Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3082/05.5TJLSB.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: ACÇÃO INIBITÓRIA
AÇÃO INIBITÓRIA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
NULIDADE DA CLAÚSULA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 10/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / FASE INTRODUTÓRIA.
Doutrina:
- Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais – DL. 446/85 – Anotado, Coimbra, 2010, p. 373, 388 e 390;
- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I – Conceito, Fontes e Formação, Almedina, 3.ª Edição, p. 169.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 277.º, ALÍNEA E), 637.º, N.ºS 1 E 2, 638.º, N.º 1, 715.º, N.º 2 E 725.º, N.º 3.
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, APROVADA PELO DL N.º 446/85, DE 25-10: - ARTIGO 25.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-04-2011;
- DE 31-05-2011;
- DE 19-04-2012;
- DE 21-02-2013;
- DE 08-05-2013;
- DE 14-11-2013;
- DE 13-11-2014;
- DE 26-02-2015.
Sumário :

Em ação inibitória proposta ao abrigo do art. 25.º do D.L. n.º 446/85, de 25-10, a prova eventual de que o predisponente, voluntariamente, alterou ou deixou de utilizar as cláusulas cuja declaração de nulidade vem pedida não determina a inutilidade superveniente da lide.


Decisão Texto Integral:   

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. O. Ministério Público propôs ação declarativa contra AA, sucursal da SA francesa C.... (C..., S.A., sucursal em Portugal), BB Banco de Crédito ao Consumo, S.A. e Banco CC, S.A., pedindo que:

- se declarem nulas as cláusulas que identifica na petição inicial, e se condenem as Rés a absterem-se de se prevalecer delas e de as utilizar em contratos que de futuro venham a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (artigo 30º, nº1, do Decreto – Lei nº446/85, de 25 de outubro);

- se condene as Rés a darem publicidade a tal proibição, e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar, sugerindo-se que a mesma seja efetuada em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (artigo 30º, nº2, do Decreto - Lei–nº446/85, de 25 de outubro), de tamanho não inferior a 1/4 de página;

- se dê cumprimento ao disposto no artigo 34º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria nº1093, de 6 de setembro.

Alega, em síntese, que, por um lado, as cláusulas em questão são elaboradas previamente pela ré, sem poderem ser alteradas pelos aderentes, e, por outro, são proibidas.

2. As Rés vieram contestar, concluindo pela improcedência da ação; a Ré BB pediu a procedência da exceção de ilegitimidade ativa e passiva e a consequente absolvição da instância, e, sem conceder, a absolvição dos pedidos.

3. Os autos prosseguiram os seus termos e, após prolação de acórdão pelo STJ a 02-10-2014 que determinou o reenvio do processo para ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, foi realizada audiência de discussão e julgamento e proferida sentença, que julgou a instância extinta por inutilidade superveniente da lide.

4. Inconformado com esta decisão, o MºPº interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. O Ministério Público, não se conformando a sentença proferida nos autos em epígrafe identificados, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, da mesma vem interpor recurso de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

2ª. Na verdade, o Tribunal a quo fundamentou, no essencial, a decisão que proferiu sufragando que a acção inibitória tem por objecto a proibição de utilização futura de cláusulas proibidas.

3ª. Ora porque, no caso concreto destes autos, se provou que os Réus, no decurso da acção, eliminaram as cláusulas proibidas constantes dos impressos dos contratos de adesão juntos com a P.I., não constando já, aquelas cláusulas “abusivas”, dos contratos celebrados após a respectiva eliminação, que de igual modo, não passarão a constar dos contratos a celebrar no futuro e

4ª. tendo-se, ainda provado que os Réus não usam mais os contratos a que se aludiu não tendo resultado provado que, no futuro, os Réus pretendam usar os contratos em análise , o Tribunal a quo defendeu que desapareceu o objecto da acção que se traduz na inutilidade superveniente da lide razão pela qual, declarou extinta a instância com o mencionado fundamento.

5ª. Porém, o entendimento sufragado na sentença recorrida não teve em consideração o verdadeiro objecto da acção inibitória, bem como o facto de todos os Réus terem anteriormente à propositura da acção inibitória e no decurso da mesma celebrado contratos com os aderentes que incluíam as cláusulas “abusivas” cuja abstenção de uso (também futuro) foi requerido pelo M.P.

6ª. E que o objecto da acção inibitória prende-se com a “fiscalização em abstracto” - que se encontra no montante da celebração de qualquer contrato celebrado ao abrigo dos denominados “contratos de adesão” - o que significa que o respectivo escopo não se esgota na esfera jurídica de uma determinada pessoa, individual ou colectiva mas tutela, de igual modo, o interesse da generalidade de aderentes/consumidores (tutelando assim interesses difusos) em que apenas sejam utilizadas, em sede contratual, cláusulas contratuais licitas.

7ª. Assim sendo, a acção inibitória mesmo nas situações em que, depois de proposta a acção — como é o caso dos presentes autos — os Réus vem a eliminar por vontade própria as cláusulas em crise ou pelo facto da lei as ter proibido para o futuro não ocorre inutilidade superveniente da lide.

8ª. E isto, porque, por um lado, só com a decisão judicial do mérito da causa é possível garantir que a parte vencida na acção inibitória não voltará a inserir em contratos futuros tal clausulado e, por outro lado, porque os terceiros relativamente a uma concreta acção inibitória podem invocar em seu benefício o caso julgado formado naquela concreta acção inibitória, obstando, deste modo, ao uso da cláusula declarada inválida nos termos do n.°1 do art.°32.º, n.°1, da LCCG

9ª. Pelo que, ao decidir como o fez o Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação dos art.°25.° e 32.°, n.°2, todos da LCCG e art.°277 n.°1, al e) do C.P.C. que, deste modo, violou.

