Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11431/99.7TVLSB.L2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
BEM IMÓVEL
LIGAÇÃO PERTINENCIAL
TERRAÇOS
REGISTO PREDIAL
LIMITAÇÃO DE PODERES
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PROVIDA DA RÉ E NÃO PROVIDA A AUTORA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / LIMITES MATERIAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Agostinho Cardoso Guedes, Nótula sobre a noção de partes integrantes, AA.VV., Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes, Volume I, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2011, p. 188;
- Carlos da Mota Pinto, Direitos Reais, Coimbra, Almedina, 1976, p. 242;
- José de Oliveira Ascensão, Direito Civil. Reais, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, 5.ª edição, p. 184 e ss.;
- Luiz da Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil Português, volume III, Coimbra, Coimbra Editora, 1930, p. 87;
- Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1967, p. 140 e 177;
- Mónica, Breves notas sobre a presunção de verdade e titularidade no sistema registal português, o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 1/2017 e a necessidade de programar o futuro do Registo Predial em Portugal, p. 1, in http:// https://ascr.pt/system/jobs/documents/000/000/016/original/Breves_notas_sistema_registal_portugues_-_Monica_....pdf?1512601070;
- Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Do Direito das Coisas em geral, Coimbra, Centelha, 1977, p. 225;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume III, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 172-173 e 175;
- Pires de Lima, Lições de Direito Civil (Direitos Reais), Coimbra, Coimbra Editora, 1946, 3.ª edição, p. 78, 96-101;
- Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Lisboa, Principia, 2013, 3.ª edição, p. 75 ; Anotação ao artigo 204.º, Ana Prata (coord.), Código Civil Anotado, volume I (Artigos 1.º a 1250.º), Coimbra, Almedina, 2017, p. 256-257.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1344.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D), 639.º, N.º 2.
Legislação Estrangeira:
CÓDIGO ALEMÃO: - § 905.
CÓDIGO ITALIANO: - ARTIGO 840.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 29-10-1992, PROCESSO N.º 082672, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-01-2010, PROCESSO N.º 323/2000.E1.S1;
- DE 14-11-2013, PROCESSO N.º 74/07.3TCGMR.G1.S1.
Sumário :

I. A função do artigo 1344.º do CC não é a de delimitar ou definir os contornos dos prédios mas sim a de regular o conteúdo do direito de propriedade, ou seja, os poderes do proprietário e, mais precisamente, o poder de ele transformar ou expandir o prédio, em altura e em profundidade.

II. O critério para a delimitação dos prédios passa pela aferição de existência de certos nexos (materiais e funcionais) entre as parcelas e o prédio: uma parcela é parte de um prédio quando tem uma ligação pertinencial com o prédio, apresentando-se o conjunto como uma unidade predial estável.

III. Tal ligação deve ser exclusiva ou dominante, isto é, impor-se sobre outras ligações que a mesma parcela mantenha, eventualmente, com outros prédios.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrentes:   AA, Lda.

                        BB, S.A.

Recorridas:     As mesmas

AA, Lda., intentou a presente acção declarativa contra CC, S.A., em cuja posição sucedeu a sociedade BB, S.A.[1], pedindo (na sequência de rectificação de fls. 227 a 232) a condenação da ré a reconhecer:

1. o direito de propriedade da autora sobre a cobertura do seu prédio sito no ..., n.º …  a … , em Lisboa, que reveste a forma vulgarmente designada de “...” e que erradamente se encontra incluída na descrição n.º ... do Livro ..., atual …, da freguesia de ...;

2. o direito de propriedade da autora sobre a referida cobertura, que reveste sensivelmente a forma de um “andar recuado” e que erradamente se encontra incluída na descrição n.º ... do Livro ..., atual …, da mesma freguesia;

3. o direito de propriedade da autora sobre a parte do seu prédio sito no ..., n.ºs … a …, que está identificada na matriz como “...” sob o ... e ..., que hoje já não são ..., nem têm qualquer entrada a não ser pelo interior do próprio prédio e que erradamente se encontra incluído na descrição n.º ... do Livro ..., atual …, da mesma freguesia;

4. o direito de propriedade da autora sobre a parte do seu prédio sito na Rua do ..., n.º … a … que constitui a “sub-cave” deste prédio, que tem entrada pelo pátio interior a que se acede pelo n.º … do prédio sito na Rua ..., nº … a … e que erradamente se encontra incluído na descrição n.º ... do Livro ..., atual …, da mesma freguesia;

5. o direito de propriedade da autora sobre o denominado “...”, que mais não é do que o remanescente do lote onde se insere o prédio do ..., n.ºs … a … e que é a continuação lógica deste prédio até confinar com o prédio vizinho e que erradamente se encontra incluído na descrição n.º ... do Livro ..., atual …, da mesma freguesia.

Mais pede que sejam declarados parcialmente nulos os registos efetuados apenas com base nas declarações dos interessados, bem como os averbamentos oficiosamente efetuados e que levaram a que a descrição n.º ... da 6ª Conservatória inclua as seguintes partes:

- ...;

- cavalariça com a área de 55,61 m2;

- ... com a área de 64,86 m2;

- dependência com área de 98,28 m2;

- ...,

sendo as referidas partes retiradas da mencionada descrição, a qual deverá ser rectificada, rectificando-se ainda a respetiva área, a qual é:

Coberta: 656,63 m2.

Para o efeito, a autora alega, em síntese, que é proprietária dos prédios sitos na Rua do ..., n.ºs … a …, e ..., nºs … a ….

O prédio da Rua ..., n.ºs … a …, tornejando para a Rua do ..., n.º …, em Lisboa, inclui na sua descrição partes que são reivindicadas e que pertencem a esses seus prédios, tendo a descrição sido feita apenas com base na declaração do seu apresentante, mas que não corresponde à realidade substantiva.

O espaço aéreo ao edifício do ... pertence-lhe (sendo seu, por isso, o ... e a dependência), o mesmo sucedendo quanto ao espaço do subsolo do prédio da Rua do ....

Os direitos reais constituem-se nos casos previstos na lei e são taxativos.

No caso em apreço nunca houve nenhum negócio jurídico que titulasse qualquer restrição ao direito de propriedade, quer do prédio do ..., quer do prédio da Rua do ..., mas se o houvesse revestiria carácter obrigacional.

Todas as descrições respeitantes à composição dos prédios (excepto uma nas finanças, datada de 18/04/1989) foram feitas numa época em que a propriedade dos três prédios pertencia à mesma ou mesmas pessoas.

Aquando da permuta de 10/03/1975 e até à compra do prédio da Rua ..., a CC foi arrendatária da totalidade dos três prédios, excepto da loja com entrada pelo n.º … do prédio sito no ....

Nunca a CC atuou por forma a adquirir o direito de propriedade por usucapião.

Em primeiro lugar, a CC sempre solicitou à autora ou ao anterior proprietário a realização de obras no ....

A CC apenas pretendeu operar a inversão da posse através da carta que enviou à autora em 21.01.1999.

No entanto, não decorreu o tempo necessário para a aquisição por usucapião.

As partes do prédio em causa são incindíveis dos prédios onde estão inseridas e não susceptíveis de constituição em propriedade horizontal.

Também não ocorreu qualquer aquisição por acessão industrial imobiliária tanto mais que as partes em causa não têm valor superior ao próprio prédio.

Conclui afirmando inexistir qualquer título que atribua à ré a propriedade do ..., ..., andar recuado, ... e garagens.

A aquisição tabular não pode funcionar relativamente a coisas inadquiríveis como é o caso de cobertas e subsolos.

As presunções derivadas do registo não abrangem os elementos identificadores do prédio.

Por outro lado, nunca a ré poderia ser tida como terceiro de boa-fé.

Os averbamentos oficiosos à descrição n.º ... (que incidem sobre elementos identificadores do prédio) foram lavrados sem base em título suficiente para a confirmação da realidade a que respeitam pelo que são nulos e de nenhum efeito.


*

A CC contestou, alegando, também em síntese, que as atuais descrições prediais e matriciais dos três prédios urbanos coincidem global e estruturalmente com a realidade constante na descrição n.º ... de 19.06.1867.

O conjunto das três edificações está edificado numa encosta, num espaço de terreno quadrangular entre a Rua do ..., Rua ..., ... e um muro de ... havendo sobreposição de ocupações distintas resultantes de edificações em vários taludes (contenção de terras).

Tais edificações não comunicam originalmente entre si e têm acessibilidades próprias desde a origem.

A CC, arrendatária, devidamente autorizada, estabeleceu acessos entre os mesmos.

Os pisos dos referidos prédios estão desnivelados.

No averbamento 3 da descrição n.º … já estão identificados os três prédios com três artigos matriciais.

O único acesso às ... sempre foi pelo n.º … da Rua ..., uma vez que se situa cerca de um piso e meio acima do nível do ....

A ... e a sobreloja constituem uma unidade de espaço no subsolo do prédio da Rua do ..., mas com um único acesso de origem pelo pátio do prédio da Rua ....

E com utilização de origem e exclusiva por este prédio.

Na escritura de permuta, os permutantes aceitaram tacitamente todas as descrições prediais e matriciais dos referidos prédios sem introduzirem rectificações registais, designadamente as objecto destes autos.

Também nos elementos identificadores do prédio objeto da compra e venda não existe qualquer alteração ou exclusão registral da referida ... ou loja, as quais estão corretamente incluídas na descrição matricial do prédio sito na Rua ..., n.ºs… a ….

A descrição matricial … relativa às ... não corresponde à realidade, uma vez que tal espaço não está sob o ..., mas sob parte do ... que não constitui cobertura do prédio do ....

Como as mesmas nunca foram acessíveis pelo ... foi necessário, no âmbito do arrendamento, levantar o piso das ... para nivelar uma nova acessibilidade com o prédio do ….

O ... e o ... foram feitos na origem para utilização única do palácio da Rua ..., os quais se estendem num único plano ao nível do 4º andar ou piso nobre.

Com excepção deste piso, os demais pisos estão desnivelados com o prédio do ....

Ainda hoje não existe qualquer acesso do prédio do ... ao ... e ao ....

O n.º 10 do ..., que atualmente não existe, corresponde a um limite de propriedade, a um muro de talude de contenção do ..., disfarçado como sendo uma continuidade da fachada, ao subsolo do ... do palácio.

Este muro integra o prédio da Rua ....

Assim, as descrições do prédio da Rua ... e do ... transmitem a realidade arquitetónica, atual e histórica dos dois prédios e “encaixam” uma na outra.

A CC tem a seu favor a presunção de propriedade sobre o ..., ... e dependência resultante do registo predial há mais de 100 anos.

Todas as partes reivindicadas têm ou constituem uma continuidade física, funcional, estrutural e económica de origem do prédio da Rua ....

Conclui pugnando para que:

- a acção seja julgada improcedente, por não provada, com a consequente absolvição de todos os pedidos que contra si são formulados pela autora.

- a autora seja condenada como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização, por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignora.


*

A autora respondeu, concluindo como na petição inicial.

Pugnou ainda pela improcedência do pedido formulado pela CC, no sentido da sua condenação como litigante de má-fé.


*

Mediante requerimento de fls. 227 a 232, a autora procedeu à rectificação dos pedidos formulados na petição inicial de modo a poder proceder ao registo da acção.

*

Em 24 de outubro de 2011 foi proferido o saneador-sentença que consta de fls. 490-520, julgando:

a) a presente acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da ré “do pedido ou pedidos, na íntegra”;

b) improcedente, por não provado, o pedido de condenação da ré como litigante de má fé.


*

Na sequência do recurso interposto pela autora, foi revogado, por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4.12.2012 (fls. 776-834), aquele saneador-sentença e determinado o prosseguimento dos autos, com a consequente seleção da matéria de facto assente e elaboração da base instrutória.

*

Selecionada a matéria de facto, ou seja, fixados os factos considerados assentes e elaborada a base instrutória, vieram as partes apresentar os respectivos requerimentos probatórios.

Ambas as partes requereram a produção de prova pericial.

A autora fê-lo nos termos constantes de fls. 969-970:

A fls. 989-990, foi proferido despacho com a Ref.ª ..., do qual consta, além do mais, a admissão de parte do objecto da perícia requerida por autora e ré, sendo, quanto à ré com o objecto pela mesma indicado a fls. 959 dos autos.


*

A autora interpôs recurso de agravo desse despacho, sendo tal recurso admitido por despacho de fls. 1049, como de agravo, a subir com o primeiro que, depois dele interposto houvesse de subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo.

Notificada do despacho de admissão do recurso, a autora veio alegar nos termos que constam de 1052-1057, pugnando pela revogação do douto despacho recorrido e pela sua substituição por outro que admitisse na totalidade a prova pericial solicitada por si solicitada.

A ré contra-alegou nos termos que constam de fls.1073-1077, pugnando pela improcedência do agravo, com a consequente manutenção da decisão recorrida.


*

Na subsequente tramitação dos autos, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte (fls. 1472):

Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, julgo a presente acção improcedente, por não provada, e consequentemente,

Absolvo a R do pedido.

(…)

Absolvo a do pedido de litigância de má-fé”.


*

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação (fls. 1499-1547), pedindo que a douta decisão proferida sobre a matéria de facto fosse revogada e ainda para todos os efeitos legais e nomeadamente os de ser reconhecida à autora a propriedade dos locais designados como “...”, ..., ..., ... e dependência e, em consequência, ser rectificada a descrição predial do prédio da ré no sentido de a mesma serem retiradas as referidas partes acima mencionadas.

A ré contra-alegou (fls. 1559-1599), pugnando pela improcedência do recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.


*

Por Acórdão de 16.01.2018, o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 1826-1896) julgou a apelação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu alterar a sentença recorrida nos seguintes termos:

Reconhece-se o direito de propriedade da apelante AA, Lda., sobre a área de 373 m2, correspondente à cobertura do prédio sito no ..., nºs … a …, em Lisboa, incluindo a dependência/construção que naquela área se encontra construída;

Reconhece-se o direito de propriedade da apelante AA, Lda., sobre a parte do prédio sito na Rua do ..., nº … a … que constitui a “sub-cave” deste prédio, que tem entrada pelo pátio interior e a que se acede pelo nº … do prédio sito na Rua ...;

Determina-se a retificação da descrição predial com o nº ..., da 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, referente ao prédio urbano sito na Rua ..., nºs … a …, em Lisboa, por forma a que, onde, da mesma consta 'Composição: edifício de rés-do-chão para duas lojas, sobre-loja, 1º a 3º andares para 1 habitação cada, 4º andar com direito e esquerdo, águas furtadas, com um ... e um ...' (…) passe a constar 'Composição: edifício de rés-do-chão para duas lojas, sobre-loja, 1º a 3º andares para 1 habitação cada, 4º andar com direito e esquerdo, águas furtadas, com um ... e um ..., com exclusão da área correspondente à cobertura do prédio sito no ..., nºs … a …, em Lisboa'.

No mais, mantém-se a sentença recorrida”.


*

Não se conformando com esta decisão na parte em que não obteve vencimento, veio a autora AA, Lda. interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1901-1911), em que, designadamente, arguiu a nulidade do Acórdão e pediu a sua revogação na parte em que não reconheceu o seu direito de propriedade sobre o espaço denominado por ... e sobre o ... e a sua substituição por outro que reconheça o seu direito de propriedade sobre os referidos espaços.

