Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
623/10.T3SNT.L1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: INDEMNIZAÇÃO CIVIL
JUROS DE MORA
PRINCÍPIO DA ADESÃO
DUPLA CONFORME
SEGURANÇA SOCIAL
ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 06/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Área Temática:
DIREITO PENAL - DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO / CRIMES FISCAIS CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO PROCESSO CIVIL - RECURSOS.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE JUROS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / MORA DO DEVEDOR.
Doutrina:
- António Santos Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, 2013, p. 15-6.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 7.º, N.º3, 483.º, 497.º, N.º1, 559.º, N.ºS 1 E 2, 805.º, N.º2, AL. B).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGO 634.º, N.º 2, AL. C), 671.º, N.º3, 672.º, N.º1, ALS. A) E C).
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 400.º, N.º 1, AL. F), N.º3, 410.º, N.ºS 2 E 3, 412.º, N.º1, 414.º, N.ºS 2 E 3, E 420.º, N.º 1, AL. B), 432,º, N.º 1, 434.º.
DECRETO-LEI N.º 103/80, DE 09-05: - ARTIGO 5.º, N.º 3.
DECRETO-LEI N.º 199/99, DE 08-06; - ARTIGO 10.º, N.º 2.
DECRETO-LEI N.º 411/91, DE 17.10: - ARTIGO 16.º.
DECRETO-LEI N.º 73/99, DE 16.03: - ARTIGOS 3.º, 4.º.
LEI N.º 3-B/2010: - ARTIGO 165.º.
LEI N.º 41/2013, ARTIGOS 7.º E 8.º.
LEI N.º 55-A/2010, DE 31.12: - ARTIGO 150.º.
PORTARIA N.º 291/03, DE 08.04.
RGIT: - ARTIGO107.º, N.ºS 1 E 2, EM CONJUGAÇÃO COM O DISPOSTO NO ART. 105.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-PROCESSO N.º 168/11.0GBSVV.C1.S1.
-DE 29.09.2010, PROC. N.º 343/05.7TAVFN.P1.S1, DE 07.04.2011, PROC. N.º 4068/07.0TDPRT.G1.S1, DE 22.06.2011, PROC. N.º 444/06.4TASEI.L1.S1, DE 30.11.2011, PROC. N.º 401/06.0GTSTR.E1.S1, DE 15.12.2011, PROC. N.º 53/04.2IDAVR.P1.S1, DE 19.09.2012, PROC. N.º 13/09.7GTPNF.P2.S1, DE 13.02.2013, PROC. N.º 707/10.4PCRGR.L1.S1, DE 14.03.2013, PROC. N.º 610/04.7TAPVZ.P1.S1, DE 12.06.2013, PROC. N.º 123/09.0GCTND.C1.S1, DE 30.10.2013, PROC. N.º 150/06.0TACDR.P1.S1, DE 06.03.2014, PROC. N.º 89/01.5IDLSB.L1.S1, E DE 10.04.2014, PROC. N.º 378/08.8JAFAR.E3.S1.
-PROCESSOS N.ºS 16/13.7TBSCF-A.L1-A.S1 - 7.ª SECÇÃO, DE 30-10-2014, 70/10.3T2AVR.C1.S1 - 7.ª SECÇÃO, DE 26-06-2014, 1084/08.9TBCBR.C1.S1 - 6.ª SECÇÃO, DE 13-05-2014, E 2393/11.5TJLSB.L1.S1 - 7.ª SECÇÃO, DE 10-04-2014.
-DE 28.01.2015, PROC. N.º 4608/04.7TDLSB.L2.S1 - 3.ª SECÇÃO, DE 06.02.2014, PROC. N.º 2020/08.8TAVFX.L1.S1 - 5.ª SECÇÃO, DE 06.12.2012, PROC. N.º 224/02.6TASRT.C1.S1 - 5.ª SECÇÃO, E DE 21.06.2012, PROC. N.º 10987/05.1TDLSB.L1.S1 - 5.ª .
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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 1/02, DE 14.03.

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JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, DE 17.05.2013 (PROC. N.º 2020/08.8TAVFX.L1-3) ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, DE 08.02.2012 (PROC. N.º 4/02.9IDMGR.C1)
AMBOS IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I — Como a recorribilidade para o STJ da parte da sentença relativa à matéria criminal está essencialmente dependente da medida concreta da pena aplicada ao arguido (cf. maxime arts. 400.º, n.º 1, al. f), e 432,º, n.º 1, ambos do CPP) e como este critério de recorribilidade não demonstra virtualidade de aplicação, por razões óbvias, quanto ao segmento decisório relativo ao pedido de indemnização civil, a admissibilidade de recurso para este Supremo Tribunal de decisão que incida sobre a matéria cível passou a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime jurídico vertido no CPC, já que se abandonou, nesta sede, a indexação aos critérios de recorribilidade da matéria criminal.
II — No que diz respeito à admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos (ou dos seus segmentos decisórios) que versem matéria cível, procurou-se estabelecer uma igualdade entre a ação civil enxertada em processo penal e aquela que se mostra deduzida, de modo autónomo, em ação de cunho exclusivamente civil, de modo a que a diferente forma de dedução (enxertada ou autónoma) do pedido de indemnização cível não venha a ter qualquer influência nas legítimas expectativas dos sujeitos processuais no que diz respeito às possibilidades de acesso, em sede de recurso, aos tribunais hierarquicamente superiores.
III — O regime de (in)admissibilidade de recurso, em caso de dupla conforme, tem aplicação a todos os processos cíveis instaurados após o dia 01 de Janeiro de 2008, desde que as decisões recorridas tenham sido proferidas após a data da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, ocorrida no dia 01 de Setembro de 2013, conforme decorre, a contrario, da norma transitória vertida no art. 7.º deste diploma legal.
IV — Por força do art. 7.º da Lei 41/2013, é de aplicar o regime dos recursos decorrente do DL n.º 303/2007, de 24.08, às decisões judiciais proferidas a partir da entrada em vigor dessa Lei (ou seja, após o dia 01 de Setembro de 2013, por força do disposto no art. 8.º da Lei 41/2013) quanto aos processos cíveis instaurados antes do dia 01 de Janeiro de 2008, desde logo, a contrario, é de aplicar, de pleno, o regime de (in)admissibilidade dos recursos constante do novo CPC (maxime o seu art. 671.º), aos processos cíveis instaurados e às decisões judiciais proferidas após essas datas
V — “Confirmação” significa coincidência decisória entre o acórdão do Tribunal da Relação e a sentença ou acórdão do tribunal de 1.ª instância, o que abrange, quer a coincidência total dos segmentos decisórios em confronto (o que se obtém mediante a confirmação pela Relação de toda a decisão do tribunal de 1.ª instância), quer a coincidência parcial, desde que a decisão contenha segmentos distintos e autónomos, em que, naturalmente, quanto aos mesmos, ocorra confirmação do decidido.
VI — “Fundamentação essencialmente diferente” significa que não é toda e qualquer divergência, por mais insignificante e por mais irrelevante que seja, entre a decisão do tribunal de 1.ª instância e a decisão do tribunal de recurso, que obsta à formação da denominada dupla conforme. Exigem-se divergências marcantes, importantes ou significativas entre essas decisões judiciais, em termos de qualificação ou de enquadramento jurídico, no tocante a aspectos que não sejam acessórios ou secundários para a discussão ou julgamento da causa.
VII — Mostrando-se confirmada, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão em sede de recurso no respeitante aos fundamentos da responsabilidade civil improcede o recurso interposto na parte relativa aos pressupostos da responsabilidade civil.
VIII — Quanto aos pedidos de indemnização civil realizados pela Segurança Social aplica-se a legislação especial existente para a Segurança Social, quer no que diz respeito ao início da mora, quer no que diz respeito à taxa dos juros de mora.
IX — Quanto à taxa dos juros de mora, entende-se que o tribunal deve atender à legislação especial existente sobre esta matéria, muito em particular não pode deixar de considerar a taxa de juros de mora das dívidas ao Estado e a outras pessoas coletivas públicas, resultante do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03, com as alterações posteriormente introduzidas.
X — De acordo com o art. 559.º, n.ºs 1 e 2, do CC, sob a epígrafe “taxa de juros”, por regra, são devidos os denominados juros legais, os juros civis, atualmente fixados em 4%, por força do disposto na Portaria n.º 291/03, de 08.04. Todavia, admite-se regime diverso, se for estipulada em legislação especial uma taxa de juros diferente. É esta precisamente a situação da Segurança Social, em que, por força da lei (ou seja, por força do disposto no art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03, com as suas sucessivas alterações), se mostram estipulados juros de mora de taxa diferente da resultante da aplicação da Portaria n.º 291/03, de 08.04.
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Relatório