10ª. Na verdade, o Tribunal a quo devera ter interpretado as aludidas normas legais no sentido de - atento o objecto da acção inibitória, que se norteia pelo interesse público na erradicação do tráfego contratual cláusulas contratuais lícitas, visando a fiscalização abstracta das cláusulas contratuais gerais “abusivas” - no sentido que, mesmo que no decurso da acção o utilizador/pre-disponente venha a alterar ou a eliminar as clausulas contratuais gerais inválidas ou outras que se lhe equiparem substancialmente, o consumidor/ aderente que tenha sido parte em contratos já findos, ou ainda em vigor, ou terceiro que não seja parte naquela concreta acção inibitória em que o demandado foi vencido pode, a todo o tempo, em seu beneficio, invocar a declaração de nulidade de clausulas gerais inválidas (nos termos do art.°31 n.°1 da LCCG) contida em acção inibitória já transitada em julgado, não ocorrendo, por isso, na descrita situação inutilidade superveniente da lide existindo também interesse em agir por parte do Autor.

11ª. Razão pela qual deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.

12ª. Contudo, caso venha a ser negado provimento ao presente recurso, a título subsidiário, o Ministério Público vem formular a esse Venerando Tribunal o pedido de reenvio prejudicial ao abrigo do disposto no art.°267.° do Tratado do Funcionamento da União Europeia o que faz com os fundamentos seguintes.

13ª. A tese defendida pelo Tribunal a quo é tributária, ao cremos, da interpretação do art.°25 da LCCG sufragada por outros tribunais superiores segundo a qual se defende, no essencial, que, caso se prove que as clausulas contratuais que violem a LCCG, sindicadas numa concreta acção inibitória com vista à declaração da respectiva nulidade, deixaram de ser usadas antes da propositura da acção ou no decurso da mesma, apurando-se que o demandado não as pretende voltar a utilizar no futuro poderá ficar comprometida a apreciação do mérito da acção, quer por falta de interesse em agir (ou falta de legitimidade do M.P.) ou por inutilidade superveniente da lide.

14ª. O Ministério Público discorda da mencionada interpretação do art.°25.° da LCCG (acolhida na sentença proferida nestes autos) por entender que colide com legislação comunitária, designadamente com o art.7.° da Directiva 93/l3/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993.

15ª. Caso seja negado provimento ao presente recurso pelo facto desse Venerando Tribunal acolher a aludida interpretação, tal interpretação devera ser apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no sentido da respectiva conformidade com a norma comunitária já aludida.

16ª. A interpretação feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia vincula os Tribunais Nacionais.

17ª. Pelo que deverá esse Venerando Tribunal suscitar o pedido de reenvio prejudicial para que Tribunal de Justiça da União Europeia esclareça como deve ser interpretada o art.° 7.° da Directiva 93/13/CEE prosseguindo, oportunamente, os autos em conformidade com a interpretação que vier a ser proferida por este Tribunal.

18ª. “No caso vertente, as questões prejudiciais a formular pelo Tribunal Nacional ao TJUE são as seguintes:

1 - Deve o Artigo 7°, n°s 1 e 2 da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, ser interpretado no sentido de que o Tribunal Nacional – no âmbito de uma acção inibiória - deve apreciar em abstracto a nulidade da cláusula contratual geral, independentemente da sua utilização actual ou futura pelo predisponente?

2 - Ou deve o mesmo Artigo ser interpretado no sentido de que o Tribunal Nacional só deve apreciar a nulidade da cláusula contratual geral mediante a prévia alegação e prova de que a mesma continua a ser utilizada pelo predisponente e/ou este se propõe utilizá-la futuramente em contratos que venha a celebrar?

5. A AA e o Banco.... Paribas (resultante da fusão da BB e CC apresentaram contra-alegações, tendo a primeira requerido a subida per saltum do RECURSO PARA O STJ, a que o MP não se opôs.

6. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Autora/ ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
- a extinção da instância por inutilidade superveniente;

 - o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

                III. Fundamentação.

1. Factos dados como provados os seguintes factos:

1.1. A Ré AA foi uma sucursal da Compagnie Financiere............ AA, matriculada sob o n.°05488 na 4.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, nos termos que resultam da certidão de fIs.18 a 24 dos autos e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

1.2. A Ré AA teve por objeto social a atividade de “...todas as operaçõess de financiamento por conta de terceiros, com excepção das operações de carácter puramente bancário e, por outro lado, a corretagem de seguros....”, nos termos que resultam da certidão de fIs.18 a 24 dos autos e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

1.3. No exercício de tal atividade, a Ré AA elaborou os seguintes formulários de contratos de concessão de crédito:

a) contrato de crédito “Conta certa” inserto em impresso análogo ao que se encontra junto aos autos a fis. 25 e 25v;

b) contrato de crédito “............” inserto em impresso análogo ao que se encontra junto aos autos a fls. 26, 26v, 27 e 27v;

c) contrato de crédito “Dinheiro Já” inserto em impresso análogo ao que se encontra junto aos autos a fIs. 28, 28v, 29 e 29v;

d) contrato de crédito “Vida livre” inserto em impresso análogo ao que se encontra junto aos autos a fls. 30, 30v, 31 e 31v;

e) contrato de “crédito pessoal e conta corrente AA” inserto em impresso análogo ao que encontra junto aos autos a fls. 32 a 34;

f) Contrato de “crédito clássico e conta corrente AA” análogo ao que se encontra junto aos autos a f Is. 35 e 35v.;

1.4. No verso dos formulários, constam as cláusulas relativas às “condições gerais de utilização”.

1.5. Na posse dos mencionados formulários, os contraentes preenchiam os espaços em branco nele existentes relativos à sua identificação, situação familiar e habitacional, rendimentos, despesas mensais e assinavam.