As conclusões das alegações da autora AA são as seguintes:
A) “Em análise nos presentes autos estão questões relacionadas com a definição de “coisa” para efeitos de poder ou não ser objecto de relações jurídicas ou de outras formas de apropriação para efeitos de constituição de direitos reais sobre elas;
B) Estão também em causa questões relacionadas com a tipicidade dos direitos reais bem como a definição, o conteúdo e os limites dos mesmos nomeadamente do direito de propriedade;
C) Questões estas de cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 672º do Código Processo Civil;
D) Por outro lado está em causa interesses de particular relevância social, tendo em conta que a questão que o Tribunal foi chamado a decidir envolve um conjunto de prédios que ocupa um quarteirão e que têm mais de 2 centenas de anos, tratando-se por isso, de um património que necessita de ser preservado e mantido estando, por isso em causa interesses de particular relevância social, razão pela qual também nos termos da alínea b), do nº1 do artigo 672º do Código Processo Civil, o presente recurso se justifica;
E) O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, confirmando a decisão do Tribunal de 1ª Instância quanto a dois dos cinco pedidos formulados pela A. na sua petição inicial, considerou improcedente os pedidos da A. ora recorrente, de ver pela R reconhecido o seu direito de propriedade sobre uma edificação que é vulgarmente designado por “...”, e que está integrada no conjunto de edificações que formam o quarteirão delimitado a Sul pelo ..., a norte pela Rua do ..., a Nascente pela Rua ... e a Poente pelo prédio vizinho, bem como o espaço de terreno não edificado, situado no meio das referidas edificações a que vulgarmente se chama “...”;
F) Salvo o devido respeito e melhor opinião a. ora recorrente considera que o douto Acórdão recorrido não decidiu bem no que respeita a estas duas questões respeita por 2 ordens de razões:
Em primeiro lugar por não ter decidido correctamente as reclamações da A. quanto a várias partes da matéria de facto dada como provada e não provada por não ter avaliado e interpretado bem as provas produzidas ou por se não ter pronunciado sobre questões suscitadas pela A, o que teve como consequência a nulidade de várias decisões proferidas sobre essa matéria nos termos das alíneas c) e d), do nº1, do artigo 615º do Código Processo Civil;
G) As decisões proferidas sobre a reclamação de A quanto à matéria de facto provada e não provada que esta considera nulas, nos termos daquele citada disposição legal são os pontos de facto nº93, 94, 95, 97, 105, 106, 112, 116, 119 e 122 de matéria provada e pontos 1, 5, 143, 14, 15, 16 e 17 de matéria não provada;
H) Não obstante muito importantes para dar o enquadramento fáctico à situação dos autos e para clarificar muitas das ambiguidades, incorrecções e contradições em que, salvo o devido respeito e melhor opinião, incorreu o Tribunal de 1ª Instância na seleção da matéria de facto dado como provada e não provada, e verdade é que mesmo com as incorrecções na matéria de facto, os factos provados e os documentos juntos aos autos, bem como a prova pericial realizada no âmbito do presente processo impunham uma decisão diferente no que respeita à aplicação do direito ao caso concreto e, nomeadamente à questão do reconhecimento do direito de propriedade da A. ora recorrente sobre as duas acima referidas partes ao seu prédio urbano situado no ..., nº… a … (embora só exista construção ate ao nº8) tornejando para a Rua ..., nº…, em Lisboa;
I) Encontra-se provado nos presentes autos e/ou existem documentos que só por si o comprovam que:
1. O edifício do ..., composto por r/c para lojas 1º e 2º andares já se encontra implantado no lugar onde hoje existe anteriormente ao terramoto de 1755;
2. O prédio urbano onde este edifício principal se encontra implantado tinha também implantado, nas traseiras daquele, o edifício secundário a que nos presentes autos se chama “...”;
3. O logradouro do prédio em causa tinha como limite norte a Travessa do ... (hoje Rua do ...) e limite nascente a Rua ..., estando o edifício principal virado a sul para a ...(hoje ...);
4. O edifício designado por ... era até finais do Século XIX composto por dois compartimentos em dois pisos e, no piso de baixo, tornado amplo através da demolição da parede que dividia os dois compartimentos;
5. Embora fosse identificado com os números 2 a 10 de policia para o ..., só havia edificação visível ate à porta com entrada pelo nº8, sendo o nº10 uma fachada que contem um vão fechado com a moldura de uma porta e que, actualmente serve de muro de contenção das terras que, à cota de sua cobertura se estendem até ao prédio da Rua do ...;
6. Dado o desnível entre as ruas em causa, o rés-do-chão do prédio da Rua do ... é que está à cota maquis próxima do ... para o qual tinha uma porta que foi encerrada pela então arrendatária CC S.A.;
7. O edifício da Rua ... foi o segundo a ser construído;
8. O edifício da Rua do ... foi o último dos três a ser construído.
J) Tendo em conta a matéria de facto dado como provada, resulta evidente que as denominadas ... eram, no seu inicio um edifício de apoio ao prédio da do ... (então …) quer como armazém quer como resguardo do poço quer como qualquer outro fim secundário, o que se compunha, então de um edifício principal, um edifício secundário e um logradouro;
K)  Após o terramoto e tendo o prédio em causa sido dado de atramento perpétuo, foi construído no logradouro do prédio do ... o edifício da Rua ... e, provavelmente já mais para o final do Século XIX o edifício secundário foi adaptado para, no seu rés-do-chão, servir de cavalariça com entrada pelo nº… do prédio da Rua ...;
L) Algum tempo depois terá deixado de ser cavalariça e voltou à sua função no edifício do ..., pelo qual tinha acesso quer o compartimento ao nível do 1º piso quer os dois compartimentos ao nível do 2º piso;
M) Foi entretanto também atribuído o prédio na Rua do ... e o resto do logradouro do prédio do ... ficou encaixado entre os três edifícios.
N) Sucede, porém, que quando os edifícios da Rua ... e o edifício da Rua do ... foram construídos, não houve qualquer desanexação de mais paredes de terreno para passarem a construir logradouro destes prédios;
O) Por tal motivo o logradouro manteve-se sempre pertencente ao prédio do ... por inexistência de qualquer titulo que tenha alterado a composição do prédio inicial. Por tal motivo, do logradouro inicial saiu apenas a área onde se encontra implantado o edifício da Rua ... e a área onde se encontra implantado o prédio da Rua do ...; o resto manteve-se no prédio de origem;
P) Não tem por isso razão o douto Acórdão recorrido quando nega provimento ao recurso interposto pela A. ora recorrente por esta não ter feito prova da aquisição da propriedade das “...” ou de aquisição da propriedade do ...;
Q) A. ora requerente fez prova cabal de ser proprietária do prédio a que pertenceu as “...” e o logradouro a que se chama “...”, pelo que não tem que fazer prova de ter adquirido estes últimos;
R) A R., ora recorrida, é que competia fazer prova de que o logradouro, ou parte dele, do prédio do ... e/ou as ... lhe teriam passado a pertencer;
S) Mas a R não logrou fazer essa prova pelo que a única decisão consentânea com a lei, nomeadamente os artigos 202º, 203º e 204º, o artigo 1316º, bem como os artigos 341º, 342º, nº 1 e 2 todos do Código Civil é, salvo o devido respeito e melhor opinião, dar provimento ao recurso interposto pela A., ora recorrente e substituir a decisão proferida em 1ª Instância no sentido de serem considerados procedentes por provados os pedidos de A., ora recorrente de ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o edifício designado por “...” e o ... que constitui o remanescente do logradouro do seu prédio após a construção dos outros dois.

Igualmente insatisfeita, veio a ré BB, S. A. interpor recurso de revista (fls. 1915-1971).

As conclusões das alegações da ré bb ... são as seguintes:
a. “Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 16.01.2018, na parte em que revogou (parcialmente) a Sentença de 1.ª Instância, e, em consequência, decidiu: (i) Reconhecer o direito de propriedade da apelante AA, Lda., sobre a área de 373 m2, correspondente à cobertura do prédio sito no ..., n.ºs … a …, em Lisboa, incluindo a dependência/construção que naquela área se encontra construída; (ii) Reconhecer o direito de propriedade da apelante AA, Lda., sobre a parte do prédio sito na R. do ..., n.º … a … que constitui a “sub-cave” deste prédio, que tem entrada pelo pátio interior e a que se acede pelo n.º … do prédio sito na R. ... ;e (iii) Determinar a retificação da descrição predial com o n.º ..., da 6.ª Conservatória de Registo Predial de Lisboa, referente ao prédio urbano sito na R. ..., n.ºs … a …, em Lisboa, por forma a que, onde, da mesma consta «Composição: edifício de rés-do-chão para duas lojas, sobre-loja, 1.º a 3º andares para 1 habitação cada, 4.º andar com direito e esquerdo, águas furtadas, com um ... e um .... (…)» passe a constar «Composição: edifício de rés-do-chão para duas lojas, sobre-loja, 1.º a 3º andares para 1 habitação cada, 4.º andar com direito e esquerdo, águas furtadas, com um ... e um ..., com exclusão da área correspondente à cobertura do prédio sito no ..., n.ºs … a …, em Lisboa».
b. Deverá ser revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa porquanto tal decisão padece de um manifesto erro de interpretação e aplicação, bem como de determinação da norma aplicável ao caso.
c. Em Primeira Instância o Tribunal decidiu que quanto às “...”, “.../sub-cave” e ao “...” a Autora/Recorrida não beneficia de presunção resultante do registo predial e não logrou fazer prova, como lhe incumbia, da aquisição originária do direito de propriedade; mais decidiu que o acesso aos referidos espaços sempre foi feito pelo prédio sito na R. ... – o qual é da propriedade da Ré/Recorrente -; e que a “conceção vertical do direito de propriedade” que a Autora/Recorrida alegou, baseando-se no artigo 1344.º do Código Civil, referente aos limites materiais dos prédios imóveis, não traduz a conclusão de que a “...” é propriedade sua, uma vez que o artigo 1344.º do Código Civil, não constitui nenhum modo de aquisição do direito de propriedade, mas antes sim um meio de delimitação da propriedade.
d. Por outro lado, a respeito do ... e da dependência a Primeira Instância decidiu que (i) A área do ... é de 425m2 (excluindo-se a dependência que tem 100m2 e que é cobertura do prédio do ...) e a área da cobertura do prédio do ... é de 273m2); (ii) da factualidade provada resultou que ao ... e à dependência tiveram acesso apenas o proprietário ou locatário do prédio sito na R. ...; (iii) por contrato de permuta de 1975 o prédio da R. ... passou a ser da exclusiva propriedade de DD e os do ... e R. do ... de EE, não tendo ninguém posto em causa da propriedade do ... e da dependência por parte do primeiro, até 1999; (iv) concluiu o tribunal que a dependência, bem como o ..., na parte em que é cobertura do prédio sito no ... foi adquirido por usucapião, pertencendo ao prédio da R. ....
e. Perante esta douta Sentença, recorreu a Autora/Recorrida, para o Tribunal da Relação de Lisboa, considerando que a douta sentença proferida (i) não avaliou “corretamente as provas produzidas ao longo do processo, quer documentais, quer periciais, quer testemunhais”, traduzindo uma incorreta decisão acerca da matéria de facto dada como provada e como não provada na seleção da matéria assente aquando da elaboração do despacho saneador, bem como aquando da decisão final sobre a matéria de facto, após produção de prova em julgamento; (ii) não fez correta interpretação” dos factos históricos; e (iii) “fez uma aplicação incorreta do direito às situações em análise não apenas porque baseada em vários factos incorretos, mas também por incorreta utilização de institutos jurídicos, como é, por exemplo o caso da usucapião”.
f. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, apesar de julgar improcedente, praticamente na sua totalidade, a impugnação da matéria de facto deduzida pela Autora/Recorrida entendeu alterar, salvo o devido respeito, mal, a decisão proferida em 1.ª instância, fundamentando a sua decisão numa convicção de “conceção vertical do direito de propriedade”, baseada no artigo 1344.º do Código Civil e defendida também pela Autora/Recorrida.
g. Não pode a Ré/Recorrente conformar-se com o Acórdão do Tribunal a quo, porquanto é seu entendimento que perante toda a circunstância fática envolvente, atendendo a todos os fatores históricos, arquitetónicos e funcionais que se verificam in casu, outro deveria ter sido o entendimento do Tribunal a quo e, necessariamente, outra decisão se impunha. Pelo que nos encontramos perante um manifesto erro de interpretação e aplicação, bem como de determinação da norma aplicação, a respeito do disposto nos artigos 236.º, 238.º, 334.º, 1293.º a 1297.º, 1302.º a 1305.º, 1316.º, 1317.º, 1325.º, 1326.º 1344.º do Código Civil.
h. À data da propositura da presente ação estava vigente e era aplicável a esta matéria a Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, na sua 1.ª versão, que determinava que o valor da alçada dos Tribunais da Relação, em matéria civil, era de 3.000.000$00 (cfr. artigo 24.º do referido diploma legislativo). Em face do exposto, atendendo ao valor da causa conclui-se que sempre deverá ser admitido o presente recurso, nos termos dos artigos 629.º n.º 1 do CPC, 44.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto e 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro.
i. Ora, o Acórdão em crise, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa parece, salvo o devido respeito, fazer tábua rasa de toda a prova produzida, ao determinar pela aplicação errada e radical do artigo 1344.º do Código Civil, sem ter em consideração a materialidade fática que preside o caso concreto, que, aliás, entendeu dar por provada. Com efeito, sem mais, entendeu o Tribunal a quo reconhecer à Autora/Recorrida o direito de propriedade sobre o “...”, “dependência” e “...”, meramente porquanto estes espaços se encontram geometricamente integrados nas perpendiculares levantadas sobre os limites do solo, tendo aplicado, portanto, uma “conceção vertical do direito de propriedade”, a mesma cegamente defendida pela Autora/Recorrida, que entende estar prevista no artigo 1344.º do Código Civil. Tal entendimento secundou-se também no facto de na escritura de permuta se encontrar ausente a menção expressa de que o “...”, “dependência” e “...” integram o prédio da R. ... e que, portanto, o respetivo direito de propriedade sobre as mesmas também se deveria transferir para DD.
j. Ora, nos termos da jurisprudência e doutrina supra citada, salvo o devido respeito, ao contrário do que o Tribunal a quo parece fazer crer, o disposto no artigo 1344.º do Código Civil não impõe que qualquer construção ou coisa que se encontre no subsolo de um edifício ou por cima da sua cobertura ou telhado seja considerado como parte de tal edifício ou prédio. Esta norma não visa a delimitação dos imóveis, mas apenas prevê o direito do proprietário de os transformar, ou seja, a decisão proferida e a pretensão da Autora/Recorrida assentam numa configuração de delimitação da coisa que se não aceita como correta.
k. Por outro lado, sempre se diria que a existir um direito de propriedade da Autora/Recorrida sobre as Parcelas do Prédio ..., o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se considera, sempre se teria de considerar que o mesmo havia sido pela mesma adquirido por alguma das formas tipificadas na lei, como o contrato, a sucessão hereditária, a usucapião ou a ocupação (artigo 1316.º do Código Civil). Sucede que, a Autora/Recorrida nem alegou nem logrou demonstrar factos que permitissem a verificação dos pressupostos de aquisição pela Autora/Recorrida de tal direito de propriedade por via de qualquer dos institutos legais previstos para o efeito.
l. Por outro lado, mas não menos importante, saliente-se que as únicas parcelas reclamadas em relação de verticalidade com os imóveis da Autora/Recorrida, suscetíveis de interferirem com a extensão do respetivo direito de propriedade, seriam a parte do “...” edificada sobre a cobertura do prédio do ... e a “dependência” construída nesse mesmo “...” e já não a “...”. Pelo que também mal foi o Tribunal a quo ao olvidar que a “...” é uma construção anterior ao prédio da R. do ... que, segundo este enquadramento jurídico, é todo ele edificado em colisão com a extensão vertical do direito de propriedade sobre aquela preexistente parcela.
m. Conclui-se, portanto, que nem o “...”, nem a “dependência” do ... ou, ainda, a “...” pertencentes à Ré/Recorrente poderão ser legitimamente adquiridos pela Autora/Recorrida por força da extensão vertical do seu direito de propriedade sobre o prédio do ...
n. Caso assim não se entenda, o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se considera, sempre se diria que era exigível ao Tribunal a quo que, perante a factualidade demonstrativa da verdadeira intenção das partes, decidisse que as parcelas em crise ficaram na propriedade exclusiva de EE, aquando da escritura de permuta, porquanto era este o proprietário dos prédios sitos no ..., n.º … a … e na R. do ..., n.º … e …, nos termos e para os efeitos do artigo 236.º do Código Civil.
o. Ora, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, confrontado com i) o elemento histórico intrínseco ao prédio da R. ... e parcelas adjacentes; ii) a finalidade e interesse prático dado às parcelas; iii) a delimitação e estrutura dos edificados e parcelas em discussão e, ainda, iv) ao comportamento posterior dos contraentes, não poderia senão concluir pela atribuição do direito de propriedade exclusivo sobre o “...”, “dependência” e “...” a DD, nos termos dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil.
p. Ainda que se entendesse que o direito de propriedade da Ré/Recorrente sobre as parcelas reclamadas pela Autora/Recorrida nestes autos não existia - o que não se admite, mas por mera cautela de patrocínio se considera - sempre seria imperioso concluir-se, atenta a factualidade provada nos presentes autos, que as mesmas haveriam sido adquiridas por usucapião por DD, nos termos do art. 1316.º do Código Civil.
q. Face a todos os antecedentes históricos que constituem matéria assente nos autos, é forçoso concluir que, caso assistisse à Autora/Recorrida qualquer direito sobre as parcelas reclamadas, a conduta por esta adotada nestes autos - em frontal contradição com a sua atuação desde a data em que foi constituída, 02-07-1980, e que corresponde à data em que ocorreu a transferência dos imóveis do ... e da Rua do ... para a propriedade da Autora, e com a atuação do seu sócio EE antes disso - configuraria inequivocamente uma situação de abuso de direito, nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil, uma vez que foi sempre intenção dos proprietários do conjunto de edifícios que cada edifício ficasse descrito e delimitado nos exatos termos em que o foi, constando as parcelas reclamadas nestes autos como partes integrantes do edifício da Rua ...”.


