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos relevantes para a presente decisão são os apresentados no Relatório que antecede e que se dão aqui por reproduzidos.


O DIREITO

Diga-se, desde já, que a apreciação do requerimento de anulação da notificação feita ao Ministério Público está prejudicada. Ainda que se concluísse não existir qualquer dever de notificação ao Ministério Público, o facto é que a falta de resposta deste tornaria inútil a prática de qualquer diligência do tipo requerido e, assim sendo, contrária ao disposto no artigo 130.º do CPC.

Quanto ao requerimento de impugnação do despacho proferido pela presente Relatora, pouco se pode acrescentar ao que já fica dito nestes autos. Contendo o despacho impugnado uma exposição clara dos fundamentos em que se apoiou o indeferimento da reclamação e não aduzindo o ora impugnante argumentos que não tenham sido considerados e refutados ali, dão-se por reproduzidos aqui aqueles fundamentos e confirma-se a decisão de indeferimento da reclamação.

Em breve: o despacho de não admissão do recurso proferido no Tribunal recorrido dever ser mantido porque o recurso não é admissível nos termos gerais [cfr. artigo 854.º do CPC (artigo 922.º-C do CPC revogado)] e não se verifica, tão-pouco, o fundamento especial invocado da ofensa de caso julgado [cfr. artigo 629.º. n.º 2, al. a), do CPC (artigo 678.º, n.º 1, al. a), do CPC revogado)].

É conveniente sublinhar que a não verificação deste fundamento especial é manifesta e por isso conduz logo à conclusão da inadmissibilidade do recurso. Recorde-se as palavras de José Alberto dos Reis:“dentro do aspecto da admissibilidade do recurso cabem duas averiguações: 1.ª Se há uma decisão, com trânsito em julgado, que possa ter sido ofendida: 2.ª Se essa decisão, em confronto com a decisão recorrida, tem valor de caso julgado a respeitar, o que equivale a dizer: se entre as duas decisões existem as três identidades mencionadas no art. 502.º”[4].

Quanto aos pedidos que o reclamante formula a final, deve atentar-se no disposto na norma do artigo 634.º, n.º 4, in fine, do CPC, ao abrigo da qual é deduzida a presente impugnação. Diz-se aí que a decisão do relator que admita o recurso e o mande subir ou, como aconteceu in casu, mantenha o despacho reclamado é susceptível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º do CPC.

Por sua vez, o artigo 652.º, n.º 3, do CPC tem o seguinte teor:

(…) quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”.

Quer isto dizer que aquilo que cabe aos Juízes nesta Conferência é decidir uma única questão: se o despacho impugnado deve ou não ser confirmado. Estando isto decidido, nada mais cabe decidir.



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III. DECISÃO

Pelo exposto, confirma-se o despacho impugnado, mantendo-se a decisão de inadmissibilidade da revista.


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Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Catarina Serra (relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano

Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo, sendo que o Exmo. Conselheiro Cura Mariano entende que “a decisão deveria ter como fundamento o argumento de que o acórdão da Conferência do Tribunal da Relação que indeferiu a reclamação do despacho do juiz da 1.ª instância, que rejeitou um recurso de apelação, não é suscetível de recurso de revista, quando o fundamento da revista interposta não integra qualquer uma das situações previstas no artigo 629.º, n.º 2, do C.P.C., designadamente a ofensa de um caso julgado, uma vez que o fundamento do presente recurso é apenas o da recorribilidade de uma decisão da 1.ª instância que, na perspetiva do recorrente, ofende o caso julgado”.

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[1] E ainda antes (i.e., antes do DL n.º 303/2007, de 24.08), no artigo 923.º, regulando o agravo.
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), pp. 583-584, comentando a norma actual. Cfr., no mesmo sentido, Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra, Almedina, p. 737), comentando também a norma do CPC revogado.
[3] Como explica José Alberto dos Reis (Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 237),“dentro do aspecto da admissibilidade do recurso cabem duas averiguações: 1.ª Se há uma decisão, com trânsito em julgado, que possa ter sido ofendida: 2.ª Se essa decisão, em confronto com a decisão recorrida, tem valor de caso julgado a respeitar, o que equivale a dizer: se entre as duas decisões existem as três identidades mencionadas no art. 502.º” (sublinhados do autor).
[4] Cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 237 (sublinhados do autor).