1.6. Aos interessados apenas era concedida a possibilidade de aceitar, ou não, o clausulado constante do formulário, estando-lhes vedada a possibilidade de, no essencial, através de negociação, o alterar.

1.7. Consta da cláusula 4.2 do formulário do contrato “Conta certa” junto aos autos:

“O Mutuário é responsável pela conservação e correcta utilização dos instrumentos de movimentação da conta comprometendo-se a tomar medidas necessárias a garantir a sua segurança e a comunicar imediatamente à AA a perda, furto, roubo ou reprodução. O mutuário deve confirmar esta comunicação, por carta registada com a. r. enviada à AA nas 48 horas seguintes, indicando a data da última utilização, a hora e local prováveis da perda, furto ou roubo e, se for o caso, a identificação do cartão”.

1.8. E da cláusula 4.3 consta:

“Correm por conta do Mutuário apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver agido com negligência ou dolo”.

1.9. Consta do artigo 4.2 do formulário do contrato “............” junto aos autos:

“O Mutuário é responsável pela conservação e correcta utilização dos instrumentos de movimentação da conta comprometendo-se a tomar medidas necessárias a garantir a sua segurança e a comunicar imediatamente à AA a perda, furto, roubo ou reprodução. O Mutuário deve confirmar esta comunicação, por carta registada com a. r. enviada à AA nas 48 horas seguintes, indicando a data da última utilização, a hora e local prováveis da perda, furto ou roubo e, se for o caso, a identificação do cartão”.

1.10. E da cláusula 4.3:

“Correm por conta do Mutuário apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver agido com negligência ou dolo”.

1.11. Consta do artigo 10.2 do formulário do contrato “Dinheiro já” junto aos autos:

“O Mutuário é responsável pela conservação e correcta utilização dos instrumentos de movimentação da conta comprometendo-se a tomar medidas necessárias a garantir a sua segurança e a comunicar imediatamente à AA a perda, furto, roubo ou reprodução. O Mutuário deve confirmar esta comunicação, por carta registada com a. r. enviada à AA nas 48 horas seguintes, indicando a data da última utilização, a hora e local prováveis da perda, furto ou roubo e, se for o caso, a identificação do cartão”.

1.12. E da cláusula 10.3.

“Correm por conta do Mutuário apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver agido com negligência ou dolo”.

1.13. Consta do artigo 4.2 do formulário do contrato “Vida livre”:

“O Mutuário é responsável pela conservação e correcta utilização dos instrumentos de movimentação da conta comprometendo-se a tomar medidas necessárias a garantir a sua segurança e a comunicar imediatamente à AA a perda, furto, roubo ou reprodução. O Mutuário deve confirmar esta comunicação, por carta registada com a. r. enviada à AA nas 48 horas seguintes, indicando a data da última utilização, a hora e local prováveis da perda, furto ou roubo e, se for o caso, a identificação do cartão”.

1.14. E da cláusula 4.3:

“Correm por conta do Mutuário apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver agido com negligência ou dolo”.

1.15. Consta do artigo 13.2 do formulário do contrato “crédito pessoal e conta corrente AA”:

“O Mutuário é responsável pela conservação e correcta utilização dos instrumentos de movimentação da conta comprometendo-se a tomar medidas necessárias a garantir a sua segurança e a comunicar imediatamente à AA a perda, furto, roubo ou reprodução. O Mutuário deve confirmar esta comunicação, por carta registada com a. r. enviada à AA nas 48 horas seguintes, indicando a data da última utilização, a hora e local prováveis da perda, furto ou roubo e, se for o caso, a identificação  do cartão”.

1.16. E da cláusula 13.3:

“Correm por conta do Mutuário apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver agido com negligência ou dolo”.

1.17. Consta do artigo 12.2 do formulário do contrato “crédito clássico e conta corrente AA” junto aos autos:

“O Mutuário é responsável pela conservação e correcta utilização dos instrumentos de movimentação da conta comprometendo-se a tomar medidas necessárias a garantir a sua segurança e a comunicar imediatamente à AA a perda, furto, roubo ou reprodução. O Mutuário deve confirmar esta comunicação, por carta registado com aviso de recepção, enviada à AA nas 48 horas seguintes, indicando a data da última utilização, a hora e local prováveis da perda, furto ou roubo e, se for o caso, a identificação do cartão”.

1.18. E da cláusula 12.3:

“Correm por conta do Mutuário apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados ate a comunicação, excepto se tiver agido com negligência ou dolo”.

1.19. Consta do artigo 13° do formulário do contrato “Conta certa” junto aos autos:

“O Mutuário autoriza a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação”.

1.20. Consta do artigo 13° do formulário do contrato “............” junto aos autos:

“O Mutuário autoriza a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação”.

1.21. Consta do artigo 16° do formulário do contrato “dinheiro já” junto aos autos:

“O Mutuário autoriza a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação”.

1.22. Consta do artigo 4.2 do formulário do contrato “Vida livre” junto aos autos:

“O Mutuário autoriza a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação”.

