Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1842/19.9T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
PORTARIA DE EXTENSÃO
PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
Data do Acordão: 06/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :
I - Uma portaria de extensão não pode determinar a aplicabilidade duma convenção coletiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante que estejam filiados numa organização sindical diferente.
II - A entender-se doutro modo, ficariam em causa os valores da liberdade sindical do trabalhador, entendida como liberdade de filiação, ou de não filiação, em determinado sindicato.
III - E ficaria também em causa o direito de contratação colectiva do sindicato concorrente, ao ver eventualmente frustrado o seu direito de celebrar uma convenção coletiva própria com o empregador ou com a associação empregadora, caso a contratação coletiva celebrada por outro sindicato se estendesse (através duma portaria de extensão) aos seus filiados, coartando a sua autonomia contratual.
IV - Uma portaria de extensão também não pode determinar a aplicabilidade duma convenção coletiva a empregadores filiados em associação de empregadores diversa daquela que subscreveu tal convenção, sob pena de violação do direito (e liberdade) de contratação coletiva.
V - Acresce que a portaria de extensão só pode ser emitida (e só pode valer) relativamente a relações de trabalho não abrangidas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial (princípio da subsidiariedade).
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 1842/19.9T8FAR.E1.S1
MBM/JG/RP


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.

1.1. Autor: Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve.
1.2. : Lusotel – Indústria Hoteleira, SA.
X X X

2. O autor veio propor ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a ré, pedindo que: a) se declare que aos trabalhadores ao serviço da R., seus associados, se aplica, após 1 de julho de 2018 e no tocante ao pagamento da retribuição por trabalho prestado em dia feriado, o disposto no Contrato Coletivo entre a APHORT (Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo) e a FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal) – Revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 23, 22/6/2018, com Portaria de Extensão publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 144, 27.07.2018; b) se declare que no pagamento da retribuição por trabalho prestado em dia feriado se aplicou entre 01.09.2017 e 01.07.2018 o Contrato Coletivo celebrado entre a AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) e a FESAHT (alojamento), publicado no BTE n.º 27, de 22.07.2017, com a Portaria de Extensão que consta do BTE n.º 40, de 29.10.2017; c) se declare ilícita a aplicação pela R. aos trabalhadores associados do A., após a entrada em vigor dos  Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho (IRCTs) mencionados, da forma de pagamento prevista no art.º 269.º do Código do Trabalho (CT), para pagamento do trabalho prestado em dia feriado, e  se condene a R. no pagamento aos trabalhadores associados do A. do trabalho prestado em dia feriado de acordo com o disposto nas cláusulas dos Contratos Coletivos de Trabalho (CCTs) supra mencionados. 
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                
Para o efeito, alegou, em síntese, que por força das ditas portarias de extensão os referidos CCT são aplicáveis desde 01.09.2017 e 01.07.2018, respetivamente, e que a R. não procede ao pagamento da remuneração dos feriados com acréscimo de 100% sobre a retribuição normal.

3. A R. contestou, alegando, em síntese, que: é associada da AHETA (Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve), pelo que, no respeitante ao pagamento da remuneração do dia feriado, tem atuado conforme o indicado por aquela associação; as portarias de extensão são inaplicáveis a empregadores e trabalhadores filiados em associações de empregadores e associações sindicais outorgantes de outras convenções, sob pena de violação do princípio da liberdade de associação; acordou com os trabalhadores da R. filiados no A. submeter a relação laboral a um contrato coletivo específico.

4. Foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu:

a)       Declarar que, entre 1 de setembro de 2017 e 30 de junho de 2018, ao pagamento pelo trabalho realizado em dia feriado aos trabalhadores da R. sindicalizados no A., por força da Portaria de Extensão que consta do Boletim do Trabalho e emprego, n.º 40, de 29/10/2017, se aplicava o Contrato Coletivo outorgado entre a AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) e a FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal - alojamento), publicado no BTE n.º 27, 22.07.2017. 

b)      Declarar que, a partir de 01.07.2018, ao pagamento pelo trabalho realizado em dia feriado aos trabalhadores da R. sindicalizados no A., por força da Portaria de Extensão n.º 220/2018 de 27 de julho, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 144, de 27.07.2018, se aplica o disposto no Contrato coletivo entre a APHORT (Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo) e a FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal) - Revisão global publicado no BTE n.º 23, de 22.06.2018, condenando a R. a pagar o trabalho em dia feriado, de acordo com o estatuído em tal CCT. 

c) Absolver a R. do demais peticionado. 
 
