Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3220/07.3TBGDM-B.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: ABUSO DO DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
BANCO
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
CONTRATO DE MÚTUO
SEGURO DE VIDA
SEGURO DE GRUPO
Data do Acordão: 11/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO (SEGURO DE VIDA).
Doutrina:
- Antunes Varela, João, Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina, 6.ª ed., pp. 436-438, 516
- Carbonell Puig, Jordi, Los Contratos de Seguro de Vida – Normativa Interna y Comunitária, Bosch, Casa Editorial, Barcelona, 1994, 134,
- Castanheira Neves, Questão de Facto e Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade (ensaio de uma reposição critica.: a crise.I, pp. 529, nota 54, 523 e 524.
- Engrácia Antunes, José A., Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, pp. 683-686, 690-717.
- Gianluca Falco, La Buona Fede e L’ Abuso del Diritto. Principii, fattispecie e cauistica,Giuffrè Editore, Milano, 2010, pp. 4, 6, 20, 21, 22, 23, 381, 387.
- José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, pp. 120 a 124 (bem como jurisprudência aí citada – págs. 123-124).
- Lima Rego, Margarida, Contrato de Seguro e Terceiros - Estudo de Direito Civil, Coimbra Editora, 2010, pp. 53 e ss., 61 a 66, 83, 781, 809
- Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pp. 63-63
– Menéndez, Aurélio, Lecciones de Derecho Mercantil, Thomson - Civitas, 5.ª edição, pp. 781-782, 784-787.
- Menezes Cordeiro, António, Direito dos Seguros, Almedina, 2013, p. 479; Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra, Almedina, páginas 249 a 269.
- Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1971, p. 23,
- Mota Pinto, Paulo, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Coimbra Editora, 2008, p. 485.
- Oliveira Martins, Maria Inês, O Seguro de Vida Enquanto Tipo Contratual Legal, Coimbra Editora, 2010, págs. 74 a 85 (numa perspectiva e abordagem à luz do novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro (LCS) - Decreto Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.
- Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, 1981, pp. 45.
- Rui Alarcão, “Direito das Obrigações”, Coimbra 1983 (texto elaborado por Sousa Ribeiro, Sinde Monteiro, Almeno e Sá e J.C. Proença) com base nas lições do citado Professor ao 3.º ano Jurídico, pp. 107-110.
- Vaz Serra, in “Abuso do Direito”, BMJ, n.º 85, p. 253.
- Vetorri, in “Il diritto dei contratti fra Constituzione, códice civile e códice di settore”, in Riv. Trim. Dir, proc. civ., 2008,3, 751, citado em Gianluca Falco, op. loc. cit. pp. 21 e 22.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 237.º, 334.º
DEC. LEI N.º 349/98, DE 11/11 (DIPLOMA QUE REGULOU A CONCESSÃO DE CRÉDITO À AQUISIÇÃO, CONSTRUÇÃO, BENEFICIAÇÃO, RECUPERAÇÃO OU AMPLIAÇÃO DE HABITAÇÃO PRÓPRIA, SECUNDÁRIA OU DE ARRENDAMENTO, NOS REGIMES GERAL DE CRÉDITO, CRÉDITO BONIFICADO E CRÉDITO JOVEM BONIFICADO): - ARTIGO 23.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 176/95, DE 26 DE JULHO DE 1995: - ARTIGO 1.º .
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20-11-1995;
-DE 10-5-2007;
-DE 03-02-2009, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 2-06-2009, PROFERIDO NO PROC. N.º 256/09.34YFLSBB ;
-DE 16-12-2010;
-DE 20-09-2011, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - Ocorre uma situação típica de abuso do direito, quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural, bem como da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.

II - Na caracterização do venire contra factum proprium – que a tutela da confiança proíbe – evidenciam-se quatro elementos: (i) comportamento; (ii) geração de expectativa; (iii) investimento na expectativa gerada; e (iv) comportamento contraditório.

III - Age com abuso do direito, o banco exequente que instaura, com base em escritura pública de mútuo, execução, para pagamento do capital em dívida, contra os mutuários, quando, por força de um contrato de seguro (de grupo) vida, accionado na sequência de óbito do seu tomador, é o próprio o beneficiário do pagamento do capital seguro, correspondente à quantia exequenda – capital mutuado em dívida –, direito de que se arrogou, na defesa que deduziu, em acção declarativa anteriormente intentada, pelos ora executados, contra si e contra a seguradora, pedindo o resgate da quantia segurada, com decisão de improcedência proferida há três anos.
Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO.

AA, por si e em representação dos seus filhos BB e CC, na qualidade de herdeiros habilitados de DD, intentou a presente oposição à execução que contra o falecido DD, EE e FF movia “Banco GG, S.A.”, ora “Investments 2234 Overseas Fund IV B.V.”, alegando, em suma:

- que o executado mutuário faleceu;

- que o incumprimento do crédito em causa na execução estava garantido por contrato de seguro em caso de morte;

- que o exequente deveria peticionar a quantia exequenda à seguradora, pelo que são partes ilegítimas e que procedeu a pagamentos parciais.

Contestou o Banco exequente, impugnando a factualidade alegada, dizendo que desconhecia o óbito do executado e que de qualquer forma a existência do seguro não desonera os executados.

A decisão prolatada em primeira instância viria a julgar a: “(...) oposição à execução totalmente procedente, e em consequência, determino a extinção da execução.

Apelada a decisão, o tribunal da Relação do Porto, em decisão, de 16 de Junho de 2014, decidiu (sic): “(…) julgar parcialmente procedente a oposição deduzida a fls. 2 a 5 e, consequentemente, determina-se o prosseguimento da execução a que estes autos estão apensos, tudo com vista ao pagamento da quantia de € 74.664,23 e respectivos juros, em conformidade com o ajustado no contrato de fls. 182 a 188.”

Na revista que intenta prelevar, a recorrente, sumaria a sua fundamentação no sequente:   

I.A. – QUADRO CONCLUSIVO.

1 – É certo e inquestionável que o banco tem, a seu favor um último título executivo.

2 – Só que, sendo formalmente um título executivo, o mesmo, na sua actuação prática enferma de vícios que ultrapassam os mais elementares princípios da boa-fé e dos bons costumes.

3 – O banco alegou, e pôs como condição de concessão de empréstimo, a obrigação da constituição de um seguro para se garantir do pagamento, mesmo acompanhada da fiança.

4 – Perante a morte do devedor, segundo os termos do seguro, só o banco poderia, e poderá, accionar o seguro e receber o montante do débito eventualmente existente.  

5 – O banco ignorou, e ocultou, a morte do devedor, negando que tal lhe foi comunicado, o que veio a demonstrar-se não corresponder à verdade;

6 - O banco, apesar da existência de seguro e da comunicação do óbito, não exigiu da seguradora o pagamento do seguro.

7. – O banco, ao executar os herdeiros do finado, agiu com má-fé e contra todos os princípios dos bons costumes.   

8 – O banco actuou, assim, de má-fé, abusou do direito que lhe conferia o título executivo, com violação evidente, clara e suja do art. 334.º do C. Civil.”

Em contra-alegações, a instituição de crédito, contraminou a fundamentação, substanciado no epítome conclusivo que a seguir queda transcrito.   

“2.ª Em 18 de Agosto de 1997, o mutuário DD celebrou com o primitivo credor um contrato de mútuo com hipoteca, tendo-se constituído devedor da quantia de Esc. 18.000.000$00 (dezoito milhões de escudos), constando da mencionada escritura a necessidade de ser constituído a favor do Banco exequente um seguro de vida, através do qual, no caso do decesso do mutuário, a Seguradora procederia ao pagamento da quantia segurada que asseguraria a totalidade do capital em dívida,

3.ª Formalidade que integra a prática bancária comum, isto é, a instituição de crédito condicionar a concessão do crédito, à celebração, pelo mutuário, de um seguro de vida

4.ª O Banco credor originário não tinha qualquer registo relativo ao mencionado seguro de vida, porquanto, nem o credor originário, nem a aqui Apelada exigiram a apresentação do mencionado contrato de seguro, desconhecendo-se, pois, o respectivo teor.

5.ª Nada impedia o mutuário de, no decurso do contrato de seguro de vida, celebrar novo contrato com qualquer outra seguradora.

6.ª O mutuário não efectuou o pagamento de algumas prestações, nem nas datas dos seus vencimentos, nem posteriormente, tendo o Banco credor originário accionado judicialmente quer o mutuário/executado DD, quer os respectivos fiadores na acção executiva subjacente aos presentes autos.

7.a O mutuário veio a falecer em 24 de Dezembro de 2000.

8.ª O contrato de seguro é um contrato comercial, nos termos do qual, uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo seu segurado, a assumir um determinado risco (como seja a morte ou invalidez) e, caso o mencionado risco venha a verificar-se ou a ocorrer, ao pagamento ao segurado ou a terceiro de uma indemnização pelo prejuízo previamente convencionado, sendo beneficiário no caso sub judice, o credor originário - a agora aqui Apelada -, tratando-se, pois, de um contrato a favor de terceiro.

9.ª O contrato de seguro é totalmente autónomo do contrato de crédito/mútuo, sendo a Seguradora uma entidade absolutamente distinta do Banco mutuante.

10.ª O Banco mutuante seria apenas beneficiário desse mesmo contrato de seguro, destinado a assegurar o pagamento das quantias mutuadas e juros em dívida, montantes que o mutuário e os fiadores estavam obrigados a liquidar e actualmente, mercê do ocorrido óbito, os herdeiros habilitados do mutuário.

