Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
259/10.5TBESP.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: TESTAMENTO
INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO
INTEGRAÇÃO DO NEGÓCIO
VONTADE DO TESTADOR
Data do Acordão: 04/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL - DIREITO DAS SUCESSÕES/ SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
Doutrina: - FERRER CORREIA, “Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico”, pág. 225.
- J. OLIVEIRA ASCENSÃO, “Direito Civil – Sucessões”, 4ª ed., pág. 307.
Legislação Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 06/06/2000, BMJ 498º-241;
-DE 30/01/2003, PROCESSO N.º 02B4448, EM WWW.STJ.PT ;
-DE 23/09/2008, PROCESSO N.º 08A2125, EM WWW.STJ.PT.
Jurisprudência Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 68.º, N.º2, 236.º, 238.º, 239.º, 2032º, N.º1, 2033º, N.º1, 2187.º, 2317.º AL. A).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 721.º, 722.º.
Sumário :
I- Na interpretação do testamento vale a vontade querida pelo testador, apenas com a limitação da exigência da repercussão literal mínima, ainda que imperfeitamente expressa no contexto do testamento, exigida pela sua natureza formal.

II- Essa interpretação, de cariz subjectivista, a reflectir o sentido atribuído à declaração pelo respectivo autor, deve ser acolhida reportada ao tempo da elaboração e aprovação do texto, mas sem desprezar a globalidade das circunstâncias reconhecíveis ao tempo da sua abertura.

III- Esgotado o processo interpretativo, as declarações negociais do testador não podem ser objecto de integração, por ampliação, se a cláusula não prevista corresponder a uma adição de previsão factual que não encontra correspondência na vontade expressa no contexto do testamento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA demandou BB e CC pedindo que os Réus fossem “condenados a reconhecer que a Autora é a única e universal herdeira de todos os bens que constituem a herança de sua irmã DD, por ser a sua única herdeira legítima e, em consequência, a restituírem-lhe, à sua custa, todos os bens desta herança e os frutos entretanto produzidos”.
Fundamentando a pretensão, a Autora alegou que é filha de EE e de FF, que é também pai de DD, falecida em …, no estado de divorciada e sem filhos.
A DD fez testamento, em 21/8/85, no qual deixou a quota disponível de seus bens a sua mãe, e, “no caso de morte simultânea deles” ou em caso de dúvida, a seus primos, filhos da sua tia GG, os aqui Réus.
Uma vez que a mãe da testadora faleceu em 18/4/86 e seu o pai em 20/4/88, não ocorreu a morte simultânea, condição do chamamento dos primos, pelo que a Autora é a herdeira legítima da totalidade da herança.
Da redacção do testamento não se pode ajuizar, sem ferir a vontade da testadora, que os RR. são chamados à totalidade da herança, no caso de verificação da condição; a autora da sucessão não quis que seu pai deixasse de ser herdeiro, antes quis privilegiar, com a quota disponível, sua mãe.
Os RR. encontram-se na posse dos bens da herança.

         Os Réus contestaram, para defenderem o seu direito à totalidade da herança em litígio.
Alegaram que, no testamento, não está escrito “na hipótese de morte simultânea deles” (pais da autora da herança), mas sim “delas”, mãe e filha, e que, à data da morte da testadora, poderia ela ter disposto da totalidade dos bens integrando o acervo hereditário.

         Foi proferida sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou os RR. a reconhecerem a Autora como herdeira de sua irmã (dela, Autora), DD, e, no mais, absolveu os Réus dos restantes pedidos.

Apelaram ambas as Partes.

A Relação julgou procedente o recurso de apelação da Autora e improcedente o recurso de apelação dos Demandados, decidindo “condenar os Réus a reconhecer que a Autora é a única e universal herdeira de todos os bens que constituem a herança de sua irmã DD, por ser a sua única herdeira legítima e, em consequência, a restituírem-lhe, à sua custa, todos os bens desta herança e os frutos entretanto produzidos”.

Os Réus pedem revista pretendendo verem revogado o acórdão recorrido e declarado serem eles os únicos e universais herdeiros da testadora ou que, assim não acontecendo, sempre deverá entender-se que foi intenção da testadora instituir como herdeiros da sua quota disponível os Recorrentes, como fez a sentença proferida na 1ª Instância.