1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, mediante sentença da 2.ª Secção do Juízo de Média Instância Criminal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste (cf. fls. 1281 a 1315, vol. IV), de 09.04.2014, foram condenados:
- a arguida “AA – Construção Civil e Obras Públicas, SA” pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos arts. 3.º, al. a), 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, 107.º, n.º 1, em conjugação com o art. 105.º, n.ºs 2, 4 e 5 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT — aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06) e com o disposto nos  arts. 30.º, n.º 2 e 79.° do Código Penal (CP), e com os arts. 5.º, n.º3, e 6.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09-05, art. 10.º, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 08.06, e art. 59.º, n.º 1, da Lei n.º 4/2007, de 16-01, na pena de 600 dias de multa, à taxa diária de € 8, o que perfaz o montante de € 4 800.
- a arguida BB pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos arts. 3.º, al. a), 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, 107.º, n.º 1, em conjugação com o art. 105.º, n.ºs 2, 4 e 5 do RGIT e com o disposto nos arts. 30.º, n.º2, e 79.° do CP e nos arts. 5.º, n.º 3, e 6.º, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09.05, art. 10.º, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 08.06, e art. 59.º, n.º 1, da Lei n.º 4/2007, de 16.01, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 5,  o que perfaz € 1 500.
- a arguida CC pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos arts. 3.º al. a), 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, 107.º, n.º 1, em conjugação com o art. 105.º, n.ºs 2, 4 e 5, do RGIT, e com o disposto nos arts. 30.º, n.º2, e 79.° do CP e nos arts. 5.º, n.º 3, e 6.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09-05, art. 10.º Decreto-Lei n.º 199/99, de 08-06, e art. 59.º, n.º 1, da Lei n.º  4/2007, de 16-01, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 5, o que perfaz € 1 500.
- o arguido DD pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos arts. 3.º, al. a), 6.º, n.º1, 7.º, n.º 1, 107.º, n.º 1, em conjugação com o art. 105.º, n.ºs 2, 4 e 5 do RGIT, e com o disposto nos arts. 30.º, n.º2, e 79.° do CP e nos arts. 5.º, n.º3, e 6.º do Decreto-Lei n.º  103/80, de 09.05, art. 10.º, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 08.06, e art. 59.º, n.º 1, da Lei n.º 4/2007, de 16.01, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 6, o que perfaz € 1 200 .
Os arguidos/demandados civis “AA – Construção Civil e Obras Públicas, SA”, BB, CC e DD foram ainda condenados a pagar ao demandante “Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP” a quantia global de € 105 310,89 (cento e cinco mil trezentos e dez euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa civil supletiva em vigor, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento.
2. Inconformados com a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, dela interpuseram recurso o demandante civil “Instituto da Segurança Social, IP” (cf. fls. 1321 a 1323, vol. IV) e os arguidos/demandados civis “AA – Construção Civil e Obras Públicas, SA”, BB, CC e DD (cf. fls. 1380 a 1410, vol. IV), vindo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 28.10.2014 (cf. fls. 1454 a 1491, vol. V), a decidir:
- negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos/demandados;
- conceder provimento ao recurso interposto pelo “Instituto da Segurança Social, IP” e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida e condenar os demandados cíveis a pagar ao demandante cível os juros de mora, sobre a quantia € 105 310,89, vencidos e vincendos, à taxa prevista no art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º  73/99, de 16-03, contados a partir do termo do prazo em que cada uma das quantias referentes às quotizações deduzidas deveriam ter sido entregues até integral e efetivo pagamento.
3. Ainda inconformados, os arguidos/demandados civis CC e DD vieram agora interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. fls. 1497 a 1505, vol. V), apresentando as seguintes conclusões:
“1º Foram os arguidos,DD e CC condenados a pagar a título de indemnização à Segurança Social a quantia de €105.310,89 e juros vencidos à taxa prevista na sobredita legislação especial - n.° l do artigo 3 do DL 73/99 de 16 de Março contados a partir do termo do prazo em que cada uma das quantias referentes às quotizações deduzidas deveriam ter sido entregues à Segurança Social, até integral e efetivo pagamentos.
2.° Tal condenação no pedido de indemnização cível impostas ao ora recorrentes são excessivas e devem ser reduzidas
3.° Nos termos do preceituado no artigo 483° do Código Civil "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
4.° Quanto ao primeiro pressuposto, o facto tem que ser objetivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana que tanto pode ser por acção ou omissão, violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios;
5.° No caso em concreto, estamos perante uma omissão de entrega de contribuições à Segurança Social, não obstante de terem sido efetuados os descontos nos salários dos trabalhadores;
6.° Considerando a factualidade provada, ou seja, que CC, arguida, cessou em 9 de Março de 2007, tendo tal facto sido registado em 21 de Fevereiro de 2008, e que para os devidos e legais efeitos a partir da data de registo a arguida, não seria responsável pelas entregas das contribuições à Segurança Social;
7.° Considerando igualmente provado que, o Arguido DD assume funções como vogal a partir de Março de 2008, só a partir de tal data é que este se torna responsável pelas entregas das contribuições à Segurança Social;
8.° Termos em que não se pode considerar preenchido o pressuposto do facto ilícito no que tange ao período de 21 de Fevereiro de 2008 em diante para a arguida CC e no período compreendido entre Maio de 2006 a Março de 2008 para o arguido DD;
9.° Nos períodos supra mencionados, não tinham os arguidos qualquer poder que lhes permitisse omitir a entrega das contribuições à Segurança Social, visto que não pertenciam ao Conselho de Administração, não lhes podendo ser assacada qualquer responsabilidade
10.° O mesmo se dirá quanto aos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual;
11.° A Arguida CC não provocou qualquer dano à Segurança Social no período posterior a 21 de Fevereiro de 2008, nem o Arguido DD no período compreendido entre 2006 a 21 de Fevereiro de 2008;
12.° A exigência do nexo de causalidade facto/dano teria igualmente que marcar presença, como geradora de prejuízos, nisto se traduzindo a responsabilidade pré-contratual, o que também não ocorreu nos períodos supra mencionados;
13.° Destarte não poderá falar-se de culpa pelos motivos expostos e nos respetivos períodos ;
14.° Pelo que, consequentemente deverá a condenação dos ora recorrentes no pedido de indemnização Civil ser reformado e substancialmente reduzida por falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual nos períodos supra mencionados
15.° O douto acórdão deverá ser revogado na parte que condena os ora recorrentes a título de indemnização, ou seja, nos €105.310,89 e nos juros de mora vencidos e vincendos.”
4. O Tribunal da Relação de Lisboa, mediante despacho de fls. 1507, admitiu o recurso interposto, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
5. A Senhora Procuradora-Geral-Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se no sentido de que a decisão recorrida “não merece censura” e que “deve ser negado provimento ao recurso interposto” pelos demandados CC e DD (cf. fls. 1511 e ss, vol. V).
6. O demandante civil “Instituto da Segurança Social, IP” não respondeu, dentro do prazo legal, ao recurso interposto por estes demandados.
7. O Senhor Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal, sustentou que carece de legitimidade para emitir parecer, por o recurso estar circunscrito ao pedido cível e por o MP não representar qualquer das partes (cf. fls. 1521, vol. VI).
8. Colhidos os vistos em simultâneo e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.