1.23. Consta do artigo 5° do formulário do contrato “crédito pessoal e conta corrente AA” junto aos autos:

“O Mutuário autoriza a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação”.

1.24. Consta do artigo 5° do formulário do contrato “crédito clássico e conta corrente AA”:

“O Mutuário autoriza a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação”.

1.25. À data da propositura da acção, a Ré BB encontrava-se matriculada sob o n.°47630 e com a sua constituição inscrita na Conservatória do Registo Comercial do Porto, nos termos que resultam de fls. 37 a 73 e cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido.

1.26. Tinha por objecto social a “actividade bancária”, nos termos que resultam de fls. 37 a 73 e cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido.

1.27. No exercício de tal actividade a Ré elaborou os seguintes formulários de contratos de concessão de crédito:

a) Contrato de crédito “Perfumes & Companhia” inserto em impresso análogo ao que se encontra junto a fls.73A;

b) Contrato de crédito “Conta sempre” inserto em impresso análogo ao que se encontra junto a fls.74 e 75;

c) Com os interessados na celebração do contrato de crédito “Conta sempre” simplificado, um impresso análogo ao que se encontra junto a fls. 76 e 77;

d) Contrato de crédito “Conta sempre” inserto em impresso análogo ao que se encontra junto a fls.78 e 79;

e) Contrato de crédito “Mediatis” inserto em impresso análogo ao que se encontra junto a fls. 80 e 81;

f) Contrato de locação financeira inserto em impresso análogo ao que se encontra junto a fls. 74 e 82.

1.28. Na posse dos mencionados formulários, os contraentes preenchiam os espaços em branco nele existentes relativos a identificação, data e assinam.

1.29. No verso dos formulários, constam as cláusulas relativas às “condições gerais de utilização”.

1.30. Aos interessados apenas era concedida a possibilidade de aceitar, ou não, esse clausulado constante de formulário, estando-lhes vedada a possibilidade de, no essencial, através de negociação, o alterar.

1.31. Consta da cláusula 11.3 do formulário do contrato “Perfumes e Companhia”:

“O Titular e responsável pela utilização abusiva do cartão, devida a furto, roubo, perda ou falsificação, verificado até à notificação feita nos termos dos números anteriores, no caso de utilização electrónica do cartão, ou, noutros casos, até vinte e quatro horas após a referida notificação, salvo se, nestes últimos for devida a dolo ou negligência grosseira do Titular”.

1.32. Consta da cláusula 13.ª do formulário do contrato “Perfumes & Companhia”:

“Os Titulares autorizam o BB a ceder os seus créditos a qualquer outra sociedade legalmente constituída cujo objecto social permita a emissão e gestão de cartões de crédito e produtos conexos”.

1.33. Consta da cláusula 13:ª do formulário do contrato “Conta sempre”:

“O(s) Subscritor(es) autoriza(m) o BB a ceder os seus créditos a qualquer outra sociedade legalmente constituída que tenha por objecto a concessão de crédito ao consumo ou aquisições a crédito”.

1.34. Consta da cláusula 13° do formulário do contrato “Conta sempre” simplificado:

“O(s) Subscritor(es) autoriza(m) o BB a ceder os seus créditos a qualquer outra sociedade legalmente constituída que tenha por objecto a concessão de crédito ao consumo ou aquisições a crédito”.

1.35. Consta da cláusula 13° do formulário do contrato “Conta sempre” completa:

“O(s) Subscritor(es) autoriza(m) o BB a ceder os seus créditos a qualquer outra sociedade legalmente constituída que tenha por objecto a concessão de crédito ao consumo ou aquisições a crédito”.

1.36. Consta da cláusula 13° do formulário do contrato “Mediatis”:

“O(s) Subscritor(es) autoriza(m) o BB a ceder os seus créditos a qualquer outra sociedade legalmente constituída que tenha por objecto a concessão de crédito ao consumo ou aquisições a crédito”.

1.37. Consta da cláusula 40, n.°1 do formulário do contrato de locação financeira:

“Competira ao Locatário usar dos meios judiciais e extra-judiciais próprios para contra o eventual incumprimento por parte do Fornecedor, não se responsabilizando o Locador;

- Pela entrega atempada do equipamento:

 - Pela entrega do equipamento no local indicado:

- Pela correspondência do equipamento as características e especificações encomendadas pelo Locatário:

- Pela falta de registo, matricula ou licenciamento, quando o equipamento a tal estiver sujeito, no caso de o Fornecedor não tiver habilitado o Locador da documentação necessária:

 - Pelo que nenhuma das situações descritas conferem qualquer direito ao Locatário face ao Locador.

1.38. Consta da cláusula 10.º, n.º 2, do formulário do contrato de locação financeira:

“O Locatário não poderá proceder a quaisquer modificações no equipamento, sem acordo prévio, escrito, do Locador. Qualquer peça ou outro elemento incorporado pelo Locatário tornam-se propriedade do locador, sem que tenha direito a qualquer compensação”.

1.39. Consta da cláusula 10°, n.º 3 do formulário do contrato de locação financeira:

“Todas as despesas com a legalização, utilização, manutenção, deslocação e do equipamento, bem como todos os impostos, encargos, licenças e multas a ele são da exclusiva responsabilidade do Locatário.”

1.40. Consta da cláusula 11.° do formulário do contrato de locação financeira:

“Se o equipamento se perder ou deteriorar anormalmente, casualmente ou não, sem que o Locador possa obter de outrem o reembolso do valor perdido, o Locatário respondera perante aquele por aquele valor.”