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Apresentaram ainda uma e outra partes as suas contra-alegações (fls. 1991-2002 e fls. 2007-2070) (que não se reproduzem aqui dada a extensão que já leva o presente relatório). Nelas, cada uma das partes pugna, essencialmente, pela inadmissibilidade / improcedência do recurso da outra e pela procedência do seu recurso.

No Tribunal da Relação foi ainda recebido um requerimento da ré pedindo a junção aos autos de parecer jurídico elaborado pelo Senhor Doutor Henrique Sousa Antunes (fls. 2015-2102).

Notificada deste requerimento, veio a autora AA pronunciar-se (fls. 2116-2117).

Por Acórdão de 5.07.2018 (fls. 2123-2125), o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu julgar inexistentes as nulidades arguidas pela autora, na sequência do que esta declarou prescindir de recurso deste Acórdão (fls. 2130).

Foi, então, proferido despacho de admissibilidade do recurso de revista (fls. 2134) e, em consequência, subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça.


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No dia seguinte à sua distribuição à presente Relatora (31.10.2018), a autora AA apresentou requerimento para junção aos autos de parecer elaborado pelo Senhor Doutor Luís Menezes Leitão (fls. 2141-2225) e, depois, a ré BB ... apresentou, por sua vez, requerimento para fixação de prazo adequado (no seu entender, de 30 dias) com vista à reformulação do parecer por si apresentado ou apresentação de novo parecer (fls. 2229 e s dos autos).

Por despacho de 19.11.2018 (fls. 2235 dos autos) foi admitido o requerimento de AA e, verificando-se ter sido observado o princípio do contraditório e atendendo à necessidade de estabilização dos autos, não admitido o requerimento de BB ....

Apesar disso, veio, em 23.11.2018, BB ... apresentar novo requerimento, em que se pronunciava sobre o parecer apresentado por AA (fls. 2246 e s. dos autos).

Este requerimento não foi admitido, por despacho de 11.12.2018 (fls. 2287 dos autos), na sequência o que veio ainda BB ... requerer a sua rectificação, alegando que o requerimento por si apresentado era tempestivo (fls. 2290 e s).

 Por despacho de 8.01.2019, decidiu-se que tal requerimento era inadmissível com os fundamentos do despacho de 19.11.2018 (para o qual se remeteu), tendo sido ainda determinado, na mesma data, que os autos seguissem para a Formação para apreciar dos pressupostos da revista excepcional invocados por AA (fls. 2297 e s.), uma vez que se verificou o recurso era interposto por esta ao abrigo do artigo 672.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC, ou seja, era um recurso de revista excepcional.

Deste requerimento veio BB ... apresentar reclamação para a conferência, arguindo a sua nulidade por violação do princípio do contraditório e pugnando pela sua revogação (fls. 2306 e s.), ao que respondeu AA à reclamação, sustentando a validade do despacho reclamado (fls. 2320 e s.).

Foram os autos enviados à Formação (fls. 2323) e em 21.02.2019 foi proferido Acórdão, que concluiu pela irrelevância dos pressupostos da revista excepcional, com fundamento em que a presente acção havia sido instaurada em 1999, não se aplicando, portanto, o bloqueio recursório da dupla conforme (fls. 2324 e s.).

Remetidos novamente os autos à presente reatora, foi proferido, em 19.03.2019, Acórdão pela Conferência, pronunciando-se pela inexistência da nulidade invocada e confirmando o despacho reclamado.
                                                           *

O relatório que antecede atesta as numerosas vicissitudes que sofreram os presentes autos. Ainda assim, as questões que cumpre decidir neste recurso de revista são relativamente fáceis de formular.
Sendo o objecto do recurso, para lá das questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das recorrentes, a questão central a decidir é, essencialmente, a de saber a quem pertencem determinadas parcelas que, estando ligadas a mais do que um prédio por nexos de natureza variada, não é imediatamente perceptível a quem pertencem.
Numa formulação mais rigorosa, devem distinguir-se, porém, as questões avançadas por cada umas das recorrentes, desdobrando-se o objecto do recurso, consequentemente, nas seguintes questões:
- Resultantes do recurso interposto pela autora AA:
1.º) Existem no Acórdão recorrido as nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, als. c) e d), do CPC?
2.º) Deve ser reconhecido à autora o direito de propriedade sobre a edificação conhecida como “...”?
3.ª) Deve ser reconhecido à autora o direito de propriedade sobre o espaço de terreno denominado “...”?
Quanto às duas últimas questões, recorde-se que, não obstante existir confluência decisória das instâncias[2], atendendo a que a acção foi instaurada em 1999, portanto, antes mesmo da introdução do bloqueio recursório conhecido como dupla conforme, não existe impedimento à sua apreciação.

- Resultantes do recurso interposto pela ré BB...:
3.ª) Deve ser reconhecido à autora o direito de propriedade sobre a chamada “cobertura”, composta de “...” e “dependência” (esta última também designada “construção”)?
4.ª) Deve ser reconhecido à autora o direito de propriedade sobre a chamada “sub-cave” (também denominada “...” / “loja”)?

                                                           *

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1. Por escritura pública lavrada no 25º Cartório Notarial de Lisboa, em 30/09/1993, DD- no estado de casado com FF, sob o regime da comunhão de adquirido – declarou vender à ...— CC, S.A., pelo preço de Esc. 800.000.000$00, quantia que declarou ter recebido nesse ato da compradora, o prédio urbano sito em Lisboa, na Rua ..., nºs … a …, tornejando para a Rua do ..., nº …, freguesia de ..., inscrito na matriz urbana da freguesia de ... sob o artº … (antes sob o artº … da freguesia de ...), com o valor patrimonial de Esc. 24.916.320$00 e descrito na 6ª C.R.Predial de Lisboa sob o nº ...do livro ...;

2. No dia, hora e local referidos no ponto 1, DD declarou ainda que a venda do prédio em causa à ...- CC, S.A. era feita livre de quaisquer encargos, ónus ou responsabilidades, com inclusão das duas estátuas colocadas à entrada, com transmissão imediata para a compradora do pleno domínio, posse, servidões e acessões e com os quartos andares, esquerdo e direito, devolutos, livres e desocupados e as partes restantes do imóvel arrendadas à compradora;

3. No dia, hora e local referidos nos pontos 1 e 2, GG e HH declararam - na qualidade de administradores e em representação da ...- CC, S.A.- aceitar tal venda para a sociedade sua representada, nos precisos termos exarados;

4. No dia, hora e local referidos nos pontos 1 a 3, FF declarou consentir na venda então efetuada pelo seu marido, DD;

5. A descrição predial relativa ao prédio aludido nos pontos 1 a 4 proveio de uma desanexação efetuada no prédio nº ... da citada Conservatória, anteriormente o nº 83 da 3ª Conservatória;

6. A descrição nº 83 da 3ª C.R.Predial de Lisboa foi lavrada em 19/07/1867 com base em documentos apresentados e em declarações do apresentante;

7. Os documentos apresentados para a efetivação da descrição referida no ponto 6. foram os seguintes:

a) escritura de 24/05/1866, a fls. 69V do Livro nº ... do Notário II;

b) escritura de 30/04/1860, a fls. 51 do Livro nº ... do mesmo notário;

c) escritura de 22/09/1803, a fls. 40 do Livro nº … do Notário JJ;

d) certidão extraída do Registo Vincular do Direito Administrativo de Lisboa, em 17/05/1967(acordo) (G)).

8. O documento referido no ponto 7. c) é uma escritura pela qual fora dado, em 1803, de aforamento perpétuo a KK"um terreno sito no lado Poente da Rua ... aonde faz frente e tem por este lado cento e sessenta e três palmos e seis décimos e de frente pela Rua ... para onde faz outra frente tem cento e noventa e três palmos athe encostar com chão de trinta e três palmos e sete décimos de frente da mesma Rua ...e cento e noventa e um palmos de fundo que o dito KK arrematou..";

9. No terreno referido no ponto 8., dado de aforamento em 1803, existia a ruína de um prédio de três lojas no rés-do-chão e dois andares, com frente para o atual ..., que ardera aquando do terramoto de 1755;

10. Anteriormente ao terramoto de 1755 tal prédio, de características nobres e todo ele arrendado para rendimento, pertencia, tal como o resto, ao ...;

11. Em 1803 este terreno pertencente ao ... confinava, a Poente e a Sul, com duas faixas de terreno que o referido KK houvera adquirido à inspeção do Bairro em 1796;

12. Tais faixas de terreno tinham, respetivamente, 33,7 palmos de frente para a Rua do ..., e 191 palmos de fundo e 194 palmos de frente para a Rua … (hoje ...) e à data também denominada ...e 17 palmos de fundo;

13. O documento referido no ponto 7. a) é uma escritura de 24/05/1866, pela qual a Sra. D. LL, viúva de MM, reconhece o Senhor ... por senhorio direto do prazo que compreende três propriedades;

14. As propriedades a que se refere o prazo da escritura aludida no ponto 14.: "a primeira na Rua ..., nº …, tornejando para o ..., para onde tinha os nºs … a …; a segunda na mesma Rua ..., nºs. … a …, tornejando para a Travessa do ..., para onde tinha os nºs. … e … e, a terceira, nesta última travessa, para onde tinha os nºs. … a …. Os nºs actuais são para o ... …a …, para a Rua ... … a … e para a Travessa do ... … a …”:

15. Da totalidade da área ocupada pelas propriedades aludidas no ponto 14., 38.148 palmos superficiais ou 1846,73 m2, 31.581 palmos ou 1528,82 m2 estavam incluídos no foro à casa do Conde ..., estando a diferença, ou seja, 6.567 palmos superficiais ou 317,91 m2 fora do referido foro;

16. O documento referido no ponto 7. b) cifra-se na escritura pela qual o citado MM, antes do reconhecimento como foreiro e como condição deste, pagou o laudémio de quarentena que era devido à Casa ... pela arrematação que fez em execução movida pela Fazenda Pública contra NN, dos prédios referidos nos pontos 11 e 12;

17. Como contrapartida pelo pagamento do referido laudémio a herança do ... cedia-lhe o direito à acção que a mesma herança tinha para o haver do produto existente no depósito público;

18. A descrição nº 83 da 3ª C.R.Predial de Lisboa, lavrada em 19 de Junho de 1867, continha os seguintes factos:

e) o facto de o referido prédio (ou prédios) descrito ser foreiro;

f) a qualidade de enfiteuta de D. LL:

g) o facto de o seu falecido marido MM ter sido possuidor antes dela;

h) a identificação do primeiro enfiteuta NN;

i) a identificação do último possuidor do domínio directo, OO - ...;

j) a área superficial de 31.581 palmos ou 1.528,82 m2 correspondia ao terreno aforado;

19. Da descrição predial aludida no ponto 5. – no que à situação, composição e confrontação do prédio na mesma em causa se refere – foi feito constar o seguinte: "Prédio urbano situado na Rua ..., números antigos … e … e moderno …, tornejando para a ..., números antigos … e … e moderno 1, freguesia de .... Compõe-se de lojas, sobre lojas, dois andares, ... e pátio. Confronta, conforme a declaração, pelo norte com a dita travessa, sul e poente com prédios de D. LL e nascente com dita Rua ...";

20. O apresentante da descrição referida nos pontos 6, 18 e 19 (F),S)eT)) foi o … ..., PP, representado pelo seu procurador QQ;

21. Por averbamento a que foi dado o n° 1 foi levado a registo uma alteração dos números de polícia dos prédios objeto da mencionada descrição predial com o seguinte teor:

"Segundo consta da declaração e escritura apresentadas sob o nº 1 - 22 de Maio de 1897, o prédio descrito com o nº … tem para a Rua ... os nºs. … a … modernos e antigos … a …, poente para o ... nº … a … modernos e … a … antigos e para a . ... nº … a … modernos e … a … antigos”;

22. Com data de Março de 1945 foi feito constar no Registo Predial o averbamento nº 3 relativamente ao prédio a que se refere a descrição referida nos pontos 1 a 4 e 18 e ss. (…), o seguinte texto:

"À vista da caderneta predial apresentada com os documentos que serviram de base ao averbamento nº 1 à inscrição sob o nº …, a fls. … do Livro … verifiquei que o prédio acima descrito sob o nº ... está inscrito na matriz sob os artºs. … e …, correspondendo o artº … ao prédio que tem os nºs. … a … para a Rua ..., tornejando para a Rua do ... nº …, o artº … ao que tem os nºs. … a … para o ..., tornejando para a Rua ..., nº … e o artº … ao que tem os nºs. … a … para a Rua do ...";

23. Com data de 22/01/1981 foi feito o averbamento nº 4 à descrição referida no ponto 6 e 18 (…), com o seguinte teor:

"Do prédio supra nº ... fica desanexado o edifício correspondente ao artº …, para formar a descrição nº ...";

24. A descrição nº ... referida no ponto 23 (…) tem o seguinte teor:

"Prédio urbano. — Situação: Rua ..., nºs … a …, tornejando para a Rua do ..., nº …, freguesia de ....

Composição: edifício de rés-do-chão para duas lojas, sobre-loja, 1º a 3º andares para 1 habitação cada, 4º andar com direito e esquerdo, águas furtadas, com um ... e um .... Artigo matricial: 97. Rendimento colectável: 671.760$00.

Desanexado do nº ..., a fls. 106 do B-8 “;

25. No registo predial quanto à descrição referida nos pontos 1 a 4 e 18 e ss. (…) foi ainda feita menção à área do terreno aforado, sendo o ... referido uma área ajardinada ao nível do 2º andar do prédio em causa, que era usada por LL como ... e ao qual as suas visitas tinham acesso (…);

26. Em 18/04/1897 foi feito constar do Registo Predial a seguinte inscrição:

"Fica inscrito a favor de MM, solteiro, maior, proprietário e comerciante, morador na Rua ..., nº …, a transmissão do domínio útil do prédio descrito com o nº …, a fls. 5, v do Livro …, que tem o valor venal de trinta contos de réis segundo consta da descrição que lhe ficou pertencendo em seu pagamento em virtude de partilha a que procedeu com os mais interessados  ..., Dona LL, autorizada por seu marido, o … RR, Par do Reino, Ministro de Portugal na Corte ... e proprietário, moradores no seu palácio do ..., n° …, Dona SS, casada com TT, proprietário e por ele devidamente autorizada, moradores no ..., nº …, por óbito de sua mãe, D. LL, falecida em … de … de … na casa nº … da Rua ..., freguesia de ...";

27. Em 18/04/1928 foi feito constar do registo predial quanto ao prédio com a descrição nº ... o seguinte:

"Fica inscrita a favor de Dona UU, casada com o Dr. VV, proprietária, moradora nesta cidade, na Rua ..., nº …, a transmissão do prédio descrito sob o ..., a fls. … do Livro …, por lhe haver pertencido no valor de quatrocentos e quarenta mil escudos em seu pagamento na partilha amigável a que procedeu com os herdeiros de MM, falecido nesta cidade no estado de solteiro e de quem foi também herdeira. Este prédio está descrito na matriz predial da freguesia de ... sob os artigos 94 - 90 e 91" (doc. de fls. 46 a 57) (DD)).