 II
Fundamentação

A. Matéria de facto
Foi a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelas instâncias:
“1. A sociedade arguida AA – Construção Civil e Obras Públicas, SA [AA, SA], é uma sociedade anónima, registada na Conservatória do Registo Comercial de Sintra, com o NIPC ..., com sede na Rua ....
2. A sociedade arguida iniciou actividade em 03/07/1948, possui como objecto “a industria de construção civil, empreiteiros de obras públicas e particulares, comércio de materiais de construção civil, compra e venda de imóveis”, com o CAE Principal 42990-R3, é titular do NISS ..., decorrente da sua inscrição no CRSS, como contribuinte, encontrando-se inscrita no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem (000), no regime dos membros dos órgãos estatutários (669), bem como no regime 602 (Jovens º1 emprego ou desempregados de longa duração/ou Trabalho Parcial), e no regime 633 (Beneficiários Pensionista).
3. Sendo uma sociedade anónima a sociedade arguida é composta por um conselho de administração o qual no período de Maio de 2006 a Junho de 2009, era constituído por um Presidente, EE [falecido em 21.05.2009] e por dois vogais, a arguida BB e pelo menos até 27.11.2006, a arguida CC, sendo que por deliberação de 09/03/07, registada em 21.02.2008, passou a ser vogal o arguido DD.
4. A forma de obrigar a sociedade no período de 2006 a Junho de 2009 era, além do mais, com a assinatura de dois administradores.
5. As decisões da gestão da sociedade cabiam no período de Maio de 2006 a Junho de 2009 às pessoas supra indicadas, pertencentes ao conselho de administração, incumbindo às mesmas a gestão diária da sociedade e a responsabilidade de diligenciarem pela liquidação das suas obrigações legais e contratuais, ainda que existisse preponderância na tomada de decisões, da opinião do administrador EE, falecido em 21.05.2009.
6. No período de Maio 2006 a Junho de 2009 a sociedade-arguida teve ao seu serviço, entre 25 a 50 trabalhadores tendo procedido ao desconto nos salários dos seus trabalhadores (ex: FF, GG, HH, II), e dos membros de órgãos estatutário, das contribuições legalmente devidas por aqueles à Segurança Social, no valor de 11%, no caso do regime 000, e de 10% no caso do regime 669, conforme discriminado no mapa que infra se expõe:

Mês de ReferênciaTotal de RemuneraçõesTaxasMontante DeclaradoMontante PagoSaldo em divida



Contribuições Ent.PatronalCotizações TrabalhadorTotalCotizações TrabalhadorTotalTotal da conta correnteCotizações Trabalhador
52.8S7.42OOO12,556,015.815,4218.371.430,000,0018,371,435.815,42
Mai-063.000,00669637,50300,00937,500,000,00937,50300,00
0,006020,000.00 0,000,000,000,00
1.500,00633229,50117,00346,500,000,00346,50117,00
49,033,5500011.645,475.393,6917.039,160,000,0017.039.165.393,69
Jun-063,000,00669637,50300,00937,500,000,00937,50300,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.500,00633229,50117,00346,500.000,00346,50117,00
43,645,7000010,365,854.801,0315.166,880,000,0015.166,884.801,03
Jul-063,000,00669637,50300,00937,500.000,00937,50300,00
0,006020,000,00 0.000,000,000,00
1.500,00633229,50117,00346,500.000,00346,50117,00
35.499,310008.431,093.904,9212.336,010,000,0012.336,013.904,92
Ago-063.00O.OO669637,50300,00937,500,000,00937,50300,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.500,00633229,50117,00346,500,000,00346,50117,00
39,558,790009.395,214.351,4713.746,680,000,0013.746,684.351,47
Set-063,000,00669637,50300,00937,500,000,00937,50300,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.500,00633229.50117,00346,500,000,00346,50117,00

36.414,760008.648,514.005,6212.654,130,000,0012.654,134.005,62
Nov-062.500,00669531,25250,00781,250,000,00781,25250,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
34.457,550008.183,673.790,3311.974,000,000,0011,974,003.790,33
Dez-062.500,00669531,25250,00781,250,000,00781,25250,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
32,325,760007.677,373.555,8311.233,200,000,0011.233,203.555,83
Jan-071,000,00 0,00669 602212,50 0,00100,00 0,00312,500,00 0,000,00 0,00312,50 0,00100,00 0,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
29,486,100007.002,953.243,4710.246,420,000.0010.246,423.243,47
Fev-071.000,00669212,50100,00312,500,000,00312,50100,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1,000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
32.041,210007.609,793.524,5311.134,320,000,0011.134,323.524,53
Mar-071.000,00669212,50100,00312,500,000,00312,50100,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
31.090,330007.383.953,419,9410,803,890,000,0010,803,893.419,94
Abr-072.000,00669425,00200,00625,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1,000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
24.968,090005.929,922.746,498.676,410,000,008.676,412,746,49
Mai-072.000,00 0,00669 602425,00 0,00200,00 0,00625,000,00 0,000,00 0,00625,00 0,00200,00 0,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
25.815,830006.131,262.839,748.971,000,000,008.971,002.839.74
Jun-072,000,00669425,00200,00625,000,000,00625,00200.00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078.00
25.832,980006.135,332.841.638.976,960,000,008.976,962.841,63
Jul-072.000,00669425,00200.00625,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
25.996,120006.174,082.859.579,033,650,000,009.033,652.859,57
Ago-072.000,00569425,00200,00635,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
28.588,890006.789,563.144,789.934,640,000,009.934,643.144,78
Set-072.000,00669425,00200,00625,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
25.591,830006.078,062,815,108,893,160,000,008,893,162.815,10
Out-072.000,00669425,00200,00825,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078.00231.000,000.00231.0078.00

22.847.S70005.426,302,513,237.939,530,000,007.939,532.513,23
Jan-082.000,00669425,00200,00625,000.000,00625,00200.00
0,006020,000,00 0,000,000,000.00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078.00
24.711,280005.868,932.718,248.587,170,000,008.587,172.718,24
Fev-082.000,00669425,00200,00625,000,000,00625,00200.00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
22.435,710005.328,482.457,937.796,410,000,007.796,412.467,93
Mar-082.000,00 0,00669 602425,00 0,00200,00 0,00625,000,00 0,000,00 0,00625,00 0,00200,00 0,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
23.049,210005.474,192.535,418.009,600,000,008.009,602.535,41
Abr-082.000,00669425.00200,00625,000,000,00625,00200,00
0,006020.000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231.0078,00
22.960,520005.453.122.525,667.978.780,000,007,978,782.525,66
Mai-082.000,00669425,00200,00625.000,000,00625,00200,00
0,006020.000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153.0078,00231,000,000,00231,0078,00
23.875,800005.670,502,626,348.296,840,000,008.296,842.626,34
Jun-081.370,85669291,31137,08428,390,000,00428,39137,08
0.006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
22.551,220005.355,922.480,637.836,550,000,007.836,552.480,63
Jul-081.000.00669212,50100,00312,500,000,00312,50100,00
0.006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000.00633153,0078,00231,000,000,00231.0078,00
23.220,000005.514,752.554,208.068,950,000,008.068,952.554,20
Ago-O81.369,22669290,96136,92427,880,000,00427,88136,92
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
22.369,370005.312,842.460,697.773,530,000,007.773,532.460,69
Set-082.000,00669425,00200,00625,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0076,00231,000,000,00231,0078,00
22.008,350005.226,982.420,927.647,900,000,007.647,902.420,92
Oul-082.000,00669425,00200,00625,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
19.895,940004.725,292.188,556.913,840,000,006.913,842.188,55
Nov-082.000,00669425,00200,00625,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
13.344,120003.169,231.467,854.637,080,000,004.637,081,467,85
Dez-082.000,00669425,00200,00625,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153.0078,00231,000,000,00231,0078,00
20.303,770004.822,152.233,417.055,560,000.007.055,562.233,41
Jan-092.000,00 0,00669 602425,00 0,00200,00 0,00625,000,00 0,000,00 0,00625,00 0,00200,00 0,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
22.107,680005.250,572.431,857.682,420,000,007.682,422.431,85
Fev-092.000,00 0,00669 602425,00 0,00200,00 0,00625,000,00 0,000,00 0,00625,00 0,00200,00 0,00
0,006330,000,000,000.000,000,000.00
20.350,590004.833,272.238,567.071,830,000,007.071,832.238,56
Mar-092.000,00 0,00669 602425,00 0,00200,00 0,00625,000,00 0,000,00 0.00625,00 0,00200,00 0,00
0,006330,000,000,000,000,000,000,00
20.722,010004.921,482.279,427.200,900,000,007.200,902.279,42
Abr-092.000,00669425,00200,00625,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,00 0,000,000,000,00
1.000,00633153,0078,00231,000,000,00231,0078,00
20.170,940004.790,602.218,807.009,400,000,007.009,402.218,80
MaÍ-092.000,00669425,00200,00625,000,000,00625,00200,00
0,006020,000,000,000,000,000,000,00
Jun-09