1.41. A data da propositura da ação, a Ré CC encontrava-se matriculada sob o n.°02738 e com a sua constituição inscrita na 4.ª secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, nos termos que resultam de fls. 84 a 103 e cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido.

1.42. E tinha por objecto social o “ Exercício da actividade bancaria, incluindo todas as operações acessórias, conexas ou similares compatíveis com essa actividade e permitidos por lei, com excepção das actividades de intermediação de valores mobiliários” nos termos que resultam de fls. 84 a 103 cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido.

1.43. No exercício de tal actividade, a Ré CC elaborou um formulário de ‘contrato de crédito” inserto num impresso análogo ao que se encontra junto a fls. 104 a 106 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

1.44. Na posse do mencionado formulário, os contraentes apenas podiam preencher os espaços em branco nele existentes relativos a identificação, modalidade, data e assinam.

1.45. No verso do formulário, constam as cláusulas relativas as condições gerais de utilização.

1.46. Aos interessados apenas era concedida a possibilidade de aceitar, ou não, esse clausulado constante do formulário, estando-lhes vedada a possibilidade de, no essencial, através de negociação, o alterar.

1.47. Consta da cláusula 10.° do formulário do contrato:

“O titular autoriza desde já o CC a ceder a sua posição contratual a outra sociedade ou entidade do mesmo grupo económico, produzindo a cessação efeitos a partir da data em que a mesma lhe for notificada ou, caso a notificação se revele impossível por facto imputável ao TITULAR, a contar da data da expedição da notificação”.

1.48. Consta da cláusula 24.3 do formulário do contrato;

“O TITULAR não pode ser responsabilizado por utilizações do CARTÃO devidas aos factos resultantes de perda, furto, roubo ou falsificação do CARTÃO depois de efectuado a notificação ao CC, no caso de utilização electrónica do CARTÃO ou 24 horas depois da mesma notificação, salvo se, nestes últimos, forem devidos a ou negligência grosseira do TITULAR”

1.49. Após a entrada da acção em juízo, ocorreu a fusão por incorporação das empresas C..... (Portugal) - SGPS, S.A., BB - Banco de Credito ao Consumo, S.A. e F.....S - Prestação de Serviços Promocionais de Marketing e Fidelização, Lda. no BANCO CC S.A., que procedeu à alteração de denominação de BANCO CC, S.A. para BANCO B.. P....... FINANCE, S.A, ora R. nos autos.

1.50. No âmbito do processo n.°1228/09.3TJLSB, o Ministério Publico, em acção de processo sumário, intentada ao abrigo do disposto nos arts. 25.°, 26.°, c) e 27.°, n.°2, do DL 446/85, de 25.10, contra o Banco CC, 5.A. obteve decisão que condenou o R. na abstenção do uso das cláusulas seguintes: O TITULAR autoriza desde já a CC a ceder a sua posição contratual a outra sociedade ou entidade do mesmo grupo económico, produzindo a cessação efeitos a partir da data em que a mesma lhe for notificada ou, caso a notificação se revele impossível por facto imputável do TITULAR, a contar da data da expedição da notificação; O TITULAR tido pode ser responsabilizado por utilizações abusivas do CARTÃO resultantes de perda, furto, roubo ou falsificação, em caso de utillzações electrónicas ou passadas 24 horas após a notificação efectuada ao CC nos termos da presente cláusula, salvo se, nestes últimos, forem de vidas a dolo ou negligência grosseira do TITULAR.

1.51. A R. AA, apesar de ter em todos os seus contratos previsto que “pode por a disposição do Mutuário um cartão”, não põe, nem nunca pôs a disposição dos mutuários, seus clientes, qualquer cartão de crédito.

1.52. A R. AA, à data da propositura da acção, não emitia qualquer cartão de crédito.

1.53. A R. AA jamais cedeu a sua posição contratual a qualquer outra entidade, mesmo financeira.

1.54. A R. AA não o pretende fazer.

1.55. A R. AA sabe que não o pode fazer sem consentimento dos mutuários.

1.56. O Banco B.. Paribas Personal Finance, S.A. não mais usou os contratos juntos com a pi.

1.57. O Banco B.. Paribas Personal Finance, S.A. não mais usou os contratos juntos com a pi em virtude da fusão operada entre os dois RR..

1.58. Por causa da condenação em diferente acção inibitória o Banco B.. Paribas Personal Finance, S.A. não mais usou os contratos juntos com a pi.

1.59. O Banco B.. Paribas Personal Finance, S.A. não mais usou os contratos juntos com a pi por ter tido de adaptar as cláusulas e contratos a dois diplomas legais – Decreto-lei n.º 133/09, de 31.10, e à regulamentação subsequente emitida pelo supervisor, Banco de Portugal. 

2. Das questões prévias

A recorrida AA pediu que o recurso de revista fosse rejeitado com fundamento em (a) extemporaneidade, (b) preterição do caso julgado formado pelo Acórdão de 02-10-2014 e (c) insuficiência de alegações.

Trata-se de uma questão prévia ao conhecimento do mérito do recurso.

2.1. Quanto à extemporaneidade

Ao recurso de revista sobre a sentença proferida a 05 de janeiro de 2016 (VI Vol., fls. 1195) em ação instaurada em 2005 (I Vol., fls. 2), aplica-se o Código de Processo Civil decorrente do D.L. n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho (com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º) – artigo 7.º n.º 1 da Lei 41/2013, de 26 de junho.

Por consequência, “(a recorrente) dispunha do prazo de 10 dias para apresentar o requerimento de interposição de recurso, nos termos das disposições do n.º 1 do art. 685.º e do n.º 1 do art. 687.º do Código de Processo Civil, com a redacção que estas normas tinham anteriormente ao DL 303/2007 e que são as aplicáveis a este processo” (VI Vol., fls. 1467).