11.ª O ónus de accionar o seguro recai e sempre recairia apenas sobre os herdeiros, únicos devidamente legitimados, para tanto, contrariamente ao Banco, que não é contraente no contrato de seguro, mas apenas seu beneficiário.

12a Inexiste qualquer ónus que obrigue a Apelada - ou à data da instauração da acção executiva, o Banco originário credor -, de accionar o seguro de vida junto da Seguradora, por manifesta ilegitimidade, já que tratando-se o Banco e a Seguradora de entidades jurídica e economicamente distintas e não se tratando de um seguro de grupo - no qual o Banco é, em simultâneo, tomador e beneficiário -, apenas o mutuário é o tomador do seguro de vida.

13a Nem de outra forma se compreenderia que, caso tivesse legitimidade, para tanto, o Banco mutuante não accionasse directamente a Seguradora vendo-se ressarcido dos montantes em dívida, bem como obviasse ao presente litígio.

14a A executada habilitada - ora Apelante - accionou judicialmente a Seguradora a fim de que lhe fosse pago o prémio do seguro. Não obstante, tal acção veio a ser julgada improcedente não com fundamento na ilegitimidade da herdeira executada em accionar a Seguradora, mas sim com fundamento nos termos do pedido incorrectamente por aquela formulado, isto é, que o prémio do seguro de vida lhe fosse pago directamente a si e não ao beneficiário do seguro, isto é ao Banco mutuante.

15a Apenas aos herdeiros habilitados competia accionar o seguro de vida, enquanto únicos devidamente legitimados, para esse efeito, já que vieram a assumir o lugar do mutuário falecido­-tomador do seguro de vida.

16a O Banco mutuante tinha toda a legitimidade para demandar judicialmente apenas o mutuário e os fiadores, face ao incumprimento do contrato de mútuo.

17a O Banco dispunha de título executivo - escritura de contrato de mútuo com hipoteca - para demandar judicialmente o mutuário e os respectivos fiadores, não resultando do título executivo, ­de acordo com as regras da legitimidade passiva - a assumpção de qualquer obrigação por uma qualquer seguradora perante o credor originário.

18.a O Banco mutuante moveu a acção executiva subjacente aos presentes autos, enquanto credor do mutuário e dos habilitados executados e enquanto terceiro no contrato de seguro de vida.

19.ª Tratando-se de uma obrigação solidária, o Banco mutuante tem a faculdade de demandar apenas o mutuário e os fiadores ou até apenas o mutuário ou apenas os fiadores

20.ª O credor originário - actualmente, a Apelada -, continua a ser titular de um direito de crédito, não tendo sido ressarcida, até à presente data, dos valores peticionados e em dívida, com excepção do pagamento que o falecido mutuário veio a efectuar por conta da quantia mutuada. Tendo-se limitado, de forma absolutamente lícita, a exercer o seu direito de ressarcimento do crédito concedido pela via judicial atento o incumprimento.

21.ª Carece de qualquer fundamento legal, atendendo a que estamos perante uma obrigação solidária, os Apelantes sustentarem que o Banco agiu em abuso de direito partindo do pressuposto que apenas após demandar judicialmente a Seguradora é que o Banco poderia exigir o pagamento da dívida pelo mutuário.

22.ª O abuso de direito configura uma concretização do princípio da boa-fé, sendo necessário para verificar-se que o titular do direito exceda manifestamente determinados limites, limites esses que são delimitados pela boa-fé objectiva e pelos bons costumes, bem como ter em consideração o fim social ou económico que do direito que se exerce.

23.ª O Banco dispunha de um título executivo válido, sendo a dívida certa, líquida e exigível, tendo demandado judicialmente quem, de acordo com as regras de aferição da legitimidade passiva, seriam os executados face àquele título executivo.

24.ª Inexiste qualquer obrigação legal, ou ónus do Banco, em demandar previamente a Seguradora, uma vez que carecia de legitimidade para esse efeito, já que não é contraente no contrato de seguro de vida e apenas beneficiário do mesmo.

25.ª O Banco limitou-se a exercer um direito, exigindo o pagamento da dívida exequenda nos termos previstos no contrato de mútuo celebrado entre as partes,

26.ª Inexiste qualquer má-fé do Banco, porquanto encontra-se desapossado (a) da quantia em dívida, tão pouco se verifica abuso de direito na actuação do Banco/Apelada.

27.ª Verificado que está que competia aos herdeiros do falecido mutuário accionar o seguro e demandar judicialmente a Seguradora, bem como que o Banco mutuante apenas poderia demandar o mutuário (em sua substituição, os herdeiros habilitados), o Banco limitou-se a exercer um direito perante o incumprimento do contrato de mútuo.

28.ª Inexiste qualquer abuso de direito na actuação do Banco mutuante/ Apelada.”

I.B. – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO.

A única questão que vem posta em tela de juízo para conhecimento – cfr. conclusões da recorrente – atina com a impugnação da parte da decisão em que julgou o comportamento contratual do exequente como contrário à defesa do seu direito de crédito, o que vale por dizer, que a recorrente se insurge contra o facto de o tribunal da Relação ter decidido que (sic): “(…) não se vê e nem se vislumbra que o comportamento da exequente enferma o apontado abuso do direito, pois que, face ao título executivo que serve de base a esta execução, tinha toda a legitimidade para obter dos executados o pagamento do que lhe é devido, tanto mais quanto é certo que não está alegado que a seguradora tenha iniciado com o Banco qualquer negociação com vista ao aludido pagamento.”

Da apontada divergência, com a decisão da 1.ª instância, resulta a dissidência com o acórdão recorrido, como se alcança do epítome conclusivo. [[1]]  

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

“1. Por escritura pública outorgada em 18 de Agosto de 1997, no Sexto Cartório Notarial do Porto, o Banco Exequente celebrou com DD, um contrato designado de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança mediante o qual lhe emprestou a quantia de € 88.990,03, quantia da qual o mesmo se confessou devedor, nos termos e condições que constam a fls. 13 a 24 dos autos de execução – alínea A) dos Factos Assentes;  

2. Para garantia do pagamento do capital de € 88.990,03, dos juros e demais despesas, o executado constituiu uma hipoteca sobre a fracção autónoma designada pelas letras "AA", correspondente a uma habitação no segundo andar, direito, do prédio sito na Rua …, …/…, freguesia de …, Concelho de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n° … - alínea B) dos Factos Assentes;

3. Tal hipoteca encontra-se registada a favor do Banco Exequente, mediante a Ap. N.º …, convertida em definitivo pela ap. 115/011097 - alínea C) dos Factos Assentes;

4. Na cláusula 4.ª das condições gerais constantes do documento complementar da escritura, junto a fls. 18 e ss, as partes estipularam que "o mutuário obriga-se a contratar um seguro de vida cujas condições, constantes da respectiva apólice, serão as indicadas pelo Banco, bem como se obrigam a manter seguro o imóvel hipotecado contra os riscos e pelo valor que o Banco indique. As apólices adicionais dos seguros ficarão em poder do Banco mutuante como interessado nos mesmos, na qualidade de credor hipotecário (...)" - alínea D) dos Factos Assentes.

5. O Executado não efectuou o pagamento de algumas prestações, nem nas datas dos seus vencimentos, nem posteriormente - alínea E) dos Factos Assentes.

6. DD faleceu em ……..2000 - alínea F) dos Factos Assentes.

7. Por sentença proferida nos autos principais, em 2 de Dezembro de 2009, AA, por si e na qualidade de representante legal de BB e CC, foram julgados habilitados, como únicos e universais herdeiros de DD para prosseguir os termos da execução - alínea G) dos Factos Assentes;

8. Por sentença proferida no apenso C, em 12/03/2012, “Investments 2234 Overseas Fund IV B.V.”, foi julgada habilitada, como cessionária do crédito exequendo para prosseguir os termos da execução;

9. A título de restituição da quantia referida na al. A) dos factos assentes, DD entregou ao Banco Exequente € 14.325,80 – resposta ao quesito 1.º da B.I.;.

10. DD celebrou o contrato referido na al. D) dos factos assentes com o Grupo Banco HH - resposta ao quesito 2.º da B.I.:

11. Contrato titulado pela apólice n.º … - resposta ao quesito 3.º da B.I.;

12. Nos termos do referido contrato, a Seguradora obrigou-se a, no caso do falecimento de DD, proceder ao pagamento ao Banco Exequente da quantia segurada, correspondente à totalidade do capital em dívida - resposta ao quesito 4.º da B.I..

13. O referido contrato encontrava-se em vigor à data do falecimento de DD - resposta ao quesito 5.º da B.I.;

14. Após o óbito de DD, AA comunicou à Seguradora e ao Banco Exequente o respectivo falecimento - resposta ao quesito 6.º da B.I..

15. AA intentou contra o primitivo banco exequente e Grupo Banco HH, BHH Seguros de vida uma acção declarativa de condenação na forma ordinária que correu termos pelo 1.º Juízo Cível deste Tribunal sob o n.º 1163/04.1 TBGDM.”