TOTAL
20.093,84 2.000,00
0,00
0,00
1.064.472,70
000 669 602 6334.772,29 425,00
0,00
0,00

248.213,01
2.210,32
200,00
0,00
0,00
115.312,60
6.992,61 625,00
0,00
0,00
363.525,61
0,00 0,00 0,00 0,00
0,00
0,00 0,00 0,00 0,00
0,00
6.932,61
625,00
0,00
0,00
363.525,61
2.210,32
200,00
0,00
0,00
115.312,6
0



7. Dos vencimentos processados aos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários a sociedade reteve um total de €115.186,84, quantia esta não entregue pelos arguidos à Segurança Social e integrada no património da sociedade, que a utilizou como se fosse sua.
8. Os arguidos, apesar de terem sido efectuados os descontos das contribuições nos salários dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, por si e no interesse da sociedade, decidiram não proceder à entrega das cotizações à Segurança Social, nem até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem nos 90 dias imediatos após o decurso daquelas datas, sabendo que com isso lesavam patrimonialmente a Segurança Social,
9. Mais, os arguidos não regularizaram a situação supra descrita na globalidade dos valores indevidamente retidos nem sequer após terem sido notificados nos termos do artigo 105.º, nº 4 do RGIT, tendo entre 08/03/11 e 23/03/11 sido todos os arguidos notificados para procederem ao pagamento da quantia de €113.441,09, montante em dívida após alguns pagamentos efectuados por conta do montante global em dívida.
10. Até à data da audiência de julgamento permanecem por pagar € 105.310,89 a título de retenções realizadas e não entregues à segurança social.
11. Os arguidos não obstante estarem a diligenciar pelo pagamento dos montantes de que se apropriaram aquando da retenção das cotizações descritas em 6) que sabiam não lhes pertencerem, quiseram e fizeram suas as mesmas, utilizando-as para a satisfação dos seus interesses [ainda que indirectos] e dos interesses da sociedade, sabendo que afectavam as verbas retidas a titulo de cotizações para a segurança social a outros fins que não os legalmente estipulados.
12. Os arguidos actuaram com consciência de que lhes competia procf.nciar, em seu nome, e representação da sociedade-arguida, pelo cumprimento da mencionada obrigação legal, de entrega das cotizações efectuadas nos vencimentos do trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, contudo quiseram, e lograram conseguir, um beneficio económico para si [ainda que indirectamente], e para a sociedade à custa do prejuízo patrimonial da Segurança Social, e dos beneficiários da mesma.
13. Sabiam que ao actuarem da forma descrita colocavam em crise o regular funcionamento do sistema de Segurança Social e os interesses por esta servidos, o que quiseram e conseguiram, de forma ininterrupta e idêntica de todas as vezes que entre Maio de 2006 e Junho de 2009 fizeram integrar na esfera patrimonial da sociedade as cotizações descontadas dos vencimentos, aproveitando-se da ausência de acções de fiscalização durante todo o período em apreço para reiteraram as condutas de apropriação das cotizações.
14. Os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei criminal.
15. As arguidas BB e CC eram, além do que supra se apurou, tesoureiras da sociedade.
16. O arguido DD era, para além do que supra se apurou, responsável pela distribuição da matéria prima produzida pela arguida.
17. À data dos factos, a sociedade arguida atravessava dificuldades económicas em virtude da crise económico-financeira que atingiu o sector da construção civil, tendo sido dada primazia ao pagamento dos salários dos trabalhadores em detrimento dos pagamentos à Segurança Social.
18. A arguida BB encontra-se desempregada e não recebe qualquer subsídio.
19. Vive com o marido que se encontra reformado e tem uma pensão de cerca de € 1170 e uma filha de 26 anos, em cuja casa habita.
20. Comparticipa em cerca de € 225 por mês nas despesas de lar da mãe.
21. Tem o 9.º ano de escolaridade.
22. A arguida CC encontra-se desempregada e recebe cerca de € 178 a título de RSI.
23. Vive sozinha numa casa que pertence à filha.
24. Gasta cerca de € 80 por mês com medicamentos.
25. Tem o 9.º ano de escolaridade.
26. O arguido António Rodrigues trabalha na sociedade arguida e aufere cerca de € 780 por mês.
27. Vive com um filho de 4 anos em casa própria, pagando cerca de € 63 por mês no ATL do filho.
28. Tem o 9.º ano de escolaridade.
29. A sociedade arguida continua em laboração, tendo cerca de 15 trabalhadores.
30. A sua situação financeira é deficitária sendo certo que é proprietária de cerca de 5 terrenos para construção e de material de construção variado.
31.Em branco no original.
32. Em branco no original.
33. A arguida AA, SA não tem antecedentes criminais.
34. A arguida BB foi condenada por decisão transitada em julgado em 18.04.2012, pela prática em Maio de 2002, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, numa pena de 220 dias de multa à razão diária de € 10, substituída por 220 dias de trabalho.
35. A arguida CC foi condenada por decisão transitada em julgado em 18.04.2012, pela prática em Junho de 2002, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, numa pena de 220 dias de multa à razão diária de € 8, substituída por 220 dias de trabalho.
36. O arguido DD não tem antecedentes criminais.”

B. Matéria de direito
1. De harmonia com o disposto no art. 412.º, n.º 1, do CPP, é a partir da motivação do recurso interposto e das suas conclusões que se delimita o objeto do recurso.
Os demandados civis CC e DD vieram interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito à matéria civil da causa, alegando, grosso modo, que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, que fundou a sua condenação (em conjunto com os co-demandados AA – Construção Civil e Obras Públicas, SA” e BB) no pagamento, ao demandante civil “Instituto da Segurança Social, IP”, da quantia global de € 105 310,89.
Com particular relevo, alegaram que a demandada CC cessou funções na sociedade arguida em 09-03-2007 e que este facto foi registado em 21.02.2008, pelo que, a partir dessa data, não podia ser responsável pelas entregas das contribuições devidas à Segurança Social, o mesmo sucedendo com o demandado DD relativamente ao período de tempo anterior a Março de 2008, data em que iniciou funções na sociedade arguida.
Deste modo, entendem que quanto a eles não está preenchido o pressuposto do facto ilícito, nem tão pouco os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, relativamente aos períodos temporais acima delimitados.
2. Como questão prévia, importa averiguar, oficiosamente, se o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no dia 28.10.2014, admite (ou não) recurso para este Supremo Tribunal da Justiça, na parte respeitante aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Com a entrada em vigor do DL n.º 48/2007, de 29.08, muito em particular com a introdução do n.º 3 ao art. 400.º do CPP, procedeu-se a uma profunda alteração do regime de admissibilidade dos recursos para o STJ das decisões proferidas sobre os pedidos de indemnização cível enxertados em processo penal.
Por força desta alteração legislativa, a recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria civil deixou de estar dependente da admissibilidade de recurso da parte criminal do acórdão recorrido, como até essa data sucedia, até por força do entendimento sufragado pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/02, de 14.03 (neste aresto, recorde-se, este Supremo Tribunal uniformizou a jurisprudência no sentido de que: “no regime do Código de Processo Penal vigente - n.º 2 do artigo 400.º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto - não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal.”).
Com as alterações introduzidas pelo citado diploma, a recorribilidade da decisão sobre matéria civil desprendeu-se do recurso em matéria penal ou, dito por outras palavras, a admissibilidade de recurso para o STJ, restrito à matéria civil, passou a ser avaliada de acordo com os critérios próprios de recorribilidade adotados pelo CPC.
Ao estabelecer no n.º 3 do art. 400.º do CPP que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, o legislador fez apelo, até por força do estatuído pelo art. 4.º do CPP, para o regime de admissibilidade dos recursos, interpostos para este Supremo Tribunal dos acórdãos proferidos em recurso pelo Tribunal da Relação, que se mostrava previsto para os processos de natureza exclusivamente civil, maxime pelos arts. 721.º e ss. do CPC, então em vigor.
Como a recorribilidade da matéria civil deixou de estar dependente da própria recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria criminal, como até aí sucedia, o acesso em sede de recurso a este Supremo Tribunal passou a dever obediência ao regime jurídico do recurso de revista previsto no CPC, na medida em que o legislador processual penal, ao introduzir o n.º 3 ao citado art. 400.º, não definiu normas próprias de admissibilidade de recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, o que deve levar o julgador, perante isto, a socorrer-se dos pertinentes normativos do processo civil, assim se estabelecendo um mesmo regime de admissibilidade do recurso referente a pedidos de indemnização civil, quer sejam processados por apenso ao processo penal, quer o sejam em separado.
Explicando melhor:
Como a recorribilidade para o STJ da parte da sentença relativa à matéria criminal está essencialmente dependente da medida concreta da pena aplicada ao arguido (cf. maxime arts. 400.º, n.º 1, al. f), e 432,º, n.º 1, ambos do CPP) e como este critério de recorribilidade não demonstra virtualidade de aplicação, por razões óbvias, quanto ao segmento decisório relativo ao pedido de indemnização civil, a admissibilidade de recurso para este Supremo Tribunal de decisão que incida sobre a matéria cível passou a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime jurídico vertido no CPC, já que se abandonou, nesta sede, a indexação aos critérios de recorribilidade da matéria criminal.