Para tanto, em termos de argumentação útil, às conclusões da alegação levaram as conclusões que se transcrevem: 

(…).

13°. É inequívoco e nunca gerou controvérsia que a falecida DD quis dispor de seus bens outorgando testamento, e consequentemente afastar a sucessão legítima.

  14°. O mesmo testamento nunca foi revogado, pelo que as suas disposições post mortem não foram alteradas, quer com o falecimento da mãe, quer posteriormente com o falecimento do pai da testadora.

  15°. É obvio que a testadora quis beneficiar a sua mãe com a quota disponível, na medida que não podia afastar o seu pai da legítima ao tempo da outorga do testamento, salvaguardando a estirpe materna, na qual estão incluídos os seus primos, filhos da sua tia materna GG, mencionada no testamento.

  16°. Tendo excluído assim a estirpe paterna do testamento, o que afasta desde logo a sua irmã consanguínea, aqui Autora nos autos.

  17°. Acresce o facto já salientado ao longo das várias peças processuais, especialmente na douta sentença e também do douto acórdão, que o texto do testamento encontra-se entrelinhado, tendo sido acrescentadas as expressões "delas" e "em caso de dúvida",

  18°. Circunstância esta que vem realçar o facto da redacção da deixa testamentária se encontrar aquém da vontade da testadora e da circunstância da morte simultânea, isto é, da comoriência poder ser afastada e limitada na sua importância.

  19°. Consideram os recorrentes que do clausulado do testamento não se poderá extrair qualquer outro alcance e efeito senão que a testadora escolheu os seus herdeiros na eventualidade dos seus pais, especialmente da sua mãe, não lhe suceder.

  19°. Apesar de toda a doutrina e jurisprudência realçada no douto acórdão que sustentam a aplicação da teoria subjectivista a aplicar na interpretação dos testamentos, o Mmo. Juiz ad quem fez tábua rasa de todos os ensinamentos e da lei, nomeadamente do art. 2187 do CC, tendo-se limitado a aplicar a teoria objectivista própria dos contratos bilaterais.

  20°. Foi feita uma interpretação restritiva e descontextualizada da deixa testamentária porquanto não foram tidos em conta a factualidade dada como provada nos autos e o contexto do testamento, e a previsão da morte simultânea ou até em caso de duvida não poderão ser reduzidas á sua literal idade e vinculismo.

  21°. Neste sentido foram vários os Acórdãos reproduzidos pelos recorrentes em alegações relativos á mesma matéria - interpretação dos testamentos, nomeadamente os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 30/10/2007, 29/09/2008, 30/06/2009 e 24/02/2011 que infirmam (sic) a teoria subjectivista como teoria jurisprudencial dominante, com consagração legal e que não foi aplicada pelo MMO Juiz ad quem.

  22°. A previsão da morte simultânea deverá ser apreciada tendo em conta a interpretação semântica que a língua portuguesa permite e que um leigo em Direito dela retiraria, como o era a testadora, salvaguardando-se a circunstância de ser uma coincidência de estado e não de tempo, isto é, ao tempo da abertura do testamento a testadora e sua mãe estarem ambas falecidas.

  23°. Sendo certo que ao texto primitivo foi acrescentada a expressão "em caso de dúvida" acerca da simultaneidade da morte da mãe e testadora, retirando assim importância e literalidade á expressão utilizada, pelo que torna-se imperativo valorar o factor volitivo e psicológico da testadora no sentido atribuído ás expressões utilizadas, não podendo estas serem lidas á letra, excluindo-se sem mais os herdeiros por esta escolhidos.

  24°. O MMO Juiz ad quem com a decisão proferida ultrapassou a vontade da testadora e derrogou a vocação testamentária por esta instituída, atribuindo a herança precisamente a quem a testadora afastara por completo desde o primeiro momento,

  25°. O que é absolutamente inconcebível e injusto, e os recorrentes não aceitam por serem os familiares mais próximos e preferidos pela testadora, sendo certo que esta os escolheu em acto solene e formal de expressão de ultima vontade como é o testamento. Se assim não fosse a testadora ter-se-ia remetido ao silêncio.

A Recorrida respondeu, em defesa da bondade do julgado.