II.B. – DE DIREITO

II.B.1. – ABUSO DE DIREITO.
A propósito da boa-fé tivemos ocasião de escrever em recente aresto [[2]] que: “Nas relações jurídicas estabelecidas entre os sujeitos jurídicos rege como princípio invadeável aquele de que, tanto na formação como na execução dos contratos e das relações jurídicas relevantes para a ordem jurídica, se devem usar valores de boa-fé e de correcção. No dizer da sentença do tribunal da cassação italiano, de 18 de Setembro de 2009, “como critérios de reciprocidade, finalizados, substancialmente, em manter uma relação jurídica num binário do equilíbrio e da proporcionalidade”. “Na aplicação prática a cláusula geral de correcção e boa-fé fornecem critérios de orientação teleológico de conduta nas relações de direito privado, consignando ao intérprete a ideia de obrigação e realizando nesta perspectiva, o que soe chamar-se “fechado sistema legislativo”. [[3]]
“Ideia e critério fundante da teoria dos contratos, a cláusula geral de boa-fé permanece ínsita em todas as áreas do direito em que os sujeitos jurídicos devam assumir obrigações e direitos de reciprocidade e de comutatividade. Os comportamentos assumidos nas relações que se estabelecem devem pautar-se por regras de ética e de empenho pessoal no cumprimento dos deveres assumidos de modo a que se torne previsível um são e salutar desenvolvimento do relacionamento contratual estabelecido.
A dessunção das regras de comportamento de correcção relacional só são passíveis de apreciação no que é designado «direito vivente», no sentido de que é neste que se verte e exprime a conduta dos agentes sociais e é deste que se induz o particular-concreto para aferição dos parâmetros gerais estabelecidos como regras orientadoras do direito. [[4]]
Daí que “o Juiz, ainda que, “não invente direito novo, (…) descobre ou revela direitos e deveres através de um proceder que se pode exemplificar tendo em conta algumas premissas de método”. “Entre estas premissas, os princípios gerais (sobretudo se dotados de cobertura constitucional) desenvolvem uma função fundamental de “directiva” para o Juiz na sua actividade de correcta “concretização” da indeterminação própria do dever geral de boa-fé”. [[5]]
Corolário da cláusula geral ou princípio de boa-fé é o exercício dos respectivos direitos ao eito de escopos éticos e sociais “pelo qual o próprio direito vem reconhecido e concedido pelo ordenamento jurídico positivo, o uso anormal do direito pode conduzir o comportamento do particular (no caso concreto) fora da esfera do direito subjectivo, tornando-o, por conseguinte, ilícito, segundo as normas gerais do direito material” [[6]/[7]]
“A esta nova luz, o abuso do direito é concebido - na teorização feita pela mais recente jurisprudência da Corte Suprema - como uma alteração juridicamente relevante do factor causal no exercício de um direito. O abuso do direito longe de pressupor uma violação no sentido formal delineia, pois, uma utilização alterada do esquema formal do direito, finalizada pelo conseguimento de objectivos ulteriores e diversos aos que estavam indicados pelo legislador”. [[8]]
Na estatuição do artigo 334.º do Código Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
A ordem jurídica não protege de forma indelegável e absoluta um direito subjectivo e o interesse que lhe vai adstrito, no plano de um interesse positivo e funcionalmente tutelado. No desenvolvimento da equação ou tensão entre existência e alcance de interesse e reconhecimento e exercício do direito subjectivo “a ordem jurídica não aceita uma funcionalização geral do reconhecimento da titularidade (ou só do exercício) do direito subjectivo à existência de um interesse digno de protecção legal, objectivamente apreciado, e que tenha de justificar o exercício do direito nas circunstâncias em causa. Antes o direito subjectivo (distinto, pois, por esta nota, dos poderes-deveres ou poderes funcionais) comporta um poder não estritamente funcionalizado, ainda que não necessariamente arbitrário – o que é diverso da imposição de qualquer dever ou ónus de fundamentação teleológica, mesmo apenas em termos de «razoabilidade». A regra, no direito privado (e correspondentemente com o sentido do modelo jurídico-privado de ordenação e afectação de recursos, terá, aliás, de ser sempre a de que, pelo menos no domínio do direito subjectivo, a definição e interpretação dos interesses para que se exerce o direito subjectivo apenas cabe ao seu titular, podendo, até, incluir, como via para sua satisfação, o próprio não exercício ou a destruição do respectivo objecto (salvo no caso de direitos indisponíveis). E em termos tais que o “substrato teleológico” do exercício da posição apenas relevará quando, além do prejuízo causado a terceiros, for radicalmente dissonante, ou contrário, em relação ao que pode justificar o reconhecimento do direito subjectivo e a colocação ao seu serviço do aparelho sancionatório estadual – em termos, portanto, de a movimentação deste aparelho se revelar inexigível in casu”. [[9]]
Na acepção de Orlando de Carvalho, versado pelo Autor citado, “O abuso de direito existe quando há um exercício do direito fora do âmbito do exercício do poder de autodeterminação que é próprio fundamento do reconhecimento de direitos subjectivos, propondo, como critério para o apurar a falta de interesse no exercício do direito a apreciar em abstracto ou concreto, e a transcendência do prejuízo em relação ao agente. Esta concepção implica, pois, uma distinção em relação à boa fé entendida enquanto norma de conduta: enquanto nesta está em causa uma regulamentação da conduta dos particulares, um problema de actuação contra legem, no abuso de direito o que é relevante não é a violação do direito objectivo, e sim a falta de interesse conjugada com a “transcendência do prejuízo”. [[10]]
O abuso de direito, enquanto forma desviada e jurídico-socialmente censurável da prática ou exercício de um direito subjectivo, constitui-se como paralisador do respectivo exercício do direito na medida em que o interesse (positivo) prosseguido pelo titular se coloca numa posição de defraudação da expectativa jurídica expressa na estabilização jurídico-material da do que havia sido pactuado e/ou da normação adrede, entendida como factor de defesa de uma conduta ético-juridicamente arrimada pelos valores prevalentes da boa-fé e da preservação do equilíbrio sistémico que o Direito intenta inculcar nas relações interpessoais. Vale por dizer que a ordem jurídica ao estabelecer consagrar as regras de accionamento e exercício dos direitos conleva um feixe de interesses que na sua tensão e conflitualidade podem obnubilar o interesse positivo associado ao direito subjectivo desde que o prejuízo que desse exercício advenha sobreleve na sua extensão e alcance que a ordem jurídica, na sua isonomia, ou sinonímia, valorativa pretende acautelar. [[11]]
“Como consequência de uma eventual abuso do direito, o ordenamento põe uma regra geral, no sentido de recusar a tutela aos poderes, direitos e interesses exercitados em violação das correctas regras do exercício, posto serem mediante comportamentos contrários à boa-fé. Nesta forma de “mancanza di tutela” está a finalidade de impedir que possam ser conseguidos ou conservadas vantagens – e direitos conexos – através de actos em si estruturalmente idóneos, mas exercitados de modo a alterar-lhe a função, “violando la normativa di correttezza”. [[12]]
Manuel de Andrade qualificava a figura de abuso de direito como o exercício incorrecto e desviado do sentido que a lei e o Direito pretenderam fixar o direito subjectivo que o respectivo titular pode exercitar sem ofensa às regras de boa-fé, confiança jurídica e relacional que queda estabelecida entre os protagonistas de um contrato ou de uma relação jurídica tutelada pela ordem jurídica. [[13]] O acto de exercício ou pretensão de tutela do direito assume-se assim como contrário à consciência jurídica dominante ou prevalente numa determinada comunidade.

Para A. Varela, «para que haja lugar ao abuso do direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito». [[14]]  Mais detalhadamente, escreve este autor que” O Prof. Antunes Varela escreve, que ocorrem situações de abuso de direito “(…) segundo a concepção objectiva aceite no artigo 334.º, sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito. Não basta que o exercício do direito cause prejuízos a outrem. Naturalmente, a reclamação do crédito pelo credor abastado ao devedor em má situação económica será contrária aos interesses deste. O proprietário que constrói, no seu terreno, tirando as vistas ou a luz ao prédio vizinho, também pode prejudicar este. Mas em nenhum dos casos haverá, em princípio, abuso de direito, visto a atribuição do direito traduzir deliberadamente a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com eles conflituantes. Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar. Se, para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, a consideração do fim económico ou social do direito apela de preferência para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Não pode em qualquer dos casos afirmar-se a exclusão dos factores subjectivos nem o afastamento da intenção com que o titular tenha agido, visto este poder interessar, quer à boa-fé ou aos bons costumes, quer ao próprio fim do direito” [[15]]

Para o Professor Castanheira Neves, a compreensão do instituto do abuso de direito, arranca da ideia de que o direito subjectivo é «uma intenção normativa que apenas subsiste na sua validade jurídica enquanto cumpre concretamente o fundamento axiológico-normativo que a constitui», o que valerá dizer que o direito subjectivo deixa de ser uma estrutura formal para ser entendida «com uma função normativa, teleológico-materialmente fundada», verificando-se uma situação de abuso de direito quando «um comportamento tenha a aparência de licitude jurídica (…) e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício».