Assim, no que diz respeito à admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos (ou dos seus segmentos decisórios) que versem matéria cível, procurou-se estabelecer uma igualdade entre a ação civil enxertada em processo penal e aquela que se mostra deduzida, de modo autónomo, em ação de cunho exclusivamente civil, de modo a que a diferente forma de dedução (enxertada ou autónoma) do pedido de indemnização cível não venha a ter qualquer influência nas legítimas expectativas dos sujeitos processuais no que diz respeito às possibilidades de acesso, em sede de recurso, aos tribunais hierarquicamente superiores. Aliás, em conformidade com a  exposição de motivos da proposta de lei n.º 109/X (que deu origem à versão atual do art. 400.º, n.º 3 do CPP), onde se afirmou: “Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal”, querendo assim afirmar a igualdade quanto ao que sucederia em processo civil.

Acresce que, e seguindo os argumentos deste Tribunal em acórdão proferido no âmbito do processo n.º 168/11.0GBSVV.C1.S1 (relator: Juiz Conselheiro Manuel Braz), “[n]ão existe, efectivamente, razão para que em relação a duas acções civis idênticas haja diferentes graus de recurso apenas em função da natureza civil ou penal do processo usado, quando é certo que neste último caso a acção civil conserva a sua autonomia. Pode mesmo dizer-se que outro entendimento que não o aqui defendido conduziria ao inquinamento da decisão a tomar pelo lesado nos casos em que a lei lhe permite deduzir em separado, perante os tribunais civis, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime. Pense-se, por exemplo, no caso de danos ocasionados pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência da previsão do art.º 148º, n.º 3, do CP, em que o pedido de indemnização tanto pode ser formulado em processo civil como no processo penal, nos termos do art.º 72.º, n.º 1, alínea c), do CPP. A opção pelo processo civil estaria clara e injustificadamente condicionada, se a norma limitativa do n.º 3 do art.º 671.º [leia-se 721.º na versão anterior do CPC] do CPC não se aplicasse ao pedido deduzido no processo penal.”
E assim, a jurisprudência do STJ, de forma largamente maioritária, tem entendido que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no CPC tem aplicação subsidiária aos pedidos de indemnização cível formulados em processo penal (cf., neste sentido, entre muitos outros, Acs. do STJ de 29.09.2010, Proc. n.º 343/05.7TAVFN.P1.S1, de 07.04.2011, Proc. n.º 4068/07.0TDPRT.G1.S1, de 22.06.2011, Proc. n.º 444/06.4TASEI.L1.S1, de 30.11.2011, Proc. n.º 401/06.0GTSTR.E1.S1, de 15.12.2011, Proc. n.º 53/04.2IDAVR.P1.S1, de 19.09.2012, Proc. n.º 13/09.7GTPNF.P2.S1, de 13.02.2013, Proc. n.º 707/10.4PCRGR.L1.S1, de 14.03.2013, Proc. n.º 610/04.7TAPVZ.P1.S1, de 12.06.2013, Proc. n.º 123/09.0GCTND.C1.S1, de 30.10.2013, Proc. n.º 150/06.0TACDR.P1.S1, de 06.03.2014, Proc. n.º 89/01.5IDLSB.L1.S1, e de 10.04.2014, Proc. n.º 378/08.8JAFAR.E3.S1).
Nestes autos, o pedido de indemnização civil foi formulado pelo demandante civil “Instituto da Segurança Social, IP” a 22.02.2012 (cf. fls. 570 a 578, vol. II), a sentença do tribunal de 1.ª instância (2.ª Secção do Juízo de Média Instância Criminal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste) foi lida e depositada a 09.04.2014 (cf. fls. 1281 a 1315, vol. IV), e o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido a 28.10.2014 (cf. fls. 1454 a 1491, vol. V).
Deste modo, constata-se que a decisão condenatória, do tribunal de 1.ª instância, e o acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, foram proferidos no âmbito do período de vigência do novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06, que entrou em vigor no dia 01 de Setembro do mesmo ano.
E a este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender, de forma absolutamente pacífica, que a recorribilidade de uma decisão ou, de outro modo, que a admissibilidade do recurso deve ser regulada pela lei processual que estiver em vigor à data em que a decisão recorrida é proferida.
Sob a epígrafe “Decisões que comportam revista”, estabelece o art. 671.º, n.º 3, do novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, que: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que, confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.
Este regime de (in)admissibilidade de recurso, em caso de dupla conforme, tem aplicação a todos os processos cíveis instaurados após o dia 01 de Janeiro de 2008, desde que as decisões recorridas tenham sido proferidas após a data da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, ocorrida no dia 01 de Setembro de 2013, conforme decorre, a contrario, da norma transitória vertida no art. 7.º deste diploma legal.
Se, por força do art. 7.º da Lei 41/2013, é de aplicar o regime dos recursos decorrente do DL n.º 303/2007, de 24.08, às decisões judiciais proferidas a partir da entrada em vigor dessa Lei (ou seja, após o dia 01 de Setembro de 2013, por força do disposto no art. 8.º da Lei 41/2013) quanto aos processos cíveis instaurados antes do dia 01 de Janeiro de 2008, desde logo, a contrario, é de aplicar, de pleno, o regime de (in)admissibilidade dos recursos constante do novo CPC (maxime o seu art. 671.º), aos processos cíveis instaurados e às decisões judiciais proferidas após essas datas (neste sentido, cf. António Santos Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, 2013, p. 15-6).
Assinala este Juiz Conselheiro, na obra citada, que, no que toca a decisões judiciais proferidas a partir do dia 01 de Setembro de 2013, data da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, como se viu, “(…) tratando-se de decisões proferidas no âmbito de processos instaurados já a partir de 1 de Janeiro de 2008, seguem integralmente o regime agora previsto no NCPC, nos termos do art. 5.º n.º 1 da lei Preambular.”.
Isto significa que, quanto aos recursos de decisões proferidas a partir do dia 01 de Setembro de 2013, em processos cíveis instauradas após 01 de Janeiro 2008, aplica-se o regime da dupla conforme vertido no art. 671.º, n.º 3, do novo CPC.
Concluindo, o acórdão do Tribunal da Relação só admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos de revista excecional previstos pelo art. 672.º do CPC, quando, em casos de dupla conforme, não exista unanimidade por parte dos Senhores Juízes Desembargadores e a decisão recorrida apresente uma fundamentação essencialmente divergente da sufragada pela decisão (sentença ou acórdão) do tribunal de 1.ª instância.
“Confirmação” significa coincidência decisória entre o acórdão do Tribunal da Relação e a sentença ou acórdão do tribunal de 1.ª instância, o que abrange, quer a coincidência total dos segmentos decisórios em confronto (o que se obtém mediante a confirmação pela Relação de toda a decisão do tribunal de 1.ª instância), quer a coincidência parcial, desde que a decisão contenha segmentos distintos e autónomos, em que, naturalmente, quanto aos mesmos, ocorra confirmação do decidido (a este respeito, cf., a jurisprudência das Secções Cíveis do STJ, vertida nas revistas n.ºs 16/13.7TBSCF-A.L1-A.S1 - 7.ª Secção, de 30-10-2014, 70/10.3T2AVR.C1.S1 - 7.ª Secção, de 26-06-2014, 1084/08.9TBCBR.C1.S1 - 6.ª Secção, de 13-05-2014, e 2393/11.5TJLSB.L1.S1 - 7.ª Secção, de 10-04-2014).
A este propósito, importa aqui deixar as palavras que, em jeito mais expressivo, foram vertidas na revista n.º 2393/11.5TJLSB.L1.S1: “(…) nos casos em que a parte dispositiva da decisão contenha segmentos decisórios distintos e autónomos, (podendo as partes, por conseguinte, restringir o recurso a cada um deles), o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles (…)”.
Por seu turno, “fundamentação essencialmente diferente” significa que não é toda e qualquer divergência, por mais insignificante e por mais irrelevante que seja, entre a decisão do tribunal de 1.ª instância e a decisão do tribunal de recurso, que obsta à formação da denominada dupla conforme. Exigem-se divergências marcantes, importantes ou significativas entre essas decisões judiciais, em termos de qualificação ou de enquadramento jurídico, no tocante a aspectos que não sejam acessórios ou secundários para a discussão ou julgamento da causa.
            A simples diferença na fundamentação não obsta à inadmissibilidade de recurso para o STJ. A lei impõe uma diferença qualificada, nas suas palavras, uma “fundamentação essencialmente diferente”, o n.º 3 do art. 671.º do CPC exige que a fundamentação de direito apresentada pela sentença da 1.ª instância seja drástica ou profundamente divergente face àquela que sustenta o acórdão do tribunal de recurso.
No caso vertente, mostra-se confirmada, em sede de recurso, a sentença do tribunal de 1.ª instância quanto à condenação dos demandados no pagamento ao demandante da quantia de € 105 310,89, confirmação em que ocorre unanimidade dos Senhores Juízes Desembargadores que apreciaram os recursos interpostos, sendo absolutamente idêntica, nesta parte, a fundamentação utilizada pelas instâncias.
À semelhança da sentença de 1.ª instância, sem discrepâncias algumas, também o Tribunal da Relação de Lisboa apelou para “(…) a responsabilidade civil dos arguidos pelo incumprimento das contribuições devidas à Segurança Social (…)”, para “(…) os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (…)” e também para a “(…) verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar (…)”.
Na realidade, o acórdão recorrido nada acrescentou à sentença do tribunal de 1.ª instância quanto à fundamentação da condenação no pagamento da quantia pecuniária em causa: ambas as decisões invocaram para a procedência, nesta parte, da ação cível enxertada, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (art. 483.º do CC), a decisão do tribunal de recurso subscreveu os considerandos a este respeito tecidos pelo tribunal a quo, ao mesmo tempo que rebateu toda a argumentação utilizada pelos demandados e terminou com a condenação no pagamento de € 105 310,89, tal como previamente fizera a decisão impugnada.