 5. A R. apelou, tendo o Tribunal da Relação de Évora, julgando o recurso procedente, revogado a sentença recorrida e absolvido aquela do pedido [considerando, essencialmente, que, sendo a empregadora associada da AHETA, que tem uma convenção coletiva outorgada com a FETESE (Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços), não é admissível estender as convenções coletivas outorgadas pela AHRESP com a FESAHT e pela APHORT com a FESAHT à relação laboral existente entre a ré e os seus trabalhadores sindicalizados no autor, através de portarias de extensão].

6. O A. interpôs recurso de revista, defendendo a aplicação das portarias de extensão em causa aos trabalhadores seus associados.

7. A R. contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso.

8. A Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

9. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art.º 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões da alegação de recurso, a única questão a decidir consiste em saber se uma Portaria de Extensão pode determinar a aplicação duma convenção coletiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante, mas que sejam membros dum outro sindicato (e, identicamente, a empregadores filiados em associação de empregadores diversa daquela que subscreveu a convenção coletiva).

E decidindo.

II.

10. Com relevância para a decisão, foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto[1]:

1. O A. é uma “a associação sindical constituída pelos trabalhadores que exercem a sua atividade profissional na indústria de hotelaria, turismo, restaurantes, cafés e similares, embarcações turísticas, parques de campismo públicos e privados, estabelecimentos de turismo no espaço rural, estabelecimento de turismo da natureza, estabelecimentos de animação turística, estabelecimentos termais, estabelecimentos de spa, balneoterapia, talassoterapia e outros semelhantes, casinos, salas de jogo, clubes de futebol, cantinas, refeitórios e fábricas de refeições, de pastelaria e confeitaria, abastecedoras de aeronaves, catering, hospitalização privada, ensino particular e cooperativo, instituições particulares de solidariedade social, lares com e sem fins lucrativos e outros estabelecimentos similares, bem como pelos trabalhadores que exercem profissões caraterísticas daquelas indústrias noutros setores, desde que não sejam filiados no sindicato do respetivo ramo de atividade.” 

2. O A. é filiado na Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal - FESAHT. 
3. (…) 
4. (…) 
5. A ré é uma sociedade anónima cujo objeto social consiste na exploração turística da indústria hoteleira, aquisição e venda de propriedades imobiliárias. 

6. A R. tem a trabalhar os seguintes associados da A. no Hotel ...: 
a) AA 
b) BB
c) CC
d) DD 
e) EE 
f) FF 
g) GG 
h) HH 
i) II 
j) JJ 
k) KK 
l) LL 
m) MM 
n) NN 
o) OO 
p) PP 
q) QQ 
r) RR 
s) SS 
t) TT 
u) UU 
v) VV 
w) WW 
x) XX 
y) YY 
z) ZZ 
aa) AAA 
bb) BBB 
cc) CCC. 

7. A R. encontra-se filiada na AHETA desde 1995. 

8. Em 01 de abril de 1998, aquando da outorga do contrato de trabalho, a R. e XX acordaram o seguinte “(…) ao presente contrato aplica-se instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para o sector hoteleiro, publicado no BTE n.º 32 V, Série de 29/08/92 e nº 35/93 de 22/09”. 

9. Em 01 de março de 2001, aquando da outorga do contrato de trabalho, a R. e FF acordaram o seguinte “(…) ao presente contrato aplica-se instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para o sector hoteleiro, publicado no BTE n.º 32 V, Série de 29/08/92 e n.º 35/93 de 22/09”. 

10. Em 06 de agosto de 2011, aquando da outorga do contrato de trabalho, a R. e HH acordaram o seguinte “(…) ao presente contrato aplica-se instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para o sector hoteleiro, publicado no BTE n.º 32 V, Série de 29/08/92 e n.º 35/93 de 22/09”. 

11. Em 01 de novembro de 1999, aquando da outorga do contrato de trabalho, a R. e WW acordaram o seguinte “(…) ao presente contrato aplica-se instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para o sector hoteleiro, publicado no BTE n.º 32 V, Série de 29/08/92 e n.º 35/93 de 22/09”. 
12. Em 18 de maio de 2006 R. e WW fizeram adenda ao contrato não alterando o referido em 11. 