Para este Professor “o abuso de direito configura-se como uma contradição entre dois pólos que entretecem o direito subjectivo”: a sua estrutura formal reconhecida pelo ordenamento jurídico e o fundamento normativo que integra esse mesmo direito e lhe confere materialidade devem estar em conformidade, certo que quando esta não é detectada, ocorre abuso de direito. [[16]]
Poder-se-á, então, dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante. Há neste exercício um desvio flagrante e ostentatório entre a dimensão do direito tutelado e compressão de um outro estado ou situação jurídica, que não estando salvaguardado pela ordem jurídica, terá obtido pela permanência na esfera jurídica de um outro sujeito, um estádio de quase direito que a consciência jurídica, numa assumpção de pré-juridicidade ou juridicidade fáctica, deve tutelar, ou pelo menos, obstar que seja desfeiteado pelo direito validamente constituído.   
Os autores soem assimilar ao instituto do abuso do direito o facto de alguém adoptar um comportamento que tipicamente se dirige em determinado sentido e que, extravagantemente, de forma inusitada e perversa, adquire novo rumo ao arrepio do que já estava sedimentado numa determinada relação jurídica, substantiva ou processual.
Na doutrina do acórdão deste supremo Tribunal de Justiça, de 20-11-1995: “A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Tal exercício é tido por parte da doutrina que o conhece como inadmissível. Como expressão da confiança, o venire contra factum proprium situa-se já numa linha de concretização da boa-fé. É o que acontece com a recondução do "venire" à doutrina da confiança, que revela um estádio elevado nessa tarefa da concretização da boa-fé. A confiança dá um critério para a proibição de venire contra factum proprium.
 Os princípios que, à face do Direito civil português, permitem detectar a presença de um facto gerador de confiança podem ser induzidos das regras referentes às declarações de vontade, com relevância para a normalidade – art. 236.º, n.º 1 – e o equilíbrio – art. 237.º. Significa isto que o quantum relevante de credibilidade para integrar uma previsão de confiança, por parte do factum proprium, é, assim, função do necessário para convencer uma pessoa normal, colocada na posição do confiante e razoável, tendo em conta o esforço realizado pelo mesmo confiante na obtenção do factor a que se entrega. Assim se obtém o enquadramento objectivo da situação de confiança. Requer-se, porém ainda um elemento subjectivo: o de que o confiante adira realmente ao facto gerador de confiança.

A expressão "venire contra factum proprium" significa, portanto, uma proibição jurídico-factual da assumpção de um comportamento contraditório, postulando dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo.

O venire contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, se comporta de determinada maneira, gerando expectativas na outra de que o seu comportamento permanecerá inalterado.

Em vista desse comportamento, existe um investimento, a confiança de que a conduta será a adoptada anteriormente, mas depois de referido lapso temporal, é alterada por comportamento contrário ao inicial, quebrando dessa forma a boa-fé objectiva (confiança).

Na escalpelização, ou escrutínio recenseador, dos autores evidenciam-se quatro elementos para a caracterização do venire contra factum proprium: comportamento, geração de expectativa, investimento na expectativa gerada e comportamento contraditório.

A tutela da confiança atribui ao venire contra factum proprium um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência. O fundamento da proibição do comportamento contraditório é, justamente, a tutela da confiança, que mantém relação íntima com a boa-fé objectiva.
Verifica-se que na sua estrutura, o “venire contra factum proprium” pressupõe a existência de duas condutas contrapostas viabilizadas, ou postas em acção, pela mesma pessoa, que arrancando da sua licitude intrínseca, se revelam, no arco do tempo, distintas e contraditórias. Assim a primeira (o “factum proprium”) revela-se antinómica e contraditória da segunda, a acção desencadeada para contraminar o statuo quo estabelecido, de forma a que essa relação posicional justifica o surgimento da figura proibitiva e vedante em que se constitui o instituto do abuso do direito. Este instituto arranca da necessidade da confiança enquanto valor e exigência ético-axiológica conducente a uma estabilidade e equilíbrio sócio-pessoal e jurídica das pessoas no conspecto das relações contratuais que se vão sedimentando na prática inter-relacional. Pela reiteração e aquisição de um estado fáctico-jurídico que esses valores assumem devem merecer protecção da ordem jurídica em homenagem à manutenção e tutela de determinados comportamentos da comunidade jurídico-social. É que estando a sociedade organizada na base de relacionamentos tendencialmente estáveis, exige que cada sujeito assuma perante os demais um comportamento congruente e minimamente estável de modo a permitir um desenvolvimento harmonioso e previsível das respectivas condutas interpessoais e institucionais. A ruptura de códigos e comportamentos assumidos conduz a frustrações de perspectivas e de projectos que podem tornar-se incomportáveis no tráfego comercial e no inter-relacionamento dos sujeitos que o convalidam.   

Menezes Cordeiro sintetiza em seis tipologias as situações em que tem sido colocada a ocorrência do abuso do direito, sendo que estas tipologias nos permitem, igualmente, enquadrar parâmetros de actuação aptos a concretizar os conceitos jurídicos indeterminados em que está ancorado o instituto do abuso do direito [em relação às referidas tipologias segue-se de perto o texto do referido autor. [[17]].

As referidas tipologias são as seguintes: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

Em primeiro lugar, a exceptio doli traduzia-se numa actuação dolosa do titular na formação da sua situação jurídica ou no momento da própria discussão da causa.

Em segundo lugar, no venire contra factum proprium está em causa uma actuação do titular contraditória com um comportamento passado.

Trata-se, em suma, de tutelar a confiança gerada numa das partes pelo comportamento anterior da outra.

Em terceiro lugar, verifica-se uma inalegabilidade formal quando alguém alega de forma desconforme com a boa-fé, designadamente por lhe ter dado causa, a nulidade formal de um negócio.

Em quarto lugar, referem-se a supressio e a surrectio que são figuras baseadas nos mesmos fenómenos – decurso do tempo, boa-fé e tutela da confiança – mas de sentido inverso.

No primeiro caso, o decurso de um longo período de tempo sem o exercício de um direito faz com que o seu titular perca a faculdade do seu exercício.

No segundo caso, a manutenção de uma situação durante um longo período de tempo faz surgir numa pessoa uma faculdade jurídica que de outro modo não teria.

Em quinto lugar, o tu quoque traduz-se na inadmissibilidade do titular do direito aproveitar-se de uma violação de uma norma jurídica exigindo a outrem que actue em consonância com as consequências resultantes dessa violação.

Por fim, em sexto lugar, temos o desequilíbrio, ou seja, o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo).

Todas estas situação não são mais do que tipologias de comportamento em que historicamente se tem ancorado o raciocínio do abuso do direito, sendo que nem todas têm actual justificação e muitas delas se reconduzem, no fim de contas, a outras figuras, designadamente ao venire contra factum proprium, mas de qualquer forma permitem deixar mais claros os parâmetros em que se move o instituto invocado.
Importa, por isso, analisar as circunstâncias do caso concreto para averiguar se existe por parte da executada, ao arguir a nulidade dos contados de ampliação do crédito, um comportamento que preencha os requisitos do abuso do direito e o que está realmente em causa é uma actuação numa situação de venire contra factum proprium.
Armados com os elementos atinentes à figura de abuso de direito, revisitemos o caso em apreço.
Antes, porém, importará fazer um excurso pelo regime da concessão dos contratos de crédito à habitação e os seguros que, de ordinário, lhe vêm associados.

Preceitua o art. 23.º n.º 1 do Dec. Lei 349/98, de 11/11 (diploma que regulou a concessão de crédito à aquisição, construção, beneficiação, recuperação ou ampliação de habitação própria, secundária ou de arrendamento, nos regimes geral de crédito, crédito bonificado e crédito jovem bonificado) que "os empréstimos serão garantidos por hipoteca da habitação adquirida, construída ou objecto das obras financiadas, incluindo o terreno", adindo o n.º 2 que "em reforço da garantia prevista no número anterior, poderá ser constituído seguro de vida, do mutuário e cônjuge, de valor não inferior ao montante do empréstimo, ou outras garantias consideradas adequadas ao risco do empréstimo pela instituição de crédito mutuante".

Vem igualmente adquirido, ainda para o plano de enquadramento jurídico-positivo, que se trata de um seguro de grupo vida [[18]] que vigorava no momento em que o contrato de mútuo, com contrato de seguro associado, foram celebrados e que obtinha regulamentação no Decreto-lei n.º 176/95, de 26 de Julho de 1995. [[19]]