Aplica-se antes, a propósito do “modo de interposição do recurso,” o disposto nos artigos 684.º-B, nºs. 1 e 2 e 685.º, n.º1, ambos do Código de Processo Civil, na redação dada pelo Decreto Lei n.º 303/2007 (correspondente aos atuais 637.º, n.ºs. 1 e 2 e 638.º, n.º1).

Da leitura conjugada destes dois preceitos resulta, ao contrário do regime pretérito, que o recurso deve ser interposto por meio de requerimento que contém imediatamente as alegações e no prazo de trinta dias.

Por conseguinte, não colocando a recorrida em causa que o prazo de trinta dias foi observado, a interposição do recurso pelo Ministério Público em conformidade com os preceitos adjetivos aplicáveis e referidos faz improceder o fundamento da extemporaneidade.

2.2. Quanto à preterição do caso julgado.

O acórdão do STJ proferido a 02-10-2014 – V vol., fls. 893 a 919, que decidiu, louvando-se no artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, na redação dada pelo Decreto - Lei n.º303/2007 reenviar o processo ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, não definiu o direito aplicável e não mandou julgar novamente a causa em harmonia com a decisão de direito, tal como previsto no artigo 730.º, n.º 1.

Ao nele se ter escrito que todos estes factos controversos revestem particular importância para a decisão da causa nomeadamente para se decidir ou não pela inutilidade superveniente da lide, o acórdão não tomou posição definida sobre a questão, ou seja, não deu sequência decisória ao duplo cenário possível da prova e da não prova da matéria aditada, deixando ao juiz a quo a liberdade de decidir em conformidade com os factos e a lei.

Na previsão do artigo 730.º, n. º 2, o acórdão não definiu com precisão o regime jurídico a aplicar, pelo que, a nova decisão admite recurso de revista, nos mesmos termos que a primeira.

Porque assim foi, o acórdão a proferir nesta revista, admitido ao abrigo deste último preceito, não ofenderá o caso julgado formal do precedente acórdão deste Tribunal, que se limitou à determinação da ampliação da matéria de facto e do respetivo julgamento, cumpridos pelo tribunal a quo.

Improcede, como tal, também este fundamento.

2.3. Insuficiência das alegações.

Estriba a recorrida a insuficiência das alegações apresentadas pelo recorrente no entendimento de que a revogação da decisão que declarou a inutilidade superveniente da ação inibitória determina o conhecimento do mérito da ação pelo Supremo Tribunal de Justiça, não pedida concretamente pelo recorrente.

A argumentação não procede.

A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância – artigo 277.º, al. e) do Código de Processo Civil, que impede o conhecimento do respetivo mérito.

Na dicotomia decisão de forma/decisão de mérito, a decisão a sindicar substancia uma decisão de forma que precedeu e prejudicou a decisão de mérito.

A revogação desta decisão de forma determinará a baixa dos autos ao tribunal recorrido para conhecimento do fundo da causa – validade ou invalidade das cláusulas identificadas – e prolação de decisão de mérito, porque o recurso per saltum para o STJ é processado como revista – artigo 725.º, n.º 3, do CPC – e não se lhe aplica como tal a regra da substituição ao tribunal recorrido (aplicável à apelação) – artigo 715.º, n.º 2, ex vi artigo 726.º, ambos do Código de Processo Civil.

Em face do que, a pretensão de a recorrente ver revogada a decisão de 1.ª instância expressa nas alegações não se mostra insuficiente.

3. Do mérito da revista

Ultrapassada a questão da rejeição do recurso, vejamos a questão da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

A esta questão, suscitada oportunamente pelas rés, respondeu a sentença de 1.ª instância afirmativamente com a seguinte argumentação:

“O objecto da presente acção inibitória consistia na proibição de utilização futura de cláusulas proibidas.

Os réus retiraram essas cláusulas dos contratos a celebrar.

Os réus antecipadamente, cumpriram aquilo a que a acção se destinava.

A resposta aos factos de fls. 928 e 1396 e 1396 v é clara; por um lado, não resultou provado que as rés de futuro pretendam usar os contratos aqui em causa e por outro resultou provado que não os usam mais.

Isto é, o objecto da acção desapareceu quer no sentido material (existência de cláusulas) quer no sentido intencional (propósito ou predisposição do uso).“

A decisão de extinção da instância transcrita assenta, como se pode ver, em três premissas, relativas (1) à interpretação do objeto da ação inibitória; (2) à interpretação dos factos; e (3) ao alcance/utilidade da ação inibitória.

Tais premissas não se afiguram corretas e não suportam a decisão de inutilidade superveniente, como se passa a demonstrar:

O objeto de qualquer ação afere-se pela causa de pedir e pelo pedido.

Na petição inicial, o Autor (Ministério Público) alegou a utilização pelas Rés de cláusulas contratuais proibidas inseridas em contratos insuscetíveis de discussão celebrados e a celebrar no futuro com consumidores (causa de pedir); e pediu a declaração de nulidade de tais cláusulas e a condenação das Rés a abster-se de se prevalecer delas e de as utilizar em contratos que de futuro venham a celebrar.