2. - A questão que novamente se coloca, tendo por objecto nuclear a interpretação do testamento, pressuposto de duas subquestões, a saber:

- se se mantém válida e em vigor a disposição que instituiu herdeiros os primos da testadora; e,

- em caso afirmativo, se a deixa corresponde à totalidade da herança ou apenas da quota disponível. 

3. - Vem assente o quadro factual que segue.

1. A Autora é filha de FF e de EE. (A)

2. Seu pai, FF, por sua vez, é também pai de DD. (B)

3. A Autora é irmã consanguínea da DD. (C)

4. Esta, em 14 de Outubro de 2009, faleceu no estado de divorciada e sem filhos. (D)

5. Deixou bens, dinheiro e um estabelecimento comercial. (E)

6. Esta fez testamento em 21 de Junho de 1985, onde se dispõe que:

    “- tem ainda vivos seus pais;

      - que, por este testamento deixa a quota disponível de seus bens a sua mãe.

      - na hipótese da morte simultânea delas ou até em caso de dúvidas, serão chamados seus primos, filhos da sua tia GG, BB e CC”.

7. As palavras “delas” “ou até em caso de dúvidas” foram entrelinhadas depois da primitiva redacção e devidamente ressalvadas na parte final do testamento. (G)

8. A mãe da DD faleceu em … de Abril de …. (H)

9. O pai da Autora e da DD faleceu em … de Abril de …. (I)

10. A Autora, no dia 21 de Janeiro de 2010, deduziu habilitação de herdeiros de sua irmã, consoante documento público lavrado a fls. 91, do L.º 132, do Cartório Notarial HH. (J)

11. Os RR., em 15 de Janeiro de 2010, outorgaram escritura pública de habilitação de herdeiros no Cartório II, com base no testamento da autora da herança. (K)

12. A falecida DD quis salvaguardar, no testamento, a circunstância da morte concomitante dela e da sua mãe, que muitas vezes viajavam juntas, podendo dar-se um acidente que tirasse a vida às duas. (2º)

13. Com a realização do testamento, foi vontade da testadora instituir como seus herdeiros, nos termos daquele, os seus primos, aqui Réus. (3º)

4. - Mérito do recurso.

4. 1. - Em causa está, como enunciado, a interpretação do testamento de DD, a que as Instâncias, atribuíram sentido diferente.

 

Assim, enquanto na sentença se entendeu e decidiu que se mantém válida a deixa testamentária a favor dos primos, correspondente à quota disponível da testadora (metade da herança), no acórdão impugnado a decisão foi no sentido de que tinha caducado a previsão testamentária da constituição de herdeiros, valendo apenas a sucessão legítima.

Como todos estão de acordo a interpretação do negócio mortis causa que nos ocupa deve obedecer aos critérios estabelecido no art. 2187º do Código Civil, que dispõe assim:

 «1. Na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.

 2. É admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa».


         É pacífico o entendimento segundo o qual o preceito acolhe uma orientação subjectivista na interpretação do testamento, o que é o mesmo que dizer que o negócio jurídico de disposição testamentária deve valer em conformidade com vontade real do testador, de acordo com aquilo que ele verdadeiramente quis.

Assim, quando confrontado com disposição que comporte a possibilidade de valer com mais que um sentido, impõe-se ao intérprete a tarefa de averiguar com recurso a todos os meios disponíveis a efectiva vontade do testador.

Trata-se, afinal, de - em divergência com as regras gerais que regem sobre interpretação do negócio jurídico (arts. 236º a 238 C. Civil) - cumprir a vontade do testador (a vontade que manifestou e manteve até ao fim dos seus dias, pois que o testamento incorpora justamente as disposições de última vontade do seu autor), matéria em que “nenhum (outro) interesse, de destinatários ou do tráfego, prevalece sobre este objectivo substancial” (cfr. Ac. STJ, de 30/01/2003, proc. 02B4448).

De referir ainda que, valendo, no testamento, a vontade querida pelo testador, apenas com a limitação da exigência da repercussão literal mínima, ainda que imperfeitamente expressa no respectivo contexto, exigida pela sua natureza formal, essa interpretação de cariz subjectivista, a reflectir o sentido atribuído à declaração pelo respectivo autor, deve ser acolhida, reportada ao tempo da elaboração e aprovação do texto, mas sem desprezar a globalidade das circunstâncias reconhecíveis ao tempo da sua abertura (cfr. FERRER CORREIA, “Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico”, 225).