Nos termos artigo 1.º do referido decreto-lei, «seguro de grupo» é o seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo de interesse comum (al. g)). «Seguro de grupo contributivo» é o seguro de grupo em que os segurados contribuem no todo ou em parte para o pagamento do prémio (al. h)). Por sua vez o “tomador do seguro» é a entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio, o «segurado» é a pessoa no interesse da qual o contrato é celebrado ou a pessoa (pessoa segura) cuja vida, saúde ou integridade física se segura (als. b) e c)). [[20]]
Contrato de seguro é, na definição de José Engrácia Antunes, “o contrato pelo qual uma pessoa singular ou colectiva (tomador do seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se a primeira a pagar uma determinada contrapartida (prémio) e a última a efectuar uma determinada prestação pecuniária em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro)”. [[21]] Trata-se, na sua caracterização tipológica, de um contrato típico e nominado, “dado tratar-se de um contrato dotado de “nomen juris”, de uma realidade socioeconómica inequívoca (tipicidade social) e de uma disciplina legal própria (tipicidade legal).” Reveste-se de consensualidade, “no sentido de que a sua celebração e validade não está sujeita a qualquer forma especial, sem prejuízo da obrigação da seguradora emitir e entregar ao tomador um documento escrito designado apólice de seguro (artigo 32.º da actual LCS)”. “É um contrato de adesão, já que, por via de regra, (sobretudo nos seguros de massa), o tomador do seguro dispõe da possibilidade de aderir ou rejeitar em bloco um conjunto de cláusulas contratuais padronizadas prévia e unilateralmente elaboradas pela empresa seguradora.” É um contrato sinalagmático e oneroso, “donde resultam obrigações para ambas as partes, consubstanciadas em atribuições e custos patrimoniais (o segurador assume um risco alheio mas encaixa um preço, e o tomador paga um prémio alijando um risco) - mas também contrato aleatório - caracterizado por uma álea intrínseca, onde reina um estado de incerteza quanto ao significado patrimonial do contrato para os contraentes (…).” É, finalmente, um contrato de boa-fé. [[22]/[23]/[24]]   
Por contrato de seguro de grupo, que a doutrina alemã distingue do contrato de benefício [[25]] tem como elementos definidores: trata-se de: “(i) um contrato; (ii) um contrato de seguro; (iii) cujo tomador é o subscritor; (iv) celebrado por conta dos participantes; estes são terceiros segurados; (v) ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar; (vi) cobrindo cumulativamente; (vii) riscos homogéneos de todos os terceiros-segurados; (viii) com perfeita separabilidade; e (ix) sem uma correlação positiva forte entre os riscos dos terceiros segurados.” [[26]]             
O contrato de seguro contém, na sua estrutura lógico-formativa, elementos de natureza pessoal, como sejam o segurador, o segurado, o tomador do seguro e o beneficiário; de natureza natural, humana ou social, que se traduz numa potencialidade de risco, o interesse, no sentido do interesse que o segurado tem no bem exposto ao risco, ou seja a “relação económica existente entre um sujeito e um bem, a qual tem um valor cuja diminuição ou perda há-de ser compensada pela indemnização do seguro” e, finalmente, o prémio, “contraprestação paga pelo tomador do seguro ou o segurado pela deslocação do risco para o segurador.” [[27]]     
“[A] arquitectura do seguro de grupo revela um estrutura triangular: o tomador celebra um contrato com o segurador, com vista a que a este adiram os membros de um determinado grupo, tornando-se então segurados. A adesão pressupõe o cumprimento de deveres de informação relativa ao conteúdo do contrato, que estão primacialmente a cargo do tomador de seguro, podendo também ser pactuado entre tomador e segurador que seja último a cumpri-los.” [[28]]      
 Servirá de compáscuo, atenta a estrutura do recurso, a alusão à natureza jurídica do contrato de seguro de grupo, que a jurisprudência portuguesa tem definido como uma figura sui generis. [[29]] ou como contrato a favor de terceiro. [[30]] Na conclusão de Inês Oliveira Martins “[parece], pois, mais correcto considerar que nos encontramos aqui perante não um único, mas sim uma pluralidade de contratos; de um lado, o celebrado entre o segurador e o tomador; de outro, as várias relações jurídicas contratuais que a adesão e a respectiva aceitação pelo segurador (art. 88.º da LCS) vêm estabelecer entre o segurador e cada um dos segurados.” [[31]]
Em nosso juízo parece dever assumir-se a posição advogada pela autora citada, dado que estamos perante dois contratos distintos. Por um lado, entre o segurador e o tomador e por outro entre aquele e os segurados. Reúnem-se num só contrato dois tipos de interesses e duas relações jurídicas distintas ou pelo menos com finalidade distinta. Por um lado o tomador do seguro que será o beneficiário e por outro o segurado que estando preservado da álea (sinistro) – ou mais concretamente, das consequências nefastas que adviriam para o seu património da sobrevivência do evento danoso – vê repercutir na esfera de outrem o benefício do risco pactuado. [[32]/[33]]
Apartando-nos da querela – apuramento da natureza jurídica do contrato de seguro de grupo vida, contrato a favor de terceiro ou de um contrato atípico [[34]] – temos para nós que a solução do caso em apreciação deve passar pela inverificação da possibilidade de execução, automática e ipso jure, da quantia ou importância segura e existente na economia do contrato de seguro, no momento da verificação do evento danoso, potenciadora ou desencadeadora do accionamento do contrato. Ou dito de outra forma, a garantia que se constitui, a favor de entidade mutuante, não pode ser accionada sem que, na execução do contrato, esteja confirmada, pela entidade seguradora.
Na fisionomia recortada para o contrato de seguro de grupo de vida, a exequibilidade dos termos do contrato é externa ao desenvolvimento normal do contrato de mútuo, na medida em que, estando, embora, associados ou coligados, não deixam de estar sujeitos, cada um deles, às suas regras próprias e especificas e não ficam precludidas as obrigações próprias e específicas de cada tipo de contrato. Assim, a vida própria e específica de cada contrato, repercute-se nas vicissitudes obrigacionais próprias de cada relação jurídica estabelecida, nomeadamente, quanto ao contrato de mútuo a falta de pagamento das prestações acordados e quanto ao contrato de seguro de grupo de vida a necessidade de verificação, pela entidade seguradora, da situação infortunística que desencadeie a obrigação de pagamento da quantia que, no momento e nos termos contratuais, esteja em divida no contrato de mútuo. Na verdade, cada um dos contratos cumpre uma função específica e própria e tem a sua vivência, nomeadamente, a fase de cumprimento, e no contrato de seguro a obrigação, por banda da seguradora, só fica cumprida quando estiverem verificados os termos ou cláusulas assinadas, ou seja a seguradora só fica obrigada a cumprir o que se comprometeu quando ocorre a situação estabelecida nas cláusulas do contrato.
A questão em tela de juízo equaciona-se nos seguintes termos: sendo a exequente portadora de um título executivo – escritura pública de venda e a que está associada uma garantia real de hipoteca, para garantia do contrato de mútuo – e tendo, o exequente, accionado o título executivo contra os mutuários inadimplentes, excede os limites da boa-fé, por se ter abstido de accionar, em primeira linha, a beneficiária do seguro de vida, por morte do tomador de um seguro de vida, sendo que os herdeiros comunicaram à exequente e à seguradora o respectivo óbito? – cfr. item 14 dos factos provados.
Questão similar – que não totalmente coincidente, tanto no plano factual como jurídico – foi objecto de tratamento no acórdão supra citado [[35]].
Para completa dilucidação e compreensão da temática em tela de juízo, importará repristinar, ou revisitar o que antecedeu o veredicto de exercício abusivo do direito, por banda do banco exequente.
Escreveu-se a propósito na sentença proferida no tribunal judicial de ... que (sic): “É que ficou, aí pelo menos, demonstrado que o banco exequente teve conhecimento, ao menos por via da citação, que o marido da oponente havia falecido e ainda que as responsabilidades pendentes da sua morte, designadamente, as relativas ao contrato de crédito em causa nesta execução, seriam cobertas pelo seguro de vida celebrado com a seguradora aí também ré.
E aí o Banco ora exequente arrogou-se de único beneficiário do dito seguro.
E aí, pelo menos quando foi citado, em 26/04/2004, cfr. certidão junta aos autos, soube que o tomador do seguro havia falecido, embora já o soubesse antes, em 2001, como se vê do doc. junto a fls. 85.
Todavia, tem o desplante de, em execução intentada em 2007 vir dizer que nem sabia que o mutuário havia falecido, e muito menos que havia seguro!
E até hoje não consta, porque o banco nem o alega, que ao menos tenha pedido à seguradora o pagamento do seu crédito, e muito menos que tal lhe tenha sido recusado.”        
Em nosso juízo, o accionamento dos executados por parte de um banco/exequente que, para cobrança de uma divida movimenta acção executiva, fundada em título de crédito, que possui tão só contra os executados, sabendo, por ter tido participação em acção em que os executados intentaram contra a seguradora e o próprio banco/exequente para pedir o resgate da quantia (segurada) correspondente à dívida que pode requestar o pagamento dessa dívida à seguradora, excede os limites da boa-fé e do fim ético-axiológico em que se deve escorar a ordem jurídica.     
Na verdade, ainda que possuindo o banco/exequente título de crédito contra o tomador de um seguro de vida, que uma vez vencido – a partir da morte do segurado – obriga a seguradora a pagar o capital seguro ao banco beneficiário (desse seguro), se o banco não reclama do banco o capital em dívida – e de que ele é beneficiário, por força do contrato de seguro, itera-se – age contra princípios mínimos de uma salutar cobrança da dívida. E age contra princípios éticos e de salutar exercício de um direito, o banco que sabendo desde o momento em que foi chamado à acção em que os executados pediram à seguradora o resgate do capital a que tinham direito, o banco defendeu, nessa acção que os executados não tinham o direito ao capital seguro, dado que sendo ele o beneficiário deveria ser a ele que o capital devia ser pago. Depois de ter obtido decisão, em que os executados terão visto o direito peticionado nessa acção – pedido de que a seguradora lhes pagasse o capital em dívida – não é curial, legítimo e correspondente ao uso normal do direito que intenta acção executiva – três (3) anos após a decisão da acção declarativa – contra os executados que viram frustrada a possibilidade de obter da seguradora o capital com que poderiam solver a dívida ao exequente.          
Em termos lhanos, pensamos que o exequente, sendo beneficiário de um seguro – cujo tomador é o executado – não pode accionar um título de crédito fundado em escritura pública de mútuo que possui a seu favor contra o devedor que deixou de cumprir as suas prestações (de pagamento do empréstimo), se tem possibilidade – e já se arrogou desse direito em acção declarativa anterior em que também interveio a seguradora – de obter desta o pagamento – legitimo e em primeira demanda – da seguradora. Em nosso juízo, sendo terceiro beneficiário de um seguro (de grupo) vida, o exequente possui o dever jurídico de obter o pagamento – de que se tinha prevalecido em acção declarativa anterior em acção conjunta com a seguradora – à custa do seguro, excedendo, de forma flagrantemente clamorosa, o direito de obter o pagamento se movimenta contra o tomador do seguro – que não é beneficiário do mesmo – acção executiva com base em título de que seja detentor. O óbito do tomador de seguro permite ao beneficiário do seguro – no caso o banco exequente – solicitar, em primeira demanda, à entidade seguradora a cobrança/pagamento do capital seguro – correspondente ao capital mutuado em dívida.    
Sendo o exequente possuidor de título de crédito contra o executado – neste caso os sucessores do executado -, que deixou(aram) de cumprir com o pagamento das prestações a que se encontrava(m) adstrito(s), mas tendo possibilidade de obter a cobrança da divida, directamente de outrem que está obrigado, por via contratual, a pagar-lhe, tem o dever jurídico de, em primeira linha, pedir o pagamento á seguradora e só se esta por qualquer desvio no contrato de seguro, por banda do tomador, negasse ou estivesse impedida de pagar o capital seguro, é que poderia accionar o título executivo que tem em sua poder.      
Dir-se-á que o banco, sendo beneficiário de um seguro de vida, deveria, em primeira linha, requestar à seguradora o pagamento do seguro, dado ser esta detentora do capital que tinha por destino (seguro) o pagamento da dívida. Vale por dizer, que o capital de que a seguradora era detentora, após a morte do tomador do seguro, tinha por função – pois havia sido o fim e o escopo do contrato de seguro – pagar o capital que sobrasse, ou que estivesse em dívida, à data da morte do tomador. Se o não fizesse, isto é, se o seguro não entregasse ao banco o capital correspondente para pagamento do mútuo que se destinava a segurar ou a garantir, o contrato de seguro ficaria inane e desprovido de finalidade própria, frustrando desde modo o fim social do mencionado contrato. Ou seja, não pagando, a seguradora, o capital (sobrante) do mútuo – que constituía o fim do contrato de seguro – e porque o tomador – como foi reconhecido na acção que intentou contra a seguradora e banco/exequente – não o podia reclamar para si para lograr o pagamento (solvência) da sua dívida perante o banco – itera-se, o beneficiário do contrato de seguro – então, se procedesse a acção executiva, a seguradora locupletar-se-ia com o capital. Não tinha a obrigação de o entregar aos sucessores do tomador do seguro, por estes não serem os beneficiários do seguro – era o banco/exequente – não era reclamado pelo banco/exequente, restaria na sua posse, deixando desta forma de cumprir o contrato de seguro, sendo que esta poderia obter cumprimento se, o banco/exequente agisse dentro do seu direito – afinal, o banco enquanto beneficiário tem o direito de obter o pagamento do capital seguro – e o accionasse contra a seguradora. O banco/exequente tem um direito contra a seguradora, qual seja o de obter dela o pagamento do capital correspondente a um mútuo efectuado a um tomador de um seguro de vida, mas fazendo caso omisso do seu legítimo e inderrogável direito acciona o tomador contra quem um título executivo. O banco não age contra quem deveria, em primeira linha, proceder ao pagamento, e vem agir contra quem só deveria pagar se, por qualquer razão a entidade obrigada ao pagamento não o fizesse. Age em manifesta desrazão do direito e sem observância de um dever de proceder contra quem, em primeira linha, tem o dever de pagar. Ao agir, por via da substituição e da “sub-rogação”, quando deveria ter feito em via principal, directa e imediata contra o devedor, por garantia contratual, o banco/exequente desvia-se da função normal do seu direito primordial – qual seja, neste caso, obter o pagamento da entidade seguradora – para, de forma inapropriada e desvirtuada procurar obter o pagamento de outro obrigado, que por contrato se havia despencado da obrigação, pela sua transferência para a entidade seguradora.        
Pelo exposto, somos de entender que, como decidiu a primeira (1.ª) instância, o banco excedeu, manifesta e de forma censurável e eticamente reprovável, o direito de accionar um título executivo contra os devedores, quando o deveria ter feito, em primeira e necessária demanda, contra aquele que estava contratualmente obrigado a pagar o capital mutuado, por haver transferido essa responsabilidade para a seguradora, por sua morte.                          