28. Por UU ter falecido sem descendentes, a mesma deixou os referidos prédios em testamento a seus sobrinhos netos, DD e EE, irmãos, à data menores, representados por seu pai, DD, tendo em 04/03/1945 sido feito constar do registo predial o seguinte:

"Fica inscrito a favor de DD e EE, menores, representados por seu pai, DD, casado, proprietário, todos residentes na Rua ..., nº …, em Lisboa, a transmissão do prédio descrito sob o nº ..., a fls. … do Livro … (...), por lhe haver sido legado (s) por D. UU no testamento com que faleceu, no estado de viúva em 25 de Março de 1942, nesta cidade";

29. Por escritura pública lavrada no dia 27/12/1957 perante XX, notário do 9º Cartório Notarial de Lisboa, DD declarou, na qualidade de usufrutuário legal do prédio situado na Rua ..., nº …, descrito sob o nº ..., a fls. …, Livro …, na 6ª Conservatória do Registo Predial e inscrito no artº … da respectiva freguesia do ..., prédio este de que declarou serem proprietários seus filhos menores DD e EE, além do mais, o seguinte:

- dar, nessa qualidade, de arrendamento à Sociedade ZZ (…), o rés-do-chão, sobre loja, primeiro andar, segundo andar e a parte das águas furtadas que com este segundo andar comunicam directamente por uma escada interior, bem como o ... do dito prédio, com exclusão, quanto ao ..., de uma faixa de cinco metros, a todo o comprimento, na parte em que o ... confronta com o prédio da Rua do ..., nºs. 3 a 5, atualmente arrendado à "AAA”;

- que os referidos rés-do-chão, sobre loja, primeiro e segundo andares e parte das águas furtadas e ... tinham entrada pela Rua ..., nº …, tendo ainda uma parte do primeiro andar, com oito divisões (que é rés-do-chão para a Rua do ...) e o segundo andar (que declarou ser o primeiro andar para a Rua do ...) entrada pela Rua do ..., nº …;

30. No dia referido no ponto 29., e no mesmo ato, DD declarou que o arrendamento aludido no ponto 29., era feito pelo prazo de um ano, com início em 01/01/1958 e termo em 31/12/1958, presumindo-se renovado nas mesmas condições e por iguais e sucessivos períodos de tempo enquanto qualquer das partes o não der por findo nos termos da lei;

31. No dia referido no ponto 29., DD declarou ainda que a renda mensal era de Esc. 22.750$00, a pagar pela arrendatária, no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito, em casa do senhorio ou na de quem o represente, e que enquanto a parte do primeiro andar que tem entrada pela Rua do ..., nº … e que deve ser entregue à arrendatária dentro do prazo de 30 dias a contar do dia referido no ponto 29., não fosse posta à disposição da arrendatária, a mesma pagaria apenas a quantia de Esc. 20.000$00 mensais;

32. No dia referido no ponto 29. e no mesmo ato, DD declarou ainda destinar-se a parte arrendada a escritório comercial da arrendatária, não lhe podendo ser dada qualquer outra aplicação ou uso sem autorização por escrito do senhorio;

33. No dia referido no ponto 29. e no mesmo ato, DD declarou ainda que as obras, reparações e benfeitorias na parte arrendada seriam exclusivamente de conta e a cargo da arrendatária, que para tanto deveria obter previamente a aprovação das mesmas, por escrito, do senhorio;

34. No dia referido no ponto 29. e no mesmo ato, DD declarou ainda que a arrendatária era, desde logo, autorizada e ficava obrigada a efetuar, dentro do prazo de um ano, as obras descritas na relação que se arquivava como elemento integrante da escritura, devendo proceder a elas com matérias de primeira qualidade e conforme os melhores preceitos da técnica e da estética e ficando inteira e exclusivamente responsável perante o senhorio e perante terceiros por todos e quaisquer prejuízos que resultassem dessas obras, obras para as quais o senhorio contribuiria com a quantia de cento e vinte cinco mil escudos, a pagar em dez prestações mensais e iguais de doze mil e quinhentos escudos cada uma;

35. No dia referido no ponto 29. e no mesmo ato, DD declarou ainda que, se o senhorio assim o exigisse, a arrendatária, quando terminasse o arrendamento, deveria demolir à sua custa a construção a fazer no ... do segundo andar, restituindo esse ... ao estado anterior, não tendo a inquilina direito de retenção ou indemnização por obras, reparações ou benfeitorias, nem o direito de levantar ou demolir as que fizesse, que ficavam a fazer parte integrante do prédio e a pertencer ao senhorio, exceto se qualquer dos proprietários acima mencionados, filhos do primeiro outorgante se emancipassem ou, ao atingirem a maioridade, invocassem a caducidade do arrendamento e lhe pusessem termo e, até então a arrendatária tivesse efetuado todas as obras indicadas em tal ato e se com elas tivesse despendido quantia igual ou superior a Esc. 275.000$00, situação em que teria o direito a ser indemnizada por estas obras até àquela importância de Esc. 275.000$00;

36. No dia referido no ponto 29. e no mesmo ato, DD declarou ainda que a arrendatária ficava obrigada a:

1) a manter em perfeito estado de conservação e como se encontrava, bem como a respeitar e fazer respeitar, a capela existente no andar nobre e a não a utilizar senão para fins de culto;

2) a manter igualmente em perfeito estado de conservação e como se encontravam, designadamente sem danificar, de qualquer forma, os frescos das salas e tectos do andar nobre;

3) a manter e conservar em perfeito estado os azulejos que forravam os muros do ... e parte da parede do lado sul do prédio;

4) a resguardar e cuidar de duas estátuas que guarneciam o átrio do prédio e a indemnizar todo e qualquer prejuízo que sofressem enquanto o senhorio dali as não retirasse, o que o mesmo poderia fazer quando lhe aprouvesse, desde que disso prevenisse a arrendatária com a antecedência de um ano;

5) a ocorrer às despesas e manutenção e conservação de todo o ..., mesmo da faixa excluída do aludido arrendamento, faixa essa de que poderia utilizar-se mas que deveria entregar ao senhorio livre e desocupada no termo da vigência deste contrato ou antes disso, quando o senhorio a reclamasse, para proceder a ampliação do prédio da Rua do ..., nºs. … a …, no caso de tal ampliação se fazer por acordo com a AAA ou de esta última deixar de ser arrendatária do dito prédio;

37. No dia referido no ponto 29., e no mesmo ato, BBB e CCC, na qualidade de representantes da Sociedade ZZ (ZZ) e de administradores membros da comissão executiva dessa entidade, declararam aceitar, para a sua representada, o arrendamento referido no ponto 29., e segs.), com todos os inerentes direitos e obrigações, nos precisos termos exarados;

38. Anexa à escritura pública referida no ponto 29 e ss. ficou arquivada uma relação de obras que a inquilina ficava autorizada e obrigada a realizar no prédio da Rua ..., nº …, nos termos do parágrafo primeiro do artigo quinto do contrato de arrendamento, obras essas que eram as seguintes:

A) Construção Civil

Na entrada - limpeza ligeira das paredes e pintura da larga da porta do fundo, que dava acesso ao pátio.

Na ... — limpeza, sendo as paredes pintadas a tinta de água. Na sobreloja esquerda - limpeza geral, com pintura de paredes, tectos, portas e janelas. Novos sanitários seriam instalados na actual casa de banho, sendo substituído o actual mosaico hidráulico de cor clara e construída uma divisória para resguardo da actual retrete, que seria aproveitada, ficando com janela para o saguão. Numa das paredes exteriores à retrete seria instalada uma bateria de dois urinóis altos.

No primeiro andar

No hall de entrada seria limpo o teto.

Nas três salas da frente seriam limpos tectos e paredes e pintados a óleo os caixilhos das janelas e as portas.

À retaguarda seriam as paredes e tectos limpos e pintados da mesma forma, bem como o corredor, sendo folheado o chão das duas salas.

Seriam instalados sanitários à retaguarda, aproveitando os esgotos da actual instalação bem como a retrete e bidé atuais, os quais ficavam, como no andar inferior, devidamente separados. Seria instalada na parede da porta uma bateria de cinco urinóis altos.

No andar nobre (segundo andar)

Seriam limpos tetos e paredes, conservando-se os frescos existentes. As portas e janelas seriam pintadas a óleo.

As paredes seriam lavadas e reparadas de forma a conservarem-se os frescos existentes. Seriam construídos na antiga casa de engomados novos sanitários. Junto à janela seriam instaladas divisórias para duas retretes, com autoclismo sifónicos (aproveitando as louças para um deles transferidas da casa de banho da frente que seria demolida). As divisórias seriam em material leve.

A casa de banho existente para a frente da Rua ... seria desmanchada e transformada em sala de trabalho, sendo substituído o pavimento, que seria colocado em madeira, a condizer com o das outras salas e aproveitando os sanitários para as instalações novas a construir à retaguarda. Seria retirado o azulejo sendo as paredes e tectos pintados. A sala seguinte seria limpa, com pintura dos tectos, paredes e portas, conservando-se os frescos existentes.

Nas salas seguintes, voltadas ao sul, seria impermeabilizado o telhado respetivo e reparados os tetos que estavam caídos, mas de forma a conservar os frescos o mais possível, sendo pintados a tapume.

Na parte não dividida seria instalada uma bateria de cinco urinóis. As paredes seriam lambris em mármore e o chão seria forrado pelo mesmo material. Uma das retretes ficaria com acesso direto pela antiga sala de jantar. Seria feita uma divisória na cozinha para acesso directo a estes sanitários. A passagem interior e o corredor seriam também devidamente lavados e pintados. Construção de dependências no ... do andar nobre, que não afectassem a estrutura e segurança desse mesmo ... ou do prédio, conforme projecto a aprovar pelo senhorio, bem como eventual ligação deste prédio, em local a aprovar pelo proprietário, com o que a ZZ tinha arrendado no ..., ligação que seria suprimida, à custa da ZZ, quando terminasse ou fosse transferido qualquer dos dois arrendamentos ou quando houvesse mudança no proprietário de qualquer dos prédios.

Instalação elétrica

Seria efetuada uma revisão a toda a instalação elétrica, exigindo o enfiamento de fio novo e aproveitando a tubagem de proteção existente. Os prolongamentos para a conveniente instalação em todas as salas de trabalho do número suficiente de lobos (?) com haste metálica cromada, bem como de tomadas de corrente seriam feitos exteriormente em fio plástico.

No segundo andar seria feita a mesma revisão indicada, mas instalando um contador privativo para esse andar, com quadro geral totalmente novo e reforço da coluna de alimentação ao contador por cabo Bat de dezasseis amp.

Na sala de jantar, salão e sala dos panneaux não seriam colocados, para suspender candeeiros ou globos, mais camarões do que os existiam então.

Aquecimento Central

Far-se-ia a sua revisão e ampliação. Previa-se a instalação duma caldeira nova com oito metros quadrados de superfície de aquecimento, bem como a instalação de mais oito radiadores. E como a instalação era ampliada, mantendo-se as canalizações com o diâmetro atual, havia que instalar um electro-acelerador.

Além disso previa-se o abastecimento a gasoil, o que exigia a montagem dum depósito cilíndrico para dois mil L, bem como toda a aparelhagem exigível, desde o queimador aos aparelhos de controle.

Possivelmente montar-se-ia também o aquecimento numa dependência do primeiro andar e em cinco do segundo andar, que atualmente não o tinham.

O local previsto para a instalação do depósito de gasoil era o pátio que dava acesso às garagens.

Ascensor

Tendo-se chegado à conclusão de que o de então, que servia o primeiro e segundo andares, não podia ser aproveitado, havia que colocar um novo ascensor com as mesmas dimensões, suficientemente moderno e automático, não se podendo aproveitar o material existente, que seria entregue ao senhorio.

Teria de reforçar-se a estrutura metálica em que trabalhava o ascensor atual ou que proceder à construção duma caixa em condições, onde trabalhasse o futuro ascensor, o que exigia a construção de paredes em tijolo e cimento e uma placa em cimento armado;

39. Por escritura lavrada no dia 10/03/1975 no 10º Cartório Notarial de Lisboa, DD e EE declararam:

Serem comproprietários, em partes iguais, de cada um dos imóveis seguintes:

a) prédio urbano, sito na Rua ..., nº …, tornejando para a Rua do ..., nº …, freguesia de ..., desta cidade, descrito sob parte do nº ..., a fls. … do Livro … da 6ª Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artº …, com o rendimento colectável de Esc. 541.620$00, de que resulta um valor matricial de Esc. 10.832.400$00;

b) prédio urbano, sito na Rua …, nº … a … e Rua …, nº … a …, freguesia da ..., desta cidade, descrito na aludida Conservatória sob o nº …, a fls. … do Livro … e inscrito na matriz respectiva sob o artº …, com o rendimento colectável de Esc. 234.784$00 e o correspondente valor matricial de Esc. 4.675.680$00;

c) 4/21 do prédio urbano sito na Rua ..., nº … a …, tornejando para a Rua ..., n° … a … e para a ..., nº. … a …, freguesia do ..., descrito sob o nº …., a fls. … do Livro … da 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artº …, com o rendimento colectável de Esc. 94.971$40 correspondente à fracção, de que resulta o valor matricial de Esc. 1.899.428$00;

d) prédio urbano, sito no ..., nºs. … a … e Rua ..., nº …, freguesia de ... referida, descrito sob parte do nº ..., a fls. … do Livro … da mencionada 6ª Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz predial respectiva sob o artº …, com o rendimento colectável de Esc. 221.761$00, de que resulta o valor matricial de Esc. 4.435.220$00;

e) prédio urbano, sito na Rua do ..., nº … a …, freguesia de ..., referida, descrito sob parte do aludido nº ..., a fls. … do Livro … da mencionada 6ª Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz predial respectiva sob o artº …, com o rendimento colectável de Esc. 1.160$00 e o correspondente valor matricial de Esc. 2.204.200$00;

f) prédio urbano, sito no ..., nº … a …, freguesia de …, desta cidade, descrito sob o nº …, a fls. 43 do Livro … da 3ª Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artº …, com o rendimento colectável de Esc. 245.519$00 e o correspondente valor matricial de Esc. 4.910.380$00;

g) prédio misto, sito no ..., na freguesia de ..., concelho de ..., denominado "...” composto de: um - parte urbana, inscrita na respectiva matriz sob o artº 764, com o rendimento colectável de Esc. 20.736$00, de que resulta o valor matricial de Esc. 414.700$00 e dois — parte rústica, inscrita na matriz cadastral da referida freguesia sob o artº 1, Secção F, com o rendimento colectável de Esc. 5.861$00, de que resulta o valor matricial de Esc. 117.380$00, com o valor matricial total de Esc. 532.100$00 e está descrito sob o nº …, a fls. 24 do Livro … da competente Conservatória daquele concelho, onde se encontra registada a transmissão, a seu favor, pela inscrição nº … do Livro …;

40. No dia, hora e local referidos no ponto 39., DD e EE declararam terem os prédios referidos no ponto 39., sido legados aos mesmos, separadamente, um por um, por testamento de sua tia, UU, testamento esse datado de 12/03/1941, e que não pretendiam continuar na indivisão de cada um dos descritos prédios e antes se determinavam no sentido de passarem a possuí-los em propriedade singular, atribuindo-lhes os valores indicados;

41. No dia, hora e local referidos no ponto 39., DD e EE declararam ainda respetivamente, que, para tanto, o primeiro dava em permuta ao segundo e este aceitava, a metade que àquele pertencia em cada um dos imóveis descritos no ponte 39 c) a g) inclusive, sitos respetivamente na Rua ..., no ..., na Rua do ..., no ... e no ..., nos valores em que para este efeito acordaram, correspondentes à indicada fração de Esc. 949.714$00, Esc. 2.217.610$00, Esc. 1.101.600$00, Esc. 2.455.190$00 e Esc. 266.050$00;

42. No dia, hora e local referidos no ponto 39., DDD e DD declararam, respetivamente, aquele dar a este, que declarou aceitar, a metade que àquele pertence em cada um dos imóveis atrás descritos no ponto 39 a) e b), situados na Rua ... e na Rua …, nos correspondentes valores de Esc. 5.416.200$00 e Esc. 2.337.840$00;

43. No dia, hora e local referidos no ponto 39., DD e EE declararam ainda que, face a tais permutas, ao primeiro ficava a caber um excesso de valor igual a Esc. 764.876$00, o qual ao segundo torna, como contraprestação em dinheiro, equivalente ao preço deste excesso, preço que este declara ter já recebido e que, em consequência, ao primeiro ficavam a pertencer, no todo e como propriedade singular, os prédios referidos no ponto 39. a) e b) e, ao segundo, ficavam a pertencer os demais prédios aludidos no ponto 39., todos e cada um deles também em propriedade singular;

44. DD registou a seu favor, por permuta, a aquisição de metade do prédio aludido sito na Rua ..., nºs … a …, em Lisboa, registo esse efetuado através da Ap. 11 de 22/01/1981, tendo com a mesma data sido registado o averbamento nº … na competente C. R. Predial, de acordo com o qual ficava desanexado da descrição nº ... o edifício nº …, para formar a descrição ...;

45. Por certidão emitida pela Repartição de Finanças do 3º Bairro Fiscal de Lisboa em 27/03/1995, foi feito constar que o teor do prédio urbano sito na Rua ..., nº … a …, tornejando para a Rua do ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia sob o atual artº 67, era o seguinte:

"Prédio de pavimentos, compreendendo rés-do-chão, s/loja, 1º, 2º, 3º andar e águas furtadas. Tem sobre a Rua ... nove vãos no rés-do-chão, três na s/loja e 9 em cada andar e sobre a Rua do ... tem 6 vãos em cada andar e 2 nas águas furtadas, construção antiga boa, em bom estado de conservação. E revestido de cantaria até ao 1º andar, tem elevador até ao segundo andar e um ... e ... para uso exclusivo do proprietário, que ocupa o S/loja, Iº, 2ª andar e dependência. A dependência tem a superfície coberta de 98,28 m2 e o ... e ... media 814 m2. Ao fundo do ... tem uma estufa do ..., capoeira e casa de arrumações com a superfície total de 60 m2. Área coberta do prédio — 655, 63 m2.