A interpretação deste concreto pedido que, por inserido em ato jurídico como é a petição inicial apresentada em juízo segue as regras da interpretação das declarações de vontade enunciadas no artigo 236.º e sgs. do Código Civil e consagradoras (na falta de apuramento da vontade real) da doutrina da impressão do destinatário, permite extrair o sentido, na consideração da causa de pedir alegada, que o Autor visou, quanto aos contratos já celebrados e em execução, a condenação de as Rés se absterem de se prevalecer das cláusulas proibidas, e, quanto  aos contratos futuros a celebrar, a condenação de as rés se absterem de as utilizar.

Ao restringir o objeto da ação, na parte do pedido, à abstenção de as Rés utilizarem as referidas cláusulas nos contratos futuros, a sentença ignorou a causa de pedir invocada – onde se alude, repete-se, à inclusão de cláusulas proibidas em contratos presentes (celebrados e em execução) e em contratos futuros (a celebrar) – e esvaziou de sentido útil o pedido abster-se de se prevalecer, visto que abster-se de utilizar em contratos que de futuro venham a celebrar já abarca a impossibilidade natural de delas se prevalecer.

Pelo que, não é exato afirmar, como se faz na sentença recorrida, que o objeto da ação consistia na proibição de utilização futura de cláusulas proibidas em contratos a celebrar, mas, retius, nessa proibição e na proibição de as Rés se prevalecerem da utilização futura de cláusulas proibidas em contratos já celebrados e em execução, independentemente deste concreto pedido ter acolhimento nas normas disciplinadoras da ação inibitória previstas nos artigos 25.º e sgs. do Decreto - Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.

O facto superveniente fundador da decisão da inutilidade superveniente da lide traduziu-se, segundo a sentença, em “os réus retiraram essas cláusulas dos contratos a celebrar”.

O Acórdão deste Tribunal de 02-10-2014, ao determinar a ampliação da matéria de facto em ordem a constituir base suficiente à decisão sobre a questão da utilidade ou inutilidade superveniente, indicou quais os factos relevantes carecidos de prova (por reporte aos articulados das partes).

No seguimento, esses factos vieram a receber na sentença a seguinte resposta provada:

- A R. AA, apesar de ter em todos os seus contratos previsto que “pode por a disposição do Mutuário um cartão”, não põe, nem nunca pôs a disposição dos mutuários, seus clientes, qualquer cartão de crédito (facto provado 51).

 - A R. AA, à data da propositura da acção, não emitia qualquer cartão de crédito (facto provado 52)

 - A R. AA jamais cedeu a sua posição contratual a qualquer outra entidade, mesmo financeira (facto provado 53)

 - A R. AA não o pretende fazer. (facto provado 54)

 - A R. AA sabe que não o pode fazer sem consentimento dos mutuários (facto provado 55)

 - O Banco B.. Paribas Personal Finance, S.A. não mais usou os contratos juntos com a pi. (facto provado 56)

 - O Banco B.. Paribas Personal Finance, S.A. não mais usou os contratos juntos com a pi em virtude da fusão operada entre os dois RR. (facto provado 57).

 - Por causa da condenação em diferente acção inibitória o Banco B.. Paribas Personal Finance, S.A. não mais usou os contratos juntos com a pi. (facto provado 58).

 - O Banco B.. Paribas Personal Finance, S.A. não mais usou os contratos juntos com a pi por ter tido de adaptar as cláusulas e contratos a dois diplomas legais – Decreto-lei n.º 133/09, de 31.10, e à regulamentação subsequente emitida pelo supervisor, Banco de Portugal (facto provado 59).

Pois bem.

A ação tem por rés a AA e o B.. Paribas (que aglutinou, por fusão as originais BB e CC).

Em relação à AA, os factos provados não revelam que tenha retirado dos contratos a celebrar as cláusulas indicadas na petição inicial, mas apenas que, à data da propositura da acção, não emitia qualquer cartão de crédito, tal como previsto em determinada cláusula, não se podendo extrapolar e entendê-lo como consequente à sua retirada dos contratos que a previam ou estendê-la ao futuro.

Em relação ao B.. Paribas, os factos provados evidenciam que não mais usou os contratos indicados na petição inicial, por os ter adaptado a legislação posterior e por força de outra ação inibitória, havendo no entanto que entender estas circunstâncias como restritas a parte das cláusulas visadas na petição inicial, designadamente as colidentes com a referida legislação e as objeto daquela ação inibitória.

Relativamente a estas, é certo que o seu não uso atual por força de legislação e de decisão judicial prognosticam, com segurança, o seu não uso ou prevalência futura.

Acontece que remanescem outras tantas cláusulas, relativamente às quais apenas se sabe que quando inseridas nos clausulados identificados na petição inicial, a Ré não mais usou, não significando com isto que não as possa usar no futuro e, sobretudo, que tal signifique, como se entendeu na sentença, a sua retirada dos contratos a celebrar.

 Neste ponto, a Ré pode não mais ter usado os clausulados tipo aludidos na petição inicial mas ter criado outros, referentes a outros produtos financeiros, consagradores dessas cláusulas, não se podendo por isso afirmar que as Rés retiraram essas cláusulas dos contratos a celebrar

Outra nota ainda: também se entendeu na sentença que “não resultou provado que as rés de futuro pretendam usar os contratos aqui em causa”, quando, a relevância não reside propriamente nos contratos mas nas cláusulas em causa, que podem ser inseridas nos contratos tipo descritos na petição inicial ou noutros contratos a criar, e, acresce, a não prova de que pretendam usar no futuro não redunda na prova contrária, isto é, que não pretendam usar no futuro, subsistindo sempre essa hipótese ou risco.

Por fim, abordemos o alcance/utilidade da ação inibitória, onde será desde logo tratada a questão reversa da inutilidade.