III. – DECISÃO.
Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:
- Conceder a revista, e consequentemente, revogar a decisão recorrido, repondo a decisão da primeira (1.ª) instância;
- Condenar o banco recorrido nas custas.


    Lisboa, 25 de Novembro de 2014

           
Gabriel Catarino – (Relator)

 Maria Clara Sottomayor

 Sebastião Póvoas               

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[1] Cfr. Pontos sete e oito do epítome conclusivo que, para elucidação, se deixa transcrito. “7. O banco, ao executar os herdeiros do finado, agiu com má-fé e contra todos os princípios dos bons costumes.   

8 – O banco actuou, assim, de má-fé, abusou do direito que lhe conferia o título executivo, com violação evidente, clara e suja do art. 334.º do C. Civil.”  
[2] Cfr. Ac. de 20-09-2011, in www.stj.pt
[3] Extraída de “La Buona Fede e L’ Abuso del Diritto. Principii, fattispecie e cauistica”, de Gianluca Falco, Giuffrè Editore, Milano, 2010, pág. 4 e 6.
[4] Cfr. Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 20 (Cassação de 13 de abril de 1999, in Foro It., 1999, 12,I,358.
[5] Vetorri, in “Il diritto dei contratti fra Constituzione, códice civile e códice di settore”, in Riv. Trim. Dir, proc. civ., 2008,3, 751, citado em Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 21 e 22. “Questa operazione vaIutativa compiuta daI giudice di merito nell’ applicare clausole generali non sfugge ad una verifica in sede di giudizio di legittimità, Sotto iI profilo della correttezza dei metodo seguito nell’ applicazione della clausola generale, proprio perché l’ operatività, in concreto di norme di tale tipo deve rispettare criteri e principii desumibili dall’ordinamento general (a cominciare dai principi costituzionali) e dalla disciplina particolare in cui la concreta fattispecie si colloca.
Lo stesso giudice di legittimità, (cui spetta, quindi, iI giudizio sulle opzioni di valori dei giudice dii merito), e, d’altra parte, anche giudice della logjcità delle decisioni” dello stesso (art. 360 n. 5 c.p.c.), in quanto anche ancorata a standards che possono definirsi sociali: per esser la stessa società iI punto di riferimento paramétrico dei processo lógico; ne consegue che iI controllo esercitato dalla Suprema corte, ai sensi dell’art. 360, n. 3, c.p.c., comprenderà non solo l’erronea interpretazione, e dunque iI fraintendimento, del significato del concetto indeterminato o elástico, ma anche l’ errónea applicazione dello stesso com riferimento ai caso di specie e, dunque, l’erronea. sussunzione della fatlispecie materiale concreta nella fattlspecie legale astratta delineata dal legislatore com l’utilizzazione di quel concetto.”
[6] Gianluca Falco, in op. loc. cit. pág. 23. “Qggi, l’abuso deI diritto viene, dunque, individuate nel comportamento di un soggetto che esercita i diritti che gli derivano dana legge o dal contratto per realizzare uno scopo diverso da qüello cui questi diritti sono preordinati: la figura concerne, cioè, le ipotesi nelle quali un comportamento, che formalente integra gli estremi dell’ esercizio del diritto soggettivo, deve ritenersi illecito sulla base di alcuni criteri di valutazione.”
[7] No direito português e com interesse veja-se o que a propósito foi escrito por Rui Alarcão, in “Direito das Obrigações”, Coimbra 1983 (texto elaborado por Sousa Ribeiro, Sinde Monteiro, Almeno e Sá e J.C. Proença) com base nas lições do citado Professor ao 3.º ano Jurídico, se escreveu que: “O princípio da boa fé significa que todos devem guardar “fidelidade” à palavra dada e não frustrar ou abusar daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, sendo, pois, mister que procedam tal como deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe honesta e correctamente no tráfico jurídico, no quadro de uma vinculação jurídica especial.” - pág. 110. (Veja-se ainda neste autor a distinção entre boa-fé objectiva e subjectiva - págs. 107-109)  
[8] Gianluca Falco, in op. loc. cit. pág. 381. Na sentença (cassação) de 18 de Setembro de 2009, definiram-se os elementos constitutivos do abuso de direito pela forma seguinte:”1) a titularidade de um direito atribuída a um sujeito;2) a possibilidade que o concreto exercício do referido direito possa ser efectuado segundo uma pluralidade de modalidade não rigidamente predeterminada; 3) a circunstância que tal exercício concreto, ainda que se formalmente respeitador da moldura atributiva do referido direito, seja desenvolvido segundo uma modalidade censurável com respeito a um critério de valoração jurídico ou extra jurídico; 4) a circunstância que, devido a uma tal modalidade de exercício, se verifique uma desproporção injustificada entre o beneficio do titular do direito e o sacrifício daquele que è constrito à contraparte”. 
[9] Mota Pinto, Paulo, in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol., Coimbra Editora, 2008, pag. 485.
[10] Op. loc. cit. pag. 485 que cita Orlando de Carvalho in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1981, págs. 45.
[11] Cfr. A este propósito o acórdão deste supremo Tribunal de 16-12-2010, relatado pelo Conselheiro Alves Velho onde se escreveu a propósito do instituto do abuso de direito: “O instituto do abuso de direito, como princípio geral moderador dominante na globalidade do sistema jurídico, apresenta-se como verdadeira «válvula de segurança» vocacionada para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, de tal forma que se reveste, ele mesmo, de uma forma de antijuridicidade cujas consequências devem ser as mesmas de qualquer acto ilícito.