13. Em 03 de abril de 2001, aquando da outorga do contrato de trabalho, a R. e YY acordaram o seguinte “(…) ao presente contrato aplica-se instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para o setor hoteleiro, publicado no BTE n.º 32 V, Série de 29/08/92 e n.º 35/93 de 22/09”. 

14. Em 01 de maio de 1994, aquando da outorga do contrato de trabalho, a R. e BBB acordaram o seguinte “(…) ao presente contrato aplica-se instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para o sector hoteleiro, publicado no BTE n.º 32 V, Série de 29/08/92”. 

15. Em data não apurada a R. e GG acordaram sujeição das relações laborais ao contrato coletivo outorgado entre a AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve – e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços, publicado no BTE n.º 1, 1.ª série de 08.01.06. 

16. Em data não apurada a R. e DDD acordaram sujeição das relações laborais ao contrato coletivo outorgado entre a AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve – e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços, publicado no BTE n.º 1, 1.ª série de 08.01.06. 

17. Em data não apurada a R. e AAA acordaram sujeição das relações laborais ao contrato coletivo outorgado entre a AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve – e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços, publicado no BTE n.º 1, 1.ª série de 08.01.06. 

18. Em agosto de 1994, aquando da outorga do contrato de trabalho, a R. e MM acordaram o seguinte “(…) ao presente contrato aplica-se instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para o sector hoteleiro, publicado no BTE n.º 32 V, Série de 29/08/92”. 

19. Em 15 de dezembro de 1998, aquando da outorga do contrato de trabalho, a R. e TT acordaram o seguinte “(…) ao presente contrato aplica-se instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para o setor hoteleiro, publicado no BTE n.º 32 V, Série de 29/08/92 e n.º 35/93, 22/09”. 

20. Em 13 de junho de 2006, a R. e VV acordaram a sujeição das relações laborais ao contrato coletivo outorgado entre a AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve – e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços, publicado no BTE n.º 11- 1.ª série, de 22 de março de 1998. 

21. Em 10 de janeiro de 2006, a R. e UU acordaram a sujeição das relações laborais ao contrato coletivo outorgado entre a AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve – e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços, publicado no BTE n.º 11- 1.ª série, de 22 de março de 1998.
22. Em 1 de agosto de 2013, a R. e SS acordaram a sujeição das relações laborais ao contrato coletivo outorgado entre a AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve – e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços publicado no BTE n.º 1, 1.ª série de 08.01.06. 

23. Em 25 de fevereiro de 2019, a R. e RR acordaram a sujeição das relações laborais ao contrato coletivo outorgado entre a AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve – e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços publicado no BTE n.º 1, 1.ª série de 08.01.06. 

24. Nos contratos de KK, CCC, ZZ, EE, AA, DD, JJ, II, CC, OO, NN e PP nenhuma referência se faz a regulamentação coletiva. 

25. Em data não apurada, posterior a 16 de novembro de 2017, a R. mandou afixar em zonas facilmente visíveis pelos trabalhadores o escrito constante de fls. 132-133 onde se pode ler “(…) A AHETA vem por este meio esclarecer todos os seus associados que a Convenção Coletiva de Trabalho celebrada entre a AHRESP e a FESAHT não é aplicável às entidades empregadoras nossas associadas. 
Assim sendo a circular emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurares e Similares do Algarve assenta em pressupostos errados podendo induzir em erro trabalhadores e entidades empregadoras, o que revela desconhecimento ou má-fé (…)”.

26. Além de XX nenhum outro trabalhador manifestou desacordo quanto ao referido em 25. 

27. A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (alojamento) outorgaram CCT publicada no BTE n.º 27 de 22 de julho de 2017, com o teor de fls. 47 v.º a 63. 

28. Por força da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 40 de 29 de outubro de 2017, a partir de 1 de setembro de 2017, no que às condições remuneratórias respeita, as condições de trabalho constantes das alterações daquele contrato coletivo foram estendidas no território do Continente às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à indústria de conservas de peixe por azeite, molhos e salmoura, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção e às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade económica referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não representados pelas associações sindicais outorgantes, com o teor de fls. 63vº. 