Deste modo, não subsistem dúvidas que o acórdão recorrido do Tribunal da Relação do Lisboa não admite recurso para o STJ, na parte em que, com fundamento no preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, determinou a condenação dos demandados no pagamento da quantia global de € 105 310,89, tanto mais que não foi alegada pelos recorrentes, nem se perspetiva, nenhuma causa que justificasse a sua revisão excecional, à luz do disposto nas als. a) a c) do n.º 1 do art. 672.º do CPC.
Acresce que, como decorre das disposições conjugadas dos arts. 414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP, a decisão que admitiu o recurso, proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa (cf. o despacho de fls. 1507, vol. V) não vincula o tribunal ad quem, nem tão pouco impede a sua rejeição por parte do tribunal a quem se mostra dirigido para apreciação e decisão.
Além disto, sempre se dirá que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conhece exclusivamente matéria de direito, sem prejuízo dos vícios a que alude o art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, pelo que a matéria de facto se considera definitivamente fixada pelas instâncias (art. 434.º do CPP).
Assim sendo, mostrando-se confirmada, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão em sede de recurso no respeitante aos fundamentos da responsabilidade civil improcede o recurso interposto na parte relativa aos pressupostos da responsabilidade civil.
3. Os recorrentes CC e DD vieram também pedir a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa na parte referente à condenação no pagamento dos juros de mora, vencidos e vincendos, sobre a referida quantia em de € 105 310,89.
Recorde-se, a este propósito, que o tribunal de 1.ª instância entendeu que os juros de mora peticionados pelo demandante civil “Instituto da Segurança Social, IP” eram somente os devidos desde a data da notificação do pedido civil enxertado nestes autos e que deviam ser calculados de acordo com as regras civis supletivas.
E assim, a 2.ª Secção do Juízo de Média Instância Criminal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste acabou por condenar os demandados civis no pagamento da “(…) quantia global de € 105 310,89 [cento e cinco mil trezentos e dez euros e oitenta e nove cêntimos], acrescida de juros de mora calculados à taxa civil supletiva em vigor, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento (…)”.
Por seu turno, e nesta parte de modo divergente com o anteriormente decidido, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que são devidos ao demandante civil “Instituto da Segurança Social, IP” juros de mora a partir do 15.º dia do mês seguinte àquele a que disserem respeito as contribuições em dívida à Segurança Social, e que devem ser calculados de acordo com as normas especiais existentes a este respeito, a saber, o art. 16.º do Decreto-Lei n.º 411/91, de 17.10 e os arts. 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03.
Como se vê, para além de não existir identidade de fundamentação no tocante à condenação dos demandados civis (nos quais se incluem os ora recorrentes CC e DD) no pagamento de juros de mora ao “Instituto da Segurança Social, IP”, também ressalta a divergência decisória, na medida em que, de modo incontestável, não é equivalente calculá-los desde a data da notificação (judicial) do pedido cível enxertado, ou a partir do 15.º dia do mês seguinte àquele a que disserem respeito as contribuições em dívida à Segurança Social, nem tão pouco aplicar a taxa dos juros supletivos legais ou, ao invés, a taxa especial de juros por dívidas ao Estado ou à Segurança Social.
Esta questão tem merecido profunda divergência na jurisprudência nacional.
Uma corrente jurisprudencial[1] tem sustentado que, como a causa de pedir das ações cíveis enxertadas se prende com os factos integradores do(s) crime (s) objeto do processo penal, nestes casos o que está em causa não é, verdadeiramente, a obrigação legal de pagar os impostos devidos ao Estado ou de suportar as contribuições devidas à Segurança Social, mas a apreciação do pedido civil enxertado de acordo com os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Como o pedido civil formulado se prende com o cometimento de um crime e tem por base os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (isto é, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo da causalidade), não se aprecia o eventual (in)cumprimento das obrigações tributárias, antes se impõe que o tribunal proceda à reparação dos danos ou prejuízos decorrentes da prática do crime, o que acarreta inevitáveis consequências ao nível do regime jurídico aplicável.
Nesta conformidade, essa corrente jurisprudencial entende que estas matérias (com particular relevo, a taxa dos juros de mora aplicável a estas ações civis) devem observar o regime jurídico de direito civil, isto é, que não devem ser aplicadas as normas especiais existentes para as dívidas ao Estado ou à Segurança Social.
Em sentido contrário, outra corrente jurisprudencial tem defendido que aos pedidos de indemnização civil formulados em processo penal, assentes no cometimento de crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, por falta de pagamento das contribuições legalmente devidas por descontos efetuados nos vencimentos dos trabalhadores e/ou dos membros dos órgãos sociais, não pode deixar de ser aplicada a legislação especial existente a este respeito, muito em particular os dispositivos atinentes ao início da mora e à taxa dos juros de mora, ainda que se tenham em consideração os pressupostos da responsabilidade extracontratual.
Sempre que foi chamado a pronunciar-se sobre esta questão controvertida, o Supremo Tribunal de Justiça mostrou adesão a esta corrente jurisprudencial, não deixando de aplicar a estes pedidos de indemnização a legislação especial existente para a Segurança Social, quer no que diz respeito ao início da mora, quer no que diz respeito à taxa dos juros de mora — a este respeito, por todos, cf., Acs. STJ de 28.01.2015, Proc. n.º 4608/04.7TDLSB.L2.S1 - 3.ª Secção (Relator: Cons. Raul Borges), de 06.02.2014, Proc. n.º 2020/08.8TAVFX.L1.S1 - 5.ª Secção (Relator: Cons. Souto de Moura[2]), de 06.12.2012, Proc. n.º 224/02.6TASRT.C1.S1 - 5.ª Secção (Relatora: Cons. Isabel Pais Martins[3]), e de 21.06.2012, Proc. n.º 10987/05.1TDLSB.L1.S1 - 5.ª Secção (Relator: Cons. Rodrigues da Costa[4]).
Adere-se, sem reservas, a este último entendimento jurisprudencial.
Afigura-se que a apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, fundada na prática de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, não pode deixar de ser avaliada, em processo penal, de modo concertado, com a legislação especial existente sobre estas contribuições.
5. Conforme resulta do quadro factual acima traçado, nos presentes autos os arguidos foram condenados por terem deduzido aos vencimentos, dos trabalhadores e dos membros dos órgãos estatutários da sociedade “AA – Construção Civil e Obras Públicas, SA”, as contribuições devidas à Segurança Social, no período compreendido entre o mês de Maio do ano de 2006 e o mês de Junho do ano de 2009, e porque as fizeram suas e as utilizaram para a satisfação dos seus interesses pessoais.
Quanto ao apuramento da data do início da mora, importa ter presente o disposto na al. b) do n.º 2 do art. 805.º do CC, segundo o qual, “há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação (…) se a obrigação provier de facto ilícito.”
Por seu turno, em complemento, estabelece o n.º 3 deste artigo que “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.”.
Isto significa que, nos casos de responsabilidade por facto ilícito (como no caso vertente, em que, recorde-se, está em causa a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social) existe mora, independentemente de interpelação para o cumprimento a realizar pelo credor, quando o crédito foi líquido.
No caso, como se encontravam perfeitamente liquidadas as contribuições devidas à Segurança Social, entre o mês de Maio de 2006 e o mês de Junho de 2009, afigura-se-nos incontestável que os demandados civis se constituíram em mora ainda antes de terem sido judicialmente interpelados, no âmbito deste processo, mediante a notificação efetuada para, querendo, contestarem o pedido civil enxertado.
Para o apuramento do dia exato em que se iniciou esse atraso (ou mora), isto é, em que principiou a ilicitude civil das condutas imputadas aos demandados cíveis, o tribunal não pode deixar de se socorrer dos pertinentes normativos que regulam os prazos de pagamento das contribuições que são devidas à Segurança Social.
Ocorre a ilicitude civil das condutas dos devedores destas prestações e, em simultâneo, inicia-se a mora dos mesmos, nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 805.º do CC, quando se mostra esgotado o prazo legal para o seu pagamento voluntário. É a partir desse momento que se torna possível avaliar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, maxime, se o facto é ilícito, se os agentes atuaram com culpa e ainda se as suas condutas causaram prejuízos ou danos.
Enquanto vigorar esse prazo legal já se vê que se mostra destituído de todo o sentido falar em responsabilidade criminal ou em responsabilidade civil.
À data da prática dos factos em referência nestes autos, como bem se deixa assinalado no acórdão recorrido, vigorava o art. 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09-05, em conjugação com o disposto no art. 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 08-06[5], nos termos dos quais os devedores se constituem em mora a partir do 15.º dia do mês seguinte àquele a que digam respeito as contribuições devidas à Segurança Social.