Quando tal sucede, isto é, quando o direito que se exerce não passa de uma aparência de direito, desligado da satisfação dos interesses de que é instrumento, e se traduz «na negação de interesses sensíveis de outrem» (COUTINHO DE ABREU, “Do Abuso de Direito”, pp. 43), então haverá que afastar as normas que formalmente concedem ou legitimam o poder exercido.

(…) A boa-fé, como princípio normativo de actuação – que é o conceito em que aqui releva (art. 762º-2 CCiv.) -, encerra o entendimento de que as pessoas devem ter um comportamento honesto, leal, diligente, zeloso, tudo em termos de não frustrar o fim prosseguido pelo contrato e defraudar os legítimos interesses ou expectativa da outra parte.

(…) Como pressupostos da imputação da consequência jurídica do venire contra factum proprium, o Prof. Baptista Machado (“Obra Dispersa, I, 416) enuncia: - (i) uma situação objectiva de confiança (uma conduta que possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação ao desenvolvimento futuro de certa situação); - (ii) investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento (que o facto gerador da confiança se apresente como o determinante, em termos de causalidade, a influenciar as decisões da contraparte); - (iii) boa fé da contraparte que confiou (a confiança da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esta esteja de boa fé e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico)

No caso, não estando, em boa verdade, em apreciação uma declaração dos Réus no sentido de actuarem de determinada forma ou uma manifestação de intenção de não praticar certo acto agindo depois em termos contrários ao declarado ou manifestado, só em sentido amplo se estará perante a figura do “venire” (cfr. MENEZES CORDEIRO, “A Boa Fé no Direito Civil”, II, 742 e ss).
Mas, também, a propósito desta figura a (supressio], quando autonomizada em relação ao “venire”, se exigem requisitos ou condições para além do decurso do tempo, bem próximas das acima enunciadas. Assim: - (i) o titular deve comportar-se como se não tivesse o direito ou não mais quisesse exercê-lo; - (ii) deve haver previsão ou investimento na confiança (a contraparte deve confiar em que o direito não mais será feito valer); - (iii) Deve ocorrer uma desvantagem injusta (o exercício do direito acarretaria, para a contraparte, uma desvantagem iníqua) – ac. STJ, de 19/10/2000, CJ VIII-III-82).
[12] Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 387.
[13] Cfr. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações”, pág. 63-63 “Há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual.” No mesmo sentido Vaz Serra, in “Abuso do Direito”, BMJ, n.º 85, pág, 253.   
[14] Cfr. Antunes Varela, João, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, Almedina, 6.ª ed., pág. 516
[15] cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Almedina, Coimbra, vol. I, a páginas 436-438.

[16] Cfr. Castanheira Neves, ““Questão de Facto e Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade (ensaio de uma reposição critica.: a crise.I”, p 529, nota 54 e pp. 523 e 524. Cfr. acórdão deste Supremo, de 2-06-2009, proferido no Proc. n.º 256/09.34YFLSBB, relatado pelo Conselheiro Urbano Dias, onde, ainda a propósito da figura do abuso de direito se escreveu: “Esta visão é (com) partilhada por Mafalda Miranda Barbosa, sua discípula natural, que nos faz notar que “o direito subjectivo, enquanto expediente reconhecido pelo ordenamento aos diversos sujeitos, não pode ser entendido como uma mera forma, como um expediente formal despido de quaisquer valorações materiais. O direito subjectivo é conformado com uma dimensão axiológico-normativa que faz com que ele, em concreto, seja um direito subjectivo e se integre no ordenamento jurídico concretamente desenhado” ou, dito de outra forma, como uma forma de exercício da liberdade humana, o que “implica não só a delimitação de uma esfera de acção, mas igualmente uma série de deveres, desde que se entenda a liberdade em sentido positivo, geradora de responsabilidade e de deveres de solidariedade” [[16]]

Por isso, comungando das mesmas ideias, diremos que não temos que ficar presos, amarrados, ao que está prescrito no citado artigo 334º, antes nos cumpre, e sempre, procurar detectar se o exercício formal de um direito se mostra desconforme com a teologia desse mesmo direito. Se a resposta for positiva, então sim, há abuso do direito. E, de igual modo, perfilhamos as suas ideias quando, ao revisitar o aludido preceito legal, defende que “o que está em causa no abuso do direito não é a intenção de prejudicar terceiros, ou a desconformidade com a moral, mas sim a dissonância entre a estrutura formal do direito que se invoca e a intencionalidade normativa desse mesmo direito”. Com efeito, e no que diz respeito à boa-fé, ter-se-á de dizer que “ela sustenta todo o mundo contratual, modelando a conduta dos contraentes, sindicando-a e chancelando-a de lícita ou ilícita”: “naquelas situações em que se coloca um problema relativo à boa-fé e aos deveres que ela faz emergir não faz sentido recorrer ao abuso do direito”.

No que aos bons costumes diz respeito, cumpre dizer que “não sendo pacífico o entendimento sobre o verdadeiro alcance do conceito, tem-se generalizado a opinião segundo a qual, …, a cláusula geral dos bons costumes apenas pode ser preenchida ou concretizada por referência ao sentido ético dominante na sociedade”, e, nessa medida, apenas faz sentido a referência aos bons costumes (como, aliás, à boa fé) “se virmos neles a manifestação de princípios normativos e se distinguirmos claramente moral e ética”. Como assim – continua – “implicando a sindicância do exercício de uma posição subjectiva activa com base nos bons costumes, o abuso do direito não pode redundar numa forma de limitação do direito por referência à moral dominante”. Desta forma, “só faz sentido a referência à boa-fé e aos bons costumes se virmos neles a manifestação de princípios normativos e se distinguirmos claramente moral e ética” É com estas cautelas e com estas reservas que devemos interpretar o artigo 334.º do Código Civil, “sem que isso nos impeça de ir mais além”, pois “perante a mobilização em concreto de um direito, teremos de indagar sempre, por referência aos princípios normativos em que se funda, se aquele exercício os contraria ou não” (ainda obra citada, páginas 323 a 326).”

O abuso do direito, pressupondo a existência do direito, existe quando o seu titular exorbita os fins próprios desse direito ou do contexto em que é exercido, desde que esse excesso seja claro e manifesto, ou seja, ofenda clamorosamente o sentimento jurídico socialmente dominante, não obstante não seja exigível a consciência de exercício excessivo do direito.

Trata-se de um limite intrínseco do exercício de um direito, servindo como válvula de segurança para os casos de pressão violenta da consciência jurídica contra a rígida estruturação das normas legais obstando a injustiças clamorosas que o próprio legislador não hesitaria a repudiar se as tivesse vislumbrado.
[17] Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra, Almedina, páginas 249 a 269.

[18] Neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3-02-2009, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, onde se escreveu a propósito de um seguro associado a um crédito ao consumo e caracterizando este tipo de seguro: “No caso decidendo, a prestação prometida pela seguradora, na hipótese de morte da pessoa segura, não se destina a esta, mas antes ao tomador do seguro e, também, simultaneamente, seu beneficiário, a favor de quem reverte a prestação da entidade seguradora, a quem devem ser pagas as importâncias seguras, atento o preceituado pelo artigo 1º, a), b), c) e e), do DL nº 176/95, de 26 de Julho.

Efectivamente, preceitua o artigo 455º, corpo, do Código Comercial, aplicável (9), que “os seguros de vidas compreenderão todas as combinações que se possam fazer, pactuando entregas de prestações ou capitais em troca da constituição de uma renda, ou vitalícia ou desde certa idade, ou ainda do pagamento de certa quantia, desde o falecimento de uma pessoa, ao segurado, seus herdeiros ou representantes, ou a um terceiro, e outras combinações semelhantes ou análogas”.

Por seu turno, trata-se de um contrato de seguro de vida de grupo, (sublinhado nosso) celebrado entre a entidade financiadora e a entidade seguradora, que o artigo 1º, g) e h), do DL nº 176/95, de 26 de Julho, citado, qualifica como um seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro, por um vínculo ou interesse comum, de natureza contributiva, no qual os segurados contribuem, no todo ou em parte, para o pagamento do prémio.”