Tem mais uma ... que fica no subsolo do prédio da Rua do ..., n°s. … a …, com uma só divisão e com 64,86 m2 e uma subloja com duas divisões e tem mais ainda ..., que ficam sob o ... e ..., com uma só divisão e com a superfície de 55,61 m2.

Loja nº 5 armazém -------------------- 1 div.

Loja nº 9 armazém -------------------- 1 div,

s/loja R/Chão habitação -------------- 8 div.

1º andar -------------------------------- 12 div.

2º andar e dependência -------------- 19 div.,

3º andar -------------------------------- 23 div.

4º andar

Águas furtadas";

46. A ZZ, a EEE, a FFF e a AAA foram nacionalizadas pelo Dec. Lei nº 205-A/75, de 16 de Abril e, através do Dec. Lei nº 217-A/76, de 26 de Março, foi constituída a empresa pública CC, E.P., abreviadamente CC, tendo para a mesma sido transferida a universalidade dos direitos e obrigações de cada uma das empresas que assumiram a posição jurídica das sociedades cuja nacionalização foi declarada pelo Dec. Lei nº 205-A/75 e pelo Dec. Lei nº 103-A/98, de 4 de Abril, a CC, E. P. - CC, foi transformada em pessoa coletiva de direito privado, sob a forma de sociedade anónima, com maioria de capitais públicos, tendo passado a denominar-se  CC— CC, S. A.;

47. Da caderneta predial referente ao prédio urbano sito no ..., nºs. … a … e Rua ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o atual artº 71 consta que mesmo é composto da seguinte forma:

"Prédio de três pavimentos, compreendendo lojas, 1º e 2º andar, ficando sobre este andar o ... do prédio da Rua ..., nº … e …, tem sete vãos sobre o ... e 3 vãos sobre a Rua. Construção antiga, em regular estado de conservação. Tem um saguão com 17,16 m2. Área coberta 504 m2.

Loja nº 2 do ... e nº 3 da Rua ... - ...----1 div.

Loja nº 4, com s/loja cocheira ------------------------------------- 4 div.

Loja nº 8 armazém ---------------------------------------------------1 div.

1º andar - Redacção do Jornal ----------------------------------- 14 div.

2º andar — habitação --------------------------------------------- 16 div..

48. Por certidão emitida peia Repartição de Finanças do 3º Bairro Fiscal de Lisboa em 01/09/1998 foi feito constar que o teor do prédio urbano sito na Rua do ..., nºs … a …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o actual artº 72 era o seguinte:

"Prédio de 3 pavimentos, compreendendo loja, rés-do-chão e 1º andar. Tem 7 vãos na loja e nove em cada andar. Construção boa, em bom estado de conservação. Área coberta do prédio - 209,04 m2.

Loja nº 3- arrecadação --------------- 1 div.

R/Chão - habitação-------------------- 11 div.

1º andar - habitação ------------------ 11 div"

49. A CC foi arrendatária da quase totalidade dos três prédios e foi-o até à venda referida no ponto 1;

50. Por escritura pública lavrada no 15º Cartório Notarial de Lisboa, no dia 02/07/1980, sob a denominação de escritura de constituição de sociedade, EE e GGG, com aquele casada, declararam, por si, o primeiro e ambos na qualidade de legais representantes de sua filha menor HHH, o seguinte:

a) constituir o primeiro, com sua referida filha menor HHH, uma sociedade comercial por quotas, de responsabilidade limitada, com a denominação "AA, Limitada” sendo a sua sede na Rua …, ao …, nº …, 1º andar esquerdo, freguesia da …, em Lisboa, podendo a gerência mudar a sede social quando e para onde achar conveniente;

b) que a sociedade era constituída por tempo indeterminado e com início naquela data;

c) o objecto da sociedade era a administração de bens próprios e alheios, podendo ainda dedicar-se a qualquer outro ramo comercial ou industrial acordado pelos sócios;

d) o capital social, já integralmente realizado, era de quinhentos mil escudos e correspondia à soma de duas quotas, uma pertencente ao sócio EE, no valor de quatrocentos e setenta e cinco mil escudos e outra pertencente à sócia HHH, de vinte e cinco mil escudos;

51. No dia, hora e local referidos no ponto 50., DDD e mulher declararam ainda que a quota da sócia HHH era constituída por dinheiro, já entrado na caixa social, e que a quota do sócio EE era constituída pelo valor dos prédios referidos no ponto 39 d) e), constituindo a diferença entre o valor atribuído a um dos imóveis e o valor da quota do sócio EE suprimento do mesmo sócio à sociedade;

52. No dia, hora e local referidos no ponto 50., DDD e mulher declararam ainda e, além do mais, que os sócios podiam fazer suprimentos à sociedade quando ela deles carecesse, nos termos e condições a fixar pela assembleia geral e que a divisão e cessão de quotas entre os sócios era livre, dependendo a cessão a estranhos de consentimento da sociedade, sendo a gerência da sociedade e a sua representação em juízo e fora dele, ativa e passiva, confiadas ao sócio EE, obrigando-se a sociedade apenas com a sua assinatura:

53. A Autora dirigiu à CC - … carta datada de 26/07/1992, carta essa em que lhe comunicava autorizá-la a efetuar obras no prédio do ..., nº … a … inclusive, acompanhado de uma memória descritiva, sendo tais obras as de reparação do ..., cobertura do prédio do ... e beneficiação dos alçados do ..., Rua ... e Rua do ... e, por fim, pintura exterior do imóvel, na cor original, denominada ocre de Viena e que sabendo que ainda se não iniciara a pintura exterior do prédio, pretendia da mesma um esclarecimento acerca da inconclusão da obra por ela, CC, proposta;

54. A CC, S. A. enviou à Autora uma carta datada de 08/09/1992, carta que a Autora recebeu, e em que a Ré comunicava à mesma ter já procedido às obras necessárias à impermeabilização do ... cobertura do prédio do ..., nº … e …, para impedir as infiltrações de água e não ter iniciado as obras de pintura exterior do prédio em questão por aguardar a eficiência das que haviam sido efetuadas no ..., facto que ainda não conseguira aferir devido à falta de uma época sem chuvas não permitir tirar as devidas conclusões e que iniciaria tais obras logo que tivesse concluído que elas poderiam realizar-se sem serem afetadas pelas infiltrações de água resultantes das fendas que existiam;

55. Por carta datada de 21/01/1999, dirigida pela CC, S. A. à Autora, carta que esta recebeu, a CC, S. A. comunicou-lhe ser proprietária do ... e ... do 2º andar do Edifício da Rua ..., nº …, que só em parte sobrelevava a cobertura do edifício do ..., nºs. … a …, sendo a ela, CC, que cabia determinar a oportunidade, forma e termos de realização de quaisquer obras no local e que não autorizava a Autora e ou os proprietários do edifício do ... a terem acesso ao ... e ... em questão e, muito menos, que efetuassem quaisquer obras no local.

Na mesma carta a CC comunicou ainda à Autora que iria solicitar a realização de uma vistoria, para determinar as eventuais causas das aparentes infiltrações existentes no edifício do ... e que, a concluir-se existirem de facto essas infiltrações e que as suas causas residiam em irregularidades no ... e no ..., seria a CC. S. A. que efetuaria as obras que se mostrassem aconselháveis e adequadas para pôr cobro à situação;

56. A fls. 199 a 200 dos autos consta um requerimento dirigido pela Autora ao Chefe da Repartição de Finanças do 5º Bairro Fiscal de Lisboa, entrado nos mesmos serviços em 12/12/1988, com o seguinte teor:

"AA, Lda., com sede no ..., nº …., em Lisboa e escritório para expediente também em Lisboa, na Rua … (ao ...), nº …, 1ª Esq., sala …, vem expor e requerer a V. Exª. o seguinte:

1. A requerente é proprietária do prédio urbano sito no ..., nº … a …, tornejando para a Rua ..., nº …, que se encontra inscrito na respectiva matriz da freguesia de ... sob o artº 71.

2. Da descrição matricial consta, por cima do 2º andar, "o ... do prédio da Rua ..., nº. … a …".

4. Ora, tal ..., que como refere a citada inscrição, se situa sobre o prédio do ..., ocupa exclusivamente o espaço que a este pertence pelo que faz parte dele, sem qualquer dúvida.

4. A descrição que está na matriz não está assim correcta.

5. Tal descrição deve mencionar o ... em questão como pertencendo ao prédio sobre o qual se encontra, ou seja, o sito no ..., nº. … a …, tornejando para a Rua ..., nº ….

Nestes termos, requer a V. Exº. se digne mandar proceder à necessária vistoria com vista à rectificação da referida descrição matricial, no sentido de nela passar a constar: "Prédio de 3 pavimentos, compreendendo lojas, 1º e 2º andar, ficando sobre este um ..., tem 7 vãos sobre o ...... "

57. Na sequência do requerimento aludido no ponto 56., foi ordenada a remessa do mesmo à Fiscalização, para informar, tendo sido lavrada a seguinte informação do verso do mesmo requerimento:

"Cumpre-me informar V. Exª de que o prédio a que se refere o presente requerimento, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artº 71 se situa no ..., com os nº …  a … , sobre cujo 2o andar existe um .... ... para a Rua ..., onde tem o nº ...

Verifica-se assim que, efectivamente, o ... em questão nada tem a ver com o prédio com os nºs. … a … da Rua ....

(…);

58. Na sequência do referido nos pontos 56 a 57., foi aposto o seguinte "despacho" em 28.4.1989:

"Nada a opor em 28.4.1989 O P. I T.”;

59. Na sequência do referido sob os pontos 56 a 58, foi feito constar da descrição matricial do prédio sito no ..., nº … a …, em Lisboa, a seguinte menção da caderneta predial do mesmo:

"Conforme informação prestada pelo Serviço de Fiscalização adstrito a esta Repartição, de 19/4/1989, o ... supra citado faz parte do presente artigo e não do prédio sito na Rua ..., … a …";

60. Por escritura pública lavrada em 29/03/2001 no 4º Cartório Notarial de Lisboa, a CC, S. A., representada por III, declarou vender à JJJ, S. A., livre de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço de Esc. 500.000.000$00, que declarou ter já recebido, o prédio urbano sito na Rua ..., nºs. … a …,  tornejando para a Rua do ..., nº …, freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na 6ª C.R.Predial de Lisboa sob o nº … da referida freguesia, com a aquisição registada a seu favor conforme cota G, apresentação nº 4, de 13 de Outubro de 1993, inscrito na respectiva matriz sob o artº … da freguesia de ..., com o valor patrimonial de 32.391.216$00;

61. No dia hora e local referidos no ponto 60., III declarou ainda que a sua representada CC, S. A. não assumia qualquer responsabilidade, fosse a que título fosse, por eventuais indemnizações e/ou compensações resultantes de sentença, proferida em qualquer instância, desfavorável à sua posição no processo judicial que a sociedade AA instaurou contra a ...— CC, S. A. e a correr seus termos junto da primeira secção da 2ª Vara Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, sob o n° 2218/99, quer na transmissão da propriedade a favor da representada do segundo outorgante, quer nas subsequentes transmissões a favor de terceiros;

62. No dia, hora e local referidos no ponto 60., KKK declarou, na qualidade de administrador da JJJ, S. A., aceitar para a sua representada a venda em causa e conhecer o processo aludido no ponto 61., aceitando ainda a sua representada a não assunção, para a CC, S. A., de qualquer responsabilidade da mesma por sentença que lhe venha a ser desfavorável;

63. No dia, hora e local referidos no ponto 60., KKK declarou ainda que o prédio adquirido se destinava a revenda;

64. Por escritura pública lavrada no dia 16/05/2001 no 5º Cartório Notarial de Lisboa LLL e MMM declararam, na qualidade de BB ... - …, S. A. e de procuradores da JJJ, S. A., vender esta àquela, pelo preço de Esc. 510.000.000$00, que declararam ter já sido recebido, o prédio urbano sito na Rua ..., nºs … a …, tornejando para a Rua do ..., nº …, freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na 6ª C.R.Predial de Lisboa sob o nº … da dita freguesia, registado a favor da sociedade vendedora pela inscrição … — apresentação 24, de 10/11/2000, inscrito na respetiva matriz sob o artº …, com o valor patrimonial de Esc. 32.391.216$0;

65. No dia, hora e local referidos no ponto 64., LLL e MMM declararam ainda que a venda era livre de quaisquer ónus ou encargos (doc. de fls. 16 a 21 do ap. A));

66. Os espaços que eram as ... em causa nos autos tinham entrada para o pátio a que se acedia pelo nº … da Rua ... e as mesmas já não eram, em 1999, utilizados com tal fim e sim como gabinetes;

67. O espaço da ... referida no ponto 45., com entrada pelo pátio referido no ponto 66., já não era, em 1999, usado como tal;

68. Através da Ap. 20 de 28.4.2000 a Autora registou a pendência da presente acção;

69. Os edifícios sitos na Rua ..., nº … a …, no ..., nº 2 a 10 e na Rua do ..., nºs. … a …, em Lisboa, encontram-se edificados numa encosta;

70. Durante os arrendamentos dos prédios em causa a CC abriu ligações entre os três edifícios;

71. A edificação situada na Rua do ..., nº … a …, em Lisboa é a mais recente;

72. KK quis fazer, com frente para a Rua ..., o seu palácio;

73. A CC, S. A. elaborou ou mandou elaborar, em 1988, a planta topográfica dos prédios sitos na Rua ..., nº …  a …, tornejando para a Rua do ..., do sito na Rua do ..., nºs … a  … e o sito no ..., nºs. … a … (ou a …), em Lisboa, com a legenda a azul como sendo o prédio então pertencente a DD e a verde os prédios então pertencentes a EE;

74. Em 20/07/2001 a Autora instaurou contra a ora Ré um procedimento cautelar de embargo de obra nova e providência cautelar inominada, apensa a estes autos, em que a mesma pedia que a aí requerida e ora Ré fosse notificada para não continuar quaisquer obras que estivesse a levar a cabo nos locais reivindicados nestes autos e para se abster de aí efetuar quaisquer outras obras no futuro até ao trânsito da decisão a proferir nestes autos e elaboração de auto do estado das obras, procedimento cautelar esse decidido pela forma constante da decisão de fls. 322 a 335 dos autos, transitada em julgado e por força da qual foi ordenado à requerida que se abstivesse de levar a cabo no teto e paredes da ... sita no subsolo do prédio da Rua do ... e que pudessem pôr em causa a subsistência do mesmo e para se abster de efetuar obras no teto e paredes da dependência sobre o ... do prédio da Rua ..., nºs … a …., não alterando a sua fachada externa, nem eliminado as pinturas e frescos ali existentes, ali podendo apenas proceder a obras de manutenção ou conservação;

75. Na 12ª Vara Cível de Lisboa, 2ª Secção correram seus termos uns autos de procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova em que era requerente a aqui Autora e requerida a CC - CC, S. A. e em que a primeira pedia a ratificação do embargo por si efetuado extrajudicialmente face à construção, pela requerida, de paredes no local onde havia aberturas de ligação entre o prédio da Rua ..., … a …, em Lisboa e o prédio do ..., nºs … a … de policia e à substituição de portas por paredes no seu edifício, a abrir portas onde antes as não havia, a abrir uma passagem entre dois pisos e a construir umas escadas de acesso, do pátio aos compartimentos cujo acesso, pelo próprio prédio estava a bloquear, tendo sido proferida decisão judicial de ratificação do embargo de obra nova em causa por decisão de 21/05/2001 e, posteriormente, decidida a condenação da requerida a repor a situação anterior ao momento em que fora efetuado o embargo extrajudicial, com demolição das paredes que tapavam as três portas de acesso dos dois pisos do espaço designado por cavalariça ao prédio do ... no prazo de 15 dias, ficando autorizada a preencher as reaberturas das portas com placas amovíveis;