Se é de 15 dias, por força do art. 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09-05, em conjugação com o art. 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/99, o prazo para os demandados procederem ao pagamento das contribuições que foram descontadas no mês anterior aos vencimentos dos trabalhadores e dos membros dos órgãos estatutários da sociedade arguida, com facilidade se deduz que os demandados se constituíram em mora, nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 805.º do CC, no dia imediatamente seguinte ao termo desse prazo, independentemente de interpelação pela Segurança Social.
Dito por outras palavras:
A ilicitude civil da conduta imputada aos recorrentes, enquanto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, ocorre com o termo do prazo legal para o pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, de acordo com os dispositivos legais acima citados, data em que também principiou a mora destes devedores, por se tratar de obrigação proveniente de facto ilícito.
Acresce que para efeitos criminais também se mostra determinante apurar o termo do prazo legal para se proceder à entrega das contribuições devidas à Segurança Social (importa aqui salientar que, nos termos do disposto no art. 107.º, n.ºs 1 e 2, em conjugação com o disposto no art. 105.º, n.º 4, ambos do RGIT, os factos típicos só são criminalmente puníveis logo que se mostrem decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega dessas prestações).
Foram, pois, os arts. 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 103/80 e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º  199/99, ao fixarem o prazo legal de entrega das prestações devidas à Segurança Social, que definiram o início da mora, por ser nesse preciso momento que a falta de pagamento dessas contribuições passou a ser considerada ilícita e desconforme com o direito.
Deste modo, concordamos com a decisão recorrida proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, ao invés da tese sustentada pelo tribunal de 1.ª instância, considerou que são devidos juros de mora ao demandante cível “Instituto da Segurança Social, IP”, desde a data do termo do aludido prazo legal.
6. Quanto à taxa dos juros de mora, entende-se que o tribunal deve atender à legislação especial existente sobre esta matéria, muito em particular não pode deixar de considerar a taxa de juros de mora das dívidas ao Estado e a outras pessoas coletivas públicas, resultante do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03, com as alterações posteriormente introduzidas.
De acordo com os pressupostos da responsabilidade extracontratual, nestes casos, o dano ou prejuízo imediatamente decorrente da prática do crime de abuso de confiança, previsto no art. 107.º do RGIT, há de corresponder ao valor pecuniário das contribuições devidas à Segurança Social, resultantes dos descontos efetuados aos vencimentos dos trabalhadores e/ou dos membros dos órgãos sociais da empresa.
Mas com o decurso do tempo, sem a satisfação desse valor pecuniário, o dano decorrente da prática do crime há de também ter correspondência com a subsequente privação do capital, a ressarcir mediante a atribuição de juros de mora.
Na realidade, em termos gerais, a indemnização pelo atraso no pagamento (ou cumprimento) de uma quantia pecuniária não pode deixar de corresponder aos juros a contar desde a data da constituição em mora por parte do correspetivo devedor.
Ora, de acordo com o art. 559.º, n.ºs 1 e 2, do CC, sob a epígrafe “taxa de juros”, por regra, são devidos os denominados juros legais, os juros civis, atualmente fixados em 4%, por força do disposto na Portaria n.º 291/03, de 08.04. Todavia, admite-se regime diverso, se for estipulada em legislação especial uma taxa de juros diferente.
É esta precisamente a situação da Segurança Social, em que, por força da lei (ou seja, por força do disposto no art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º  73/99, de 16.03, com as suas sucessivas alterações), se mostram estipulados juros de mora de taxa diferente da resultante da aplicação da Portaria n.º 291/03, de 08.04.
Aliás, se a lei geral não revoga a lei especial, a não ser se for essa a inequívoca intenção do legislador, como resulta do disposto no art. 7.º, n.º 3, do CC, também aqui não se vislumbram quaisquer fundamentos para dar prevalência à taxa geral de juros, resultante da Portaria n.º 291/03, em detrimento da taxa especial, resultante do art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de que beneficia o Estado e outras pessoas coletivas públicas.
Acresce também afirmar que, in casu, a vontade do legislador é precisamente a de dar prevalência à lei especial no que diz respeito à aplicação da taxa de juros de mora de que beneficia o Estado e a Segurança Social, o que levou à publicação do regime jurídico constante do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03, como forma de combater situações de incumprimento fiscal ou à previdência social.
É caso para dizer que o dano, enquanto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual, corresponde, nestes casos de crime de abuso de confiança, previsto no art. 107.º do RGIT, por inequívoca intenção do legislador, ao valor pecuniário das contribuições devidas à Segurança Social e aos juros de mora especiais, contados em conformidade com o disposto no art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03.
Dito por outras palavras: nestes casos de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, nos termos do art. 107.º do RGIT, o prejuízo que pode ser peticionado na ação cível enxertada corresponde ao valor das contribuições deduzidas, aos vencimentos dos trabalhadores e/ou dos membros dos órgãos sociais que não foram entregues nos cofres da Segurança Social, mas também toda a penalização, a título de juros de mora, pela falta do seu pagamento atempado, resultante da aplicação do inequívoco e irrefutável regime jurídico plasmado no citado Decreto-Lei n.º 73/99.
Porém, o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa não teve em devida atenção que a taxa de juros sofreu alterações, no sentido da sua redução, com a entrada em vigor da Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, e da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12.
O art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, na sua versão original, estabelecia que a “taxa de juros de mora é de 1% se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente.”.
Mas, com a entrada em vigor da Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, essa taxa de juros foi, na prática, reduzida, na medida em que passou a resultar dos avisos a publicar anualmente pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, que têm vindo a fixar taxa mais baixa (o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, por força do art. 165.º da Lei n.º 3-B/2010, passou a ter a seguinte redação: “a taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de Janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, IP (IGCP,IP), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior.”).
Por seu turno, também o art. 150.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, procedeu a alteração do art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03, nos seguintes termos: “a taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de Janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, IP (IGCP,IP), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior, não se contabilizando, no cálculo dos mesmos juros, os dias incluídos no mês de calendário em que se fizer o pagamento.”.
Essas taxas dos juros de mora foram fixadas,
- entre 01.01.2011 a 31.12.2011, em 6,351 % (cf. Aviso n.º 27831-F/2010, de 31.12),
- entre 01.01.2012 a 31.12.2012, em 7,007 % (cf. Aviso n.º 24866-A/2011, de 28.12),
- entre 01.01.2013 a 31.12.2013, em 6,112 % (cf. Aviso n.º 17289/2012, de 28.12),
- entre 01.01.2014 a 31.12.2014, em 5,535 % (cf. Aviso n.º 219/2014, de 07.01), e
-  entre 01.01.2015 a 31.12.2015, em 5,476 % (cf. Aviso n.º 130/2015, de 07.01).
Deste modo, nesta parte, no que diz respeito à taxa dos juros de mora, vencidos e vincendos, merece procedência o recurso interposto pelos recorrentes, os demandados CC e DD.
Por último, estando em causa a prática de factos ilícitos e sendo solidária, nestes casos, a responsabilidade civil dos diversos agentes (art. 497.º, n.º 1, do CC), a procedência parcial deste recurso deverá aproveitar aos demandados não recorrentes (ou seja, aos demandados civis AA – Construção Civil e Obras Públicas, SA” e BB), nos termos do disposto no art. 634.º, n.º 2, al. c), do CPP, aplicável ex vi art. 4.º do CPP.
III
Conclusão
            Nos termos acima expostos, acordam em conferência os Juízes Conselheiros da 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
            a) rejeitar o recurso interposto pelos demandados CC e DD do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 28.10.2014, na parte respeitante aos pressupostos da responsabilidade civil;
            b) julgar parcialmente procedente, por provado, o recurso interposto e, em consequência, condenar os demandados cíveis AA – Construção Civil e Obras Públicas, SA”, BB, CC e DD no pagamento ao demandante cível “Instituto da Segurança Social, IP” dos juros de mora vencidos e vincendos, sobre a quantia de € 105 310,89 [cento e cinco mil trezentos e dez euros e oitenta e nove cêntimos], contados nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03, na sua versão original e nas versões introduzidas pelas Leis n.ºs 3-B/2010, de 28.04, e pela n.º 55-A/2010, de 31.12, em conjugação com os Avisos n.ºs 27831-F/2010, 24866-A/2011, 17289/2012, 219/2014 e 130/2015.
Custas pelos demandados, na proporção de metade das devidas pela interposição do recurso.