29. A APHORT - Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal outorgaram CCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 31, de 22 de agosto de 2011, com o teor de fls.24 a 46. 

30. Por força da Portaria de Extensão n.º 220/2018, de 27 de julho, a partir de 1 de julho de 2018 no que tange à tabela remuneratória, “1 - As condições de trabalho constantes do contrato coletivo entre a APHORT - Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 23, de 22 de junho de 2018, são estendidas no território do continente: 
a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à atividade de alojamento, restauração e de bebidas abrangidas pela convenção e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais nele previstas; 
b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que prossigam a atividade mencionada na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais nele previstas, não representados pela associação sindical outorgante”, conforme teor de fls. 46 e 47. 


III.

11. No nosso ordenamento jus-laboral vigora o princípio da (dupla) filiação, segundo o qual “a convenção coletiva [apenas] obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante” [art. 496.º, n.º 1, do Código do Trabalho (como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário)], cujos precisos contornos são concretizados, entre outras normas, nos n.ºs 2 a 4 do mesmo artigo.

Deste princípio decorrem, nomeadamente, os seguintes corolários: (i) Caso sejam aplicáveis, no âmbito de uma empresa, uma ou mais convenções coletivas, o trabalhador que não seja filiado em qualquer associação sindical (portanto, apenas se não for sindicalizado) pode escolher qual daqueles instrumentos lhe passa a ser aplicável (portanto, apena se o IRCT vincular a empresa), verificados certos requisitos – art. 497.º, n.º 1; (ii) A associação sindical, a associação de empregadores ou o empregador pode aderir a convenção coletiva em vigor – art. 504.º, n.º 1; (iii) A convenção coletiva em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento, mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere – art. 514.º; (iv) A portaria de extensão só pode ser emitida na falta de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial (princípio da subsidiariedade) – art. 515.º.

12. Sobre a questão essencialmente em discussão nos autos – saber se uma Portaria de Extensão pode determinar a aplicação duma convenção coletiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante, mas que sejam membros dum outro sindicato (e, identicamente, a empregadores filiados em associação de empregadores diversa daquela que subscreveu a convenção coletiva) –  pronunciou-se em sentido negativo o Acórdão desta Secção Social de 20.06.2018 (Revista n.º 3910/16.0T8VIS.C1.S1), nos seguintes termos:

A questão é muito debatida na doutrina, pronunciando-se em sentido afirmativo, entre outros, Luís Gonçalves da Silva e Maria do Rosário Palma Ramalho.

Assim, na anotação ao artigo 514º do Código do Trabalho (anotado) de Romano Martinez e outros, advoga o primeiro autor que “[E]m relação à eficácia pessoal defendemos que tanto pode abranger os trabalhadores e empregadores não filiados em qualquer associação, como pode abranger trabalhadores e empregadores filiados em associação não outorgante do instrumento aplicável.” (pgª 1030, edição de 2013 – 9ª edição), posição que já defendia no seu estudo “Pressupostos, Requisitos e Eficácia da Portaria de Extensão, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho”, vol. I, Almedina, Coimbra, 2001, onde afirma que com o princípio da filiação surgem questões para as quais o Direito do Trabalho teria que dar uma resposta (p. 691): “aquelas surgem com maior notoriedade, em relação aos trabalhadores, sempre que as taxas de sindicalização forem diminutas ou quando existir uma pulverização sindical; naquele caso, parte dos trabalhadores não usufruem da protecção conferida pela convenção colectiva; no segundo caso, os filiados em associações sindicais com menor força negocial teriam condições menos vantajosas”.

E invoca também o interesse do empregador na uniformização das condições de trabalho, embora o autor não deixe de sublinhar que “a igualdade não pode ser, sem mais, o objectivo da portaria de extensão, uma vez que tal entendimento tornaria irrelevante a filiação nas organizações sindicais ou patronais” (p. 695).

Sustenta ainda que as portarias de extensão são um meio de protecção e promoção da autonomia colectiva (pp. 699-700), já que a portaria “alarga a eficácia de normas cujo conteúdo é idêntico, fazendo, assim, com que os trabalhadores não fiquem sujeitos apenas à autonomia individual” (pp. 699-700).