         Finalmente, ainda em tese geral, importa referir, como também é jurisprudência pacífica, que a determinação da vontade do testador, ou seja, a interpretação do testamento, quando feita apenas com base no conteúdo das cláusulas que o corporizam, isto é, sem recurso a meios complementares de prova, bem como a verificação do «mínimo de correspondência» entre a vontade real e o contexto do testamento, é matéria de direito, por isso que as normas que fixam o respectivo regime, contidas no dito art. 2187º C. Civil, são de direito substantivo e, a sua violação constitui fundamento de recurso de revista, como previsto no art. 721 ° e 722° do CPC (cfr., vg., acs. de 06/06/2000, in BMJ 498º-241 e de 23/9/2008- proc. 08A2125).

4. 2. - Isto posto, importa passar ao caso sob apreciação.

Como do corolário do expendido, o que se questiona, e apenas tem de se questionar, é a vontade da testadora.

O sentido dessa vontade, perante a inocuidade da matéria de facto resultante da alegação de factos complementares das declarações da testadora vertidas no documento, tendentes à demonstração da efectiva vontade naturalística da declarante – factos 12 e 13 e respostas negativas aos demais pontos da base instrutória -, tem de fixar-se, agora, exclusivamente com recurso ao conteúdo e contexto do testamento.

Trata-se, portanto, de saber se a decisão impugnada, na conclusão a que chegou sobre o sentido das disposições testamentárias, respeitou os critérios estabelecidos pelo referido art. 2187º, obedecendo aos princípios e regras expostos.

Sob interpretação estão apenas as cláusulas mediante as quais a testadora declarou que “deixa a quota disponível dos seus bens a sua mãe” e “na hipótese de morte simultânea delas (testadora e sua mãe) ou até em caso de dúvidas, serão chamados seus primos, filhos da sua tia GG (os ora RR.)”.

Atendível, quanto ao contexto das disposições, o facto de a testadora ter declarado ter “ainda vivos os pais”.

Complementarmente, está adquirido que a testadora e a mãe viajavam muitas vezes juntas, podendo dar-se o caso de um acidente que tirasse a vida a ambas e que os pais faleceram posteriormente. 

Perante tal quadro, a Relação, questionando-se sobre se se pode afirmar que a testadora instituiu herdeiros da sua quota disponível os RR., para o caso de sua mãe, a beneficiária da disposição do testamento, JJ, falecer antes dela testadora, começou por responder não ser isso o que o testamento exactamente dispõe, pois que «a instituição dos RR. como herdeiros da quota disponível da “de cujus” prevê apenas o evento da morte simultânea da testadora e de sua mãe, ou em “caso de dúvidas”», acrescentando que, embora a comoriência equivalha, em termos de vocação sucessória, à pré-morte do herdeiro (arts. 68º-2, 2032º-1 e 2033º-1, todos do C. Civil), a hipótese de pré-morte da mãe não pode fazer--se coincidir com a prevista morte simultânea, para efeitos de instituição dos Réus como herdeiros, o que só poderia alcançar-se pela via de integração do testamento, cujos pressupostos não ocorrem

Não se diverge da posição assumida.

Com efeito, o sentido que se colhe do clausulado do testamento é o de que a testadora quis instituir herdeira da quota disponível a sua mãe, limitando o quinhão hereditário de seu pai à respectiva quota legitimária; Depois, no caso de morte simultânea, ou mesmo havendo dúvidas sobre essa contemporaneidade, a quota disponível reverteria a favor dos primos.

Em nenhum dos casos a testadora contemplou a hipótese de sobreviver, com capacidade de reger a sua pessoa, a sua mãe. Acautelou apenas a sua pré-morte e a hipótese, cuja maior probabilidade decorreria de viajarem frequentemente juntas, de morrerem simultaneamente ou em momento tão próximo que, havendo dúvidas, quis resolver como se de morte simultânea com a mãe se tratasse, instituindo, nesse caso, herdeiros os primos, para manter a exclusão do pai.