76. Da decisão referida no ponto 75., interpôs a Ré BB... — …, S. A, recurso de agravo, tendo tal recurso sido julgado procedente e revogada a decisão aludida no ponto 75., e negada a ratificação judicial do embargo de obra nova, decisão essa do Tribunal da Relação de Lisboa proferida em 24/01/2002;

77. A ... aludida no ponto 67., encontra-se numa vertical traçada a partir do telhado do prédio da Rua do ..., nºs. … a ….;

78. A dependência ao nível do andar do prédio da Rua ..., nºs. … a …, em Lisboa tem ligação aberta para o mesmo prédio;

79. A área do ... é de 425m2 (exclui-se a área da dependência que tem 100 m2 e que constitui cobertura do prédio com frente para o ...) e a área da cobertura do prédio do ... é de 273 m2 (64%);

80. A dependência construída ao nível do 2º andar do prédio sito na Rua ..., nº … a …, em Lisboa encontra-se construída sobre a cobertura do prédio do ...;

81. Sendo um andar avançado em relação ao prédio sito na Rua ... e recuado em relação ao prédio sito no ...;

82. O ... encosta a norte com o prédio sito na Rua do ...;

83. No ... existe uma porta fechada que se tivesse numeração corresponderia ao nº 10;

84. No ano de 1990 a CC, S.A. solicitou à autora a realização de obras no ...;

85. As ligações referidas no ponto 75., foram feitas para estabelecer acessos entre os prédios sitos na Rua ..., ... e Rua do ...;

86. E para evitar ter a CC, S. A. de circular pela via pública para utilizar os três prédios;

87. Tais prédios não comunicavam originalmente entre si;

88. Sendo as suas acessibilidades independentes;

89. Os pavimentos do prédio com frente para o ... não possuem cotas de nível coincidentes com aquele que tem a frente para a Rua ...;

90. Apenas a cota do 2º andar do prédio com a frente para a Rua ... (considerado piso nobre do palácio) é a mesma do ... que serve parcialmente de cobertura ao prédio que tem a frente para o ...;

91. A cota do 2º andar do prédio com frente para a Rua ... é coincidente com a da dependência, a do ... e a do ...;

92. As varandas do piso nobre, o ... e o ... possuem a mesma cota de nível;

93. O piso térreo das antigas ... foi sobrelevado pela ZZ em data posterior a 27/12/1957 (data da celebração do contrato de arrendamento);

94. Tal sobrelevação foi feita para nivelar com o pavimento do prédio sito no ...;

95. Existe um lance de degraus entre o pátio e o piso térreo das ...;

96. Com recurso a perfis em aço e abóbadas de alvenaria, solução construtiva corrente em finais do século XIX, obteve-se um segundo piso no espaço onde existiram as ...;

97. Existiram comunicações entre os espaços que compõem o que foram as ... e o 1º andar com entrada pelo nº 6 do ...;

98. Existem vestígios de uma porta de ligação do piso inferior do prédio do ... às antigas ...;

99. As soleiras das portas foram sobrelevadas para permitir o acesso entre o pátio e os dois espaços da cavalariça primitivos;

100. (O art. 34.º da base instrutória é dado como não provado).

101. Existia uma escada que terminava no 1º andar do prédio do ...;

102. Não chegando ao ...;

103. A mesma não permitia qualquer acesso pelo interior do prédio do ... ao ...;

104. E a mesma não permitia a visualização de tal ... por ficar muito abaixo do nível do mesmo;

105. Antes da abertura entre os prédios pela CC só através do prédio da Rua ... se podia ter acesso às ...;

106. E às garagens;

107. E à dependência sobre o ... do prédio;

108. E ao próprio ...;

109. Existiam passagens diretas aos jardins e respetiva dependência, ligando o prédio da Rua ... com a cobertura do prédio do ...;

110. A cobertura do prédio sito do ... contíguo ao prédio da Rua ... foi sempre acessível e utilizável aos locatários da Rua ...;

111. Parte do ... hoje existente encontra-se implantada numa área que ocupa o espaço que corresponderia ao nº 10 de polícia do prédio do ...;

112. O prédio sito no ... e o edifício das ..., distintos entre si, foram construídos antes do terramoto de 1755;

113. Após, foi construído primeiro o prédio sito na Rua ... e depois o prédio sito na Rua do ..., este sobre a “...” pré-existente;

114. À “.../loja” situada no subsolo do prédio da R. do ... apenas se tem acesso pelo pátio do prédio da Rua ...;

115. Com utilização exclusiva e de origem pelo mesmo pátio;

116. O terraço e o jardim foram feitos apenas para utilização única do prédio da Rua ...;

117. Inexiste, ainda hoje, qualquer acesso entre o prédio do ... e o terraço existente ao nível do 2º andar com acesso pelo nº … da Rua ...;

118. Inexiste, ainda hoje, qualquer acesso entre o prédio do ... e a dependência existente ao nível do 2º andar do prédio da Rua ...;

119. Inexiste, ainda hoje, qualquer acesso entre o prédio do ... e o jardim;

120. O aterro foi conservado para servir de jardim;

121. O aterro onde se encontra implantado o jardim é contido por um muro;

122. O aterro onde se encontra implantado o jardim constitui o limite poente do prédio do ...;

123. As duas janelas da dependência que dão para a Rua ... são idênticas àquelas do piso nobre que dão sobre essa via, ainda que de construção mais recente;

124. E encontram-se alinhadas horizontalmente com as restantes janelas pertencentes ao piso nobre;

125. Tais janelas encontram-se recuadas em relação ao plano da fachada pelo que não estão no alinhamento vertical das janelas que pertencem à fachada para a Rua ... do prédio da autora;

126. Desde 1957 que a ZZ na qualidade de arrendatária dos 1º e 2º andares, com entrada pelo nº …, bem como das lojas com os nºs … e … do prédio do ..., nºs … a … e do prédio da Rua ..., nº …, foi autorizada pelo proprietário comum a realizar obras que ligassem estes dois prédios;

127. E tal autorização tinha como condição a obrigação de a arrendatária suprimir essas obras quando terminasse ou fosse transferido qualquer desses dois arrendamentos;

128. Ou quando houvesse mudança de proprietário de qualquer dos prédios.


E são os seguintes os factos que vêm não provados no Acórdão recorrido:

1. Que a entrada para as primitivas ... referidas na descrição do prédio aludido nos pontos 1 a 4 dos factos provados seja hoje pelo interior do prédio sito no ...;

2. Que a construção do prédio do ... não tenha sido concluída;

3. Que a CC tenha procedido à subdivisão do piso superior das ... daí resultante em dois compartimentos;

4. Que a CC não tenha construído qualquer estrutura que mantivesse o acesso ao piso sobrelevado das ...;

5. Que tenha procedido à ligação dos dois prédios através de outras obras e, nomeadamente, de uma comunicação central a nível do 1º andar;

6. Que a CC, S.A. tenha construído também um refeitório no 2º andar do prédio sito no ...;

7. Que tenha feito umas instalações para cozinha e para as funcionárias num piso intermédio;

8. Que, através do piso intermédio existente no ..., se fizesse a ligação ao prédio da Rua ..., nºs. … a …, em Lisboa;

9. Que a escada metálica em causa tenha sido retirada no final da década de 1990 por se encontrar em mau estado de conservação;

10. E por oferecer perigo para os seus eventuais utilizadores;

11. Que a escada anteriormente existente no saguão do prédio do ... chegasse ao telhado/terraço do prédio;

12. Que a Autora tivesse acesso a esse terraço através dessa mesma escada;

13. Que, até à realização das obras, por parte da CC, o acesso interno às ... se fizesse pelo prédio do ...;

14. Que essas obras consistiram na retirada das portas de acesso;

15. E com a construção de paredes no seu lugar;

16. E na construção de escadas de acesso às ... pelo pátio;

17. Que a outra parte do jardim é o que resta do antigo logradouro do prédio com frente para o atual ...;

18. Que ao muro de talude de contenção do jardim não corresponda qualquer espaço interior.

O DIREITO

Antes de abordar as questões propriamente substantivas suscitadas em cada um dos recursos, que versam todas a titularidade do direito de propriedade sobre determinados espaços, cumpre, até por razões de antecedência lógica, responder à arguição de nulidades do Acórdão apresentada pela recorrente AA.

A) Das alegadas nulidades do Acórdão recorrido
Sustenta a recorrente, nas conclusões das suas alegações, que:
F) [s]alvo o devido respeito e melhor opinião a. ora recorrente considera que o douto Acórdão recorrido não decidiu bem (…) [e]m primeiro lugar por não ter decidido correctamente as reclamações da A. quanto a várias partes da matéria de facto dada como provada e não provada por não ter avaliado e interpretado bem as provas produzidas ou por se não ter pronunciado sobre questões suscitadas pela A, o que teve como consequência a nulidade de varias decisões proferidas sobre essa matéria nos termos das alíneas c) e d), do nº1, do artigo 615º do Código Processo Civil;

G) As decisões proferidas sobre a reclamação de A quanto à matéria de facto provada e não provada que esta considera nulas, nos termos daquele citada disposição legal são os pontos de facto nº93, 94, 95, 97, 105, 106, 112, 116, 119 e 122 de matéria provada e pontos 1, 5, 143, 14, 15, 16 e 17 de matéria não provada”.
O Tribunal da Relação de Lisboa julgou, por Acórdão de 5.07.2018 (fls. 2123-2125), inexistirem as nulidades arguidas.
Cabendo apreciar, também aqui, tal arguição, diga-se, para começar, que ela representa bem aquilo que se denominaria uma “alegação genérica”, sendo referidos genericamente, por um lado, as als. c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e , por outro, múltiplos pontos da decisão sobre a matéria de facto provada e não provada.
Sabendo que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (e não pelas alegações), deviam ter sido observados, nas conclusões, os requisitos impostos no artigo 639.º, n.º 2, do CPC, designadamente, especificando / individualizando a recorrente cada uma das nulidades consoante as decisões alegadamente afectadas. Sucede, porém que isto não foi feito.
Ora, das als. c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC resultam quatro fundamentos de nulidade distintos: oposição entre os fundamentos e a decisão [artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.º parte, do CPC]; ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [artigo 615.º, n.º 1, al. c), 2.º parte, do CPC]; omissão de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas [artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.º parte, do CPC]; e, por fim, conhecimento de questões que não podiam ser conhecidas [artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2.º parte, do CPC]. Não é possível apreciar-se a decisão sobre a matéria de facto sobre todos aqueles pontos da decisão sobre a matéria de facto à luz de todos estes fundamentos de nulidade; é preciso que esteja identificado o específico fundamento de nulidade em relação a cada um dos pontos da decisão alegadamente afectados.
Ainda assim, sempre se diga que não vê , em primeiro lugar, que exista no Douto Acórdão recorrido qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, pois não há contradição lógica, apontando a fundamentação para as conclusões contidas na decisão. Não se vê, em segundo lugar, que exista qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, porque da decisão se retira um sentido claro e unívoco para qualquer pessoa. Não se vê, em terceiro lugar, qualquer omissão de pronúncia, pois o Douto Tribunal da Relação de Lisboa não deixou por apreciar nenhuma das questões que lhe foram submetidas nem das que lhe cabia oficiosamente conhecer. Finalmente, não se encontra qualquer conhecimento excessivo de questões, pois todas as questões conhecidas foram suscitadas ou eram susceptíveis de conhecimento oficioso e não houve condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido. Não existe, em conclusão, nenhum vício que, sob este ponto de vista, caiba a este Tribunal censurar.
Dito isto, pode passar-se às questões ditas “substantivas”, respeitantes à titularidade do direito de propriedade de certas parcelas.
Não obstante estarem em causa dois recursos, optou-se por conhecê-los de forma tendencialmente unitária, atendendo as aspectos comuns entre as questões.

B) Da titularidade do direito de propriedade sobre certas parcelas

1. Enquadramento
O problema dos autos é o de saber se deve ser judicialmente reconhecido à autora AA o direito de proprietária de determinadas parcelas[3].
Podem prefigurar-se duas hipóteses: ser a autora proprietária porque as parcelas fazem parte de algum dos prédios de que ela é proprietária ou porque adquiriu um direito autónomo de propriedade sobre elas.
Partindo do princípio de que as parcelas são partes de prédios, o primeiro problema é o de saber como se delimitam os prédios.
São várias, in casu, as dificuldades a enfrentar.
As parcelas em causa estão ligadas a mais do que um edifício[4] por nexos de natureza distinta (físicos ou materiais, funcionais e documentais,). A antiguidade dos edifícios bem como as alterações a que foram sendo sujeitos por acção da natureza e do homem não permitem identificar imediatamente a ligação jurídica determinante.
Acresce que os prédios pertenceram durante muito tempo a um único proprietário ou a dois proprietários mas em regime de compropriedade. Isto favoreceu o uso indiscriminado das parcelas. Não é por acaso que as dúvidas sobre a descrição dos prédios só surgiram a partir do dia 10 de março de 1975, ou seja, quando DD e EE realizaram a divisão e a permuta dos três prédios.
Finalmente, o facto de os prédios terem sido dados em arrendamento a um único arrendatário potenciou, por seu turno, os actos de alteração da estrutura e da comunicação entre os prédios. Torna-se, em suma, muito mais difícil encontrar agora elementos que permitam determinar com qual deles se liga de forma exclusiva ou dominante cada uma das parcelas.

O critério para a delimitação dos prédios perfilhado e aplicado pelo Tribunal recorrido (“critério vertical”) decorre da lei e está contido no artigo 1344.º do CC. De acordo com ele, a parcela pertenceria à autora sempre que se encontrasse dentro do espaço definido por duas linhas paralelas traçadas a partir do solo. Em todos os restantes casos, ou a autora provava que era titular de um direito de propriedade sobre a parcela ou tal direito não poderia ser-lhe reconhecido.

O artigo 1344.º do CC constitui a primeira disposição geral em matéria de propriedade sobre imóveis. Tem a epígrafe “[l]imites materiais” e determina que, no seu n.º 1, “[a] propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que ele contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico” e, no seu n.º 2, que “[o] proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir”.

Sobre a norma do artigo 1344.º do CC dizem Pires de Lima e Antunes Varela que ela não se distancia substancialmente da norma (homóloga) do artigo 2288.º do Código de 1867. Esta última era tributária da concepção medieval, segundo a qual o proprietário não dominava apenas sobre o solo mas também sobre o espeço aéreo correspondente e o subsolo em toda a sua profundidade (qui dominus est soli, dominus est usque ad coelum et usque ad ínferos) [5] .

A verdade é que um direito de propriedade assim tão absoluto não poderia subsistir indefinidamente. Como explica Rui Pinto Duarte, “[n]a Idade Média dizia-se que o direito do dono do solo tinha como limites o céu e o inferno ('cuius est solum eius usque ad coelum et ad inferos')”. Mas – adverte o autor – “[m]esmo enquanto metáfora, a imagem nunca foi adequada. O espaço aéreo, enquanto tal, não é suscetível de apropriação – apenas é suscetível de preenchimento. Acresce que a capacidade técnica do Homem para construir na superfície e nos subsolo tem limites que ficam muito aquém do céu e do inferno… É evidente, contudo, que existe um problema de extensão física do direito de propriedade, colocado pela necessidade de o compatibilizar com as normas que atribuem o domínio público o espaço aéreo e partes do subsolo[6].

O carácter absoluto do direito de propriedade foi sendo atenuado, representando o artigo 2288.º do Código de Seabra uma proposta de solução para o problema da “extensão material da propriedade” (o domínio do solo, sua extensão e limites), que visa, sobretudo, a propriedade imóvel[7]. Dispunha a norma: “[o] direito de fruição do solo abrange não só o mesmo solo em toda a sua profundidade, salvas as disposições da lei respeitantes a minas, mas também o espaço aéreo correspondente ao mesmo solo na altura susceptível de ocupação”.

De acordo com Pires de Lima, decorriam daqui limites verticais (altura e profundidade) da propriedade imóvel[8]. O espaço aéreo é geometricamente determinado pelas perpendiculares levantadas sobre os limites do solo, pertencendo ao proprietário da superfície o espaço aéreo susceptível de ocupação, devendo embora suportar que a navegação aérea se fizesse sobre o seu prédio[9]. Quanto ao subsolo, os seus limites podiam ser representados por linhas perpendiculares levantadas das extremas dos prédios até à profundidade susceptível de utilização, tendo o proprietário direito ao subsolo assim delimitado[10].