Considera assim que este entendimento não afecta a liberdade sindical nem põe em causa outros valores, na medida em que os sujeitos que queiram celebrar uma convenção colectiva o podem fazer e com a sua celebração cessa de imediato a aplicação da portaria de extensão aos destinatários do instrumento negocial, conforme se pode ver na anotação ao artigo 514º do CT (anotado).

Também Maria do Rosário Palma Ramalho defende posição idêntica (Tratado de Direito do Trabalho, parte III, Situações Laborais Colectivas, 2.ª ed. actualizada, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 389-390), invocando fundamentalmente três razões: a letra da lei já que o artigo 514.º n.º 1 não permitiria qualquer distinção em razão da filiação sindical ou patronal; em segundo lugar porque a lei estabelece um mecanismo de reacção que é o direito de oposição dos interessados e este mecanismo seria o meio de protecção da autonomia colectiva; e em terceiro lugar, porque “os entes laborais colectivos poderão sempre celebrar uma outra convenção, que prevalecerá sobre a portaria de extensão, nos termos gerais do art. 515º” (p. 590).

Já Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, p.736, diz que a chamada portaria de extensão pode ampliar o âmbito originário da convenção a todo o sector de actividade ou a trabalhadores da profissão definida naquela, desde que não se produza sobreposição com outra convenção colectiva vigente, pois “ [D]e qualquer forma, os pressupostos da extensão tornam evidente que se trata de um processo estritamente supletivo ou residual perante a negociação colectiva, não podendo sobrepor-se-lhe quando esta exista ou seja viável” (pª 737).

Em sentido contrário pronunciaram-se Barros Moura ainda na vigência da LCC (DL nº 519-C1/79 de 29/12); Menezes Cordeiro (antes da entrada em vigor do Código do Trabalho), Pedro Romano Martinez, Bernardo Lobo Xavier e Júlio Gomes.

Assim, Barros Moura (Convenção colectiva entre as fontes de direito – Almedina, edição de 1984) sustenta que a extensão não pode determinar a aplicação da convenção colectiva a trabalhadores não filiados numa organização sindical concorrente, pois tal possibilidade seria contrária à liberdade sindical (entendida como liberdade de filiação, ou não filiação no sindicato da escolha do trabalhador) e seria contrária também ao direito de contratação colectiva do sindicato concorrente que pode ver frustrado o seu direito de celebrar uma convenção colectiva própria com o empregador ou a associação patronal se aquela se estender a outro sindicato e o Estado aparecer a “cobrir” esse acordo com a sua extensão a todos (pgª 219 e 220, nota).

Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991, p. 346, depois de afirmar que a extensão tem limites objectivos e subjectivos refere que “os segundos têm a ver com a impossibilidade de extensão das convenções colectivas a pessoas filiadas em associações interessadas e que nelas não hajam, evidentemente, outorgado”.

E continuando diz ainda este autor “Assim quando em certo âmbito actuem dois sindicatos pode a convenção colectiva celebrada por um deles ser estendida aos trabalhadores não sindicalizados; mas não aos que encontrem filiados no outro sindicato”, chamando à colação os valores da liberdade sindical e da garantia da contratação colectiva.

Também neste sentido se pronuncia Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, p. 1254, onde sustenta que a portaria de extensão não deverá abranger o alargamento de aplicação duma convenção colectiva aos trabalhadores de um sindicato não signatário do acordo e aos empregadores filiados noutra associação de empregadores.

Justifica esta posição dizendo que “admitindo-se que a extensão do instrumento autónomo pode abranger trabalhadores filiados em outra associação sindical, estar-se-ia a pôr em causa a autonomia contratual desse sindicato, cuja liberdade negocial ficaria coarctada.”

E acrescenta: “Se um determinado sindicato não quis negociar e celebrar aquela convenção colectiva, ou não pretendeu, depois desta estar celebrada, aderir a esse instrumento, quer isso dizer que ele tinha alguma objecção relativa a essa convenção colectiva. Assim sendo, se a associação sindical tem uma objecção quanto àquela convenção colectiva ou àquela decisão arbitral, admitir-se que, por via de uma portaria de extensão, os filados nesse sindicato ficarão submetidos ao sobredito instrumento colectivo, pressupõe que se coarcta a autonomia contratual das associações sindicais no que respeita à negociação e celebração de convenções colectivas”.