O artigo 25.º do Decreto - Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, diploma que aprovou o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, consagra a ação inibitória nos seguintes termos:

“As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º, podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares”.

Este tipo de ação tem um escopo preventivo (neste sentido Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais – DL. 446/85 – Anotado, Coimbra, 2010, pág. 373).

Independentemente e sem prejuízo do quanto ficou dito sobre a incorreção das duas primeiras premissas em que assentou a decisão recorrida, não parece que a utilidade deste tipo de ações se alcance satisfatoriamente com a prova de que o predisponente não mais usou e não pretende usar as cláusulas tidas por proibidas e nulas (conceda-se, por ora, hipotetizar tais factos como provados …).

Com efeito, mesmo que o predisponente voluntariamente altere ou deixe de utilizar as cláusulas sindicadas na ação inibitória, o interesse social próprio das ações inibitórias, a invocação do caso julgado por terceiros para obstar ao uso da cláusula declarada inválida ou outras que se equiparem substancialmente, e o risco, ainda que abstrato, de poderem tais cláusulas ser novamente utilizadas, só se logram cumpridos e evitado, respetivamente, por via da sentença de mérito que declare a nulidade dessas mesmas cláusulas e não por mera ocorrência do seu não uso (presente).

Com efeito, pode encontrar-se utilidade no prosseguimento da ação para apreciação da validade de cláusulas anteriormente utilizadas, na medida em que foram celebrados contratos individuais ao abrigo das mesmas e por ocorrer a possibilidade de serem as mesmas cláusulas ou cláusulas substancialmente equiparáveis novamente utilizadas.

Para esta conclusão, concorre, desde logo, a interpretação que, segundo entendemos, melhor se adequa ao teor dos artigos 25.º, 30.º e 32.º do RCCG, segundo os quais a ação inibitória visa, por um lado, a proibição de utilização de cláusulas proibidas em contratos que sejam ou venham a ser celebrados e, por outro lado, erradicar do tráfico jurídico condições gerais iníquas, independentemente da sua inclusão em contratos singulares, assim se protegendo não só o contratante singular mas a verdadeira autonomia privada, tudo conforme melhor explicitado no enquadramento supra efetuado.

Assim, vislumbra-se, no primeiro sentido, interesse ou utilidade no prosseguimento da presente ação tendo em vista acautelar a inclusão das cláusulas que venham a ser consideradas nulas ou outras que substancialmente se lhes equiparem (cfr. artigo 32.º, n.º 1 do RCCG) em contratos que o predisponente venha a celebrar ou a recomendar que sejam utilizadas.

Daí que, na perspetiva de Araújo de Barros (ob. cit, págs. 388 e 390), atentas as particularidades próprias do efeito de caso julgado na ação inibitória que é qualificado como um caso julgado secundum eventum litis (o caso julgado favorável aproveita a terceiro, o caso julgado desfavorável é-lhe inoponível), deve concluir-se que “a simples correcção ou supressão de cláusula por parte do demandado na acção fica aquém do que se pretende com a condenação proibitiva, que se estende a todos os contratos que o demandado venha a celebrar ou a recomendar” (cfr. Cláusulas Contratuais Gerais - DL 446/85 Anotado, Coimbra Editora, págs. 388 e 390).

De forma mais abrangente, pode também inferir-se da posição adoptada pelo Professor Carlos Ferreira de Almeida a respeito da natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais, que eventuais alterações introduzidas nos contratos que o predisponente celebre não terão relevância no que se refere à matéria objeto da ação inibitória. Conforme explica o referido autor, as cláusulas contratuais gerais são meros enunciados contratuais gerais, ou seja, enunciados com vocação para se integrarem numa pluralidade de contratos, sendo certo que antes da sua inserção em contratos singulares não são ainda cláusulas contratuais propriamente ditas. No entanto, o facto de ainda não terem sido incluídas em contratos singulares, não implica que não tenham eficácia jurídica, nomeadamente, por já estarem sujeitas a controlo jurisdicional através da ação inibitória (cfr. Contratos I – Conceito, Fontes e Formação, Almedina, 3.ª Edição, pág. 169).

O Supremo Tribunal de Justiça também vem decidindo não retirar utilidade à ação inibitória o facto posterior do não uso pelo predisponente das cláusulas visadas na ação.

- cfr. Acórdãos de 26 de fevereiro de 2015; 13 de novembro de 2014; 21 de fevereiro de 2013; 8 de maio de 2013; 14 de novembro de 2013; 19 de abril de 2012: 14 de abril de 2011; 31 de maio de 2011.

Atento todo o exposto, donde sobressai que, por um lado, as premissas relativas à identificação do objeto da ação e dos factos provados consideradas na sentença não estão conformes e não suportam a conclusão extraída da inutilidade superveniente e, por outro lado, mesmo na hipótese contrária, existe utilidade no prosseguimento da ação inibitória na situação em que as cláusulas foram retiradas ou não são usadas pelo predisponente atenta a função social da ação, o efeito do caso julgado e a prevenção do risco de utilização futura, a decisão de inutilidade superveniente e consequente absolvição da instância deve ser revogada e substituída por outra que conheça do mérito da ação.

- Fica prejudicado o conhecimento da questão, subsidiariamente colocada, da necessidade de reenvio prejudicial -

           


IV. Decisão
Posto o que precede, concede-se a revista, revogando-se a sentença recorrida, devendo o Tribunal de 1ª instância pronunciar-se sobre o pedido formulado na petição inicial pelo Ministério Público.

Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 16 de outubro de 2018

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

João Cabral Tavares

Fátima Gomes