Não se distanciando, como se disse, da norma antecessora, o actual artigo 1344.º do CC “[f]oi simplesmente mais preciso quanto à indicação dos elementos do subsolo ou do espaço aéreo que devem considerar-se desintegrados da propriedade superficiária, e cujo domínio é, consequentemente atribuído a terceiro[11]. O seu propósito é, então, igualmente, o de definir ou fixar a “extensão espacial do direito de propriedade[12], apontando o n.º 1 para a regra da “extensão a cada parte conexa do direito que incide sobre o solo[13].

Pode o artigo 1344.º do CC ter relevância para a solução do presente caso?

Atendendo ao que fica exposto, julga-se que a função do preceito não é exactamente a de delimitar ou definir os contornos dos prédios. A delimitação do prédio em cada caso é um pressuposto da norma (o prédio tem de existir enquanto tal e, por isso, de estar previamente delimitado), sob pena de a referência à (sua) superfície e ao (seu) subsolo, enquanto espaço inferior ao (seu) solo não se compreenderem. A função do preceito é, sim, a de regular o conteúdo do direito de propriedade, ou seja, os poderes do proprietário e, mais precisamente, o poder de transformação[14] ou de expansão do prédio, em altura e em profundidade.

O disposto no n.º 2 do artigo 1344.º do CC confirma esta conclusão. Reproduzindo a parte final do § 905 do Código alemão e o segundo parágrafo do artigo 840.º do Código italiano, ele “limita em certos termos aos poderes do proprietário[15], apresentando-se como uma restrição legal ao direito de propriedade respeitante a actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que tenham lugar, não haja interesse em impedir[16] [17].

Pode continuar a falar-se – bem entendido – em “limites verticais” da propriedade imóvel (o espaço aéreo é geometricamente determinado pelas perpendiculares levantadas sobre os limites do solo até ao ponto susceptível de ocupação; o subsolo é determinado pelas perpendiculares levantadas das extremas dos prédios até à profundidade susceptível de utilização). O que não pode dizer-se é que tudo quando está sobre a cobertura (no espaço aéreo) e sob o solo (no subsolo) do prédio pertence – pertence necessariamente – ao prédio.
Há, então, que procurar outros critérios para a delimitação dos prédios. Estes não podem deixar de passar pela aferição de existência de certos nexos entre as parcelas e o prédio. Certa parcela será parte de um prédio[18] se puder dizer-se que ela tem uma ligação pertinencial com o prédio, apresentando-se o conjunto como uma unidade predial estável.
Essencial é ainda que se trate de uma ligação exclusiva ou dominante, isto é, que se imponha sobre outras ligações que a mesma parcela mantenha eventualmente com outros prédios.
O resultado só pode ser atingido por via de uma ponderação global de todos os nexos, encarados numa perspectiva histórica e numa perspectiva actual. Adquirem particular relevo os nexos materiais (ligação física como o contacto físico ou a comunicação entre os elementos em causa) e os nexos funcionais (ligação de complementaridade ou de subordinação económica de um ao outro). Mas atenção: nem estes têm de se verificar-se simultaneamente nem têm de se verificar sempre, podendo um deles sozinho ou um outro, de outro tipo, bastar, desde que se apresente com determinada intensidade, com intensidade suficiente para se concluir, com segurança, que existe aquela ligação.

Ainda quando dos factos não resulte clara a ligação pertinencial entre a parcela e algum dos prédios da autora, tem de se admitir a hipótese de a autora ter adquirido o direito de propriedade por alguma das formas especialmente previstas no artigo 1316.º do CC. Cabe, em qualquer caso, à autora carrear para os autos a prova dos factos que demonstrem a titularidade deste direito (artigo 342.º, n.º 1, do CC) – a prova do facto ou do título aquisitivo. Isto a não ser que beneficie de presunção legal ou de alguma outra causa de inversão do ónus da prova, ao abrigo do artigo 344.º do CC. Em particular no caso de presunção legal, transfere-se, em princípio, para a outra parte o ónus da prova – o encargo de ilidir a presunção, de provar que a autora não é, afinal, a proprietária (artigo 350.º do CC).

A propósito de presunções legais deixa-se, desde já, uma nota. Neste tipo de situações, em que o litígio se desenrola em torno da titularidade de um direito de propriedade, é usual invocar-se o registo predial, já que este faz funcionar a presunção legal (relativa) de que aquele em nome de quem está registado o prédio é o seu proprietário[19].  Deve, todavia, ter-se presente, secundando a posição assumida pelas duas instâncias (consensual, desde há tempo, na doutrina e na jurisprudência[20]), que tal presunção está circunscrita à inscrição do prédio registado e não abrange a sua descrição, isto é, não cobre os elementos identificadores ou configuradores do prédio, como a área, as confrontações ou os limites. O que bem se compreende, dado que a descrição assenta, frequentemente, em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador do registo. Traduz-se isto, a final, em que o titular do prédio não está dispensado de provar que a parcela lhe pertence se quiser que seja judicialmente reconhecido que é o respectivo proprietário.

Mantendo presentes as considerações acabadas de fazer (e considerando-as, para todos os efeitos, pressuposto das soluções a atingir a final), é altura de analisar as pretensões das recorrentes relativamente a cada uma das parcelas.


2. Da titularidade do direito de propriedade sobre a edificação conhecida como “...”
Relativamente a esta questão foi a resposta das duas instâncias em sentido coincidente.
O Tribunal de 1.ª instância sustentou que, não beneficiando a autora AA de qualquer presunção resultante do registo predial e não tendo a autora alegado e provado nenhuma forma de aquisição, não poderia o direito de propriedade sobre as “...” ser-lhe reconhecido.
Por sua vez, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que, não estando provado que o(s) espaço(s) anteriormente correspondente(s) às ... se contenha(m) dentro dos limites horizontais dados pelo espaço de solo em que se encontra implantado o prédio sito no ..., n.ºs … a …, e não tendo a autora feito prova da aquisição do direito de propriedade sobre o(s) espaço(s) anteriormente correspondente(s) às ..., improcedia a sua pretensão.
Analisando:
Particularmente relevantes para decidir a questão são os factos 45, 66, 93, 94, 97, 98, 105 e 112.
Além disso, deve ter-se presente que a autora é a proprietária do prédio sito no ..., n.ºs … a …, em Lisboa [factos 39 d) a 43 e 51] e que a ré é proprietária do prédio sito na Rua ..., n.ºs … a …, em Lisboa [factos 39 a) a 44, 1, 60, 62 e 64].
A autora / recorrente alega, nas conclusões das suas alegações, que “[t]endo em conta a matéria de facto dado como provada, resulta evidente que as denominadas ... eram, no seu inicio um edifício de apoio ao prédio da do ... (então Travessa do Conde) quer como armazém quer como resguardo do poço quer como qualquer outro fim secundário, o que se compunha, então de um edifício principal, um edifício secundário e um logradouro” (conclusão J).
Todavia, não se vislumbra nenhum facto com o teor referido.
É possível encontrar factos que apontam para uma (certa) ligação entre as ... e o prédio sito no ..., revelando nexos materiais e funcionais no passado. Existiram comunicações entre os espaços que compõem o que foram as ... e o 1º andar com entrada pelo n.º … do ... (facto 97). Há vestígios de uma porta de ligação do piso inferior do prédio do ... às antigas ... (facto 98). E existe, em particular, um facto do qual resulta que o prédio sito no ... e o edifício das ... foram construídos antes do terramoto de 1755, mas logo se esclarece que os dois edifícios eram distintos entre si (facto 112).
Em contrapartida, outros factos apontam para uma simultânea, e porventura dominante, ligação entre as ... e o prédio sito na rua ..., pertencente à ré, que assenta também em nexos materiais e funcionais. Destacam-se os seguintes: os espaços que eram as ... tinham entrada para o pátio a que se acedia pelo n.º … da Rua ... (facto 66); antes da abertura entre os prédios pela CC só através do prédio da Rua ... se podia ter acesso às ... (facto 105). A descrição registal do prédio da ré confirma esta relação (facto 45).
Não é, assim, de todo evidente que, entre as ... e o prédio detido pela autora / recorrente, exista uma relação pertinencial no sentido acima referido – uma relação que, nomeadamente, prevaleça sobre a relação que também existe entre as ... e outro prédio, detido pela ré.
Insiste a autora / recorrente, nas conclusões das suas alegações, que “[f]ez prova cabal de ser proprietária do prédio a que pertenceu as “...” [], pelo que não tem que fazer prova de ter adquirido est[as] últim[as]” (conclusão Q).
Salvo o devido respeito, mais uma vez não lhe assiste razão.
Como se viu, os factos carreados para os autos são insuficientes para afirmar que as ... são parte do prédio de que a autora é titular. Não beneficiando de nenhuma causa que a dispensasse do ónus da prova, cabia-lhe, sim, o ónus de demonstrar que havia adquirido o direito de propriedade sobre as ... (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC). Mas esta aquisição – o facto ou o título aquisitivo do direito de propriedade – não resulta da factualidade provada e, sendo assim, fica a pretensão da autora por provar.
Fez, pois, bem o Tribunal recorrido ao julgar a acção improcedente nesta parte.

3. Da titularidade do direito de propriedade sobre o espaço de terreno denominado “...”
Também quanto à decisão desta questão confluíram ambas as instâncias.
O Tribunal de 1.ª instância conclui que, não beneficiando a autora de qualquer presunção resultante do registo predial e não tendo alegado e provado nenhuma forma de aquisição originária, não era possível reconhecer-se-lhe o direito de propriedade sobre o ....
Enquanto isso, o Tribunal a quo entendeu que, não estando provado que o espaço correspondente ao ... se contenha dentro dos limites horizontais dados pelo espaço do solo em que se encontra implantado o prédio sito no ..., n.ºs … a …, ou integre o espaço aéreo, geometricamente determinado pelas perpendiculares levantadas sobre os limites do solo em que o prédio está implantado e não tendo a autora feito prova da aquisição do direito de propriedade sobre o ..., não pode este direito ser-lhe reconhecido.
Analisando:
Mantendo presente que a autora é a proprietária do prédio sito no ..., n.ºs … a …, em Lisboa [factos 39 d) a 43 e 51] e que a ré é proprietária do prédio sito na Rua ..., n.ºs … a …, em Lisboa [factos 39 a) a 44, 1, 60, 62 e 64], atente-se agora nos factos 19, 24, 25, 29, 36, 45, 55, 91, 92, 111, 116, 119 e 120, 121 e 122.
Dos factos favoráveis à existência de um direito de propriedade da recorrente sobre o ... destaca-se, fundamentalmente, o de que parte do ... hoje existente se encontra implantada numa área que ocupa o espaço que corresponderia ao n.º … de polícia do prédio do ... (facto 111).
Em contrapartida, são mais numerosos e mais fortes os factos que tornam a pretensão da autora duvidosa.
Uns sugerem a ausência de qualquer nexo material ou funcional entre o ... e o prédio do ..., como o facto de que inexiste, ainda hoje, qualquer acesso entre o prédio do ... e o ... (facto 119).
Outros sugerem a existência de ligação entre o ... e o prédio da ré. Destacam-se, entre os que estabelecem nexos materiais e funcionais, o facto de, na descrição predial do prédio da Rua ..., o ... ser descrito como uma área ajardinada ao nível do 2º andar do prédio em causa, que era usada por LL como ... e ao qual as suas visitas tinham acesso (facto 25), o facto de, na certidão fiscal, constar que o ... é para uso exclusivo do proprietário do prédio da Rua ... (facto 45), o facto de o aterro onde se encontra implantado o ... ter sido conservado para esse fim, ser contido por um muro e constituir o limite poente do prédio do ... (factos 120, 121 e 122) e, sobretudo, o facto de o ... ter sido feito apenas para utilização única do prédio da Rua ... (facto 116). Destacam-se ainda os factos que apontam para alguma proximidade, no plano arquitectónico, entre o ... e o prédio da ré: a cota do 2.º andar do prédio com frente para a Rua ... [considerado o piso nobre do palácio facto 90)] é coincidente com a do ... (facto 91) e as varandas do piso nobre e o ... possuem a mesma cota de nível (facto 92).
A ligação entre o ... e o prédio da ré é, por fim, indiciada pela descrição predial e documental deste último [factos 19, 24, 25, 29, 36, 5), 45, 47] bem como pelo tratamento dado ao ... no contrato de arrendamento entre DD e a ZZ [factos 29 e 36, 5)] e que culmina na carta dirigida pela CC [sucessora da ZZ (facto 46)] à autora, em 21.01.1999, comunicando a esta que era proprietária do ... e não autorizava a autora e / ou os proprietários do edifício do ... a terem acesso ao ... (facto 55).
Alega ainda a autora / recorrente, nas conclusões das suas alegações, que “[f]ez prova cabal de ser proprietária do prédio a que pertenceu [] o logradouro a que se chama “...”, pelo que não tem que fazer prova de ter adquirido este[] último[]” (conclusão Q).
Ora, como se viu, não é seguro que o ... faça parte do prédio de que a autora é titular. Não estando dispensada do ónus da prova, competia, sim, à autora apresentar o facto ou o título constitutivo que sustenta a sua alegação de que é proprietária do ... (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC). Não tendo a autora logrado fazê-lo, não restava ao Tribunal recorrido outra decisão que não fosse a da improcedência da acção nesta parte.