E desenvolve seguidamente a mesma argumentação para as associações de empregadores, cuja posição justifica afirmando que “de outra forma, mediante a portaria de extensão, o Governo poderia pressionar os sindicatos e as associações de empregadores, que não queriam determinada convenção colectiva, a, indirectamente, aceitá-la”, com o perigo de as partes outorgantes da convenção serem menos representativas do que aquelas a quem se pretende aplicar a convenção por via da portaria de extensão (p.1255).

Bernardo Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, 3.ª ed. revista e actualizada, Rei dos Livros [Lisboa], 2018, depois de referir que “o grande problema da extensão é sempre o da representatividade das partes que outorgaram a CCT cujo âmbito se pretende estender” e que “não parece legítimo estender o âmbito de CCT celebrada por sindicato pouco representativo, sobretudo quando sindicatos maioritários se oponham ou se revelem distantes dessa mesma CCT” (p. 284), afirma que “à luz do Código entendemos que as PE [portarias de extensão] não devem ser aplicadas a trabalhadores inscritos em associações que se tenham recusado a subscrever a CCT a estender, ou que se encontrem em processo relativo à celebração de novo IRCT, e que normalmente deduzem oposição fundamentada à extensão, nos termos do art. 516.º n.º 3” (p. 287).

Também Júlio Gomes (A contratação coletiva in peius e a representatividade sindical, Crise Económica: Fim ou Refundação do Direito do Trabalho, Actas do Congresso Mediterrânico de Direito do Trabalho, coord. por Maria do Rosário Palma Ramalho e Teresa Coelho Moreira, Estudos APODIT 1, AAFDL, Lisboa, 2016, pp. 91 e ss.) sublinha que como em Portugal, qualquer sindicato tem capacidade negocial colectiva, ou seja, qualquer sindicato pode celebrar uma convenção colectiva e a nossa lei não contém uma exigência de um número mínimo de filiados para que se possa validamente constituir um sindicato, mesmo que esse sindicato seja restrito a uma empresa, nem tão pouco qualquer exigência de um número mínimo de anos de actividade, nem genuínos critérios de representatividade real, as convenção celebradas por sindicatos muito débeis podem representar um perigo (em Itália já foram designadas de convenções colectivas “piratas”) que será potenciado se puderem ser estendidas a trabalhadores e a empregadores respectivamente filiados em sindicatos e associações de empregadores não outorgantes.

Na jurisprudência não descobrimos decisões que tenham incidido especificamente sobre esta matéria.

De qualquer maneira, no acórdão deste Supremo Tribunal de13-10-‑2016, proferido no processo n.º 8308/14.1T8LSB.L1.S1 (Revista - 4.ª Secção), (Ribeiro Cardoso) decidiu-se que tendo caducado uma convenção colectiva de trabalho, a eficácia do princípio da filiação consagrado no artigo 496º, nº 1 do CT mantém-se nos termos preconizados no nº 6 do artigo 501º do CT (na redacção anterior à da Lei 55/2014 de 25/08), nomeadamente no que tange ao pagamento do trabalho nocturno, não passando aqueles trabalhadores a ser abrangidos, ainda que ao abrigo de portaria de extensão, por convenção celebrada por associação sindical em que não são filiados.

Idêntica doutrina promana dos acórdãos do 17-11-2016, processo n.º 7388/15.7T8LSB.L1.S1 (Ferreira Pinto) e 06-12-2016, processo n.º 8306/14.5T8LSB.L1.S1 (Ferreira Pinto), em que se discutiu a mesma questão, e onde os autores solicitavam o pagamento do trabalho nocturno de acordo com a majoração prevista no CCT cujo alargamento fora estendido.

E conforme se colhe do acórdão da Relação de Lisboa de 15/2/2012, proferido no processo nº 3259/09.0TTLSB.L1 - 4ª secção (Ferreira Marques), pretendendo um sindicato que as tabelas salariais dum CCT celebrado por um outro fossem aplicadas às trabalhadoras (duma empresa) suas filiadas, por serem mais favoráveis do que as tabelas salariais consagradas no instrumento de regulamentação colectiva por si negociado, decidiu-se que uma portaria de extensão que alargara o âmbito originário do CCT mais favorável não permite que este seja aplicado a essas trabalhadoras, argumentando-se que o regulamento de extensão tem por destinatários quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores signatárias da convenção colectiva ou da convenção arbitral, surgindo assim como forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais ou de empregadores existentes.