Supremo Tribunal de Justiça,  18 de junho de 2015
Os Juízes Conselheiros

(Helena Moniz)

(Nuno Gomes da Silva)

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[1] São disso exemplo, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.05.2013 (proc. n.º 2020/08.8TAVFX.L1-3) em o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.02.2012 (proc. n.º 4/02.9IDMGR.C1) (ambos in www.dgsi.pt).
[2] Entendeu-se, muito em síntese, neste acórdão desta 5.ª Secção Criminal do STJ que “(…) a não entrega dolosa das prestações faz o agente incorrer no cometimento do crime, no mesmo momento em que se produz o dano da Segurança Social, sabido que o montante do dano se analisa, aqui, apenas, na quantia em dívida. E a partir do dia 15 do mês seguinte àquele a que respeita a contribuição não paga o demandado constitui-se em mora, independentemente de interpelação (…) o dano é aqui o que deixou de entrar nos cofres da Segurança Social, agravado pelo tempo decorrido, ao que se procura atender através da condenação em juros, que assim funcionam como uma presunção de dano acrescido, juris et de jure. Ora, se o dano se analisa apenas no somatório das prestações não pagas, sobre o montante da indemnização devem incidir os juros próprios da dívida tributária. Porque existe um regime especial para esse tipo de dívidas, onde intervém uma ponderação específica, do prejuízo da mora, aqui para a Segurança Social (…)”.
[3] Neste processo, sustentou-se, com particular destaque, que “(…) o prazo da contagem dos juros de mora, de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 806.° do CC, e 5.°, n.º 3, do Decreto-Lei n.º  103/80, de 09-05, conjugado com o art. 16.º do Decreto-Lei n.º  411/91, de 17-10, e do n.º 2 do art. 10.° do Decreto-Lei n.º  199/99, de 08-07, deverá reportar-se ao 15.° dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito. A constituição em mora, no que respeita às contribuições devidas à Segurança Social, verifica-se, pois, a partir do 15.° dia do mês seguinte àquele a que disserem respeito (…)”. E que “(…) nos termos do art. 3.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.º  73/99, de 16-03, «a taxa de juros de mora é de 1 % se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção, se o pagamento se fizer posteriormente», não podendo, todavia, nos termos do art. 4.° deste diploma, a liquidação dos juros de mora ultrapassar os últimos 5 anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidem (…)”.
[4] Em idêntico sentido, sustentou-se no Ac. do STJ de 21-06-2012, Proc. n.º 10987/05.1TDLSB.L1.S1: “(…) nos termos do art. 5.º, n.º 3, do DL 103/80, de 09-05 (RJCP), «o pagamento das contribuições deve ser efectuado no mês seguinte àquele a que disserem respeito, dentro dos prazos regulamentares em vigor». E o art. 10.º, n.º 2, do DL 199/99, de 08-06, estabelece que as contribuições devidas à segurança social «devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito». Daqui decorre que a constituição em mora, no que toca às contribuições devidas à segurança social, verifica-se a partir do 15.º dia do mês seguinte àquele a que disserem respeito. Daí serem obrigações de prazo certo. A partir do referido dia vencem-se juros de mora (…” E que “(…) nos termos do art. 3.º, n.º 1, do DL 73/99, de 16-03, «a taxa de juros de mora é de 1% se o pagamento se fizer dentro do mês do calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente» (…)”.
[5] Estes diplomas, com as suas sucessivas alterações, vieram a ser posteriormente revogados pelas als. b) e o) do n.º 1 do art. 1.º da Lei 110/2009, de 16-09