4. Da titularidade do direito de propriedade sobre a chamada “cobertura”, composta de “...” e “dependência” (esta última também designada “construção”)
Quanto a esta questão divergiram Tribunal de 1.ª instância e Tribunal recorrido.
Na sentença decidiu-se não reconhecer à autora, AA, o direito de propriedade sobre o ... e a dependência. Além dos argumentos habituais, salientou o Tribunal que dos factos provados não resultava que alguém se tivesse arrogado a titularidade do ... e da dependência até à carta dirigida pela CC à autora em 21.01.1999. Em contrapartida, nesta carta, a CC ter-se-ia comportado como proprietária do ... e do .... Seria, enfim, de concluir que “o ..., na parte em que é cobertura do prédio sito no ..., foi adquirido por usucapião (art. 1287º e 1296º do C.C.)”.
Desta solução diverge, claramente, o Tribunal recorrido. Entende ele que deve ser reconhecido o direito da AA “sobre a área de 373 m2, correspondente à cobertura do prédio sito no ..., nºs … a …, em Lisboa, geometricamente determinada pelas perpendiculares levantadas sobre os limites do solo, vulgarmente designada de “...” constante da descrição nº ... do Livro ..., atual …, da freguesia de ..., incluindo a dependência/construção que naquela área se encontra construída”.
Alicerça esta decisão em diversos pontos da factualidade provada, mas, sobretudo, nos pontos 79, 80 e 81. Resulta de tais factos que que a área de cobertura do prédio sito no ..., n.ºs … a …, é de 373 m2, correspondendo 100 m2 à área onde está implantada a dependência que constitui um andar avançado em relação ao prédio sito na Rua ..., n.ºs … a …, e recuado em relação ao prédio sito no ..., n.ºs … a …, dependência essa que se encontra construída sobre a cobertura do prédio sito no ..., n.ºs … a …, e 273 m2, à área do ... que constitui a cobertura do prédio sito no ..., n.ºs … a …. Aplicando o critério do artigo 1344.º do CC, havia, em suma, que reconhecer à autora a área do ..., incluída a dependência, correspondente à cobertura do seu prédio.
Analisando:
Além dos factos dos quais deflui que a autora é a proprietária do prédio sito no ..., n.ºs … a …, em Lisboa [factos 39 d) a 43 e 51] e que a ré é proprietária do prédio sito na Rua ..., n.ºs … a …, em Lisboa [factos 39 a) a 44, 1, 60, 62 e 64], têm especial interesse para este ponto, designadamente, os factos 24, 35, 36, 38, 45, 47, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 78, 79, 80, 81, 90, 91, 92, 101, 102, 103, 104, 107, 108, 109, 116, 117, 118, 123, 124 e 125.
A autora está convicta, desde há tempo, de que o ... pertence ao seu prédio. como comprova o seu requerimento feito, em 12.12.1988, ao Chefe da Repartição de Finanças para que a descrição do prédio sito no ... mencionasse o ... em questão como pertencendo ao prédio sobre o qual se encontra (facto 56). Mas o facto de o requerimento ter sido deferido e de ter passado a constar da descrição matricial que o ... faz parte do prédio (factos 57, 58 e 59) não tem, como se viu, valor absoluto. Mas explicitamente, não pode presumir-se que o ... faz parte do prédio do ..., pelo que continua à autora a caber o ónus da prova do facto.
A favor da pretensão da autora militam os factos que podem ser encarados como demonstração de uma ligação material do ... e da dependência com o prédio da autora. São eles, efectivamente, os factos destacados pelo Tribunal recorrido, ou seja, de a cobertura do prédio do ... ocupar a área (embora só parte da área) do ...,, (facto 79) ou de o ... servir (embora só parcialmente) de cobertura ao prédio do ... (facto 90) e de a dependência se encontrar construída sobre esta cobertura (facto 80) e ser um andar avançado em relação ao prédio sito na Rua ... e recuado em relação ao prédio sito no ... (facto 81).
Afastada, porém, a possibilidade de a delimitação dos prédios ser realizada com base em algum critério decorrente do artigo 1344.º do CC, estes factos deixam de ser decisivos e ficam reduzidos àquilo que são – factos reveladores de um nexo material entre a cobertura do prédio da autora e a dependência nele construída com o ... (ou parte dele).
A verdade é que são numerosos os factos que contrariam a conclusão de uma ligação pertinencial entre o ... e o prédio da autora e a dependência e o prédio da autora, contribuindo, outrossim, para estabelecer ligações de ordem material e funcional das parcelas ao prédio da ré.
Recuperem-se alguns: existiam passagens directas aos jardins e respetiva dependência, ligando o prédio da Rua ... com a cobertura do prédio do ... (facto 109); a cobertura do prédio sito do ... contíguo ao prédio da Rua ... foi sempre acessível e utilizável aos locatários da Rua ... (facto 110); o ... foi feito apenas para utilização única do prédio da Rua ... (facto 116); inexiste, ainda hoje, qualquer acesso entre o prédio do ... e o ... existente ao nível do 2º andar do prédio da Rua ... [tem] acesso pelo nº 7 da Rua ... (facto 117); antes da abertura entre os prédios pela CC só através do prédio da Rua ... se podia ter acesso à dependência sobre o ... e ao próprio ... (factos 107 e 108); a escada que existia e terminava no 1º andar do prédio do ... não chegava ao ..., não permitia qualquer acesso pelo interior do prédio do ... ao ... e não permitia a visualização de tal ... por ficar muito abaixo do nível do mesmo (factos 101, 102, 103, 104 e 105). Quanto à dependência propriamente dita, ela tem ligação aberta para o prédio da Rua ... (facto 78), inexistindo, ainda hoje, qualquer acesso entre o prédio do ... e a dependência existente ao nível do 2º andar do prédio da Rua ... (facto 118).
Factos adicionais confirmam uma ligação entre as parcelas e o prédio da ré. Uns respeitam à relação de arrendamento entre DD e a ZZ, constituindo sinais importantes da afectação do ... e da dependência ao prédio da Rua ..., levando a associar as parcelas, no plano funcional, a este último prédio. Integram-se nesta categoria, entre outros, certos factos atinentes às obrigações da arrendatária ZZ e, depois, CC, relativamente ao ... e à dependência [factos 35, 36, 3), 38, 53, 54 e 84]. Outros sugerem a existência de alguma coerência arquitectónica entre o ..., por um lado, e a dependência, por outro, e o prédio da ré (factos 91, 92, 123, 124 e 125). Existem, por fim, factos respeitantes à inclusão do ... e, por vezes, também da dependência, a certa altura, na descrição do prédio da Rua ... (factos 24, 45 e 47).
Referindo-se ao ... e à dependência e ainda, simultaneamente, à ..., a ré / recorrente alega, nas conclusões das suas alegações, que “a existir um direito de propriedade da Autora/Recorrida sobre as Parcelas do Prédio ..., o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se considera, sempre se teria de considerar que o mesmo havia sido pela mesma adquirido por alguma das formas tipificadas na lei, como o contrato, a sucessão hereditária, a usucapião ou a ocupação (artigo 1316.º do Código Civil). Sucede que, a Autora/Recorrida nem alegou nem logrou demonstrar factos que permitissem a verificação dos pressupostos de aquisição pela Autora/Recorrida de tal direito de propriedade por via de qualquer dos institutos legais previstos para o efeito (conclusão K).
Não pode deixar de se acompanhar esta conclusão da ré / recorrente. Não pode dizer-se, efectivamente, que a autora tenha conseguido demonstrar que o ... e a dependência integram o prédio de que é proprietária ou a existência de um facto ou título constitutivo que justifique a aquisição.
Assim, diverge-se do Tribunal a quo e julga-se, desde já, não ser de reconhecer à autora o direito de propriedade sobre qualquer das parcelas, ficando com isto prejudicada a análise de outras excepções deduzidas pela ré / recorrida.

5. Da titularidade do direito de propriedade sobre a chamada “sub-cave” (também denominada “...” / “loja”)
Na sentença decidiu-se, mais uma vez, que, não beneficiando a autora de presunção resultante do registo predial e não tendo a autora alegado e provado nenhuma forma de aquisição originária do espaço em apreço, devia a acção improceder nesta parte.
Ao contrário, o Tribunal recorrido, invocando o artigo 1344.º do CPC e os considerandos doutrinários anteriormente tecidos, não teve dúvidas de que devia ser reconhecido à autora o direito de propriedade sobre a parte do prédio sito na Rua do ..., n.ºs … a …, que constitui a “sub-cave” deste prédio.
Analisando:
De entre os factos que podem ser relevantes para decidir a questão sobressaem os factos 45, 67, 77, 106, 113, 114 e 115. Mas, além do dado habitual de que a ré é proprietária do prédio sito na Rua ..., n.ºs … a …, em Lisboa [factos 39 a) a 44, 1, 60, 62 e 64], tenha-se, desta vez, em conta que a autora é a proprietária do prédio sito na Rua do ..., n.ºs … a …, em Lisboa [factos 39 e) a 43 e 51].
Novamente, é possível identificar tanto factos que relacionam a sub-cave / ... com o prédio da autora como factos que negam esta relação e a aproximam do prédio da ré.
No primeiro grupo salienta-se, sem dúvida, o facto 77: a ... encontra-se numa vertical traçada a partir do telhado do prédio da Rua do ..., n.ºs … a …. Excluída, contudo, pelas razões acima expostas, a possibilidade de recurso ao artigo 1344.º do CC para decidir da pertinência das parcelas a um prédio, resta ver se a ... pode ser considerada, numa avaliação de todos os factos, parte do prédio da autora.
No segundo grupo assumem importância o facto de que antes da abertura entre os prédios pela CC só através do prédio da Rua ... se podia ter acesso às garagens (facto 106), o facto de que o espaço da ... [tem] entrada pelo pátio a que se acede pelo n.º … da Rua ... (facto 67) ou de que à ... situada no subsolo do prédio da Rua do ... apenas se tem acesso pelo pátio do prédio da Rua ... (facto 114), a ... tem utilização exclusiva e de origem pelo mesmo pátio (facto 115) e, noutro plano, o facto de que a ... fazia parte da descrição do prédio sito na Rua ..., n.ºs … a …, constante da certidão emitida pela Repartição de Finanças em 27.03.1995 (facto 45). Mas o mais importante, sem dúvida, é o de que a edificação situada na Rua do ... é a mais (facto 71) ou que o prédio sito na Rua do ... foi o último a ser construído e foi construído sobre a (preexistente) ... (facto 113). Este facto incute a ideia de que houve uma mera justaposição do prédio da Rua do ... à ... e que a finalidade da ... não estava – não podia estar – originariamente relacionada com este prédio e, como comprova o facto de os acessos a ela ainda hoje se fazerem pelo prédio pertencente à ré, não está relacionada com este prédio ainda hoje.
O Tribunal recorrido, tendo adoptado como critério para a delimitação dos prédios o disposto no artigo 1344.º do CC, bastou-se, naturalmente, com o facto 77 e decidiu que a ... era propriedade da autora.
Diverge-se, como sabe, deste entendimento. Aquele facto não é, por si só, decisivo ou suficiente para demonstrar a pertinência da ... ao prédio da autora.
Tal como sucede nos casos anteriores, para que o direito de propriedade sobre a ... pudesse ser-lhe judicialmente reconhecido, teria ela de ter produzido a prova da sua aquisição (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC), uma vez que não lhe aproveita qualquer causa de inversão do ónus da prova.
Ora, como salienta a ré / recorrente nas conclusões das suas alegações (conclusão K, acima reproduzida), não pode considerar-se que esta prova tenha sido feita, não constando da factualidade provada nenhum facto que permita demonstrar que aquela aquisição teve lugar.
Por esta razão é de concordar com a ré / recorrente quando diz não ser possível reconhecer o direito de propriedade sobre a ... â autora, o que torna desnecessária a análise de outros impedimentos invocados.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) julgar improcedente o recurso da autora e recorrente AA, Lda.;

2) julgar procedente o recurso da ré e recorrente BB, S.A.; e

3) em consequência, revogar o Acórdão recorrido e repristinar a decisão do Tribunal de 1.ª instância.

                                                          


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Custas pela autora e recorrente AA, Lda.


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                                                           LISBOA, 4 de Julho de 2019

                                                            

Catarina Serra (Relatora)

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

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[1] Por decisão proferida no incidente de habilitação de adquirente, que constitui o apenso A), foi a sociedade BB, S.A., julgada habilitada a ocupar a posição de ré, em substituição de CC, S.A.
[2] Ambas as instâncias reconheceram o direito de propriedade de BB sobre as parcelas em causa.
[3] Perfilha-se o entendimento do Tribunal recorrido de que não está em causa verdadeiramente uma acção (condenatória) de reivindicação mas sim uma acção (declarativa) de mera apreciação positiva, o que não altera, porém, os dados essenciais dispostos para a sua decisão.
[4] Usa-se o termo “edifício” para designar prédio urbano, no sentido de “construção [] [que] limita[] o solo por todos os lados, incluindo o espaço aéreo correspondente, por meio de telhado ou cobertura”. Cfr. Pires de Lima, Lições de Direito Civil (Direitos Reais), Coimbra, Coimbra Editora, 1946 (3.ª edição), p. 78.
[5] Cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume III, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp. 172-173.
[6] Cfr. Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Lisboa, Principia, 2013 (3.ª edição), p. 75.
[7] Cfr. Pires de Lima, Lições de Direito Civil (Direitos Reais), cit., pp. 96-97.
[8]Os limites horizontais são dados pelo espaço de solo dentro do qual o proprietário exerce os seus direitos, encontrando-se por isso na linha divisória do seu prédio e do vizinho”. Cfr. Pires de Lima, Lições de Direito Civil (Direitos Reais), cit., p. 97 (itálicos do autor).
[9] Cfr. Pires de Lima, Lições de Direito Civil (Direitos Reais), cit., pp. 98-100.
[10] Cfr. Pires de Lima, Lições de Direito Civil (Direitos Reais), cit., pp. 100-101.
[11] Cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume III, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 173.
[12] Cfr. Rui Pinto Duarte, ob. cit., loc. ult. cit.
[13] A expressão é de Orlando de Carvalho, Direito das Coisas (Do Direito das Coisas em geral), Coimbra, Centelha, 1977, p. 225.
[14] Refere-se a este poder de transformação José de Oliveira Ascensão [Direito Civil. Reais, Coimbra, Coimbra Editora, 2000 (5.ª edição), pp. 184 e s.].
[15] Cfr. Carlos da Mota Pinto, Direitos Reais, Coimbra, Almedina, 1976, p. 242
[16] Assim é classificada por Manuel Henrique Mesquita (Direitos Reais, Coimbra, 1967, p. 140 e p. 177).
[17] A propósito comentam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, cit., p. 175) que as sucessivas possibilidades de aproveitamento do subsolo e do espaço aéreo determinam um alargamento da zona dentro da qual o proprietário do solo pode ter interesse em impedir os actos de terceiro.
[18] Sendo difícil, nesta hipótese, a classificação jurídica destas partes, seria confortável adoptar a expressão “partes conexas”, encontrada, por vezes, na doutrina (cfr., por todos, Orlando de Carvalho, Direito das Coisas (Do Direito das Coisas em geral), Coimbra, Centelha, 1977, p. 225). em que se destacaria aquilo que, como se confirmará, melhor as caracteriza: a “ligação pertinencial” a certo prédio. A verdade é que a expressão não só não tem um significado jurídico preciso como não lhe corresponde uma categoria na classificação legal das coisas (artigos 203.º e s. do CC). Em contrapartida, a hipótese de classificação como “partes acessórias”, enfatizando a sua afectação duradoura à coisa principal (o prédio), seria perfeita. Isto não fosse a definição legal, que se refere a “coisas móveis” (artigo 210.º, n.º 1, do CC), que, manifestamente, não se adequa às parcelas em causa. Coisa idêntica parece acontecer com a classificação como “partes integrantes”. Sendo parte integrante definida como “toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com caráter de permanência” (artigo 204.º, n.º 3, do CC), falha, mais uma vez, nas parcelas, o elemento respeitante ao carácter móvel. E todavia, os requisitos que caracterizam um bem como parte integrante de um prédio verificam-se plenamente: cada uma das parcelas mantém uma ligação material com carácter de permanência com certo prédio, ou seja, existe entre eles uma ligação física e uma ligação funcional, entendida esta última no sentido de que a integração da parcela encontra a sua justificação no quadro da própria finalidade do prédio (cfr. Agostinho Cardoso Guedes, “Nótula sobre a noção de partes integrantes”, in: AA.VV., Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes, volume I, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2011, p. 188). A possibilidade de “aproveitamento” desta última classificação para o caso dos autos não deve, pois, ser imediatamente afastada. Por um lado, não há nada na natureza das partes integrantes que obrigue a que elas sejam móveis. Não existia, por exemplo, na norma predecessora (e inspiradora) do artigo 204.º do CC – o artigo 375.º do Código de Seabra – qualquer referência a coisas móveis. Dizia-se apenas: “[s]ão imóveis por disposição da lei: (…) as partes integrantes dos prédios urbanos, que não podem ser separadas sem prejuízo do serviço útil que devem prestar”. Afirmava, a propósito, Luiz da Cunha Gonçalves (Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil Português, volume III, Coimbra, Coimbra Editora, 1930, p. 87) que “as partes integrantes propriamente ditas propriamente ditas, porém, não são imóveis só por disposição da lei, mas sobretudo pela acção do homem, que as imobilizou para completar a cousa, que, sem elas, ficaria inepta para o seu destino”. Por outro lado, é defendido na doutrina portuguesa – por exemplo, por Rui Pinto Duarte [“Anotação ao artigo 204.º”, in: Ana Prata (coord.), Código Civil Anotado, volume I (Artigos 1.º a 1250.º), Coimbra, Almedina, 2017, pp. 256-257] –, que seria oportuna uma noção mais ampla de partes integrantes, que abrangesse as coisas que, como estas, são partes de coisas imóveis. Explica o autor que a noção foi concebida para situações que não tinham a complexidade que actualmente podem ter ou – acrescentar-se-ia – concebida para situações que não se desviavam de certo padrão; o confronto com realidades novas ou – acrescentar-se-ia – realidades singulares reclama, por vezes, novos conceitos ou a reelaboração dos existentes.
[19] Mais precisamente, o artigo 7.º do Código do Registo Predial estatui que “[o] registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Explica Mónica ... [“Breves notas sobre a presunção de verdade e titularidade no sistema registal português, o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 1/2017 e a necessidade de programar o futuro do Registo Predial em Portugal”, p. 1 (disponível em http:// https://ascr.pt/system/jobs/documents/000/000/016/original/Breves_notas_sistema_registal_portugues_-_Monica_....pdf?1512601070:[p]or força destas presunções, o titular registal, por um lado, não carece de alegar e provar factos demonstrativos da existência, validade e eficácia do direito registado, nem factos pertinentes à qualificação, conteúdo e amplitude do referido direito. E, por outro, não necessita de alegar e provar que tal direito lhe pertence. Por conseguinte, o titular registal está legitimado para actuar no tráfico e no processo como titular do direito, bastando-lhe, para tal, apresentar o comprovativo do registo”.
[20] Cfr., em particular, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.10.1992, Proc. 082672 (disponível em http://www.dgsi.pt), onde se diz: “A presunção juris tantum derivada do registo predial pressupõe que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas não abrange a área e as confrontações dos prédios”. Cfr., ainda, no mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2010, Proc. 323/2000.E1.S1, e de 14.11.2013, Proc. 74/07.3TCGMR.G1.S1.