[19] O Decreto-lei foi parcialmente revogado pela alínea e) do artigo 6.º da Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril: “e) Os artigos 1.º a 5.º e 8.º a 25.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 60/2004, de 22 de Março, e 357-A/2007, de 31 de Outubro.”, a partir de 1 de Janeiro de 2009.
[20] Cfr. Oliveira Martins, Maria Inês, in “O Seguro de Vida Enquanto Tipo Contratual Legal”, Coimbra Editora, 2010, págs. 74 a 85 (numa perspectiva e abordagem à luz do novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro (LCS) - Decreto Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril. 
[21] Na definição do Conselheiro Moitinho de Almeida, “O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado", Livraria Sá da Costa , Lisboa, 1971, p. 23, o contrato de seguro é "aquele em que uma das partes, o segurador, compensando, segundo as leis da estatística, um conjunto de riscos por ele assumidos se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou tratando-se de evento relativo à pessoa humana, entregar um capital ou uma renda ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites contratualmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando-se de pretensão a realizar em data determinada."
[22] Cfr Engrácia Antunes, José A., in “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, Coimbra, págs. 683-686. Na definição da lei espanhola adrede, o contrato de seguro é definido “como aquele pelo qual o segurador se obriga mediante a cobrança de um prémio e para o caso de que se produza o evento cujo risco é objecto de cobertura, a indemnizar, dentro dos limites pactuados (pactados), o dano produzido ao segurado ou a satisfazer um capital, uma renda ou outras prestações convencionadas” – Menéndez, Aurélio, in “Lecciones de Derecho Mercantil”, Thomson - Civitas, 5.ª edição, págs. 781-782 (igualmente quanto às características do contrato de seguro).        
[23] Ensaiando um conceito de contrato de seguro, doutrina Margarida Lima Rego, in “Contrato de Seguro e Terceiros - Estudo de Direito Civil”, Coimbra Editora, 2010, págs. 61 a 66, que “seguro é o contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação das consequências reais ou potenciais de determinado facto.”   
[24] Para Carbonell Puig, Jordi, In “Los Contratos de Seguro de Vida – Normativa Interna y Comunitária”, Bosch, Casa Editorial, Barcelona, 1994, 134, o contrato de seguro deve ser considerado “[como] um instrumento  jurídico complexo, regulado por normas imperativas que o estruturam de tal maneira que o segurador passa de ser um elemento pessoal do contrato a um elemento que se incorpora na sua estrutura para garantir o cumprimento do principio de mutualidade, que permite assegurar que se leve a termino a prestação de serviços que se compromete a cumprir se se produz o risco coberto pelas garantias do contrato, em troca (a cambio) de que o segurado tenha efectivado o prémio convencionado.” 
[25] Contrato de benefício (Begünstigungsverträge) seriam “contratos mediante os quais fossem acordadas vantagens directas ou indirectas de qualquer espécie, para quaisquer pessoas ou grupos de pessoas, em relação ao prémio ou demais condições do seguro ou aos respectivos custos acessórios, comparativamente ao plano comercial praticado para os seguros individuais da mesma espécie.” - cfr. Margarida Lima Rego, in “Contrato de Seguros e Terceiros – Ensaio de Direito Civil”, Coimbra Editora, 2010, pág. 781.      
[26] Cfr. Margarida Lima Rego, in “Contrato de Seguros e Terceiros – Ensaio de Direito Civil”, Coimbra Editora, 2010, pág. 809.
[27] O risco é entendido “como possibilidade de que se produza um evento danoso” o que constitui “um pressuposto da causa contratual e se converte num elemento essencial do contrato” – Cfr. Menéndez, Aurélio, in op. loc. cit. pág. 784-787. Cfr. ainda Engrácia Antunes, in op.loc. cit. págs. 690 a 717.
[28] Cfr. Oliveira Martins, Maria Inês, in op. oc. cit. pág. 77.
[29] Cfr. nota 134 do citado “O Seguro de Vida Enquanto Tipo Contratual Legal”, onde se imprimem os seguintes acórdãos: do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2007 e de 22 de Janeiro de 2009.
[30] Cfr. jurisprudência citada a págs. 80 do citado “O Seguro de Vida Enquanto Tipo Contratual Legal”.
[31] Cfr. Margarida Lima Rego, in “Contrato de Seguros e Terceiros – Ensaio de Direito Civil”, Coimbra Editora, 2010, pág. 83.
[32] Quanto à natureza do seguro de vida (coligado/associado) ao contrato de mútuo, veja-se na jurisprudência, o acórdão desta secção de 03-02-2009, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, em que se escreveu a propósito da dupla função do contrato de grupo vida: “I – O contrato de seguro de vida, quando coligado com o contrato de crédito ao consumo, destina-se a garantir o pagamento do empréstimo contraído pelo mutuário, junto do financiador, intervindo a entidade seguradora como obrigada a pagar o capital mutuado, no caso da pessoa segura falecer antes de determinada data, isto é, antes do termo do contrato de crédito. II – A prestação prometida pela seguradora, na hipótese de morte da pessoa segura, não se destina a esta, mas antes ao tomador do seguro e, também, simultaneamente, seu beneficiário, a favor de quem reverte a prestação da entidade seguradora, e a quem devem ser pagas as importâncias seguras. III – A entidade creditícia, a favor de quem a seguradora se obriga a efectuar a prestação, não é terceiro estranho ao benefício, mas antes uma das partes contratuais, o que exclui a qualificação da situação como de um contrato a favor de terceiro. IV – Sendo o tomador do seguro e o segurado entidades distintas, está-se em presença de um seguro por conta de outrem, em que o tomador do seguro contratou em nome próprio, mas no interesse de um terceiro. V – Coincidindo o tomador do seguro com o beneficiário do mesmo, ao financiador pertence o ónus da participação da morte do segurado e da sua demonstração, comunicando o sinistro, formalizando a participação e fornecendo informação complementar sobre o mesmo à entidade seguradora. VI – Nos seguros de grupo, de tipo contributivo, impõe-se ao tomador do seguro, obrigatoriamente, o ónus da prova de ter informado o segurado, nomeadamente, sobre as obrigações e direitos, em caso de sinistro, sem perda de garantias, por parte deste, até que se mostre cumprida aquela obrigação. VII – Cabendo à financiadora, na qualidade de destinatária do benefício garantido, o ónus da participação da morte da pessoa segura, que era do seu conhecimento, ainda que não a respectiva causa de morte, importaria que diligenciasse no sentido de ver suprida esta insuficiência, junto daquela, sob pena desta sua omissão liberar a pessoa segura da responsabilidade pelo pagamento da quantia mutuada, não podendo, assim, a financiadora reclamá-lo da viúva do segurado, em virtude de a seguradora se haver obrigado a assumir o risco da morte do mutuário, satisfazendo ao beneficiário o montante, previamente, estipulado.”
[33] Defendendo que se trata de um contrato a favor de terceiro, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27-10-2009, relatado pelo Conselheiro Garcia Calejo, onde se escreveu, na nota 7: “[somos] em crer que o contrato em questão não pode ser entendido como um contrato a favor de terceiro. Isto porque para tal carácter teria que existir um terceiro a favor de quem tivesse sido convencionada a promessa, adquirindo, então, o direito à prestação independentemente de aceitação, como resulta do art. 444.º n.º do C. Civil. Ora, no caso em discussão, nem os segurados são terceiros, porque aderem ao contrato celebrado entre o banco e a seguradora, nem o banco o é, porque é parte do contrato aberto à adesão de quem vier a contrair perante si empréstimo à habitação. Terceiros, nas condições definidas na lei, só seriam os herdeiros dos segurados, no caso de se verificar o risco coberto «morte», porque então estes, que não haviam outorgado no contrato, teriam direito à prestação debitória em relação ao remanescente do capital seguro e em dívida (Calvão da Silva, RLJ, Ano 136, p. 160).”
[34] Cfr. no sentido de que, no caso de um seguro de grupo celebrado por uma União de Sindicatos a favor dos seus associados, não configura um contrato a favor de terceiros, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10-5-2007, relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa, onde se escreveu, a propósito: “[Resulta] da lei que o contrato a favor de terceiro é aquele em que uma das partes assume perante outra que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro estranho ao negócio (artigo 443º, nº 1, do Código Civil).
Decorre do referido normativo que a estrutura dos contratos a favor de terceiro propriamente ditos resulta da verificação da existência de um terceiro e da aquisição por este de um direito próprio a um benefício.
Como nestes tipos de seguro há uma pluralidade de pessoas que podem beneficiar de uma prestação convencionada por outrem, dir-se-ia, estarmos perante contratos a favor de terceiros.
Todavia, decorre da estrutura destes contratos que o terceiro beneficiário é meramente eventual, certo que depende da manifestação da sua vontade de adesão aos mesmos.
E isso não se coaduna rigorosamente com o que se prescreve no artigo 444º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual o terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação, porque o direito dos beneficiários às prestações convencionadas por outrem depende da sua adesão aos mesmos.
Em consequência, tal como o recorrente alegou, o contrato de seguro de grupo em causa não pode ser qualificado como contrato a favor de terceiro tal como é delineado nos artigos 443º a 451º do Código Civil.” Já no acórdão, relatado por este mesmo ilustre conselheiro, de 28-06-2007, se advogou que “[configura-se] como contrato a favor de terceiro, o contrato de seguro de vida por via do qual a seguradora assumiu perante o tomador de seguro a obrigação de prestar a uma instituição de crédito determinada quantia”.  Idêntica posição parece ser adoptada por Menezes Cordeiro, António, in “Direito dos Seguros”, Almedina, 2013, pág. 479; Lima Rego, Margarida; in” Contrato de Seguros e Terceiros – Ensaio de Direito Civil”, Coimbra Editora, 2010, pág. 53 e segs.; José Vasques, “Contrato de Seguro”, Coimbra Editora, 1999, págs. 120 a 124 (bem como jurisprudência aí citada – págs. 123-124). 
[35] Cfr. Acórdão do STJ de 03-02-2009, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, disponível em www.dgsi.pt.