Tudo ponderado entendemos que uma Portaria de Extensão não pode determinar a aplicabilidade duma convenção colectiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante mas que estejam filiados numa organização sindical diferente.

Efectivamente, a entender-se doutro modo, ficariam em causa os valores da liberdade sindical do trabalhador, entendida como liberdade de filiação, ou de não filiação no sindicato da sua escolha.

E ficaria em causa também o direito de contratação colectiva do sindicato concorrente que pode ver frustrado o seu direito de celebrar uma convenção colectiva própria com o empregador ou com a associação empregadora se a contratação colectiva celebrada por outro sindicato se estender através duma portaria de extensão aos filiados naquela primeira associação sindical, ficando assim em causa a autonomia contratual deste sindicato, cuja liberdade negocial ficaria coarctada.

 Diga-se ainda que mesmo que se entenda que a igualdade é o escopo das portarias de extensão esta igualdade não é completa, pois a lei permite a extensão parcial, conforme resulta do n.º 1 do artigo 514.º do CT. E se a extensão for só em parte, a situação dos trabalhadores directamente abrangidos e a dos que só são abrangidos por força da portaria de extensão não é a mesma.
Além disso, também não haverá a igualdade entre trabalhadores filiados e não filiados, pois se existirem duas convenções colectivas aplicáveis no âmbito de uma empresa e uma delas for objecto de uma portaria de extensão, o trabalhador não filiado continua a poder escolher a outra (a convenção que não foi estendida), porque a faculdade de opção prevalece sobre a portaria de extensão (neste sentido Maria do Rosário Ramalho, ob. cit., p. 391 e Jùlio Gomes, Nótula sobre o artigo 497.º do Código do Trabalho de 2009, Questões Laborais n.º 44, 2014, pp. 5 e ss.).

13. No fundamental, extraem-se deste aresto, cuja argumentação integralmente se perfilha, as seguintes linhas jurisprudenciais:

- Uma portaria de extensão não pode determinar a aplicabilidade duma convenção colectiva a trabalhadores não filiados na organização sindical outorgante que estejam filiados numa organização sindical diferente.

- A entender-se doutro modo, ficariam em causa os valores da liberdade sindical do trabalhador, entendida como liberdade de filiação, ou de não filiação, em determinado sindicato.

- E ficaria também em causa o direito de contratação colectiva do sindicato concorrente, ao ver eventualmente frustrado o seu direito de celebrar uma convenção colectiva própria com o empregador ou com a associação empregadora, caso a contratação colectiva celebrada por outro sindicato se estendesse (através duma portaria de extensão) aos seus filiados, coartando a sua autonomia contratual.

- Uma portaria de extensão também não pode determinar a aplicabilidade duma convenção colectiva a empregadores filiados em associação de empregadores diversa daquela que subscreveu tal convenção, sob pena de violação do direito (e liberdade) de contratação coletiva.

Acresce que a portaria de extensão só pode ser emitida (e só pode valer) relativamente a relações de trabalho não abrangidas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial (princípio da subsidiariedade).

 14. Enquanto associada da AHETA (Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve), a R. encontra-se adstrita ao cumprimento dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que vinculem aquela associação de empregadores nas suas relações com organizações sindicais (como é o caso da FETESE).

Mas, como se compreende, não são diretamente aplicáveis à recorrida Convenções Coletivas de Trabalho celebradas por outras associações empresarias, das quais a mesma não é associada, como é o caso da AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) e da APHORT (Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo), mormente as celebradas com o FESAHT (Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal), na qual o A. se encontra filiado.

E, pelas razões expostas, essas Convenções Coletivas de Trabalho também não são indiretamente aplicáveis à R. – tal como, por outro lado e para além disso (embora por idênticas razões), não o são relativamente aos trabalhadores sindicalizados no autor – através das Portarias de Extensão invocadas na ação.

Improcede, pois, o recurso.

IV.

15. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 22 de junho de 2022




Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Ramalho Pinto






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[1] Transcrição parcial.