Ora, o que normal e habitualmente acontece é o testador prever o pré-decesso do seu herdeiro instituído e designar quem o substitua na deixa testamentária. Porém, no caso, como se viu, a testadora, não só não contemplou a hipótese de sua mãe falecer primeiro (o que até corresponderia à ordem natural das coisas), como se limitou a, em alternativa, instituir outros herdeiros prevendo especificamente o caso de ela também não sobreviver à primeira herdeira instituída (indo até ao pormenor de lhe fazer equivaler a situação de dúvida).

A testadora poderia sobreviver, como sobreviveu, à mãe e ao pai e, para a verificação de tal situação – que, repete-se, nada tinha de anormal, antes o contrário -, nada dispôs.

         Uma tal omissão, não só deixa completamente em aberto a hipótese de ser vontade e desígnio da autora do testamento de, no caso de óbito prévio da mãe formar e manifestar outra vontade quanto à sua sucessão testamentária, como essa predisposição se pode ter por indiciada em razão dos limites que colocou às disposições testamentárias em análise – a sua pré-morte relativamente à mãe ou até à morte simultânea com ela, mesmo com dúvidas, mas não mais que isso.

         4. 3. - Neste quadro, esgotado o processo interpretativo, também não vemos que se possa admitir a existência de uma lacuna de previsão nas declarações negociais da testadora, qual seria a de fazer integrar, por ampliação, a previsão de pré-morte da mãe da testadora na prevista hipótese de morte simultânea.

         Nada indica que a testadora não tivesse previsto e desejado a omissão, tal foi a concretização a que chegou.

         Nesta perspectiva, tal corresponderia a uma adição de previsão factual que não encontra correspondência na vontade expressa no contexto do testamento e, como aventado, parece até por ele contrariada.

         Não existe, pois, qualquer insuficiência, decorrente de omissão da testadora, a suprir por integração da declaração negocial – art. 239º C. Civil (cfr., sobre o ponto, J. OLIVEIRA ASCENSÃO, “Direito Civil – Sucessões”, 4ª ed., 307).

         Assim sendo, sem prejuízo de se aceitar que, como defendem os Recorrentes, “a testadora quis beneficiar a sua mãe com a quota disponível, na medida em que não podia afastar o seu pai da legítima ao tempo da outorga do testamento, salvaguardando a estirpe materna, na qual estão incluídos os seus primos, filhos da sua tia materna GG, mencionada no testamento”, certo é que o contexto do testamento não permite surpreender na mens testantis a respectiva vontade em caso de sobrevivência aos herdeiros nomeados, a qual, de resto, nele (contexto) não contém a menor expressão.      

         Impõe, portanto, o expendido que se conclua que ao tempo da morte da testadora, por via do pré-decesso da sua mãe e da inverificação da condição de que ficara dependente o chamamento dos Réus – a morte simultânea -, haviam já caducado as instituições de herdeiros constantes do testamento sob interpretação, operando-se agora o encabeçamento dos bens da herança em conformidade as regras aplicáveis à sucessão legítima – art. 2317º C. Civil e sua al. a).

4. 4. – Respondendo, em síntese final, à questão central colocada poderá concluir-se:

Na interpretação do testamento vale a vontade querida pelo testador, apenas com a limitação da exigência da repercussão literal mínima, ainda que imperfeitamente expressa no contexto do testamento, exigida pela sua natureza formal.

 Essa interpretação, de cariz subjectivista, a reflectir o sentido atribuído à declaração pelo respectivo autor, deve ser acolhida reportada ao tempo da elaboração e aprovação do texto, mas sem desprezar a globalidade das circunstâncias reconhecíveis ao tempo da sua abertura.

Esgotado o processo interpretativo, as declarações negociais do testador não podem ser objecto de integração, por ampliação, se a cláusula não prevista corresponder a uma adição de previsão factual que não encontra correspondência na vontade expressa no contexto do testamento.

5. - Decisão.

De harmonia com o exposto, acorda-se em:

- Negar a revista;

- Confirmar a decisão impugnada; e,

- Condenar os Recorrentes nas custas.

Lisboa, 17 Abril 2012

Alves Velho (Relator)

Paulo Sá

Garcia Calejo